sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

OBAMA E O TURISMO PARA BRASILEIRO (TROUXA) VER E USAR !




Por Antonio Carlos Mazzeo



Good Day for All ....


Obama anuncia, diante do castelo da Cinderela, na Flórida, novas medidas para a entrada de brasileiros nos EUA, alegando que somos de "baixo risco"! 

Fora o conceito de "baixo risco", incompreensível para os mortais não estadunidenses, pelo que pude entender, agora, quem quiser ir para os Estados Unidos da América terá mais facilidades .... terá que enfrentar uma fila menor, quer dizer, apenas uma "pequena e rápida humilhação"  sob chuva e sol, nas portas dos consulados daquele país. 

Melhor, terá que preencher o famoso  e ridículo questionário apenas uma vez, com perguntas "inteligentes" do tipo: "o (a) senhor(a) já cometeu genocídio?", ou ainda, "o (a) senhor(a) pertence a algum grupo terrorista?" e outras pérolas desse naipe. Não é o máximo?!

Agora, a classe média colonizada brasileira poderá compensar melhor sua frustração de não ter nascido nos States, correndo atrás de um visto de entrada permanente para os EUA ou melhor ainda, quem sabe com ajuda divina (e do saldo bancário), un Green Card ! De qualquer modo, está mais fácil fazer comprinhas em Orlando, em suas lojas de gostos exuberantes (e duvidosos) e levar os filhinhos para um estágio de "encretinamento" e embotamento cerebral na Disney, ou ainda serem otários em Las Vegas, nos cassinos com suas réplicas de mal gosto e cafonas das pirâmides do Egito e dos monumentos históricos europeus, prontos a surrupiar a grana dos trouxas, mas deslumbrados turistas brasucas.
Mas ... esperem .... tem mais!!!! A furiosa classe média consumista e colonizada brasuca poderá usufruir, também e gratuitamente,  dos preconceitos contra os latinoamericanos (a quem desdenhosamente chamam "latinos"), das grosserias da polícia alfandegária e do messianismo evangélico. Mas não sejamos injustos, há os excelentes Mcdonalds originais para saborear, hot dogs típicos, além da Ku-Klux-Klan, é claro!  

O discurso de Obama diante de um castelo de princesa da Disney não me parece um acaso, mas uma tentativa desesperada de ressuscitar o moribundo, roto e esfarrapado american dream . Pior, é um recurso para aumentar e dinamizar uma economia em crise estrutural, além da guerra imperialista.

O ruim disso tudo, para a classe média em busca do american dream,  é que os turistas deslumbrados serão obrigados, a  passar pelas ruas da Big Apple  ou de  Washington , em meio aos movimentos doOccupy Wall Streat ou the White House e manifestações contra o desemprego. infelizmente, terão de ver os EUA real, desmistificado, imerso numa crise societal de grande profundidade. Na atual situação dos EUA, quem vai atrás do Uncle Scrooge, o Tio Patinhas, pode dar de cara com os The Beagle Boys, os irmãos Metralhas! 

Mas, claro, há o recurso da avestruz, fingir que não está acontecendo nada na Meca do capital e dizer: "imaginem, que crise nada, fui jantar e paguei um prato de spaghetti com vinho apenas U$ 10,00!", como já ouvi de uma pessoa próxima. 

Para aqueles que acham que sonhar é melhor que viver essa é uma ótima opção, a de não perceber que o american dream acabou no Irajá, e está afundando mais rápido que o Costa Concordia. 

120 livros acadêmicos para download gratuito

(Crédito: dny3d/Shutterstock.com)

Os livros são disponibilizados pela Cultura Acadêmica, parte da Fundação Editora da UNESP

Universidade Estadual Paulista(UNESP), através da Cultura Acadêmica (um dos braços de sua editora principal), está disponibilizando120 títulos acadêmicos em formato digital para download gratuito. Os livros estão divididos em 23 áreas do conhecimento e são voltados para estudantes de graduação e pós-graduação que precisam de material de apoio para desenvolver projetos acadêmicos.

