sexta-feira, 10 de maio de 2013

Dois anos antes de renunciar, CEO do Santander foi condenado por enviar inocentes para a prisão

Ex-CEO do Santander, Alfredo Saénz, que renunciou no dia 29 de abril. / Wikicommons


Por Eva Belmonte

Imagine que um executivo de alto escalão em um dos bancos mais importantes do mundo manda empresários para a prisão, em artimanha combinada com um juiz corrupto, para chantageá-los e cobrar algumas dívidas. Imagine que o engodo é descoberto e que o banqueiro é condenado, mas os sucessivos governos de seu país – todos, das mais diferentes cores – fazem e desfazem conforme sua vontade para evitar que ele cumpra a pena. Imagine que ele continue no cargo durante mais de dois anos, inatingível, apesar de seus antecedentes criminais. Imagine, além disso, que por esse cargo ele recebeu € 11,604 milhões em 2011 (mais de US$ 15 milhões), remuneração superior a do CEO do Morgan Stanley (US$ 13 milhões), por exemplo.

Parece uma história de filme, de poderosos modificando as leis de acordo com sua vontade, reescrevendo as normas do Estado de direito em seu próprio benefício. Mas esse homem é Alfredo Sáenz, o CEO do banco Santander – o maior banco da zona do euro – até sua renúncia neste 29 de abril. A saída “voluntária” do braço direito de Emílio Botín deu-se momentos antes do Banco da Espanha decidir se ele deveria ser impedido de exercer o cargo, em um processo que pôs fim a uma longa história de favores políticos destinados a garantir a posição do executivo depois de uma sentença judicial que o havia tornado inabilitado para dirigir bancos.

Chantagens através de denúncias falsas para cobrar uma dívida

 

Já faz mais de dois anos que Sáenz foi condenado por mover falsa acusação e denúncia. Pode parecer um delito pequeno, mas este enredo é complicado e complexo desde o primeiro minuto. Em 1994, Sáenz utilizou documentos manipulados para incriminar um grupo de empresários. Seu objetivo era chantageá-los para que pagassem uma dívida contraída com Banesto, empresa da qual era presidente.

Suas táticas mafiosas contaram com um cúmplice de luxo: o juiz Luís Pascual Estevill, que durante anos utilizou sua posição para extorquir, condenar inocentes e dar sentenças em troco de quantidades apetitosas de dinheiro. Os investigadores mostraram que, juntos, denunciante e juiz, e outros altos executivos do Banesto, conseguiram enviar injustamente para a prisão três empresários: Pedro Olabarría, Luis Fernando Romero e Modesto González.

O plano daquele que se tornaria o número dois de Botín teria sido perfeito se não fosse o fato de os empresários não cederem à chantagem, e da Procuradoria Anticorrupção ter descoberto o crime logo depois do desmantelamento da rede de corrupção do juiz Estevill, protagonista de uma das histórias mais obscuras da justiça espanhola (foi condenado por suborno, extorsão, transgressão e detenção ilegal).

Após a denúncia dos empresários, David Martinez Madero (um dos fiscais anticorrupção mais agressivos da Espanha, morto recentemente) se juntou à causa e conseguiu uma vitória parcial: o Tribunal Provincial de Barcelona sentenciou Sáenz a seis meses de prisão e desqualificação (inscrição no registro criminal), uma pena que teria sido muito maior se tivesse sido demonstrada uma conexão direta entre o juiz corrupto e o empresário bancário, ou seja, se os investigadores tivessem encontrado provas dos pagamentos do banqueiro ao magistrado por seus serviços. Quando veio a sentença, Sáenz já era conselheiro delegado do Santander. Emilio Botín não o demitiu.

Sáenz recorreu da decisão ao Supremo Tribunal, que reduziu sua sentença para três meses por razões formais, mas manteve a desqualificação, chave nesta história. O problema não eram os três meses de prisão (que não cumpriria se não tivesse antecedentes criminais), mas a sua inscrição no registro penal de presos e rebeldes. A lei espanhola não permite que pessoas com antecedentes criminais exerçam funções de alto escalão nos bancos. A regra é clara, a “reconhecida honorabilidade comercial e profissional” exigida não poderia incluir uma condenação.
 
 Enquanto os espanhóis perdem suas casas, ex-CEO denunciado na Justiça recebe aposentadoria milionária. / Foto: Portal Aqui Brasil
O banqueiro deveria ser expulso de sua função como conselheiro delegado do Santander. Mas não se deu por vencido e, logo depois de falhar na tentativa de se esquivar da pena através do poder judicial, solicitou indulto ao poder Executivo. Em paralelo, também pediu que paralisassem seu processo de expulsão do cargo até que o governo decidisse se concederia a graça ou não. Ainda assim, a Procuradoria Provincial de Barcelona decidiu, num exemplo de firmeza judicial, inscrever seu nome no registro de condenados.

Primeiro favor: o indulto do governo socialista

 

O governo da Espanha, liderado então por José Luís Rodríguez Zapatero, do Partido Socialista Trabalhador Espanhol (PSOE, na sigla em espanhol), foi muito mais indulgente que os juízes. Em 25 de novembro de 2011 concedeu um indulto ao número dois do Santander. A decisão foi tomada no último Conselho de Ministros do governo socialista, reunido depois de perder as eleições.

 O CEO do Santander foi indultado e poupado pelo PSOE de Zapatero e pelo PP de Rajoy. / Foto: Gustavo Bravo

Como o governo fundamentou essa decisão de última hora para o representante do Santander? “Entendeu-se que era razoável. E pronto”, argumentou Zapatero na época.

