sexta-feira, 22 de junho de 2012

Erundina faz PT lembrar do PT anti-Maluf


erundina Erundina faz PT lembrar do PT anti Maluf
Crédito: Alexandre Moreira/AE

Por Ricardo Kotscho
Em menos de uma semana, a ex-petista Luiza Erundina teve dois gestos de grandeza. Primeiro, ao aceitar entrar como vice na chapa do partido do qual tinha sido expulsa. Cinco dias depois, ao deixar o posto por discordar da forma como o PT fechou a aliança com o PP num pomposo beija-mão que levou Lula e Fernando Haddad à mansão de Paulo Maluf.
"É demais para mim", protestou Erundina, ainda na segunda-feira, ao ver as imagens do sorridente encontro nos jardins daquele que já foi o inimigo público número um do PT. Para quem conhece esta nordestina arretada de opinião própria, era previsível o desenlace, como comentei na mesma noite no Jornal da Record News.
Primeira prefeita eleita pelo PT em São Paulo, em 1988, Erundina derrotou e depois foi derrotada por Paulo Maluf ao tentar a reeleição. Para ela, mulher humilde e partidária, não tinha problema nenhum aceitar ser candidata a vice indicada pelo PSB para um cargo do qual já foi titular, mas subir num palanque de mãos dadas com Maluf era algo que sua dignidade não tolerava.
Foi isso o que ela comunicou ao presidente do partido, o governador pernambucano Eduardo Campos, sem dar margens para negociações. Com ela, não tem negócio: Erundina é do tempo em que tudo tinha limites.
Aos 77 anos, a deputada federal Luiza Erundina, que eu conheço e admiro desde os primórdios do PT, sabe que neste mundo poucos podem muito, a maioria não pode nada, ninguém pode tudo.
O jornalista Frederico Branco, um dos meus mestres na velha redação do "Estadão", me ensinou uma sábia lição, quando eu ia fazer alguma coisa errada: "Meu filho, tem coisa que pode e tem coisa que não pode". Simples assim.
Ficar de gracinha com Maluf, por exemplo, não pode. O problema com ele não é só de diferenças políticas e ideológicas. Acima de tudo, é moral e, mais do que isso, policial. Procurado pela Interpol em todo o mundo, acusado do desvio de milhões e milhões de dinheiro público, o dono da mansão não serve de companhia para quem passou a vida o denunciando.
Com seus gestos de grandeza em dois atos, Luiza Erundina lembrou ao PT de hoje dos tempos em que seus líderes chamavam o ex-governador e ex-prefeito cevado pela ditadura de "ladrão" e "nefasto", e a militância ia às ruas com as bandeiras vermelhas para denunciar as práticas do malufismo.
Mais parecendo um coadjuvante da sua própria campanha, o candidato Fernando Haddad, que nunca teve uma militância partidária, sentiu na própria pele ontem à noite os efeitos da entrada de Maluf e da saída de Erundina.
Logo após a desistência da candidata a vice, num encontro com militantes petistas na associação dos moradores de Vila Rica, na zona leste, segundo relato do repórter Bernardo Mello Franco publicado na "Folha" desta quarta-feira, o próprio Haddad deu a notícia no microfone : "A Erundina falou que vai nos apoiar, mas não vai ser mais a vice".
A frustração foi geral, como se pode constatar nas declarações de alguns militantes citados na matéria.
Josefa Gomes, 75, pensionista: "A gente fica muito decepcionada, né? O povo daqui ama a Erundina. Maluf, não, pelo amor de Deus".
Maria de Fátima Souza, 64, confeiteira: "Se for para perder a eleição, a gente tem que perder de cabeça erguida. Não com o Maluf. Eu sou limpa. Você acha que vou dar o braço a ladrão?"
Este é o PT velho de guerra, que pensa como Luiza Erundina, e nunca vai aceitar Paulo Maluf.



quinta-feira, 21 de junho de 2012

Quem foi Leonel de Moura Brizola


Leonel de Moura Brizola

Síntese cronológica 


1922 NASCIMENTO 

Nasce em 22 de janeiro de 1922, às 22 horas, filho mais novo de agricultores pobre,de origem italiana (pai) e portuguesa (mãe) vindos da região de Sorocaba (SP), onde chegaram por volta de 1750, e há tempos estabelecidos próximos à estação de Cruzinha,Distrito de Carazinho, Município de Passo Fundo. O pai, José Brizola, morre assassinado no final da Revolução de 1923, após ser aprisionado por uma coluna governista.

1939 FORMA-SE TÉCNICO RURAL 

Alfabetizado pela mãe Oniva e pela professora Tereza, estuda na escolinha do Povoado de São Bento, matriculando-se depois no segundo ano da Escola Municipal Fagundes dos Reis, na cidade de Passo Fundo. Transfere-se aos 14 anos para Porto Alegre, onde se matricula no Instituto Agrícola de Viamão, município rural próximo a Porto Alegre, formando-se Técnico Rural aos 17 anos. Já tendo trabalhado como ascensorista e operário auxiliar de refinaria de óleo, faz concurso para o Ministério da Agricultura, passando para fiscal de moinhos. Assume, depois de participar em nova seleção, a função de jardineiro no Serviço de Parques e Jardins da Prefeitura de Porto Alegre, onde é eleito porta-voz da categoria.

1942 INGRESSA NA ESCOLA DE ENGENHARIA 

Estudando à noite na maior escola pública do Rio Grande do Sul (Colégio Júlio de Castilhos), faz o curso colegial supletivo. Presta serviço militar na Base Aérea de Canoas e forma-se piloto privado. Entre a carreira na Varig ou o curso de Engenharia, opta pelo vestibular e ingressa na Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mas não irá abandonar a aviação, tendo presidido várias vezes o Aeroclube do Rio Grande do Sul e fundado a Federação dos Aeroclubes do RS.

1945 PARTICIPA NA FUNDAÇÃO DO PTB/RS 

Estudante de Engenharia, funda com sindicalistas o primeiro núcleo gaúcho do PTB, percorrendo o interior com lideranças maiores no esforço de consolidar o partido, participando nos primeiros comícios e recebendo o seguinte observação de Getúlio , no palanque na frente da Prefeitura de Porto Alegre: “botem este guri na chapa que ele vai muito longe”.

1946 LANÇADO CANDIDATO A DEPUTADO 

Presidente da Ala Acadêmica, em dezembro é lançado candidato pelo PTB a Deputado Estadual, representando os estudantes, em ato público e com transmissão ao vivo pelo rádio, estando presente o candidato a governador Alberto Pasqualini.

1947 ELEGE-SE DEPUTADO ESTADUAL 

Elege-se, em janeiro, como um dos mais votados dentro da maior bancada da Assembléia Legislativa, a do PTB. Este partido, mesmo não elegendo o governador, faz 23 deputados, entre eles Fernando Ferrari e João Goulart, além de veteranos como Egídio Michaelsen e José Diogo Brochado da Rocha.

1949 FORMA-SE ENGENHEIRO CIVIL 

Em meio a intensa atividade de Constituinte, deputado e líder partidário, forma-se engenheiro civil pela Faculdade de Engenharia da UFRGS, coroando esforço que começara, há quase 20 anos, na escolinha do povoado de São Bento.

