sexta-feira, 4 de julho de 2014

A pluralidade étnica incompleta da Copa do Mundo

O rebelde Benzema, Pogba e Sakho, astros da França. Lógica empresarial do futebol aceita negros e árabes entre os astros, mas converteu estádios em espaços para elites

Equipes multirraciais expressam potência dos fenômenos migratórios. Mas pobres e não-brancos estão ausentes nas arquibancadas e nas comissões técnicas

Por David Goldblatt, no The Guardian | Tradução Cauê Seignemartin Ameni

As maquiagens étnicas dos 32 times da Copa do Mundo refletem as camadas sedimentares da migração global, nos últimos 500 anos. A destruição colonial, pelos europeus, dos indígenas na América nos dá os times quase inteiramente europeus no Chile, Argentina e México; a Austrália poder considerada uma versão deste fenômeno na Oceânia.

Em grande parte do Novo Continente, a conquista foi seguida pela importação maciça de trabalho escravo africano, o que está expresso na mistura afro-europeia do Brasil, Equador, Honduras, Costa Rica, Colômbia, Uruguai e Estados Unidos; embora neste último país os latinos constituam uma categoria étnica própria. Em todo o continente, o futebol continua a ser um território de mobilidade social para jovens pobres e imigrantes. No Equador, os afro-equatorianos representam apenas 6% da população, mas quase todo o plantel do time.

A mesma lógica acabou funcionando na Europa Ocidental, onde as equipes foram moldadas por duas ondas de movimentos mais recentes. Durante as migrações que acompanharam a descolonização e o longo boom econômico do pós-guerra, a Inglaterra formou uma comunidade africana-caribenha; a Alemanha recebeu trabalhadores turcos e a França absorveu os africanos francófonos; os congoleses representam o mesmo para a Bélgica; os surinameses, para a Holanda.

Em todos esses países, a mudança física da seleção tem servido tanto como um emblema otimista de integração bem sucedida e como um pára-raios para acusações de falta de autenticidade; quem canta ou não o hino nacional antes dos jogos tornou-se uma referência de cidadania para muitos comentaristas de extrema-direita.

Nas últimas duas décadas, novos fluxos de refugiados e migrantes econômicos deixaram sua marca no futebol europeu. Ela apresenta-se no negro Balotelli, o astro indiscutível da Itália; no time suíço, onde quase dois terços dos jogadores têm ascendência imigrante; em jogadores afro-alemães e afro-espanhís. Por outro lado, as equipes mais ao leste – Bósnia, Croácia, Rússia e Grécia –, apesar de suas próprias complexidades étnicas internas, são majoritariamente brancas.

As seleções mais etnicamente homogêneas da competição são Japão e Coreia do Sul, ambos países com pequenas populações imigrantes. No entanto, nas arquibancadas, há evidências abundantes de suas próprias comunidades migrantes – brasileiros japoneses que partiram para as plantações de café de São Paulo no final do século 19 e os coreano-americanos. Estas diásporas, que permanecem em diálogo emocional e pratico com seus países de origem, são melhor representadas pelo Irã e Argélia. O treinador Carlos Queiroz convocou iranianos nascidos na Suécia, Holanda e Alemanha. Dezesseis jogadores da equipe argelina nasceram na França, mas optaram pelo norte da África.

Seja lá o que representem, os jogadores de futebol raramente se reconhecem como imigrantes. Eles fazem parte de um mercado global de trabalho de alta habilidade e remuneração — algo semelhante o que pode ser encontrado em serviços financeiros e profissionais. As quatro equipes da Africa Ocidental – Camarões, Nigéria, Gana e Costa do Marfim – têm apenas seis de seus 92 jogadores em clubes nacionais e quatro deles são goleiros.

A cidadania é negociável. A Croácia e Espanha “adquiriram” respectivamente os brasileiros Eduardo e Diego Costa. Apenas os ingleses e os russos, sem histórico de sucesso na migração futebolística, jogam principalmente em casa, nas ricas ligas domésticas.

