sábado, 27 de outubro de 2012

A retórica do ódio na mídia


A verdade é que o “mensalão” surge como a oportunidade histórica para que se faça o que a oposição – que nas palavras de um dos colunistas da Veja “se recusa a fazer o seu papel” – não conseguiu até aqui: destruir a biografia do presidente metalúrgico, inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e reconduzir o projeto da elite ‘sudestina’ ao Palácio do Planalto


Por Jaime Amparo Alves*

Os brasileiros no exterior que acompanham o noticiário brasileiro pela internet têm a impressão de que o país nunca esteve tão mal. Explodem os casos de corrupção, a crise ronda a economia, a inflação está de volta, e o país vive imerso no caos moral. Isso é o que querem nos fazer crer as redações jornalísticas do eixo Rio - São Paulo.  Com seusgatekeepers escolhidos a dedo, Folha de S. Paulo, Estadão, Veja e O Globo investem pesadamente no caos com duas intenções: inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e destruir a imagem pública do ex-presidente Lula da Silva. Até aí nada novo.
Tanto Lula quanto Dilma sabem que a mídia não lhes dará trégua, embora não tenham – nem terão – a coragem de uma Cristina Kirchner de levar a cabo uma nova legislação que democratize os meios de comunicação e redistribua as verbas para o setor. Pelo contrário, a Polícia Federal segue perseguindo as rádios comunitárias e os conglomerados de mídiaGlobo/Veja celebram os recordes de cotas de publicidade governamentais.  O PT sofre da síndrome de Estocolmo (aquela na qual o sequestrado se apaixona pelo sequestrador) e o exemplo mais emblemático disso é a posição de Marta Suplicy como colunista de um jornal cuja marca tem sido o linchamento e a inviabilização política das duas administrações petistas em São Paulo.
O que chama a atenção na nova onda conservadora é o time de intelectuais e artistas com uma retórica que amedronta. Que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso use a gramática sociológica para confundir os menos atentos já era de se esperar, como é o caso das análises de Demétrio Magnoli, especialista sênior da imprensa em todas as áreas do conhecimento. Nunca alguém assumiu com tanta maestria e com tanta desenvoltura papel tão medíocre quanto Magnoli: especialista em políticas públicas, cotas raciais, sindicalismo, movimentos sociais, comunicação, direitos humanos, política internacional… Demétrio Magnoli é o porta-voz maior do que a direita brasileira tem de pior, ainda que seus artigos não resistam a uma análise crítica.
Agora, a nova cruzada moral recebe, além dos já conhecidos defensores dos “valores civilizatórios”, nomes como Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro. A raiva com que escrevem poderia ser canalizada para causas bem mais nobres se ambos não se deixassem cativar pelo canto da sereia. Eles assumiram a construção midiática do escândalo, e do que chamam de degenerecência moral, com o fato. E, porque estão convencidos de que o país está em perigo, de que o ex-presidente Lula é a encarnação do mal, e de que o PT deve ser extinguido para que o país sobreviva, reproduzem a retórica dos conglomerados de mídia com uma ingenuidade inconcebível para quem tanto nos inspirou com sua imaginação literária.
Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro fazem parte agora daquela intelligentsia nacional que dá legitimidade científica a uma insidiosa prática jornalística que tem na Veja sua maior expressão.  Para além das divergências ideológicas com o projeto político do PT – as quais eu também tenho -, o discurso político que emana dos colunistas dos jornalões paulistanos/cariocas impressiona pela brutalidade. Os mais sofisticados sugerem que a exemplo de Getúlio Vargas, o ex-presidente Lula cometa suicídio; os menos cínicos celebraram o “câncer” como a única forma de imobilizá-lo. Os leitores de tais jornais, claro, celebram seus argumentos com comentários irreproduzíveis aqui.
Quais os limites da retórica de ódio contra o ex-presidente metalúrgico? Seria o ódio contra o seu papel político, a sua condição nordestina, o lugar que ocupa no imaginário das elites? Como figuras públicas tão preparadas para a leitura social do mundo se juntam ao coro de um discurso tão cruel e tão covarde já fartamente reproduzido pelos colunistas de sempre? Se a morte biológica do inimigo político já é celebrada abertamente – e a morte simbólica ritualizada cotidianamente nos discursos desumanizadores – estaríamos inaugurando uma nova etapa no jornalismo lombrosiano?
Para além da nossa condenação aos crimes cometidos por dirigentes dos partidos políticos na era Lula, os textos de Demétrio Magnoli , Marco Antonio Villa, Ricardo Noblat , Merval Pereira, Dora Kramer, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Eliane Catanhede, além dos que agora se somam a eles, são fontes preciosas para as futuras gerações de jornalistas e estudiosos da comunicação entenderem o que Perseu Abramo chamou apropriadamente de “padrões de manipulação” na mídia brasileira. Seus textos serão utilizados nas disciplinas de ontologia jornalística não apenas com o exemplos concretos da falência ética do jornalismo tal qual entendíamos até aqui, mas também como sintoma dos novos desafios para uma profissão cada vez mais dominada por uma economia da moralidade que confere legitimidade a práticas corporativas inquisitoriais vendidas como de interesse público.
O chamado “mensalão” tem recebido a projeção de uma bomba de Hiroshima não porque os barões da mídia e os seus gatekeepers estejam ultrajados em sua sensibilidade humana. Bobagem! Tamanha diligência não se viu em relação à série de assaltos à nação empreendidos no governo do presidente sociólogo! A verdade é que o “mensalão” surge como a oportunidade histórica para que se faça o que a oposição – que nas palavras de um dos colunistas da Veja “se recusa a fazer o seu papel” – não conseguiu até aqui: destruir a biografia do presidente metalúrgico, inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e reconduzir o projeto da elite ‘sudestina’ ao Palácio do Planalto.
Minha esperança ingênua e utópica é que o Partido dos Trabalhadores aprenda a lição e leve adiante as propostas de refundação do país abandonadas com o acordo tácito para uma trégua da mídia. Não haverá trégua, ainda que a nova ministra da Cultura se sinta tentada a corroborar com o lobby da Folha de S. Paulo pela lei dos direitos autorais, ou que o governo Dilma continue derramando milhões de reais nos cofres das organizações Globo e Abril via publicidade oficial. Não é o PT, o Congresso Nacional ou o governo federal que estão nas mãos da mídia.
Somos todos reféns da meia dúzia de jornais que definem o que é notícia, as práticas de corrupção que merecem ser condenadas, e, incrivelmente, quais e como devem ser julgadas pela mais alta corte de Justiça do país. Na última sessão do julgamento da ação penal 470, por exemplo, um furioso ministro-relator exigia a distribuição antecipada do voto do ministro-revisor para agilizar o trabalho da imprensa (!). O STF se transformou na nova arena midiática onde o enredo jornalístico do espetáculo da punição exemplar vai sendo sancionado.
Depois de cinco anos morando fora do país, estou menos convencido por que diabos tenho um diploma de jornalismo em minhas mãos. Por outro lado, estou mais convencido de que estou melhor informado sobre o Brasil assistindo à imprensa internacional. Foi pelas agências de notícias internacionais que informei aos meus amigos no Brasil de que a política externa do ex-presidente metalúrgico se transformou em tema padrão na cobertura jornalística por aqui. Informei-lhes que o protagonismo político do Brasil na mediação de um acordo nuclear entre Irã e Turquia recebeu atenção muito mais generosa da mídia estadunidense, ainda que boicotado na mídia nacional. Informei-lhes que acompanhei daqui o presidente analfabeto receber o título de doutor honoris causa em instituições européias, e avisei-lhes que por causa da política soberana do governo do presidente metalúrgico, ser brasileiro no exterior passou a ter uma outra conotação. O Brasil finalmente recebeu um status de respeitabilidade e o presidente nordestino projetou para o mundo nossa estratégia de uma America Latina soberana.
Meus amigos no Brasil são privados do direito à informação e continuarão a ser porque nem o governo federal nem o Congresso Nacional estão dispostos a pagar o preço por uma “reforma” em área tão estratégica e tão fundamental para o exercício da cidadania. Com 70% de aprovação popular, e com os movimentos sociais nas ruas, Lula da Silva não teve coragem de enfrentar o monstro e agora paga caro por sua covardia.Terá a Dilma coragem com aprovação semelhante, ou nossa meia dúzia de Murdochs seguirão intocáveis sob o manto da liberdade de e(i)mprensa?