Confira quais são os livros disponibilizados pela Cultura Acadêmica:


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A guerra no Irã: a integração das estruturas de comando dos EUA e Israel

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[Michel Chossudovsky tradução de Diário Liberdade] 4 de janeiro de 2012. A República Islâmica do Irã foi ameaçada pela ação militar pelos EUA e seus aliados nos últimos oito anos. Perspectiva de implantação de milhares de tropas dos EUA em Israel.

O Irã tem se envolvido em jogos de guerra no Golfo Pérsico. A Marinha dos EUA está preparada. Exercícios navais do Irã, que começaram no dia 24 de dezembro de 2011, foram realizados em uma área que é patrulhada pela Quinta Frota dos EUA, com sede no Barein.
Enquanto isso, uma nova rodada de sanções econômicas contra a República Islâmica do Irã foi lançada, atingindo fortemente o Banco Central do Irã, levando a uma queda dramática da moeda iraniana.
Reagindo às ameaças dos EUA, o Irã declarou que irá considerar bloquear o carregamento de petróleo pelo Estreito de Ormuz:
“Cerca de 40% do carregamento de petróleo do mundo transita diariamente remessas pelo estreito, transportando 15,5 milhões de barris da Arábia Saudita, Iraque, Irã, Kuwait, Barein, Catar e Emirados Árabes Unidos de petróleo cru, levando a Administração de Informação Energética dos Estados Unidos a rotular o Estreito de Ormuz como o checkpoint de petróleo mais importante do mundo.” (John CK Daly, War Imminent in Strait of Hormuz? $200 a Barrel Oil?, Global Research, 3 de janeiro de 2012)
A globalização da Guerra e o fim da República Americana
Há uma relação simbiótica entre a Guerra e a Crise Econômica.
O planejamento da guerra do Irã está sendo realizada no cruzamento de uma depressão econômica mundial, que é propícia para a ampliação das desigualdades sociais, desemprego em massa e o empobrecimento dos grandes setores da população mundial.
O esmagamento dos movimentos sociais na frente doméstica – incluindo todas as formas de resistência à agenda militar dos EUA e sua política econômica neoliberal – é parte integrante do papel hegemônico mundial dos Estados Unidos
O governo constitucional, sob os olhos da administração de Obama, constituem uma invasão de “Globalização da Guerra"?
A História nos diz que um Império não pode ser construído sob fundamentos políticos de uma república.
A este respeito, não é nenhuma surpresa que o novo regime de sanções para o Irã aprovadas pelo Congresso dos EUA tornou-se lei na véspera do Ano Novo, 31 de dezembro, no mesmo dia em que Obama assinou o Ato de Autorização de Defesa Nacional (NDAA, 2012), que suspende as liberdades civis e permite a “detenção indefinida de americanos”.
A administração de Obama está decidida a esmagar os dissidentes sociais, bem como os protestos contra a guerra. A república americana é incompatível com a “longa guerra” dos Estados Unidos. O que é necessário é a instauração de uma “ditadura democrática”, uma regra militar de fato em panos civil.
Milhares de tropas para Israel
Preparativos de guerras avançadas estão em andamento. Raramente mencionadas pela mídia ocidental, embora confirmados por relatos da imprensa israelense, o Pentágono se prepara para enviar milhares de tropas dos EUA à Israel.
No contexto dos preparativos, em curso, de guerra, estas tropas estão programadas para participar em conjunto, EUA-Israel, de manobras militares na Primavera de 2012, descrita pelo Jerusalem Post como “o maior exercício de defesa de mísseis na história [de Israel]”. (Grifo nosso – G.R.)
Na semana anterior [11-18 dezembro], o tenente-general Frank Gorenc, comandante da Terceira Força Aérea dos EUA com sede na Alemanha, visitou Israel para finalizar os planos para o próximo exercício, esperava ver a implantação de vários milhares de soldados americanos em Israel. (US commander visits Israel to finalize missile..., Jerusalem Post, 21 de dezembro de 2011)
Estes jogos de guerra envolvem os testes do sistema de defesa aérea de Israel, que agora está totalmente integrado ao sistema global de detecção de mísseis dos EUA, após a instalação (dezembro 2008) de um novo e sofisticado sistema de radar X-band de alerta precoce. (Veja www.defense.gov/news/, 30 de dezembro de 2011,. Veja também senador Joseph Azzolina, Protecting Israel from Iran's missiles, Bayshore News, 26 de dezembro de 2008).
O sistema de detecção de mísseis dos EUA inclui satélites globais, os navios Aegis no Mediterrâneo, Golfo Pérsico e Mar Vermelho, assim como radares terrestres e interceptores Patriot. No contexto do planejamento dos jogos de guerra dos EUA-Israel na Primavera:
“Os EUA também irão trazer a sua THAAD (Terminal High Altitude Area Defense) e a base do navio Aegis com sistemas balísticos de defesa antimísseis em Israel para simular a interceptação de defesa de mísseis contra Israel.
Os sistemas americanos irão trabalhar em conjunto com sistemas de defesa antimísseis de Israel – o Arrow, Patriot e Iron Dome.
Gorenc veio a Israel para conversas com o Brigadeiro-General Doron Gavish, comandante da Defesa da Força Aérea (IAF, em sua sigla inglesa).