Se os campos da Copa do Mundo 2014 são um quadro vivo da diversidade e da complexidade étnica do mundo, não é certo que o mesmo possa ser dito sobre as torcidas ou as comissões técnicas. O holandês Patrick Kluivert é um dos poucos rostos negros entre as comissões europeias. Nenhum time latino-americano tem um técnico de origem africana ou indígena. Gana e Nigéria optaram por técnicos locais, mas Camarões e Costa do Marfim têm europeus no comando.

A Fifa tem investigado pequenos incidentes envolvendo cantos racistas em meio às torcidas da argentina e mexicana e a presença de cartazes de extrema-direita, até mesmo fascistas, entre as torcidas croatas e russas. Mas o mais significativo é que nenhum grupo das arquibancadas compartilha a diversidade étnica de seus respectivos times. É difícil conduzir uma pesquisa demográfica a partir da cobertura televisiva altamente seletiva dos jogos no Brasil, mas a torcida anfitriã parecia incrivelmente branca e a maciça presença colombiana também. Suspeito que o mesmo possa ser dito dos europeus.

Obviamente, a mesma lógica étnica e divisão classes que explica a over-representação de grupos minoritários no futebol profissional explica também sua relativa ausência no caríssimo turismo futebolístico e nos altos comandos da partida.Quando a poeira baixar sobre a Copa do Mundo, a Fifa – muito preocupada com o comportamento das torcidas em relação ao racismo – poderia voltar sua atenção aos mundos privados do racismo institucional e ao dilema mais amplo de tentar organizar um festival universal em que apenas os ricos podem participar.




quinta-feira, 3 de julho de 2014

EUA: Desemprego e miséria obrigam pessoas a comerem ratos


Dados oficiais apontam que cerca de 47 milhões de americanos vivem abaixo da linha pobreza e este número vem aumentando.

Atualmente há 13 milhões de desempregados, 3 milhões a mais do que quando Barack Obama foi eleito presidente, em 2008.

Algumas estimativas calculam que cerca de 5 mil pessoas se viram obrigadas nos últimos anos a viver em barracas em acampamentos de sem-teto, que se espalharam por 55 cidades americanas.

Confira o vídeo abaixo:

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Copa sem casa





Moradores da comunidade vizinha à Arena de Pernambuco, na área rural de Recife, perderam suas casas ou parte de seus lotes e ainda lutam para receber indenização



Todas as quartas-feiras a defensora pública Daniele Monteiro atende famílias impactadas por obras da Copa do Mundo no Recife. No Fórum de Camaragibe, cidade da Região Metropolitana da capital pernambucana, as famílias buscam resolver pendências de seus processos de desapropriação. Eles moravam na comunidade Loteamento de São Francisco até o final de 2013, quando suas casas foram demolidas pelo governo. No entanto, muitos ainda não receberam nenhum centavo das indenizações devido a entraves burocráticos. Hoje, a maioria vive de aluguel e teve sua vida desestruturada.

A defensora pública estima ser responsável por pelo menos 20 casos desse tipo em Loteamento de São Francisco. A comunidade teve 200 de suas famílias removidas para obras de mobilidade: a ampliação do Terminal Integrado de Camaragibe e a construção do Ramal da Copa, via rodoviária de acesso à Arena Pernambuco. A ampliação do terminal não foi iniciada e o ramal está funcionando de forma improvisada durante o torneio.

As 200 famílias removidas em Loteamento de São Francisco integram as cerca de 2 mil desapropriadas pela Copa em Recife, segundo levantamento do Comitê Popular da Copa local.




Fonte: A Pública

terça-feira, 1 de julho de 2014

Considerações sobre as posições revisionistas (oportunistas) do marxismo no Brasil de hoje


Por Anita Leocadia Prestes.

V. I. Lenin, em sua época, mostrou que as tendências revisionistas do marxismo, embora reconhecessem formalmente a teoria do socialismo cientifico, na realidade constituíam uma forma da luta da ideologia burguesa contra as ideias revolucionárias. Segundo o grande artífice da Revolução Russa de 1917, isso revelava a força do marxismo. “A dialética da história é tal – escrevia Lenin – que o triunfo teórico do marxismo obriga seus inimigos a disfarçar-se de marxistas. O liberalismo apodrecido internamente, tenta renascer sob a forma de oportunismo socialista”1.