1950 CASA-SE E REELEGE-SE DEPUTADO ESTADUAL 

Em 1o de março de 1950, com a presença de Getúlio Vargas, casa-se com Neusa Goulart, irmã de seu colega de bancada Deputado João Goulart, a quem conhecera como militante do PTB em Porto Alegre. Do matrimônio nasceriam três filhos e vários netos. Em julho entra na Executiva do Partido, dando-lhe nova dinâmica, e em 3 de outubro elege-se como deputado estadual mais votado de todos os partidos, assumindo a liderança da bancada e fortalecendo-se como uma das maiores lideranças políticas estaduais.

1951 CANDIDATA-SE A PREFEITO DE PORTO ALEGRE 

Na primeira eleição da Capital, que passava a ter autonomia administrativa, candidata-se a prefeito, enfrentado a Frente Democrática formada por PSD-UDL-PL, e sofre revés por pouco mais de 1% dos votos.

1952 ASSUME A SECRETARIA DE OBRAS DO GOVERNO ESTADUAL 

Convidado pelo Governador Ernesto Dornelles, eleito pelo PTB, assume a Secretaria de Obras Públicas, passando inclusive a Ter uma presença hegemônica no Secretariado de Dornelles, especialmente pela sua visão administrativa e de planejamentos de médio e longo prazo, com projetos e estudos não só nas áreas técnicas e de engenharia, mas também de viabilidade econômica, no sentido de melhor aproveitamento dos recursos públicos.

PRINCIPAIS OBRAS E INICIATIVAS COMO SECRETÁRIO (1952/1954) 

Ponte sobre o Guaíba 
Ponte sobre o rio Pardo 
Reaparelhamento do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER). 
Mais de cem projetos implantados de ampliação e construção de estradas 
Estação Ferroviária Diretor Augusto Pestana, em Porto Alegre 
Implantação do trem diesel Minuano 
Melhorias no Aeroporto Salgado Filho 
Reequipamento do Departamento Aeroviário do Estado 
Reaparelhamento do Departamento de Portos, Rios e Canais 
Implantação de 23 portos lacustres e fluviais 
Construção de 40 hidráulicas no interior do Estado 
Início da construção de grande número de Escolas Públicas. 

1954 ELEGE-SE DEPUTADO FEDERAL 

Nas eleições de 3 de outubro elege-se deputado federal, com a maior votação até então alcançada no Rio Grande do Sul e torna-se um dos mais duros adversários dos setores retrógados e golpistas. Contesta Carlos Lacerda, já no ato de juramento deste, ao apartear: “esteve vai ser um juramento falso, Sr. Presidente, porque ele está pregando o golpe lá fora e vem jurar a Constituição aqui dentro”. Foi um dos deputados que mais lutou pelo cumprimento da Constituição, em especial do calendário eleitoral, tendo contribuído para a efetivação da posse de Juscelino e Jango, respectivamente Presidente e Vice.

1955 ELEGE-SE PREFEITO DE PORTO ALEGRE 

Novamente enfrentando a coligação PSD/UDN/PL, Brizola elege-se pelo PTB com consagradora vitória, fazendo mais votos que todas as demais candidaturas juntas, e tendo como mais forte trunfo o Plano de Obras realizado na Secretaria de Obras, além do slogan: “nenhuma criança sem escola”. A nova experiência administrava bem sucedida, na terceira maior cidade do país na época, reforçou sua marca empreendedora e nitidamente popular.

PRINCIPAIS OBRAS E INICIATIVAS COMO PREFEITO (1955/58) 

Implantação de sistema integrado de planejamento 
Reavaliação do Imposto Predial 
Canalização de água em todas as Vilas Populares, de acordo com as prioridades estabelecidas pelas associações de moradores 
Implantação de 110km de rede de água 
Construção de Hidráulica São João e aumento das outras duas grandes hidráulicas, Moinhos de Vento e Cristo Redentor 
Implantação de mais de 80 km de rede esgoto 
Construção de 137 escolas primárias para 35mil alunos, pondo fim ao déficit escolar 
Remodelação, alargamento e iluminação das avenidas Farrapos, Assis Brasil e Protásio Alves, urbanização do Passo da Cavalhada e asfaltamento da estrada Cristal-Cavalhada 
Dragagem-aterro do rio Guaíba e implantação da continuação da Av. Borges de Medeiros 
Renovação da frota de ônibus públicos 
Implantação dos ônibus elétricos trolleybus 
Criação do maior parque da cidade até hoje, o Parque Saint-Hilaire 
Remodelação e construção de grande número de parques e campos populares de futebol 
Criação do Programa Integrado de Reaparelhamento de Equipamentos Rodoviários para todas as prefeituras gaúchas. 

1958 ELEGE-SE GOVERNADOR DO RIO GRANDE DO SUL 

Aos 36 anos, com amplo respaldo popular (mais de 670mil votos contra 500mil de coligação PSD/UDN/PL), elege-se governador do Estado. Mesmo sem Ter alcançado maioria absoluta, constrói alianças que lhe dão respaldo à ação administrativa na Assembléia Legislativa.

PRINCIPAIS OBRAS E INICIATIVAS COMO GOVERNADOR (1959/1962) 

Cria o Gabinete de Administração e Planejamento (GAP) dentro do próprio Palácio de Governo, com o objetivo de coordenar toda a ação e planejamento público 
Implanta com recursos públicos a indústria Aços Finos Piratini, utilizando carvão gaúcho em projeto pioneiro no Estado. 
Traz para o Rio Grande do Sul a Refinaria de Petróleo Alberto Pasqualini, decisiva para a futura instalação de indústrias de adubos e III Pólo Petroquímico 
Implanta, com recursos públicos, a Açúcar Gaúcho S/A – AGASA, em região canavieira pobre do Estado 
Incoropora o Banco do Estado do Rio Grande do Sul – BANRISUL – ao planejamento estadual 
Cria a Caixa Econômica Estadual 
Cria o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul – BRDE, unido a política de desenvolvimento dos três Estados do Sul 
Conclui a Termelétrica de Charquedas, de grande porte para a época, próxima a Porto Alegre, e põe em operação a de Candiota, localizada em Bagé, além de construir várias usinas de médio porte 
Encampa, dentro das normas legais, a Cia. Estadual de Energia Elétrica, subsidiária da Bond & Share canadense, ligada ao grupo americano American Foreign Power, que com a Light carioca cartelizavam a produção de eletricidade nos maiores centros brasileiros 
Triplica, em quatro anos, a produção de eletricidade do RGS, acabando com os racionamentos 
Encampa a Cia. Telefônica Nacional, subsidiária da International Telegraph & Telephone – ITT, após o insucesso de longas gestões, para melhoria dos serviços telefônicos do Estado 
Cria o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária – IGRA, com a entrega de mais de 14000 títulos a agricultores sem terra, destacando-se áreas de assentamento como Fazenda Sarandi, Banhado do Colégio, Caponé, Fazendas Itapoã, Taquari e Pangaré. 
Inicia e conclui o maior programa de investimento em educação realizado até hoje no Estado, com a construção de 5902 escolas primárias, 278 escolas técnicas e 131 ginásios, abrindo 700mil novas matrículas e contratando 42mil novos professores, eliminando o déficit escolar 
Lança as inovadoras Letras do Tesouro Estadual (brizoletas) que viabilizaram grande número de investimentos sociais 
Faz uma série de investimentos específicos, com a criação de Distritos Industriais, do Programa de Incentivo ao Trigo e do primeiro Zoológico do Rio Grande do Sul, em Sapucaia do Sul. 
No plano político, inicia o governo queimando os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS, eliminando a máquina existente de repressão no interior do governo estadual. Introduz um programa radiotelefônico semanal e pioneiro no País, todas as sextas-feiras à noite, de prestação de contas e esclarecimento sobre a administração estadual. Inicia e coordena o movimento da Legalidade, sustando o plano que visava a impedir a posse do Vice-Presidente constitucional João Goulart, em ação política inédita e que garante o respeito à Constituição no país. 