* Jaime Amparo Alves é jornalista, doutor em Antropologia Social, Universidade do Texas em Austin - amparoalves@gmail.com

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Eric Hobsbawm e o futebol


Por Raul Milliet Filho

Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores do século XX, falecido em 1º de outubro último, trilhou caminhos pouco frequentados pelo mundo acadêmico. Dentre tantos outros temas, conhecia jazz, artes plásticas e futebol, jogo que está, por exemplo, no seu A Era dos Extremos:

“O esporte que o mundo tornou seu foi o futebol de clubes, filho da presença global britânica… Esse jogo simples e elegante, não perturbado por regras e/ou equipamentos complexos, e que podia ser praticado em qualquer espaço aberto mais ou menos plano do tamanho exigido… tornou-se genuinamente universal.”

Tomei contato e conhecimento do interesse de Hobsbawm pelo futebol em 1976. Para minha alegria  soube do seu gosto pelo futebol. Torcedor do Arsenal, ele não só gostava como entendia do jogo. E isto era raro.

Afinal, como disse certa vez Edgar Morin: “o estudo dos fenômenos desacreditados é igualmente desacreditado”. E, naquela época, nos meios universitários do Brasil e de todo o mundo, nada mais desacreditado que o futebol. Os professores doutores, salvo raras exceções, eram típicos intelectuais de laranja, cunhados por Nelson Rodrigues, que não sabiam bater nem um reles escanteio. Olhavam o futebol com o nariz em pé.

Assim que soube da novidade, recorri ao amigo e sociólogo Luciano Costa Neto, que começara a traduzir A Era do Capital para o português.

Encaminhei, por Luciano, algumas perguntas por escrito a Hobsbawm em um dos encontros que tiveram para ajustar pontos da tradução.