As palavras de Lenin revelam-se de uma atualidade surpreendente, quando se observa o panorama político da sociedade brasileira de hoje. Uma sociedade, cujas classes dominantes, representadas pelas elites políticas – ou seja, seus “intelectuais orgânicos”, segundo A. Gramsci2, – tiveram sempre sua atuação marcada pelas soluções de conciliação entre os distintos grupos de interesses dos setores privilegiados. As massas populares, os trabalhadores, os oprimidos e explorados permanecendo alijados dessas soluções de cúpula. Ao referir-se ao “homem cordial”, Sérgio Buarque de Holanda3 registrou esse traço manifesto das elites brasileiras, herança da nossa formação histórica, caracterizada pela permanência de quatro séculos de escravidão e da grande propriedade territorial.

Tais tradições da vida política brasileira, em que as soluções de compromisso entre grupos e/ou partidos representativos de distintas facções das classes dominantes constituíram uma forma de sobrevivência diante do aguçamento da luta de classes, determinaram um constante afastamento das massas populares de qualquer atuação significativa na resolução dos problemas nacionais. Condicionaram uma permanente impossibilidade de que protagonistas de perfil popular exercessem influência significativa nas decisões políticas adotadas pelos intelectuais orgânicos dos setores dominantes. Nesse sentido, tornou-se emblemática a frase pronunciada em 1930 por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, um dos grandes oligarcas de Minas Gerais: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”.4

Os antecedentes apontados, presentes no universo político nacional, formaram o caldo de cultura propício ao advento no meio dos setores de esquerda e dos movimentos populares e dos trabalhadores de tendências oportunistas, ou seja, revisionistas do marxismo – uma teoria revolucionária em sua essência, segundo a qual seus adeptos não devem apenas interpretar o mundo, mas transformá-lo.5

Na medida em que as forças revolucionárias, no Brasil, foram constantemente perseguidas e derrotadas pelo poder do Estado a serviço dos interesses das classes dominantes, na medida em que a debilidade orgânica e ideológica dos setores de esquerda e dos comunistas foi uma constante – em grande parte resultante dessa perseguição implacável –, tornou-se possível o predomínio em larga escala da ideologia burguesa nos movimentos populares e dos trabalhadores. Estava aberto o caminho para o avanço do oportunismo no seio das esquerdas brasileiras, para as dificuldades de enfrentá-lo com êxito.

Se lançarmos um olhar retrospectivo sobre a história do Brasil a partir da independência de Portugal, verificaremos que as situações de crise vividas pelo país foram sempre solucionadas através de compromissos estabelecidos entre facções das classes dominantes. Os setores populares ficaram de fora, reprimidos com violência quando tentaram conquistar posições que lhes fossem propícias dentro dos novos esquemas de poder.

A independência brasileira resultou de um arranjo entre os senhores de escravos e de terras e a Coroa portuguesa, enquanto os radicais da época foram alijados e derrotados. Diferentemente do processo de libertação das colônias espanholas liderado por revolucionários como Simon Bolívar e San Martin, que, ainda no início do século XIX, decretaram a abolição da escravidão negra e da servidão indígena, juntamente com o estabelecimento de regimes republicanos, no Brasil, com a independência, se constituiu uma monarquia, que assegurou a manutenção da escravidão negra até o final desse século e a proclamação da República apenas em 1889. Processos estes conduzidos de maneira a impedir qualquer mudança de caráter revolucionário. No Brasil, não tivemos lutas revolucionárias vitoriosas; pelo contrário, quando ocorreram, foram derrotadas com violência pelas classes dominantes do país. A tão celebrada opção por transições incruentas, proclamada com insistência pelos intelectuais orgânicos a serviço dos interesses dominantes, reflete a debilidade dos movimentos populares no Brasil – fruto das condições históricas a que foram condenados, incapazes de impor suas aspirações aos donos do poder.