1962 ELEGE-SE DEPUTADO FEDERAL PELA GUANABARA

Já com ampla projeção nacional, elege-se deputado federal, com quase 300mil votos: maior votação alcançada até então por um parlamentar na História brasileira (um terço dos votos do Estado da Guanabara).

1964 CASSADO PELO GOLPE DE 1964 

Com marcada atuação em favor das Reformas de Base e da profunda reformulação na polícia econômica e social, constituindo-se em um dos maiores líderes nacionais por estes avanços, é incluído na primeira lista de cassados pelo golpe de 1964. Tenta resistir em Porto Alegre, em nome da ordem constitucional, mas é dissuadido diante da posição diversa do Presidente João Goulart. Diante da impossibilidade de permanecer no País com atuação pública, sendo procurado vivo ou morto, exila-se em maio no Uruguai.

1965 CONFINADO NO BALNEÁRIO DE ATLÂNTIDA, NO URUGUAI 

Em abril, o exílio, até então apenas vigiado, transforma-se em confinamento no Balneário de Atlântida, (distante quase 400km da fronteira com o Brasil), por pressões do Ministro do Exército brasileiro.

1970 RELAXAMENTO DAS RESTRIÇÕES NO EXÍLIO 

A partir de 1970, o Governo Uruguaio relaxa o isolamento do exílio, o que permite mais adiante a transferência de Brizola e sua família para Montevidéu, onde fixará residência e atividades, restabelecendo contatos mais estreitos como Brasil. 

1977 EXPULSO DO URUGUAI, VAI PARA OS ESTADOS UNIDOS 

Em setembro, ao voltar do interior, recebe intimação para sair do Uruguai em cinco dias. Depois de difíceis gestões para obter a documentação brasileira, consegue embarcar para Argentina e Estados Unidos, com autorização direta do Presidente Jimmy Carter, que promovia na época política em defesa dos direitos humanos.

1978 e 1979 FIXA-SE EM PORTUGAL E AUMENTA CONTATOS INTERNACIONAIS 

Completam-se dois anos de intensas atividades internacionais que, depois de Nova Iorque, passam a Ter como centro Lisboa, onde fixa-se a convite de Mário Soares. Passando a participar ativamente dos encontros da Internacional Socialista, estreita relações com lideranças como Willy Brandt, François Mitterrand, Felipe Gonzalez, Carlos Andrés Perez e o próprio Mário Soares. Em junho de 1979, no momento de crescimento do movimento pela anistia, promove o Encontro de Trabalhistas no Brasil e no Exílio, em Lisboa, com o objetivo de reorganizar o PTB no Brasil. É de lá que sai a Carta de Lisboa, a principal peça de constituição daquilo que veria ser o PDT.

1979 VOLTA DO EXÍLIO 

No final da tarde do dia 6 de setembro de 1979, mais de 15 anos depois de ter saído do Brasil, volta ao país o ex-Governador Leonel Brizola. Do aeroporto de Foz do Iguaçu, por onde ingressa em território nacional, segue roteiro que terminará em Porto Alegre. Depois passa a fixar residência no Rio de Janeiro.

1980 TSE NEGA SIGLA DO PTB A BRIZOLA 

No início do ano, o Tribunal Superior Eleitoral, sob pressão do Governo e setores conservadores, dá a Ivete Vargas, que representava segmento pouco significativo do trabalhismo, a sigla PTB, bloqueando desta forma o crescimento rápido do PTB nas mãos de Leonel Brizola.

1981 REGISTRO DO PDT 

Em novembro o TSE registra a sigla PDT, depois de uma longa discussão para a definição da nova sigla e um difícil processo, registro este obtido às portas das eleições para governadores e deputados.

1982 ELEGE-SE GOVERNADOR DO RIO DE JANEIRO 

Após as dificuldades com a sigla, a candidatura de Leonel Brizola é lançada, coincidindo com a divulgação de pesquisas extremamente desfavoráveis, onde aparecei com 3% das intenções de voto, enquanto a sigla era desconhecida. Apesar disso, vence a eleição, alcançando 34% do eleitorado, 4% acima do segundo colocado e distante dos demais candidatos. Mas estes resultados só são alcançados graças à descoberta e denúncia da fraude montada na programação do computador a serviço da Justiça Eleitora carioca, que em programa viciado lançava parte dos votos de Brizola para outros concorrentes.

PRINCIPAIS OBRAS E INICIATIVAS COMO GOVERNADOR DO RIO (1983/86) 