Na resposta, devidamente anotada por Luciano, Hobsbawm falava que não só o futebol era um assunto de relevo para os historiadores, mas contava da sua admiração pela seleção brasileira e por dois jogadores em particular: Gerson e Tostão. E ia além, relembrando dois jogos da Copa de 70: Brasil x Itália e Brasil x Inglaterra. Deste último jogo retinha na memória a trama do gol brasileiro feito por Jair.
E não foram citados apenas Tostão e Gerson. Hobsbawm disse a Luciano da sua decepção em nunca ter visto Garrincha atuar em campo.

Quase 20 anos mais tarde deixaria registrado: “…e quem, tendo visto a seleção brasileira em seus dias de glória, negará sua pretensão à condição de arte?…” (A Era dos Extremos)
Para Hobsbawm, o futebol bem praticado não era apenas um esporte. Era arte e paixão popular, ou culto proletário de massa.

Autor de livros que inovaram a compreensão do mundo contemporâneo: A Era das Revoluções (1789–1848); A Era do Capital (1848–1875); A Era dos Impérios (1875–1914) e A Era dos Extremos (1914– 1991), encantou leitores e críticos de várias correntes do pensamento, independente de filiação ideológica ou político-partidária.

Marxista, avesso a análises reducionistas e dogmáticas, Hobsbawm foi um estilista erudito e original, senhor de uma narrativa leve e sofisticada, respeitado até mesmo por críticos contundentes, como Tony Judt.

Em um dos seus textos afirmou que um historiador social não podia negligenciar nem a economia nem Shakespeare. Deveria analisar não somente os aspectos econômicos da vida em sociedade como as idéias, a linguagem e o imaginário coletivo.

Foi exatamente isto que ele fez em seus escritos. O contraponto entre as relações econômicas e culturais está presente em sua vasta obra, inclusive quando aborda o futebol, como nesta passagem de Mundos do Trabalho, recuando ao período de profissionalização/popularização do futebol inglês.

“O futebol como esporte proletário de massa – quase uma religião leiga – foi produto da década de 1880, embora os jornais do norte já ao final da década de 1870 houvessem começado a observar que os resultados de jogos de futebol, que eles publicavam somente para preencher espaço, estavam na verdade atraindo leitores. O jogo foi profissionalizado em meados da década de 1880…”

O surgimento dos Esportes Modernos (dentre os quais o futebol) na segunda metade do século XIX foi analisado por Hobsbawm em sintonia à consolidação do Estado-Nação da era moderna.

Em A Invenção das Tradições (escrito com Terence Ranger), o futebol é identificado como uma entre muitas formas de expressão e símbolo da nacionalidade, como mais um modo de coesão necessário à nação moderna.

Discorrendo sobre as décadas de 1880 e 1890 na Inglaterra, Hobsbawm reafirma a importância do tema:

“Pela história das finais do campeonato britânico de futebol podem-se obter dados sobre o desenvolvimento de uma cultura urbana operária que não se conseguiram através de fontes mais convencionais.” (A Invenção das Tradições).

Ainda em A Invenção das Tradições, Eric Hobsbawm volta seu olhar para o vestuário operário, associando a utilização do boné como meio de identificação e expressão de classe fora do trabalho. E mais uma vez, o futebol é mencionado:

“Na Grã-Bretanha, ao menos, segundo indícios iconográficos, os proletários não eram universalmente relacionados ao boné antes da década de 1890, mas no fim do período eduardino – como provam fotos de multidões saindo de jogos de futebol ou de assembléias – tal identificação era quase completa. A ascensão do boné proletário ainda está à espera de um cronista. Ele ou ela, supostamente, descobrirá que sua história tem relação com a do desenvolvimento dos esportes de massa, uma vez que este tipo específico de chapéu surge a princípio como acessório esportivo entre as classes alta e média.” (A Invenção das Tradições)

O vínculo entre o boné, o futebol e o vestuário dos trabalhadores ingleses é ainda mais forte e estreito do que Hobsbawm supunha. Pelo regramento do futebol inglês, a presença do juiz data de 1863. Mas por 21 anos o poder do juiz ficaria subordinado aos capitães das equipes.

E os capitães ou “reclamadores” utilizavam um bonezinho para se diferenciarem dos demais. Boné que em inglês é cap. De cap para capitão foi um pulo. O fato é que o reclamador ficou conhecido como o capitão do time, produto deste antigo costume britânico.

Assim, é possível depreender que a utilização do boné (cap) pelo capitão (ou reclamador) no futebol foi um dos fatores que contribuiu para a disseminação do boné entre as classes populares inglesas e, posteriormente, em quase toda a Europa Ocidental.

Para Hobsbawm, não apenas a história do vestuário proletário não foi escrita mas também a da cultura do futebol na transição do século XIX para o século XX, na Inglaterra:

“A natureza da cultura do futebol neste período – antes de haver penetrado muito nas culturas urbanas e industriais de outros países – ainda não foi bem compreendida. Sua estrutura socioeconômica, porém, é mais compreensível. A princípio desenvolvido como esporte amador e modelador do caráter pelas classes médias da escola secundária particular, foi rapidamente (1885) proletarizado e portanto, profissionalizado; o momento decisivo simbólico – reconhecido como um confronto de classes – foi a derrota dos Old Etonians pelo Bolton Olympic na final do campeonato de 1883.” (A Invenção das Tradições).

Antigo campo da rua Ferrer. Ao lado, a Fábrica de Tecidos Bangu,
a origem do futebol brasileiro.