Se dirigirmos nosso olhar para as vicissitudes do processo de transição do regime ditatorial implantando no Brasil em 1964 para a democracia hoje existente no país, verificaremos que, mais uma vez em nossa história, tivemos uma solução de compromisso entre facções das classes dominantes, entre os generais então à frente do Poder Executivo e os representantes da burguesia liberal (Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, etc.). Em 1979, mais uma vez em nossa história, os setores populares não tiveram força política para impor uma “anistia ampla, geral e irrestrita”, como também, em 1984, não puderam conquistar as “diretas já”. Do pacto estabelecido entre as elites burguesas resultaram uma anistia restrita, extensiva aos torturadores, e eleições indiretas para a presidência da República. Apenas em 1989, garantidos os interesses do grande capital nacional e internacional pela realização de uma transição “segura”, as eleições diretas para presidente da República foram permitidas.

Também o processo constituinte que se seguiu ficou marcado pela conciliação entre o “poder militar” e os representantes burgueses com acento na Assembleia Constituinte de 1988, cujo resultado foi a tutela militar sobre os três Poderes do Estado, de acordo com o artigo 142 da Constituição então promulgada, conforme denunciado à época por Luiz Carlos Prestes:

Em nome da salvaguarda da lei e da ordem pública, ou de sua “garantia”, estarão as Forças Armadas colocadas acima dos três Poderes do Estado. Com a nova Constituição, prosseguirá, assim, o predomínio das Forças Armadas na direção política da Nação, podendo, constitucionalmente, tanto depor o presidente da República quanto os três Poderes do Estado, como também intervir no movimento sindical, destituindo seus dirigentes, ou intervindo abertamente em qualquer movimento grevista (…)6

A fundação do PT, no início dos anos 1980, alimentou a esperança de que afinal fora criada uma organização política capaz de conduzir os trabalhadores pelo caminho da sua emancipação social e política. Sem confiar nas lideranças operárias surgidas das grandes greves de 1978/79 no ABCD paulista, a burguesia mobilizou recursos poderosos para derrotar Luís Inácio da Silva, o Lula, em três eleições presidenciais consecutivas (1989, 1994 e 1998).

No decorrer desses anos, tornou-se evidente que inexistiam no Brasil forças sociais e políticas – o “bloco histórico” gramsciano7 -, capazes de respaldar a eleição de um candidato à presidência efetivamente comprometido com os anseios populares e disposto a liderar um processo de transformações profundas da sociedade brasileira.

Ao mesmo tempo, tanto Lula quanto a direção do PT enveredavam pelo caminho da conciliação com setores da burguesia. Sem jamais terem adotado a teoria marxista como orientação ou considerado a realização de reformas sociais como caminho para a revolução, os líderes do PT optaram pelo reformismo. Diante da tradicional alternativa – reforma ou revolução –, a escolha foi clara. Tratou-se de buscar a reforma do capitalismo, de alcançar um capitalismo “sério” e distribuidor de benesses aos desassistidos, abandonando definitivamente qualquer proposta de mudança de caráter revolucionário e anticapitalista.

Contrariando o que haviam imaginado e proposto pensadores marxistas como Florestan Fernandes, o PT transformou-se numa versão brasileira da social-democracia europeia, com a diferença de que os conflitos sociais no Brasil, resultado de desigualdades extremas, não têm solução, mesmo que temporária, nos marcos do capitalismo, como aconteceu com o “estado do bem-estar social”, criação dos partidos social-democratas na Europa. Experiência esta hoje falida, como é do conhecimento geral.