Lança Plano Educacional inovador, com a introdução dos CIEPs – Centros Integrados de Educação Pública, de turnos integrais, completando a entrega de mais de 200 unidades 
Instala a Fábrica de Escolas 
Constrói as Casas da Criança a nível pré-escolar e Casas Comunitárias de atendimento médico e odontológico 
Constrói o Sambódromo, com o objetivo de institucionalizar espaço próprio para grandes eventos, além do próprio carnaval, abrigando ainda no seu interior 260 salas de aula e um Centro de Demonstração para treinamento e reciclagem do magistério estadual 
Reforça a rede estadual de educação em mais de 36mil professores 
Estrutura Programa de Medicina preventiva, contratando 8mil profissionais na área da saúde, o que faz cair 20% a mortalidade infantil no Estado do Rio nos quatro anos de sua gestão, enquanto no País houve um aumento médio global de 10% 
Recupera dez hospitais e introduz serviço odontológico nos CIEPs 
Cria Serviço de Controle da Poluição Ambiental, saneia a Lagoa Rodrigo de Freitas e realiza diversos tombamentos de prédios históricos 
Recupera vários estádios, como Maracanã, Maracanãzinho, Parque Aquático Júlio de Lamare, Caio Martins e Estádio de Remo da Lagoa. 
Aumenta em 8mil o atendimento a crianças pelas escolinhas da SUDERJ 
Investe fortemente na área da segurança, o equivalente ao que juntos investiram os Estados de Minas Gerais e São Paulo, no mesmo período, fazendo estacionar os índices de criminalidade, depois conseguindo até reduzi-los 
Dá status de Secretaria à Defesa Civil, cria Patrulhas Mirins e amplia ação da Fundação Estadual de Educação do Menor – FEEM, com distribuição de leite no interior do Estado dentro de Programa de Atendimento Nacional 
Amplia frentes de trabalho criando projetos como Mutirão, Uma Luz na Escuridão e Rodoviário, implantando água, esgoto, luz e urbanização em favelas 
Realiza 500mil novas ligações de água, 300mil de esgotos e a drenagem de 500km de canais, além do saneamento da Baixada Fluminense 
Organiza as atividades dos camelôs no Centro do Rio, sem repressão, construindo 230 lojas próximas à Central do Brasil 
Administra com sistema de Caixa Único, racionalizando a utilização dos recursos públicos 
Participa ativamente da campanha pelas diretas, sendo que depois de frustada esta possibilidade, apóia Tancredo Neves, ressalvando que não apóia o candidato a Vice José Sarney 
Legaliza 41mil propriedades e entrega 13mil títulos, dentro do programa Cada Família um lote 
Recupera 1 conjuntos habitacionais, dentro do Programa de Recuperação de Conjuntos Habitacionais 
Desapropria 31 áreas em benefício de trabalhadores sem terra, perfazendo mais de 8mil hectares 
Compra e restaura 500 ônibus municipais, encampa empresas ineficientes e recupera financeiramente a Fábrica de Carrocerias CIFERAL 
Cria linhas de ônibus da Zona Norte do Rio para as praias da Zona Sul, dando aos cariocas menos privilegiados o direito ao mar que na prática não tinham, enfrentando reações dos setores etilistas 
Recupera as Finanças Estaduais e estabelece vários Planos de Carreira, beneficiando mais de 24mil servidores, ao mesmo tempo que consegue, com o crescimento da receita, reduzir a participação dos gastos funcionalismo de 60 para 50% 
Apesar de Ter governado “sitiado pelo Governo Federal” e de Ter sido o BANERJ, Banco do Estado do Rio de Janeiro, o maior alvo desta ação via contas do Metrô, passa o Banco de 17o lugar no ranking nacional para 4o lugar em volume de depósitos 
Conquista, para o Rio de Janeiro e para os demais Estados onde existe extração de petróleo, o direito a royalties, em batalha política travada e vencida no Congresso Nacional, e hoje parte da Constituição do País 
Denuncia desde o início a manipulação política que restia as medidas econômicas do Plano Cruzado, alertando, praticamente sozinho, para as conseqüências que depois se verificaram 

1989 CANDIDATO A PRESIDENTE DA REPÚBLICA PELO PDT 

Perde a eleição, em primeiro turno, a 15 de novembro, por uma diferença mínima para o segundo colocado, Lula, do PT, graças a uma manipulação federal que fez parar a contagem dos votos em Belo Horizonte, durante mais de cinco horas. No segundo turno, o candidato governista, Fernando Collor, que já havia ganho por larga margem na primeira rodada, vence a eleição de Lula e se torna Presidente.

1990 ELEGE-SE EM PRIMEIRO TURNO GOVERNADOR DO RIO DE JANEIRO 

Eleito pela segunda vez como governador do Rio de Janeiro, Brizola enfrenta a hostilidade do poder econômico e da mídia eletrônica e impressa, que desatam a maior campanha de desmoralização já experimentada por um homem público. Não obstante, Brizola ainda consegue fazer três grandes obras: O término dos 500 CIEPS, escolas integrais de alto nível para crianças pobres, constrói a Linha Vermelha, via expressa de cerca de 40 quilômetros, que vai do centro da cidade do Rio, passando pelo Aeroporto do Galeão e terminando na Baixada Fluminense. E a duplicação do sistema de abastecimento de água do Guandu, outra velha aspiração da população carioca e fluminense.

1994 CANDIDATO A PRESIDENTE PELA SEGUNDA VEZ 

A formidável hostilidade da mídia, comandada pelo poder econômico, impede que Brizola sequer faça campanha, cortando-lhe praticamente todas as formas de comunicação. Por causa disso e da desunião dos partidos de oposição, sobretudo de esquerda, ele se vê colocado num dos últimos lugares. O poder novamente vai para um escolhido das elites, dessa vez um ex-militante da própria esquerda, o professor e sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que, ao passar para o outro lado, pediu ao país que “esquecesse tudo o que escrevi”.

1995 – COSTURA POLÍTICA PARA UNIR A OPOSIÇÃO 

Convencido de que as forças populares, em debandada, por causa da acachapante derrota de 1994, só se prestavam a “servir de degraus para a direita subir”, Leonel Brizola lança-se a um paciente trabalho para unir as esquerdas, que só vai apresentar resultado concreto, quando os dois maiores partidos, o PT e o PDT, reúnem-se, em 16 de janeiro de 1998, no Rio de Janeiro, para anunciar uma composição dos dois partidos com vistas à Presidência da República. Esse esforço é coroado em 06 de julho, quando PT, PDT, PSB, PCB e PCdoB, reunidos numa só chapa, lançam Lula para Presidente da República e Leonel Brizola para Vice-Presidente.

1999 – CAMPANHA PELA RENÚNCIA 

A reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que resultou num grande escândalo nacional, desde a aprovação da emenda constitucional respectiva, em 28 de janeiro de 1997, envolvendo inclusive compra de votos de deputados, e o fato de o Presidente ter comandado o maior processo de desnacionalização em 500 anos da História do Brasil, levaram Leonel Brizola a uma nova cruzada: a mobilização do povo brasileiro pela renúncia do atual Presidente. Desde o início de janeiro, quando o Real, a moeda nacional criada pelo Sr. Fernando Henrique, quando ministro da Fazenda, em 1994, como parte de sua campanha pela primeira eleição como Presidente, desmoronou diante do dólar, Brizola vem percorrendo o país em pregação pela renúncia do Presidente. A Marcha dos 100 mil sobre Brasília, realizada, em 26 de agosto, constituiu um dos pontos altos dessa mobilização, agora envolvendo todos os partidos de oposição. 