Entre 1890 e 1914, a popularização do futebol inglês registrou um crescimento avassalador. Os jogadores de futebol eram oriundos das fábricas, escolhidos entre os operários mais habilidosos, ao contrário do que acontecia no boxe, onde o critério de escolha levava mais em conta a força e o tamanho dos futuros atletas.

Em A Era dos Impérios, Hobsbawm identifica a existência de cerca de 1 milhão de jogadores de futebol na Inglaterra antes de 1914 frente a uma população geral de cerca de 31 milhões de habitantes.

Abordando o período entre guerras (1918-1939), destaca o papel do esporte e do futebol em particular, representando cada vez com mais força uma expressão de luta nacional e identificação dos indivíduos com a nação, tendo como símbolos mais próximos os atletas:

“A imaginária comunidade de milhões parece mais real na forma de um time de onze pessoas com nome. O indivíduo, mesmo aquele que apenas torce, torna-se o próprio símbolo de sua nação.” (Nações e Nacionalismo desde 1870, p. 171).

Uma lembrança do então menino Eric Hobsbawm, é descrita:

“O autor se lembra quando ouvia, nervoso, à transmissão radiofônica da primeira partida internacional de futebol entre a Inglaterra e a Áustria, jogada em Viena em 1929, na casa de amigos que prometeram descontar nele se a Inglaterra ganhasse da Áustria, o que, pelos registros, parecia bastante provável. Como o único menino inglês presente, eu era Inglaterra, enquanto eles eram Áustria. (Por sorte a partida terminou empatada). Dessa maneira crianças de 12 anos ampliavam o conceito de lealdade ao time para a nação.” (Nações e Nacionalismo desde 1870).

Mas, para quem, como Hobsbawm, toda História é História contemporânea disfarçada, o futebol globalizado, controlado por empresas transnacionais não poderia ficar de fora do alcance de sua pena.
O intrincado jogo de interesses entre a FIFA e os grandes clubes internacionais, com seus conflitos de grandes proporções, à primeira vista inconciliáveis, foi abordado em Globalização, Democracia e Terrorismo:
“… a lógica transnacional da empresa de negócios entrou em conflito com o futebol como expressão de identidade nacional…

… Do ponto de vista dos clubes, provocaram um considerável enfraquecimento da posição de todos aqueles que não estão no circuito das superligas internacionais e dos supertorneios e em especial nos clubes dos países exportadores de jogadores, notadamente nas Américas e na África. A crise dos outrora altivos clubes de futebol do Brasil e da Argentina o comprova…” (Globalização, Democracia e Terrorismo).

Apesar da importância e da prevalência dos superjogadores e dos superclubes sobre os interesses nacionais, o historiador assinala que os objetivos de poder da FIFA têm tido força para manter, impor e ampliar a realização das Copas do Mundo como evento mais importante do futebol mundial.

Assinalaríamos apenas, ampliando e aprofundando as conclusões de Hobsbawm, que a lógica econômico-financeira das Copas do Mundo acabou por entrelaçar-se com os objetivos do grande capital internacional. Isto foi possível graças à aliança da FIFA com os mesmos interesses que dirigem os superclubes, para a realização das Copas do Mundo. Até mesmo a escolha de países como a África do Sul , Brasil e Qatar, mais maleáveis a negócios extra-campo, demonstra isso.

Não se sabe até quando este equilíbrio instável e contraditório de forças no futebol mundial poderá ser mantido, tendo em vista que não está em jogo apenas a sobrevivência dos interesses nacionais e dos clubes, mas do próprio futebol como cultura popular.

Em a “História Social do Jazz”, talvez o seu melhor livro sobre cultura popular, Hobsbawm questiona a pasteurização da cultura pré-industrial pelo rolo compressor da sociedade contemporânea, citando o jazz como exemplo de resistência e manutenção de suas origens:

“O jazz é o mais importante desses exemplos. Se eu tivesse de fazer um resumo da sua evolução em uma só sentença eu diria: é o que acontece quando a música popular não sucumbe, mas se mantém no ambiente da civilização urbana e industrial”. (A História Social do Jazz).

Aqui cabem duas indagações: será que o futebol atual, em particular o brasileiro, tal como o jazz, também não sucumbiu diante das pressões da civilização urbana e industrial?

Ainda é possível falarmos do futebol como arte e cultura popular?



Raul Milliet Filho é doutor em História pela USP, professor, pesquisador e especialista em políticas sociais na área pública

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

"MARACANOSSO" OU "MARACADELES"?