Em 2002, ao candidatar-se pela quarta vez à presidência da República, Lula e as tendências que o apoiavam dentro do PT compreenderam que para assegurar sua eleição seria necessário fazer concessões ao grande capital internacionalizado, ou seja, aos setores da burguesia monopolista brasileira e internacional. A “Carta aos brasileiros” selou esse acordo. Lula e o PT tornaram-se confiáveis para a continuidade do sistema capitalista no Brasil, contribuindo para tal a nomeação de Henrique Meirelles para o Banco Central, o único gerente não estadunidense do então Banco de Boston, homem de confiança das multinacionais.8 Jamais no país os grandes empresários e banqueiros ficariam tão satisfeitos com um governo quanto com os dois quadriênios de Lula e, logo a seguir, com a eleição de sua “criação”, a presidente Dilma.

Uma vez no governo, os dirigentes do PT incluíram em sua base aliada partidos e agrupamentos políticos comprometidos com a continuidade das políticas neoliberais, que haviam constituído a essência dos compromissos assumidos com a “Carta aos brasileiros”. Estava fora de cogitação qualquer possibilidade de os novos governantes desenvolverem esforços voltados para a organização e a mobilização populares, tendo em vista a implantação de políticas favoráveis aos interesses dos trabalhadores e das grandes massas vitimadas pela exclusão social.

De acordo com a cartilha neoliberal, formulada pelas agências ligadas aos grupos monopolistas internacionais, aos setores populares seria destinada uma parte dos recursos provenientes dos lucros espetaculares desses grupos, através de políticas assistencialistas promovidas pelo Estado brasileiro, cujo objetivo principal nunca deixou de ser a garantia da paz social. Dessa forma, tentava-se evitar as convulsões sociais e garantir o apoio popular aos governos do PT e de seus aliados, assegurando a sucessão tranquila desses governantes a cada eleição. São distribuídas migalhas ao povo, enquanto as multinacionais obtêm lucros fabulosos e os dirigentes do PT e seus aliados garantem a reeleição para os principais cargos dos governos da República. Até agora esse esquema tem funcionado, embora, a partir de junho de 2013, haja começado a ser questionado pelas manifestações populares que se espalharam por todo o Brasil.

Embora o assistencialismo seja bastante eficaz na garantia da continuidade das políticas neoliberais e da manutenção do sistema capitalista, a orientação reformista dos governos de Lula e Dilma não pode prescindir do discurso ideológico para justificar sua atuação. Não basta apelar para a simbologia de um operário metalúrgico e de uma mulher na presidência da República pela primeira vez na história do Brasil.

Torna-se necessário justificar o presente apelando para o passado e falsificando a história. Busca-se no passado a justificativa para o presente. Tenta-se apresentar os atuais governantes como continuadores das grandiosas lutas do passado, como herdeiros dos líderes revolucionários do passado, como paladinos de ideias avançadas e progressistas. Torna-se conveniente disfarçar-se de marxistas para melhor encobrir a orientação antipopular da política dos atuais governantes.

É assim que intelectuais e dirigentes tanto do PT quanto do PCdoB, disfarçados de marxistas, “inventam” uma história das lutas do povo brasileiro conforme seus desígnios inconfessáveis. Segundo a propaganda amplamente difundida pelo PCdoB, estamos diante do “partido do socialismo”, que, entretanto, realiza políticas que favorecem o agronegócio e a entrega do petróleo brasileiro às multinacionais. Um partido que falsifica sua própria história, ao negar seu surgimento, em 1962, resultado de uma cisão do PCB, e datá-lo de 1922, quando foi fundado o Partido Comunista (Seção Brasileira da Internacional Comunista). Em 2012, o PCdoB comemorou os 90 anos de um partido que não é o seu.

Da mesma forma, deputados, senadores, prefeitos e governadores, assim como dirigentes dos partidos governistas, se apropriam da memória de lideranças revolucionárias como Luiz Carlos Prestes, Olga Benario Prestes, Gregório Bezerra, etc, para tentar melhorar sua imagem desgastada e seu crescente desprestígio diante das novas gerações. Para fazê-lo com algum sucesso precisam falsificar a história de luta desses homens e mulheres, admirados por seu heroismo, distorcendo sua atuação e esvaziando-a de qualquer conteúdo revolucionário. Tratam de transformar esses lutadores admiráveis em figuras aceitáveis até mesmo pelas classes dominantes, que eles sempre combateram.