terça-feira, 19 de junho de 2012

Os banqueiros são os ditadores do Ocidente


Robert Fisk: jornalismo compactua com elite financeira—por quê? Primavera árabe, Occupy e indignados se assemelham pela luta contra as ditaduras
Por Robert FiskThe Independent | Tradução: Vila Vudu
Escrevendo da região que produz a maior quantidade de clichês por palmo quadrado em todo o mundo – o Oriente Médio –, talvez eu devesse fazer uma pausa e respirar fundo antes de dizer que jamais li tal quantidade de lixo, de tão completo e absoluto lixo, como o que tenho lido ultimamente, sobre a crise financeira mundial.
Mas… que seja! Nada de meias palavras. A impressão que tenho é que a cobertura jornalística do colapso do capitalismo bateu novo recorde (negativo), tão baixo, tão baixo, que nem o Oriente Médio algum dia superará a acanalhada subserviência que se viu, em todos os jornais, às instituições e aos ‘especialistas’ de Harvard, os mesmos que ajudaram a consumar todo o crime e a calamidade.
Comecemos pela Primavera Árabe – expressão publicitária, grotesca, distorcida, que nada diz sobre o grande despertar árabe/muçulmano que está sacudindo o Oriente Médio – e os escandalosos, obscenos paralelos com os protestos sociais que acontecem nas capitais ocidentais. Fomos inundados por matérias sobre os pobres e oprimidos do Ocidente que “colheram uma folha” do livro da “Primavera Árabe”; sobre manifestantes, nos EUA, Canadá, Grã-Bretanha, Espanha e Grécia que foram “inspirados” pelas manifestações gigantes que derrubaram regimes no Egito, Tunísia e – só em parte – na Líbia. Tudo isso é loucura. Nonsense.
A verdadeira comparação, desnecessário dizer, ficou esquecida pelos jornalistas ocidentais, todos ocupadíssimos em não falar de rebeliões populares contra ditaduras, tanto quanto ocupadíssimos em ignorar todos os protestos contra os governos ocidentais “democráticos”, desesperados para separar as coisas, dedicados a sugerir que o Ocidente estaria apenas colhendo um último alento dos estertores das revoltas no mundo árabe. A verdade é outra.
O que levou os árabes, às dezenas de milhares e depois aos milhões, às ruas das capitais do Oriente Médio foi uma demanda por dignidade: a recusa em aceitar os ditadores e famílias e claques de ditadores que, de fato, viviam como se fossem donos de seus respectivos países. Os Mubaraks e os Ben Alis e os reis e emires do Golfo (e da Jordânia), todos acreditavam que tinham direitos de propriedade sobre tudo e todos. O Egito pertencia à Mubarak Inc.; a Tunísia, a Tunisia à Ben Ali Inc. (e à família Traboulsi) etc. Os mártires árabes, das lutas contra as ditaduras, morreram para provar que seus países pertencem a eles, ao povo.
E aí está a real semelhança que aproxima as revoluções árabes e ocidentais. Os movimentos de protesto que se veem nas capitais ocidentais são movimento contra oBig Business – causa perfeitamente justificada – e contra “governos”.
O que os manifestantes ocidentais afinal entenderam, embora talvez um pouco tarde demais, é que, por décadas, viveram o engano de uma democracia fraudulenta: votavam, como tinham de fazer, em partidos políticos. Mas os partidos, imediatamente depois, entregavam o mandato democrático que recebiam do povo, do poder do povo, aos banqueiros e aos corretores de ‘derivativos’ e às agências ‘de risco’ – todos esses apoiados na fraude que são os ‘especialistas’ saídos das principais universidades e think-tanks dos EUA, que mantêm viva a ficção de que viveríamos uma ‘crise de globalização’, e não o que realmente vivemos: uma falcatrua, uma fraude massiva, um assalto, um golpe contra os eleitores.
Os bancos e as agências de risco tornaram-se os ditadores do Ocidente. Exatamente como os Mubaraks e Ben Alis, os bancos acreditaram – e disso continuam convencidos – que seriam proprietários de seus países.
As eleições no Ocidente – que deram poder aos bancos e às agências de risco, mediante a colusão de governos eleitos – tornaram-se tão falsas quanto as urnas que os árabes, ano após ano, eram obrigados a visitar, décadas a fio, para ‘eleger’ os proprietários deles mesmos, de sua riqueza, de seu futuro.
Goldman Sachs e o Real Banco da Escócia converteram-se nos Mubaraks e Ben Alis dos EUA e da Grã-Bretanha, cada um e todos esses dedicados a afanar a riqueza dos cidadãos, garantindo ‘bônus’ e ‘prêmios’ aos seus próprios gerentes pervertidos. Isso se fez no Ocidente, em escala infinitamente mais escandalosa do que os ditadores árabes algum dia sonharam que fosse exequível.
Não precisei – embora tenha ajudado – de Inside Job, de Charles Ferguson, essa semana, na BBC2, para aprender que as agências de risco e os bancos nos EUA são intercambiáveis: o pessoal que lá trabalha muda-se sem sobressalto, dos bancos para as agências, das agências para os bancos… e todos, imediatamente, para dentro do governo dos EUA. Os rapazes ‘do risco’ (a maioria, rapazes, claro) que atribuíram grau AAA aos empréstimos e derivativos podres nos EUA estão hoje – graças ao poder vicioso que exercem sobre os mercados – matando de fome e medo os povos da Europa, ameaçando-os de ‘rebaixar’ os créditos europeus, depois de se terem associados a outros criminosos do lado de cá do Atlântico, associação que já se construía desde antes do crash financeiro nos EUA.
Acredito que dizer menos ajuda a vencer discussões, mas, perdoem-me: Quem são esses seres, cujas agências de risco metem mais medo nos franceses hoje que Rommel[1] em 1940?
Por que os meus colegas jornalistas em Wall Street nada me dizem? Como é possível que a BBC e a CNN e – ah, santo deus, também a Al Jazeera – tratem essas comunidades criminosas como inquestionáveis instituições de poder? Por que nada investigam – Inside Job já abriu o caminho! – desses escandalosos corretores duplos?
Fazem-me lembrar o modo igualmente acanalhado como tantos jornalistas norte-americanos cobrem o Oriente Médio, delirantemente evitando qualquer crítica direta a Israel, imbecilizados por um exército de lobistas pró-Likud, dedicados a explicar aos leitores e telespectadores por que devem confiar no “processo de paz” norte-americano para o conflito Israelo-Palestino, porque os ‘mocinhos’ são os ‘moderados’ e todos os demais são os ‘bandidos terroristas’.
Os árabes, pelo menos, já desmascararam todo esse nonsense. Mas quando os manifestantes contra Wall Street fazem o mesmo, imediatamente passam a ser “anarquistas”, os “terroristas” sociais das ruas dos EUA que se atrevem a exigir que os Bernankes e Geithners sejam julgados pelo mesmo tipo de tribunal que julga Hosni Mubarak. Nós, no Ocidente, com nossos governos eleitos, criamos nossos ditadores. Mas, diferente dos árabes, ainda mantemos intocáveis os nossos ditadores – intocáveis.
O chefe da República da Irlanda (em gaélico irlandês Taoiseach), Enda Kenny, solenemente informou ao povo essa semana que seu governo não é responsável pela crise em que se debatem todos os irlandeses. Todos já sabiam, é claro. O que ele não contou ao povo é quem, então, seria o responsável. Já não seria mais que hora de ele e seus colegas primeiros-ministros da União Europeia contar o que sabem? E quanto aos nossos jornalistas e repórteres?
Notas
[1] Erwin Johannes Eugen Rommel (Heidenheim, 15 de Novembro de 1891 – Herrlingen, 14 de Outubro de 1944), conhecido popularmente como A Raposa do Deserto, foi um marechal-de-campo do exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Foi um dos maioresresponsáveis pela conquista da França pelo exército nazista em 1940.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

TATU OR NOT TATU - Manifesto Uninômade +10



A palavra revolução voltou a circular. Nas ruas, nas praças, na internet, e até mesmo nas páginas de jornal, que a olha com olhos temerosos. Mas, principalmente, em nossos espíritos e corpos. Da mesma maneira, a palavra capitalismo saiu de sua invisibilidade: já não nos domina como dominava. Assistimos ao final de um ciclo - o ciclo neoliberal implementado a partir dos anos 80, mas cujo ápice se deu com a queda do muro de Berlim e o consenso global em torno da expansão planetária do mercado. Muitos dentre nós (principalmente os jovens) experimentam seu primeiro deslocamento massivo das placas tectônicas da história. 