Por Ciro Barros

O Maracanã ainda é o nosso Maraca? A pergunta martela a cabeça do torcedor acostumado a frequentar “o maior do mundo” e que assiste aflito às reformas que transformam o estádio para sediar a Copa do Mundo de 2014.
O futuro do estádio mais querido do Brasil também inquieta a torcida, depois da decisão do governo do Rio de entregá-lo à administração privada pelos próximos 20 anos.
Não é a primeira vez que o Maracanã muda de cara – essa é a terceira reforma em treze anos – mas agora os setores populares da arquibancada perderam espaço. Desde abril de 2005, quando o estádio foi fechado para a reforma do Pan-Americano, a geral, o tradicional espaço popular do estádio, foi extinta e o campo rebaixado um metro e meio. No novo projeto, é preciso espremer os olhos para procurar os lugares populares.
Por isso, há alguns dias, torcedores e movimentos sociais integrantes da campanha “O Maraca é nosso”, realizaram um apitaço em frente ao prédio do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, com a intenção de garantir assentos em setores populares e barrar a privatização do estádio, enquanto o Brasil era derrotado pelo México, por 2 a 0.
Cobiçado pela iniciativa privada, o estádio, que foi construído e sucessivamente reformado com dinheiro público, é alvo do onipresente Eike Batista, depois que a Delta Construções, de Fernando Cavendish, amigo pessoal de Cabral, teve que deixar o comando da empresa após denúncias de envolvimento nos esquemas de corrupção de Carlinhos Cachoeira, preso pela Polícia Federal. Em seu blog, o jornalista Juca Kfouri, deu detalhes da transação: “A empresa IMX, de Eike Batista, foi a única a apresentar estudo de viabilidade econômica para assumir o controle do estádio. Dados do TRE confirmam que Eike Batista doou 750 mil à campanha de Sergio Cabral ao governo do estado, em 2010; segundo o jornal Folha de S. Paulo, o empresário anunciou ainda a doação de cerca de 139 milhões a projetos de interesse de Cabral”.
DINHEIRO PÚBLICO A RODO 
O volume de dinheiro público já investido na polêmica reforma reforça o questionamento sobre a privatização – $ 808 milhões de reais, de acordo com o último balanço do Governo Federal. Somadas às anteriores – para o Mundial de Clubes da Fifa foram, à época, R$ 106 milhões de reais, e para os Jogos Pan-Americanos de 2007, R$ 304 milhões, já com a justificativa de adaptá-lo às exigências da Fifa para a Copa 2014. Somando as três reformas e atualizando os valores, R$ 1,442 bilhão de reais saíram dos cofres públicos para essas obras, segundo levantamento feito pelo jornalista João Carlos Assumpção em conjunto com o economista Francisco Pessoa.
Tudo isso sem debater com a sociedade os rumos das mudanças que atingem o estádio mais querido do Brasil, mesmo fora do Rio de Janeiro: o Maracanã é um patrimônio histórico, arquitetônico e cultural brasileiro – cuja cobertura é inclusive tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Por isso o Copa Pública reuniu um time de aficionados pelo estádio para falar sobre sua relação com o “maior do mundo” e o que pensam dessa situação. Dos jornalistas esportivos como Mauro Cezar Pereira e Lúcio de Castro ao geógrafo norte-americano e membro da Associação Nacional de Torcedores (ANT), Chris Gafney, passando pelo capitão da mítica Seleção Brasileira de 1970, Carlos Alberto Torres e o integrante do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas que participou do apitaço em frente a casa de Cabral Gustavo Mehl. Sem esquecer de entrevistar um torcedor que mostra a que ponto chega a paixão pelo Maraca: Luiz Antonio Simas, mestre em História Social pela UFRJ, que escolheu seu primeiro apartamento pela proximidade do estádio, tamanha sua afeição.
AMOR
“A minha relação com o Maracanã é intensa e cheia de boas lembranças”  diz de cara o ex-jogador Carlos Alberto Torres. “Foi onde eu joguei profissionalmente pela primeira vez, no Fluminense, em 63, onde conquistei meu primeiro título profissional como jogador (64) e como treinador (83). E é também o lugar onde eu fiz a minha estreia na Seleção Brasileira. Só me traz boas lembranças”.
Do outro lado, na arquibancada, o historiador apaixonado Antonio Simas, sonhava com o dia em que iria morar perto do Maraca: “O Maraca é uma referência de infância, das minhas relações de afeto familiar. E lá eu vi os jogos mais inacreditáveis. Até pelada de garçom eu vi no Maracanã” define. “Quem mora aqui no Rio procura um apartamento próximo à praia, mas com sinceridade um dos critérios que eu usei para comprar um apartamento foi ele ser perto do Maracanã.”
Já para os jornalistas Lúcio de Castro e Mauro Cezes Pereira, trabalhar com esporte foi consequência de um amor quase religioso ao estádio: “Mal comparando, era a igreja que eu frequentava nos fins de semana. Eu tenho amigos até hoje que conheci no Maracanã, na arquibancada, na geral …” explica Mauro Cezar. Lúcio de Castro completa: “O Maracanã encerra alguma das minhas maiores lembranças. Tardes de domingo, o ritual da passagem com o pai, os bons amigos juntos, um dos mais caros pedaços de minha identidade e memória. A síntese de uma cidade que é a formadora da minha alma e identidade.”
Gustavo Mehl, do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas que participou do apitaço em frente a casa de Cabral vai além e diz que se não fosse o Maracanã, hoje seria uma pessoa bem menos interessante: “Eu e alguns amigos costumamos dizer que somos formados no estádio de futebol. Nas arquibancadas do Maraca dividi espaço e me relacionei com o mais pobre e o mais rico, o mais velho e o mais novo, reconheci pessoas e atitudes amigáveis e outras desprezíveis. Ali tive lições incríveis sobre nossa cultura e nossa forma de se comunicar, se relacionar, criar vínculos. Foi no Maracanã e em São Januário, não tenho dúvidas, que aprendi a me identificar como brasileiro, como carioca, como torcedor, como vascaíno, como pessoa. Como o filho do meu pai, meu companheiro no estádio. Se não fosse o Maracanã, hoje eu seria outra pessoa, certamente bem menos interessante”.
MAIOR DO MUNDO
Para Luiz Antonio Simas, falar sobre a importância do Maracanã para o Rio e para o Brasil é mais fácil quando a gente pensa na importância do próprio futebol para o povo brasileiro:”A gente tem que entender que o futebol para o Brasil tem uma dimensão muito grande. Nós somos um país que tem um passado escravocrata, um país com dificuldades sociais, e o futebol foi um dos meios que as camadas populares conseguiram pate obter uma ascensão. Então acaba sendo um traço de identidade nacional. O futebol aqui acaba sendo uma coisa que vai além do jogo. E o Maracanã é um ícone da cidade do Rio de Janeiro. Ele está tão entranhado na cidade, é uma referência tão grande, que parece que é um elemento da natureza do Rio como a praia”.