O indulto na Espanha é fruto de uma lei assinada em 1870 intitulada “Medida provisória do exercício do direito da graça”. Mas o texto da norma – que nenhum governo se atreveu em reformar – deixa claro que se trata de uma medida excepcional. Ou deveria sê-lo.

Desde 1996 os governos espanhóis concederam mais de 10 mil indultos, conforme indica o Indultômetro da Fundação Cidadã Civio. A medida de concessão de graças já foi aplicada também a policiais condenados por torturas, a políticos corruptos e a juízes transgressores, entre outros.

Assim, o governo se utilizou mais uma vez de uma prerrogativa que deveria ser usada em raras ocasiões para salvar Sáenz da desqualificação. Mas o Supremo Tribunal, uma vez mais, se interpôs no caminho do banqueiro. Em decisão inédita, o juiz determinou que o governo não tinha poder para remover a desqualificação implícita na sentença e o acusou de “extrapolar” suas funções. Os argumentos eram claros e consistentes com a lei: o governo pode indultar a pena de prisão, mas não pode evitar que seu exercício como banqueiro fosse proibido, pois não pode apagar os antecedentes criminais do condenado.

Segundo favor: como as leis mudam, graças ao PP

 

Quando a sentença do Supremo chegou, o governo da Espanha já estava nas mãos do Partido Popular (PP), de Mariano Rajoy. Se o PSOE fez o que pôde para salvar Sáenz logo antes de deixar La Moncloa, o que faria o PP? Reescrever as leis, sem mais nem menos.

No último 12 de abril, o Conselho de Ministros aprovou um Decreto Real para que os antecedentes criminais não interfiram na declaração de honorabilidade de um banqueiro. Se até o momento os banqueiros de alto escalão com antecedentes criminais eram expulsos imediatamente, agora é o Banco da Espanha que decide se a sentença imposta fere a honorabilidade do personagem em questão.

Se o PSOE não apresentou motivos para o indulto de Saénz, as razões que o PP apresentou para mudar a lei foram, no mínimo, falsas. A vice-presidenta do governo espanhol afirma que a reforma foi imposta por uma mudança na legislação europeia. Na verdade, as regras europeias mudaram, mas apenas para permitir que os Estados-Membros decidam autonomamente os critérios sobre a honra de um banqueiro. E o governo espanhol tomou sua decisão livre e voluntariamente: antecedentes criminais não ofuscam a reputação.

A bola passou então para o telhado da entidade que controla o mercado financeiro espanhol, mas diante da possibilidade do Banco da Espanha decretar sua cassação, Sáenz abandonou voluntariamente o cargo no dia 29 de abril. A diretoria o dispensou com um “apreço e agradecimento ao trabalho extraordinário” que ele tinha feito durante os seus quase 20 anos de trabalho para a entidade.

A influência do Santander

 

Mas que influência tem o Banco Santander para fazer com que os dois partidos políticos que chegaram ao poder nos últimos anos na Espanha reescrevam leis e assinem indultos para salvar um executivo?

A empresa, a mais importante da Espanha, é uma das muitas que já perdoou, durante anos, dívidas de partidos políticos. Quanto, em dinheiro, o Santander já perdoou ao PP e ao PSOE? Impossível saber exatamente. O Banco da Espanha se recusa a fornecer informações e, no momento, as negociações entre o banco e os partidos são fechadas mesmo com o questionamento dos cidadãos sobre o assunto por meio do site Seu Direito de Saber e pelo Tribunal de Contas.

De acordo com relatórios do Tribunal de Contas, tanto o PP como o PSOE somavam cada um cerca de 60 milhões de dívidas com o banco em 2007, data do último relatório.  O perdão das dívidas aos partidos, em uma época marcada por despejos diários na Espanha para aqueles que não podem pagar hipoteca, agora tem alguns limites: uma reforma legal limita as isenções em 100 mil euros por ano, ainda assim uma cifra que está longe de ser desprezível.

Amigos nos governos e na monarquia

 

Além de ser habitué nas reuniões em La Moncloa (o palácio do governo espanhol), o Banco Santander também tem boas relações com a monarquia espanhola. De fato, seu vice-presidente, Matías Rodríguez Inciarte, também é presidente desde 2008 da Fundação Príncipe de Asturias, criada para vincular a imagem do herdeiro do trono com atividades positivas, como o esporte, a cultura e a paz. Como um dos patrocinadores – junto com a Telefonica, Cepsa, Repsol, El Corte Inglés – o Santander colabora com o financiamento da entidade, que em 2011 teve uma receita de € 6.314.104 (mais de US$ 8 milhões). Nesse orçamento, 63% vêm de doações privadas, ou seja, da contribuição de seus patrocinadores, embora o montante pago por cada um deles seja um mistério. Além disso, Emilio Botín é um dos acompanhantes habituais do rei em suas viagens e reuniões, públicas e privadas.

Graças a esses apoios políticos, Sáenz tem sido, há mais de dois anos, o único executivo em um cargo de alto escalão em um banco espanhol que possui antecedentes criminais. E o Santander é o único banco que teve em suas fileiras um CEO condenado por enviar inocentes para a prisão.

A renúncia de Sáenz põe fim a esta história, mas é apenas o começo de uma era de ouro para a aposentadoria do ex-CEO, que irá cobrar uma pensão por conta do Banco Santander no valor de € 88.174.000, a maior do grupo, ainda muito mais substancial do que a de seu patrono e protetor, Emilio Botin (€ 25.566.000).

 * Eva Belmonte é jornalista e diretora de projetos na Civio (www.civio.es), uma fundação espanhola que trabalha pela transparência e  pela abertura de dados públicos.


Fonte: Pública

Nenhum comentário:

Postar um comentário