Mas nossa era não é apenas crepuscular. Ao fim de um ciclo abrem-se amplas oportunidades, e cabe a nós transformar a crise da representação e do capitalismo cognitivo em novas formas de democracia absoluta. Para além das esferas formais, dos Estados e nacionalidades. Para além do capitalismo financeiro e flexível. Lá onde brilha nossa singularidade comum: a mulher, o negro, o índio, o amarelo, o pobre, o explorado, o precário, o haitiano, o boliviano, o imigrante, o favelado, o trabalhador intelectual e manual. Não se trata de um recitar de excluídos, mas de uma nova inclusão híbrida. A terra, enfim, nossa. Nós que somos produzidos por esta chuva, esta precipitação de encontros de singularidades em que nos fazemos divinos nesta terra. 

É pelo que clama a multidão na Grécia, na Espanha e os occupy espalhados pelos Estados Unidos; é pelo que clamam as radicalidades presentes na primavera árabe, esta multidão situada para além da racionalidade ocidental. É o mesmo arco que une a primavera árabe, as lutas dos estudantes no Chile e as lutas pela radicalização da democracia no Brasil. Nossas diferenças é o que nos torna fortes.

A luta pela mestiçagem racial, simbólica, cultural e financeira passa pela materialidade do cotidiano, pela afirmação de uma longa marcha que junte nossa potência de êxodo e nossa potência constituinte. Acontecimento é o nome que nos anima para o êxodo perpétuo das formas de exploração. Êxodo para dentro da terra. Fidelidade à terraTatu or not tatu

É preciso ouvir em nós aquele desejo que vai para além da vida e da sua conservação: para além do grande terror de uma vida de merda que nos impõe o estado de precariedade e desfiliação extrema. É preciso re-insuflar o grito que nos foi roubado à noite, resistir aos clichês que somos, e que querem fazer de nós: para além de nossas linhas de subjetivação suspensas entre o luxo excedente do 1% ou do lixo supérfluo dos 99%. 

É preciso não precisar de mais nada, a não ser nossa coragem, nosso intelecto e nossos corpos, que hoje se espraiam nas redes de conhecimentos comuns apontando para nossa autonomia. Somos maiores do quepensamos e desejamos tudo.  Não estamos sozinhos! É preciso resistir na alegria, algo que o poder dominador da melancolia é incapaz de roubar. Quando o sujeito deixa de ser um mero consumidor-passivo para produzir ecologias. Um corpo de vozes fala através de nós porque a crise não é apenas do capital, mas sim do viver. Uma profunda crise antropológica. Manifesta-se no esvaziamento de corpos constrangidos, envergonhados, refletidos na tela da TV, sem se expandir para ganhar as ruas. Nossos corpos paralisam, sentem medo, paranóia: o outro vira o grande inimigo. Não criam novos modos de vida. Permanecem em um estado de vidaMenosvida: trabalho, casa, trem, ônibus, trabalho, casa. A vida individual é uma abstração. Uma vida sem compartilhamento afetivo, onde a geração do comum se torna impossível. É preciso criar desvios para uma vidaMaisvida: sobrevida, supervida, overvida. Pausa para sentir parte do acontecimento, que é a vida.  Somos singularidades cooperativas. Pertencemos a uma esfera que nos atravessa e nos constrói a todo o momento.

O capitalismo cognitivo e financeiro instaura um perpétuo estado de exceção que busca continuamente reintegrar e modular a normalidade e a diferença: lei e desordem coincidem dentro de uma mesma conservação das desigualdades que produz e reproduz as identidades do poder: o “Precário” sem direitos, o Imigrante “ilegal”, o “Velho” abandonado, o “Operário” obediente, a “Mulher” subjugada, a “Esposa” dócil, o “Negro” criminalizado e, enfim, o “Depressivo” a ser medicalizado. As vidas dos pobres e dos excluídos passam a ser mobilizadas enquanto tais. Ao mesmo tempo em que precisam gerar valor econômico, mantêm-se politicamente impotentes.

O pobre e o louco. O pobre - figura agora híbrida e modulada de inclusão e exclusão da cadeia do capital -  persiste no cru da vida, até usando seu  próprio corpo como moeda. E o louco, essa figura que vive fora da história, “escolhe” a exclusão. Esse sujeito que se recusa a produzir, vive sem lugar. Onde a questão de exclusão e inclusão é diluída no delírio. Ninguém delira sozinho, delira-se o mundo. Esses dois personagens vivem e sobrevivem à margem, mas a margem transbordou e virou centro. O capital passa a procurar valor na subjetividade e nas formas de vida das margens e a potência dos sem-dar-lucro passa a compor o sintoma do capital: a crise da lei do valor, o capitalismo cognitivo como crise do capitalismo.

A crise dos contratos subprimes em 2007, alastrando-se para a crise da dívida soberana europeia, já não deixa dúvidas: a forma atual de governabilidade é a crise perpétua, repassada como sacrifício para os elos fragilizados do arco social. Austeridade, cortes, desmonte do welfare, xenofobia, racismo. Por detrás dos ternos cinza dos tecnocratas pós-ideológicos ressurgem as velhas bandeiras do biopoder: o dinheiro volta a ter rosto, cor, e não lhe faltam ideias sobre como governar: “que o Mercado seja louvado”, “In God we trust”. O discurso neutro da racionalidade econômica é obrigado a mostrar-se em praça pública, convocando o mundo a dobrar-se ao novo consenso, sem mais respeitar sequer a formalidade da democracia parlamentar. Eis o homo œconomicus: sacrifício, nação, trabalho, capital! É contra este estado de sítio que as redes e a ruas se insurgem. Nas mobilizações auto-convocadas em redes, nas praças das acampadas, a exceção aparece como criatividade do comum, o comum das singularidades que cooperam entre si.

No Brasil são muitos os que ainda se sentem protegidos diante da crise global. O consenso (neo) desenvolvimentista produzido em torno do crescimento econômico e da construção de uma nova classe média consumidora cria barreiras artificiais que distorcem nossa visão da topologia da crise: a crise do capitalismo mundial é, imediatamente, crise do capitalismo brasileiro. Não nos interessa que o Brasil ensine ao mundo, junto à China, uma nova velha forma de capitalismo autoritário baseado no acordo entre Estados e grandes corporações! 