Gustavo Mehl engrossa o coro: “O Maracanã já não era um estádio: era um monumento vivo da cidade, patrimônio de todos os cariocas, espaço mítico e sagrado onde milhões de brasileiros de diversas gerações passaram algumas das experiências mais fortes de suas vidas. Demolir o cimento daquelas arquibancadas, da antiga geral, remover as velhas cadeiras, foi como demolir a memória de nosso povo, de nossa gente”.
“Quando o Maracanã foi imaginado, ele iria representar a democracia brasileira” compara Chris Gafney. “A forma mítica, a grandeza e a monumentalidade do estádio representavam um país emergente, se industrializando, entrando em democracia a todo vapor, na década de 50. Ao longo do tempo, o estádio figurava como um lugar público, popular e abria suas portas para outro mundo. Um dos poucos lugares da cidade onde o rico e o pobre se misturavam, se tocava, se gritava junto”, explica o geógrafo.
REFORMA
A paixão dos aficcionados pelo estádio se transforma em indignação quando o assunto é o tanto de reformas que ele tem sofrido nos últimos 13 anos. E alguns nem são totalmente contra elas, mas contra a forma com que foram conduzidas, como Mauro Cezar Pereira: “Determinadas transformações pelas quais o estádio passou eram necessárias porque são novos tempos, questões de segurança, que, de fato, por mais marcantes que fossem aqueles públicos monumentais de quase 200 mil pessoas, era evidente que aquilo não era seguro. Mas não a ponto de fazerem o que fizeram, que é uma descaracterização quase que total do estádio. O Maracanã está sendo violentado de uma maneira que desrespeita inclusive a própria história. E aí quem mostra como as coisas devem ser feitas são os alemães, que passaram antes da Copa de 2006 pelas pressões que o Brasil passou.”  Ele lembra que houve pressão por parte da Fifa para  descaracterizar o Estádio Olímpico de Berlim, mas que os alemães não se curvaram a isso: “Fizeram reformas e modernizaram o estádio. Mas você vai lá dentro e vê que aquela escadaria atrás dos gols, onde ficou a pira olímpica, onde aconteceu aquela cena marcante do Hitler em 1936 se recusando a cumprimentar atletas negros medalhistas de ouro. E olha que a Fifa até quis fechar aquele anel com alegações do tipo: ‘lembra o nazismo’. O estádio preserva traços originais. E vale lembrar que há estádios que foram usados por exemplo na Copa de 2010, na África do Sul, que não eram melhores que o Maracanã, como o Ellis Park.”
Maracanã   Obras para Copa do Mundo 2014, Reforma no Estádio, RJ maracana 2014 copa
Chris Gafney acredita que o novo Maracanã deve representar a nova forma de mercantilizar a cultura: “O Maracanã é um sítio de conflito nas representações agora. Acho que o governo quer representar o Brasil para o mundo afora como um país ‘civilizado’. Então tem que ter a torcida comportada, tem que ter cadeira cativa, tem que ter camarote, ar condicionado, sala VIP…  Estamos pagando pelo estádio três, quatro vezes e por isso vamos ter que pagar ingressos mais caros, e também a manutenção é mais cara no estádio. O povo está sendo abusado nesse sentido, está sendo afastado de seu lugar popular e proibido de participar de sua cultura futebolística.”
“O crime é ainda mais violento porque é feito sem qualquer processo de consulta pública e participação popular, ignorando completamente os torcedores, que são os verdadeiros donos do estádio” acrescenta Gustavo Mehl. “Impor cadeirinhas acolchoadas em todo o estádio, com lugares marcados, impossibilitando de assistirmos ao jogo onde e como quisermos, é o mesmo que matar um século de história e de desenvolvimento de nossa cultura, em nome de uma perspectiva de assistência europeia dos jogos”.
PRIVATIZAÇÃO
“Assim é fácil ser empreendedor! O Estado banca os custos e quando tudo estiver pronto, entrega-se para a iniciativa privada. Assim eu também escrevo um livro dando conta do belo empreendedor que sou, um midas.” Reflete Lúcio de Castro sobre a possibilidade de o estádio ser privatizado.
Luiz Antonio Simas  lembra que o Maracanã não é apenas um estádio: “O Maracanã tinha um projeto ligado à utilização como espaço público, por exemplo, tem um parque aquático, o Parque Júlio De Lamare, tem uma pista de atletismo, você tem um projeto social ligado ao Estado de permitir à população de baixa renda fazer atletismo, fazer natação de graça, e você está usando um bem que foi construído e reformado com dinheiro público para preparar isso e entregar à iniciativa privada. Qual é o retorno disso?”
Chris Gafney é mais sucinto: “O governo quer privatizar o estádio e dá-lo ao Eike Batista. Esse é um abuso de dinheiro público.”
“Aí vão dizer: ‘Ah, mas o Estado não pode administrar um equipamento tão caro’. Então por que faz a obra? ‘Ah, mas a Fifa exigiu’. Mas por que a gente tem que se curvar à Fifa? ‘Ah, então não teria Copa do Mundo aqui no Brasil’. Então não vamos ter Copa do Mundo no Brasil. Eu posso querer comprar uma Mercedes conversível não posso?” questiona Mauro Cezar Pereira.
Gustavo Mehl acredita que há interesses políticos poderosos envolvidos nesta questão: “A começar pelos interesses dos grupos empresariais da construção civil. Não é coincidência que a Delta, empreiteira do amigo pessoal do governador, denunciada no esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira, estivesse no consórcio construtor do novo Maracanã. Outros grupos também serão beneficiados pelo modelo oligopolista de controle de camarotes e espaços VIPs. As empresas são donas destes espaços e distribuem os ingressos de acordo com seus interesses”.
E O POVO? 
Chris Gafney lamenta que os movimentos sociais tenham demorado para começar a agir: “Quando anunciado que o Brasil sediaria a Copa, em 2007, era o momento de começar a agir. Em 2007 e 2008, quando estava sendo planejado o projeto olímpico era o momento para a gente vir à cena e não deixar a coisa rolar. Agora estamos vendo o que vai acontecer com o Maracanã  ficamos chocados e estamos reagindo. Acho que o problema é o seguinte: as pessoas não querem entender o futebol, o ato de torcer, como uma coisa política porque não queremos politizar nosso lazer, nossas próprias identidades. Mas para mexer com o futebol e suas estruturas, para humanizar o futebol de novo temos que politizar nossos atos de torcer.”