Pudemos assistir recentemente à demagógica devolução do mandato de senador a Luiz Carlos Prestes, promovida pelos parlamentares dos atuais partidos governistas, assim como dos mandatos dos deputados comunistas cassados em 1948. Se Prestes estivesse vivo, jamais aceitaria as homenagens hipócritas desses senhores, cuja atuação política foi por ele combatida severamente até falecer em 1990. Outros exemplos desse tipo poderiam ser citados.

Neste ano, em que se completam 90 anos do início da Coluna Prestes, dirigentes dos partidos governistas “descobriram” nesse episódio glorioso das lutas do nosso povo um valioso filão a ser explorado para melhor se disfarçarem de avançados, de progressistas ou até mesmo de marxistas, como é o caso dos políticos do PCdoB. Organizam homenagens no Congresso Nacional, em assembleias estaduais e câmaras municipais, assim como caravanas pelo país, com o objetivo de manipular a história dessa epopeia brasileira, cujos feitos mal conhecem, difundido versões falsas a seu respeito e retirando desse movimento o seu conteúdo de luta revolucionária contra o poder oligárquico então existente.

A Coluna Invicta, como também ficou conhecida na época, é apresentada como um episódio que merece a unanimidade da aprovação nacional. Fala-se, inclusive, na sua “institucionalização”, o que significa torná-lo mais uma data a ser incluída no calendário de festejos nacionais. Um episódio transformado em celebração, desprovida de qualquer caráter de luta, e aplaudido por todos os brasileiros, indistintamente da posição de classe. Estamos diante de uma nova tentativa da transformar Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, numa liderança de todos os brasileiros, falsificando sua memória de líder dos trabalhadores, dos explorados e dos oprimidos; jamais dos exploradores e dos donos do capital.

Diante da atuação oportunista (revisionista do marxismo), dirigida no sentido de reformar o capitalismo em vez de liquidá-lo, diante da falsificação da história das lutas e da memória das lideranças revolucionárias do passado, com o objetivo de justificar tal política reformista, o legado de Luiz Carlos Prestes adquire indiscutível atualidade.

Para Prestes, a emancipação econômica, social e política dos trabalhadores brasileiros deveria ser obra deles próprios. Para que isso se tornasse possível, considerava que os verdadeiros revolucionários teriam que contribuir para a mobilização, a organização e a conscientização dos diferentes setores populares, assim como para o surgimento de novas lideranças e novas organizações partidárias efetivamente comprometidas com a solução radical dos graves problemas nacionais.

O legado de Luiz Carlos Prestes, ao apontar para a necessidade de considerar diferentes formas de aproximação da conquista de um poder revolucionário9, que venha a abrir caminho para a revolução socialista, constitui uma contribuição valiosa para as forças de esquerda que hoje estão empenhadas na luta por transformações profundas da sociedade brasileira, na luta por mudanças que não sirvam aos desígnios dos políticos das classes dominantes e dos seus aliados oportunistas, interessados em que “tudo mude para que tudo permaneça como está”.

A crítica das posições revisionistas do marxismo e das falsificações da história dos revolucionários brasileiros constitui aspecto fundamental da luta geral contra o sistema capitalista e a favor da revolução socialista.

* Publicado originalmente em 24 de junho de 2014 no PCLCP.

Notas

[1] LENIN, V. I. “Las vicisitudes históricas de la doctrina de Carlos Marx” (publicado con la firma de V.I. el 1 de marzo de 1913 em el num. 50 de Pravda), in LENIN, V. I. Contra el revisionismo. Moscu, Ed. en Lenguas Extranjeras, 1959, p. 158; destaques do autor. (Tradução do espanhol para o português de PRESTES, A.L.).

[2] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. 2ª ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, Vol. 2, 2001, p.15-25.

[3] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 14ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1981.

[4] ABREU, Alzira Alves de e BELOCH, Israel et al. (coord). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. 2ª ed. V. I. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2001, p. 1115

[5] MARX, C. “Tesis sobre Feuerbach”, in C. MARX & F. ENGELS. Obras Escogidas en tres tomos. T. I, Moscú, Ed. Progreso, 1976, p. 7-10.