O governo Lula, a partir das cotas, do Prouni, da política cultural (cultura viva, pontos de cultura) e da distribuição de renda (programas sociais, bolsa família, valorização do salário mínimo) pôde apontar, em sua polivalência característica, para algo que muitos no mundo, hoje, reivindicam: uma nova esquerda, para além dos partidos e Estados (sem excluí-los). Uma esquerda que se inflame dos movimentos constituintes que nascem do solo das lutas, e reverta o Estado e o mercado em nomes  do comum. Uma esquerda que só pode acontecer “nessa de todos nós latino-amarga américa”. Mais do que simples medidas governamentais, nestas políticas intersticiais, algo de um acontecimento histórico teve um mínimo de vazão: aqueles que viveram e morreram por transformações, os espectros das revoluções passadas e futuras, convergiram na construção incipiente de nossa emancipação educacional, racial, cultural e econômica. Uma nova memória e um novo futuro constituíram-se num presente que resistira ao assassinato simbólico da história perpetrado pelo neoliberalismo. A popularidade dos governos Lula tinha como lastro esses interstícios onde a política se tornava uma poética. Já hoje, nas taxas de aprovação do governo Dilma, podemos facilmente reconhecer também as cores deslavadas de um consenso prosaico. O “país rico” agora pacifica-se no mantra desenvolvimentista, retrocedendo em muitas das políticas que tinham vazado. Voltam as velhas injunções progressistas: crescimento econômico para redistribuir! Estado forte! As nuvens ideológicas trazem as águas carregadas do gerencialismo e do funcionalismo tecnocrático: menos política, mais eficiência! Desta maneira, removem-se e expropriam-se os pobres: seja em nome de um Brasil Maior e se seu interesse “público” (Belo Monte, Jirau, Vila Autódromo), seja em nome de um Mercado cada vez Maior e de seu interesse “privado” (Pinheirinho, TKCSA, Porto do Açu). Juntando-se entusiasticamente às equações do mercado, os tratores do progresso varrem a sujeira na construção de um novo “País Rico (e) sem pobreza”. Os pobres e as florestas, as formas de vida que resistem e persistem, se tornam sujeira. A catástrofe ambiental (das florestas e das metrópoles) e cultural (dos índios e dos pobres) é assim pacificada sob o nome do progresso. Dominação do homem e da natureza conjugam-se num pacto fáustico presidido por nenhum Mefistófeles, por nenhuma crise de consciência: já somos o país do futuro!
Na política de crescer exponencialmente, só se pensa em eletricidade e esqueceu-se a democracia (os Soviets : Conselhos). Assim, governa-se segundo a férrea lógica - única e autoritária – da racionalidade capitalista. Ataca-se enfim a renda vergonhosa dos “banquiplenos”, mas a baixa dos juros vai para engordar os produtores de carros, essas máquinas sagradas de produção de individualismo, em nome da moral do trabalho. Dessa maneira, progredir significa, na realidade, regredir: regressão política como acontece na gestão autoritária das revoltas dos operários das barragens; regressão econômica e biológica, como acontece com uma expansão das fronteiras agrícolas que serra a duração das relações entre cultura e natureza; regressão da vida urbana, com a remoção de milhares de pobres para abrir o caminho dos megaeventos; regressão da política da cultura viva, em favorecimento das velhas oligarquias e das novas indústrias culturais. O progresso que nos interessa não contém nenhuma hierarquia de valor, ele é concreta transformação qualitativa, “culturmorfologia”.

Este é o imaginário moderno em que a dicotomia prevalece: corpo e alma, natureza e cultura, nós e os outros; cada macaco no seu galho! Estes conceitos resultam em uma visão do mundo que distancia o homem da ecologia e de si mesmo. O que está em questão é a maneira de viver no planeta daqui em diante. É preciso encontrar caminhos para reconciliar estes mundos. Perceber outras configurações relacionais mais móveis, ativar sensibilidades. Fazer dessa revolução um grande caldeirão de desejos que crie formas de cooperação e modos de intercâmbio, recombine e componha novas práticas e perspectivas: mundos. Uma mestiçagem generalizada: nossa cultura é nossa economia e nosso ambiente é nossa cultura: três ecologias!

As lutas da primavera Árabe, do 15M Espanhol, do Occupy Wall Street e do #ocupabrasil gritam por transformação, aonde a base comum que somos nos lança para além do estado de exceção econômico: uma dívida infinita que busca manipular nossos corações e manter-nos acorrentados aos medos. Uma dívida infinita que instaura a perpétua transferência de renda dos 99% dos devedores ao 1% dos credores. Não deixemos que tomem por nós a decisão sobre o que queremos! 

A rede Universidade Nômade se formou há mais de dez anos, entre as mobilizações de Seattle e Gênova, os Fóruns Sociais Mundiais de Porto Alegre e a insurreição Argentina de 2001 contra o neoliberalismo. Foram dois momentos constituintes: o manifesto inicial que chamava pela nomadização das relações de poder/saber, com base nas lutas dos pré-vestibulares comunitários para negros e pobres (em prol da política de cotas raciais e da democratização do acesso ao ensino superior); e o manifesto de 2005 pela radicalização democrática. Hoje, a Universidade Nômade acontece novamente: seu Kairòs (o aqui e agora) é aquele do capitalismo global como crise. Na época da mobilização de toda a vida dentro da acumulação capitalista, o capitalismo se apresenta como crise e a crise como expropriação do comum, destruição do comum da terra. Governa-se a vida: a catástrofe financeira e ambiental é o fato de um controle que precisa separar a vida de si mesma e opõe a barragem aos índios e ribeirinhos de Belo Monte,  as obras aos operários, os megaeventos aos favelados e aos pobres em geral, a dívida aos direitos, a cultura à natureza. Não há nenhum determinismo, nenhuma crise terminal. O capital não tem limites, a não ser aqueles que as lutas sabem e podem construir. A rede Universidade Nômade é um espaço de pesquisa e militância, para pensar as brechas e os interstícios onde se articulam as lutas que determinam esses limites do capital e se abrem ao possível: pelo reconhecimento das dimensões produtivas da vida através da renda universal, pela radicalização democrática através da produção de novas instituições do comum, para além da dialética entre público e privado, pelo ressurgimento da natureza como produção da diferença, como luta e biopolítica de fabricação de corpos pós-econômicos. Corpos atravessados pela antropofagia dos modernistas, pelas cosmologias ameríndias, pelos êxodos quilombolas, pelas lutas dos sem teto, sem terra, precários, índios, negros, mulheres e hackers: por aqueles que esboçam outras formas de viver, mais potentes, mais vivas.