Fonte: Pública

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Enquanto isso, a Amil é comprada pela americana UnitedHealth...


Trata-se de uma nova ameaça à conquista de nosso efetivo sistema público universal e gratuito como a Constituição Brasileira manda que seja a Saúde no Brasil


Por Isabel Bressan

Pouco tempo depois da Inglaterra mostrar ao mundo, na abertura das Olimpíadas de Londres, o orgulho nacional por seu sistema de saúde público universal e igualitário, vemos com vergonha a assistência à saúde de cinco milhões de brasileiros ser vendida para uma empresa americana atraída pela grande expectativa de lucro do mercado de planos de saúde brasileiro que não para de crescer.

Orgulho inglês por um sistema de saúde que acolhe nos momentos de dor e sofrimento, que salva da morte, que cuida sempre e não deixa ninguém para trás. Vergonha brasileira por um mercado que barganha “vidas” em busca do lucro fácil. Que ameaça nossa soberania como cidadãos de um país vendo sua aposta na garantia assistencial sendo colocada nas mãos de estrangeiros imperialistas, que querem tomar de assalto a Saúde no Brasil, atraídos por “um mercado de crescimento dos planos de saúde com políticas de estímulo em favor do setor de saúde suplementar” como exaltou Stephen J. Hemsley, presidente e CEO da UnitedHealth Group. Ele quer investir maciçamente em planos para as classes C e D, até que o Brasil fique igual aos EUA, onde 80% da população possui esses planos e onde não há crime algum em colocar na rua doentes que não podem mais pagar a conta no hospital.

Será que precisaríamos passar por esse vexame de ser outra vez o quintal americano? Não, se o investimento público em saúde no SUS fosse decente e nos acolhesse a todos no nosso sistema de saúde público universal e igualitário, o SUS. Em vez disso prosperam as tais “políticas de estímulo em favor do setor de saúde suplementar” como o pagamento de planos privados para funcionários públicos as isenções de impostos para pessoas e empresas que pagam planos de saúde, os equipamentos caros que o governo compra para uso dos planos de saúde, o uso dos serviços dos SUS pelos beneficiários dos planos que não são cobrados das operadoras, etc. Tudo em nome de estímulos ao crescimento do mercado privado de planos, para que? Para ter nossa vida colocada nas mãos de mercadores estrangeiros? Para ter informações estratégicas sobre a necessidade brasileira de medicamentos e insumos nas mãos de estrangeiros?
É interessante notar que, recentemente, surgiram pressões para que a Lei dos planos de saúde seja alterada de modo a permitir a venda de planos com cobertura limitada a consultas e exames mais simples, o que se tornaria rapidamente na grande porta de entrada torta do SUS. Ou para permitir o lançamento de planos individuais com alto percentual de co-pagamento dos beneficiários para internações, tratamentos de câncer etc, levando as pessoas a buscar esse tratamento no SUS para que não empobreçam pagando suas dívidas com as operadoras. Tudo em nome de atrair investidores para o mercado brasileiro. Ou talvez para diminuir os gastos das operadoras cobrando dos “aposentados e hipocondríacos que não têm o que fazer e vão aos centros médicos tomar café e se consultar” com o dono da Amil definiu seus clientes para um rupo de analistas financeiros, segundo publicou o Jornal O Povo do Ceará.
Certamente o investidor americano acredita que caminharemos para ser como nos EUA, onde o governo paga por planos mequetrefes para pobres e idosos, garantindo para as empresas de saúde uma renda imensa gerada pelo subsídio público. Não por coincidência há um projeto de lei nesse sentido, de uma deputada federal do Ceará, que propõe o pagamento de um adicional em dinheiro para quem recebe Bolsa Família, para aquisição de plano de saúde. Há também uma sugestão de representantes das seguradoras de saúde de que o governo complemente o pagamento de planos  para idosos como forma de compensar os preços exorbitantes que cobram das pessoas com mais de 60 anos. Tudo com o dinheiro que certamente faltará ao SUS e aumentará o lucro das empresas.