Ele visitou uma das baterias do Iron Dome no Sul e no laboratório de Israel Test Bed, em Holon, onde o IAF tem seus exercícios de simulação de interceptação.
A IAF está planejando implantar uma quarta bateria do sistema contra foguetes do Iron Dome nos próximos meses e está ponderando a possibilidade de estabelecimento em Haifa para proteger refinarias de petróleo ali localizadas.
O Ministério da Defesa tem um orçamento para a fabricação de um adicional de três baterias Iron Dome até o final de 2012. Requisitos operacionais da IAF, chamada para a implantação de cerca de uma dúzia de baterias ao longo das fronteiras norte e sul de Israel.
O IAF também está avançando com planos para implantar o sistema de defesa antimíssil David Sling da Rafael, que é projetado para se defender contra os foguetes de médio alcance e mísseis de cruzeiro. Rafael completou recentemente uma série de navegações bem sucedidas e testes de voos do interceptor David Sling e os planos para realizar o primeiro teste de interceptação em meados de 2012. (US commander visits Israel to finalize missile..., Jerusalém Post, 21 de dezembro de 2011)
Estruturas de Comando Integradas dos EUA-OTAN-Israel
De acordo com esse conjunto de jogos dos EUA-Israel, há indícios de que os EUA também estão planejando aumentar o número de tropas americanas estacionadas em Israel.
Além disso, estes exercícios militares planejados para a próxima primavera são acompanhados por uma mudança fundamental na estrutura de comando dos EUA-OTAN-Israel.
O que está agora se desenrolando por ordem de Washington é uma integração EUA-Israel nas estruturas de comando militar.
Washington não é um parceiro relutante, como alguns observadores sugeriram, “com a administração Obama tentando distanciar-se” de uma guerra de Israel patrocinada contra o Irã. Muito pelo contrário!
Dada a integração do sistema de defesa aérea de Israel com os EUA, Israel não pode, sob quaisquer circunstâncias, travar uma guerra contra o Irã sem os EUA. E mais, desde meados de 2005, após a assinatura de um protocolo entre a OTAN e Tel Aviv, Israel tornou-se um membro de fato da Aliança Atlântica.
O Pentágono chama a tiros. A implantação planejada de tropas dos EUA em Israel é parte integrante de uma guerra patrocinada pelos EUA.
No contexto dos exercícios militares da Primavera de 2012, os militares dos Estados Unidos irão estabelecer Postos de Comando em Israel. Por sua vez, o IDF de Israel vai estabelecer Postos de Comando no Quartel de Comando dos Estados Europeus (EUCOM), em Stuttgart, Alemanha. (Ibid).
O objetivo final destes postos de comando é estabelecer a “parceria [EUA-Israel] forças-tarefa no caso de um conflito em larga escala no Oriente Médio”, (Ibid). Em outras palavras, essas forças-tarefas estarão envolvidas no planejamento da implantação de tropas e sistemas de armas contra o Irã, com Israel representando um importante papel como plataforma de lançamento para uma ação militar.
O que esses desenvolvimentos sugerem é que a guerra contra o Irã – que tem estado na prancheta do Pentágono desde 2003 – contará com a participação direta de Israel sob um comando militar unificado com EUA.170112_guerra1
O povo de Israel são as vítimas tácitas da agenda militar global da América, e também os planos de guerra de seu próprio governo, dirigido contra o Irã.
Eles são levados a acreditar que o Irã possui armas nucleares, quando na verdade Israel possui um arsenal nuclear avançado, que é dirigido contra o Irã.
O povo de Israel, bem como a opinião pública ocidental, mais generalizada, também são levados a acreditar que o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad quer “varrer Israel do mapa”, quando na verdade esta afirmação foi inventada pela mídia ocidental, como um meio de demonizar o chefe de Estado iraniano, bem como apresentar o Irã como uma ameaça para a segurança de Israel:
“Em todo o mundo, um boato perigoso que poderia ter implicações catastróficas foi espalhado. Segundo a lenda, o presidente do Irã ameaçou destruir Israel, ou, para citar erroneamente, ‘Israel deve ser varrido do mapa’. Contrariamente à crença popular, esta declaração nunca foi feita”. (Veja Arash Norouzi, Israel: "Wiped off The Map". The Rumor of the Century, Fabricated by the US Media to Justify An All out War on Iran, Global Research, 20 de janeiro de 2007)
Quem quer “varrer Israel do mapa”? Teerã ou Washington? Ahmadinejad ou Obama?
Na realidade, a administração Obama, assim como o governo de Netanyahu, indelevelmente constitui uma ameaça para o povo de Israel.
Teerã desde 2005 avisou que irá retaliar se for atacado, na forma de mísseis balísticos dirigidos contra Israel, assim como contra as instalações militares dos EUA no Golfo Pérsico, o que nos conduzam a um cenário de escalada militar.
Essa guerra iria engolir uma região que se estende desde o Mediterrâneo até o coração da Ásia Central. Teria consequências devastadoras, resultando em uma perda massiva de vidas.
Seria precipitar a humanidade em um cenário de III Guerra Mundial.