domingo, 17 de junho de 2012

Como TV instiga a desrespeitar direitos humanos


Pesquisa revela tolerância maior da população diante de abusos e crimes policiais. Estudiosos elencam, entre as causas, clima de medo e criado por programas e apresentadores sensacionalistas   
Por Felipe Prestes, no Sul21
A população brasileira está mais tolerante com atitudes arbitrárias da polícia e com suspensão de direitos a acusados e condenados. É o que indica a “Pesquisa nacional, por amostragem domiciliar, sobre atitudes, normas culturais, e valores em relação a violação de direitos humanos e violência”, lançada na última quarta-feira (6), pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP. As causas destas mudanças de opinião não aparecem na pesquisa, mas especialistas apontam que a sensação de medo, em parte turbinada pelos meios de comunicação, podem ser o principal fator.
Foram feitas entrevistas, em 2010, com 4025 pessoas, a partir de 16 anos, em 11 capitais brasileiras. Boa parte das perguntas também foram feitas em 1999, o que permite a comparação e mostra menos brasileiros se importando com direitos de suspeitos, acusados e condenados. Uma das questões, por exemplo, perguntava se um policial pode “invadir uma casa”, “atirar em um suspeito”, “agredir um suspeito” e “atirar em um suspeito armado”. A maioria das pessoas continua discordando totalmente nas três primeiras sentenças, mas houve grande queda dos que discordam. Em 1999, 78,4% discordavam totalmente sobre invadir uma casa; em 2010, o número caiu para 63,8%. Na primeira pesquisa, 87,9% discordavam totalmente sobre atirar em um suspeito; o que caiu para 68,6%. Em 1999, 88,7% eram totalmente contra a polícia agredir um suspeito; número que caiu para 67,9%; e 45,4% eram contra atirar em um suspeito armado, o que caiu para 38%. Outra questão era se um policial poderia bater em um preso que tentara fugir. Em 1999, 61,5% discordavam totalmente, número que caiu para apenas 34,8%.
Mudanças também em dados relacionados à Justiça. Embora a grande maioria, quase 80%, se oponha à tortura, quando perguntados se a Justiça deve aceitar provas obtidas por tortura, apenas 52,5% discordaram totalmente e 18,1% discordaram em parte. Em 1999, 71,2% discordavam totalmente e 5,5% discordavam em parte. Pode-se dizer neste caso, e em outras questões, que não aumentou o número de pessoas que concordam com a suspensão de direitos, mas que elas já não têm a mesma firmeza na defesa deles. Na afirmação “nenhum crime justifica pena de morte”, por exemplo, caíram 5% os que concordavam totalmente; número exato do que aumentou os que “concordam em parte”. Ou seja: não aumentou o número de pessoas a favor da pena de morte, apenas as pessoas contrárias à pena capital já não têm a mesma certeza.
Sobre penas, a pesquisa também fez perguntas que não haviam sido feitas em 1999, o que não permite a comparação mas, ainda assim, reforça a tendência que mostramos acima. A pesquisa sugeriu penas para determinados tipos de crime como “sequestro”, “estupro”, “corrupção”, entre outros. Na grande maioria dos crimes, mais da metade dos brasileiros optou pelas três penas não previstas pela Constituição que constavam entre as opções: pena de morte, prisão perpétua e prisão com trabalhos forçados. Além disto, mais de 60% dos entrevistados acredita que o Judiciário “se preocupa demais com os direitos dos acusados”.
Bruno Alencastro/Sul21
Paulo Paim diz não estar surpreso com resultados de pesquisa: “Em uma cultura do medo permanente, as pessoas defendem medidas mais radicais” | Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Preocupação com segurança é um dos fatores, diz senador
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Paulo Paim (PT-RS), os dados são motivados pela preocupação dos brasileiros com segurança. “Qualquer pesquisa que se realize hoje sobre as prioridades dos cidadãos, as pessoas vão dizer que se preocupam com três coisas: educação, saúde e segurança. Com este medo permanente as pessoas defendem medidas mais radicais e não percebem que violência gera cada vez mais violência. Não surpreende os dados da pesquisa e não tenho dúvida de que para crimes hediondos vai se apoiar cada vez mais a pena de morte. A tendência das pessoas é achar que isto vai resolver, mas não vai. Temos que investir em educação, informação, saúde e distribuição de renda”, conclui o senador.
“Basicamente, acho que é a cultura do medo que vai aumentando o aceitamento de repressão – e esvaziando o direito de defesa”, afirma Marcelo Semer, juiz de direito e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. O magistrado alerta para o fato de que, muitas vezes, o apoio à repressão policial é abstrato e a opinião muda quando se presencia uma cena de violência. “As pessoas podem achar, abstratamente, que aceitam mais a violência policial, mas se comovem quando a veem. Lembre-se que foi a exposição das cenas da violência policial na Favela Naval (em Diadema-SP), transmitida pela TV, que galvanizou apoio à criação do crime de tortura”, diz.
Meios de comunicação têm relação com resultado da pesquisa, acredita professor da USP
O sociólogo, jornalista e professor de Comunicação da USP, Laurindo Leal Filho, acredita que os programas policialescos da televisão têm influência sobre o resultado da pesquisa. “A gente não tem estes dados, mas dá para intuir que têm uma relação muito próxima. Estes programas sempre existiram na televisão brasileira, mas de dez anos para cá, aumentou o número significativamente. Só em Salvador, no horário de almoço, há programas assim em três emissoras diferentes”, exemplifica.
Divulgação / UEM
Laurindo Leal Filho diz que há uma banalização da violência: “é apresentada como sem causa, sem consequências” | Foto: Divulgação / UEM
Laurindo analisa que a apresentação de crimes sem contextualização gera uma banalização da violência. “Isto cria um clima de banalização da violência. A violência passa a se tornar rotineira, porque é apresentada como rotineira, sem causa, sem consequências”, afirma. Além disto, o pesquisador destaca que há uma figura padrão do apresentador destes programas – que geralmente exalta a violência como forma de reprimir a violência.
Os próprios jornalistas nestes programas também costumam atropelar os direitos das pessoas, com auxílio, muitas vezes, das autoridades públicas. “O jornalista age como justiceiro. Age como polícia e Justiça. Acompanha a ação policial, interroga, julga”, diz o professor.
“A imprensa joga com isso com frequência e não são apenas os ‘programas policialescos’. O sensacionalismo do Jornal Nacional, por exemplo, com as matéria de crime é atroz. De uma maneira geral, a imprensa perdeu os pudores de estimular a sensação de medo. Quando o pânico é instaurado, qualquer solução para resolvê-lo parece razoável”, afirma Marcelo Semer.
O senador Paulo Paim, por sua vez, critica programas que usam a violência como forma de lucrar, mas ressalta que não se pode “ir na linha da censura”. Para ele, é preciso trabalhar no sentido de difundir opiniões contrárias, que propaguem a não-violência. “Temos que mudar a cultura das pessoas. Mostrar que a violência permanente nos meios de comunicação não soma nada. Temos que trabalhar a cultura da paz, da não-violência, da solidariedade”.
“Há um nítido esvaziamento da ideia de defesa”, afirma juiz
Para Marcelo Semer, não há apenas a difusão da ideia de que o crime precisa ser combatido de forma violenta, mas também uma minimização do direito de defesa. “Há um nítido esvaziamento da ideia de defesa, que passa por um certo moralismo do senso comum, também estimulado pelos meios de comunicação”, diz.
Juiz Marcelo Semer
Marcelo Semer diz que imprensa brasileira cria “novo macarthismo”: “a todo momento queremos expor nomes e listas de quem não cumpre suas funções” | Foto: Arquivo pessoal
Os exemplos que Semer dá estão na ordem do dia, como o desrespeito do direito ao silêncio que tem se observado na CPI do Cachoeira. “O direito ao silêncio é tratado como se fosse uma malcriação; o sigilo da intimidade como a proteção do ilícito (‘quem não deve não teme’), a escolha de um advogado como um ilícito. Há nitidamente a criação, por parte da imprensa, e também dos políticos que passam a definir suas políticas por ‘pesquisas de opinião’, de um novo macarthismo: a todo momento queremos expor nomes e listas de quem não cumpre suas funções ou tem processos, ou foi ‘citado’ em inquéritos e aí por diante. Somos levados a acreditar que isso vai nos salvar de algo, mas apenas nos enreda ainda mais na cultura da perseguição, delação e preconceito”, opina.
Semer ressalta que o comportamento dos juízes, em geral, não embarca nesta onda. “Felizmente, o papel do juiz, neste campo, é contramajoritário. Não se julga direito penal por pesquisa de opinião. E a democracia não é apenas o governo da maioria, mas, sobretudo, o respeito aos direitos individuais, mesmo contra a vontade da maioria. Espanta-me quando a sociedade passa a aceitar tais restrições à defesa; mas apavora mesmo quando os operadores do direito começam a se convencer disso”, diz.