[6] PRESTES, Luiz Carlos, “Um ‘poder’ acima dos outros”, Tribuna da Imprensa, RJ, 28/9/1988.

[7] Cf. GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. 2ª ed. V. 1. Rio de Janeiro, Civ. Brasileira, 2001, p. 238.

[8] Henrique Meirelles permaneceu à frente do Banco Central durante os dois quadriênios dos governos Lula.

[9] Cf. PRESTES, Anita Leocadia, “O legado de Luiz Carlos Prestes e os caminhos da revolução socialista no Brasil”, in www.ilcp.org.br.

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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Por que elite brasileira odeia a alta dos salários


Cresce, na mídia, campanha para reduzir custos salariais, que afetariam competitividade do país. Argumento é falso e relaciona-se com apartheid social brasileiro.

Por João Sicsú, na Revista Fórum

A partir de 2004/05, houve uma grande melhora a favor dos trabalhadores no perfil distributivo da renda. O Brasil mudou a sua estrutura econômica. Construiu um enorme mercado de consumo para as massas trabalhadoras. Mais de 40 milhões de trabalhadores se tornaram consumidores regulares.

Os principais responsáveis por essa mudança distributiva e pela ampliação da democracia econômica foram: o aumento do salário mínimo e a redução do desemprego. Nos últimos anos, o salário mínimo foi valorizado em mais de 70% em termos reais e o desemprego foi reduzido em mais de 50%.

A elite brasileira não suportou. Seu DNA é de direita e conservador. Inventaram dois argumentos, um para cada objetivo, mas ambos conectados na narrativa da oposição – seja aquela representada pela mídia das famílias (Globo, Veja, Folha de S. Paulo e Estadão), seja aquela representada pelo seu braço político, os partidos de oposição (o PSDB e o PSB/Rede).

Para combater a valorização do salário mínimo, argumentam que estaria alto demais e que o custo da folha salarial estaria retirando competitividade da economia, isto é, retiraria capacidade de investir das empresas. É uma visão interessada e ideológica, não tem base nas relações econômicas reais e nas experiências históricas.

Salários não representam apenas custo, representam principalmente demanda, capacidade de compra, que é o que estimula o investimento. Sem a pressão do consumo “batendo na porta” e a tensão da baixa de estoques, os empresários não investem. Em verdade, o que os empresários não suportam não é a ausência de possibilidades de investimento (que, aliás, existem). De fato, o que a elite não suporta é enfrentar engarrafamentos onde suas BMW’s ficam paradas por horas ao lado de milhares de carros populares… ao mesmo tempo, suas empregadas domésticas viajam no mesmo avião que viajam as senhoras esposas dos empresários.

Para combater a redução do desemprego, levantam a bandeira do combate à inflação, que estaria descontrolada. Argumentam que há muito consumo e que isso estaria estimulando reajustes de preços. Novamente, um argumento desconectado da vida real. A inflação de hoje está no mesmo patamar dos últimos dez anos. Aliás, ao final de 2013, o Brasil completou a marca de dez anos de inflação dentro das metas estabelecidas. Querem mais desemprego simplesmente para colocar os trabalhadores de joelho nas negociações salariais. Esta é a verdade – nada a ver com combate à inflação.

O investimento não tem crescido de forma satisfatória devido ao clima geral de pessimismo econômico criado pela mídia das famílias e por erros de política econômica cometidos pelo governo. Não tem nada a ver com o valor do salário mínimo. Aliás, existe financiamento abundante e com taxas de juros reais irrisórias no BNDES para a compra de máquinas, equipamentos e construção empresarial. E, para além disso, a inflação que é moderada está sob controle e tem sido resultado de pressões que vem basicamente de variações de preços dos alimentos – decorrentes de choques climáticos. Não há um excesso de compras generalizado, apesar da democratização do acesso a bens de consumo.