Outros estímulos já estão surgindo no meio parlamentar como aquele projeto de um senador que propõe que os gastos com planos de saúde pelas empresas possam ser deduzidos do valor do recolhimento para a Previdência Social, fora as desonerações que já estão tirando dinheiro que deveria ir para a seguridade social incluindo o SUS.

Enfim, trata-se de uma nova ameaça à conquista de nosso efetivo sistema público universal e gratuito como a Constituição Brasileira manda que seja a Saúde no Brasil, pois conforme destacou um considerado consultor empresarial, a compra da Amil por essa empresa americana deverá forçar a adoção de um novo modelo de saúde no Brasil – o modelo americano.

UnitedHealth, go home!


Isabel Bressan é diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes)

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Como São Paulo está enfrentado o conservadorismo

Manifestação “Amor sim, Russomano não”, na véspera do 1º turno,
terá prosseguimento com “Existe amor em São Paulo”, neste domingo


Exame dos mapas eleitorais revela: áreas da cidade que eram redutos anti-mudanças podem estar se arejando, graças a novos movimentos, como cicloativismo, e crítica à especulação imobiliária
Por Raquel Rolnik, em seu blog
O voto paulistano tem uma geografia que parece se repetir eleição após eleição. Os mapas da geografia do voto mostram um desenho que se repete há décadas: direita e centro (azul) no miolo mais rico da cidade, e a esquerda (vermelho) nas periferias, como vemos no mapa abaixo do 1o turno das eleições municipais deste ano.
O azul mais intenso corresponde ao lugar que historicamente concentra renda, poder e qualidades urbanísticas em São Paulo, como já demonstrou o prof. Flavio Villaça, da FAU USP, em inúmeros artigos e livros. Mais de 40% dos habitantes desta região pertencem ao grupo que possui renda familiar de mais de 20 salários mínimos (veja mapa abaixo).
O vetor sudoeste é, historicamente, hegemonizado pelo PSDB, marcado por um profundo sentimento anti-PT e por uma atitude conservadora em relação à cidade. Para os moradores desta região, a ideia de redistribuição de oportunidades ou de inversão de prioridades que marcou o discurso do PT em seus primórdios não tem nenhum apelo.
A leitura do mapa do 1º turno destas eleições, em tese, diria que nos bairros mais ricos predominou o voto no Serra e, nos mais pobres, no Haddad. Não haveria, portanto, nenhuma novidade no cenário. Será? Uma observação mais atenta aponta sutilezas que matizam esta leitura binária. Em primeiro lugar, no chamado centro expandido, embora predomine o voto no PSDB, Haddad foi o 2º colocado, com votação mais expressiva, em alguns distritos, do que Marta Suplicy alcançou no pleito de 2008, quando o PT perdeu para a coligação DEM/PSDB (veja mapa abaixo).
Em segundo lugar, historicamente, na cidade de São Paulo, três — e não duas — forças político-partidárias marcam a geografia eleitoral: o PT, o PSDB e o malufismo, herdeiro do janismo. O voto no Russomano, entretanto, não é herdeiro do malufismo como afirmam alguns. Além disso, redutos históricos do malufismo como o Tatuapé ou a Vila Maria se dividiram quase igualmente entre os três primeiros candidatos (clique aqui para ver o mapa detalhado) e Russomano não ganhou em nenhum distrito da capital. Na chamada extrema periferia, Haddad dividiu a hegemonia dos votos com Russomano, e não com Serra. E, obviamente, não podemos configurar o candidato do PRB como “de esquerda”… Então como podemos interpretar este cenário?
Se permanece verdadeira a polarização azul x vermelho, o sutil crescimento de Haddad no centro expandido poderia apontar para uma espécie de descontentamento com o modelo de cidade, inclusive na área historicamente mais privilegiada por este modelo? Não seriam os inúmeros movimentos — de cicloativistas, de preservação de bairros, de ocupação de espaços públicos, além de outros tantos que surgem no interior desta região, sinais deste desejo de mudança? Por outro lado, no que já foi uma “periferia consolidada” de outros tempos, onde a renda cresceu e as demandas de urbanidade se sofisticaram, os apelos do malufismo parecem perder eco. Finalmente, se realmente existem mudanças no cenário, estas estariam ocorrendo no campo da política ou indicariam possíveis reconfigurações da cidade?