O que é cristalino é que as elites (empresarial, banqueira e midiática) não aceitam que a participação das rendas do trabalho tenha, nos últimos anos, aumentado tanto na composição do PIB, tal como mostra o gráfico abaixo. O gráfico é da tese de doutorado de João Hallak Neto, defendida recentemente no Instituto de Economia da UFRJ, intitulada A Distribuição Funcional da Renda e a Economia não Observada no Âmbito do Sistema de Contas Nacionais do Brasil.



A consequência direta é que a participação no PIB das rendas do capital tem diminuído. Contudo, devemos reconhecer que o nível de participação das rendas do trabalho ainda é baixo. Mas o que assusta a elite é a trajetória constituída a partir de 2004-05. Assusta sim porque a elite é conservadora e de direita. É de direita porque quer manter privilégios a partir da concentração da renda e da injustiça social. A elite também é mentirosa e perigosa porque inventa argumentos relacionados ao controle da inflação e à necessidade de estímulo ao crescimento/investimento que não estão conectados com o que dizem, mas sim com o que sentem: querem a manutenção do seu poderio econômico e financeiro às custas da concentração da renda.


domingo, 29 de junho de 2014

Luciano Huck, cafetão do Brasil



Por Alex Antunes


A “melhor Copa do Mundo” na verdade é um festival de clichês ridículos. Se dentro de campo as coisas vão bem (nem tanto para o Brasil, mas este não é o assunto), fora deles o afã de ganhar dinheiro e aparecer surfando na obviedade de um “grande evento esportivo internacional” não tem limites nem compostura.

Uma enxurrada de comerciais manobra a usual simbologia boçal do futebol (“rivalidade”, playboys playboyzando no bar, “pegar mulher”, felicidade compulsória). Ajuda a manter o clima troncho que passou pela abertura, com seus índios de verdade mas vestidos com roupa cor de pele para simular a nudez, o pseudo-inglês das informações aos gringos, e os próprios gringos lúmpen sem ingressos.

A “grande festa” do Fuleco (quem inventou esse nome, uma abreviação de “treco fuleiro”, estava trolando forte), do Ronaldo convertido no Bussunda imitando a voz do Ronaldo, de antigos ídolos dos anos 80 (Paulo Miklos e Fernanda Takai) cantando músicas que não colam, do Neymar onipresente ensinando cultura do estupro para o filho de dois anos no Faustão, dos “vips” nos camarotes sem noção, da copa que é “da Fifa” e não do Brasil, o vale tudo micaretesco.

Mas não podia faltar um ponto (ainda mais) baixo de Luciano Huck, aquele mesmo oportunista do Somos Todos Macacos. Luciano postou um chamamento, no Facebook e no Twitter, às mulheres cariocas, para conseguir o seu “gringo do sonho” com sua ajuda caridosa. O post foi retirado do ar - parece que alguém se tocou da inconveniência. Mas está gerando indignação, por suas implicações com o turismo sexual e o clichê da mulher brasileira “pegável”, como bem analisa a jornalista Gabriela Loureiro neste artigo cheio de dados.

"’Perdemos’ apenas para as nigerianas e para as chinesas, segundo o primeiro levantamento publicado pela União Européia sobre o tráfico de seres humanos em todo o continente, este ano (...) Muitas vezes o tráfico é realizado através da prostituição, outro ‘produto de exportação’ famoso do Brasil (...) Dois terços das vítimas de tráfico para fins de exploração sexual do mundo são mulheres, e a maioria dessas mulheres vêm de classes populares e vão parar na escravidão com a ilusão de que um namorado gringo vai tirá-las da miséria e tratá-las bem como em ‘Uma linda mulher’”, diz Gabriela.

Se é esse o legado da Copa – a reafirmação de todos os clichês infames sobre o Brasil, o seu abismo de classes, o seu dinheiro predador, as suas celebridades imbecis, os seus governos irresponsáveis e populistas –, melhor esquecermos logo desse pesadelo. Cuidado ao se animar muito, brasileiro/a. Estão passando a mão na sua bunda.



Fonte: Yahoo