Original aqui.
Tradução de Pamela Penha para Diário Liberdade

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

As radicalidades



O que tento fazer é propor a descolonização do pensamento
11/01/2012

Elaine Tavares

O eurocentrismo é mesmo uma coisa difícil de ser superada num país como o nosso, em que as mentes parecem estar, na sua maioria, repetidamente cativas do velho mundo colonial. Uma palavra de um pensador europeu vale mais do que toda a prática de um povo, por exemplo. Observei isso ao abrir as redes sociais e ver, reproduzido à exaustão, um texto do Boaventura Souza Santos sobre a necessidade de a esquerda refletir sobre os acontecimentos recentes como o dos indignados na Espanha e o dos estadunidenses na Wall Street. No texto, o sociólogo português elabora uma boa análise sobre a incapacidade da esquerda de fazer uma ofensiva sobre o sistema, atuando sempre na reação, e também sobre a eterna divisão da qual é acometida sempre que assume o poder. A dança das cadeiras por cargos, a busca da perpetuação nos postos de mando.
Boaventura traz um pouco da história das velhas bandeiras da esquerda e mostra o quanto as esquerdas que atuam nos novos movimentos na Europa e na zona do império (EUA) estão sendo incapazes de dialogar com os não-militantes, no sentido de permitir que eles se apropriem desse debate histórico e dessas bandeiras. Souza Santos consegue perceber bem os desafios da esquerda europeia, que parece um tanto perdida no turbilhão de “democracia” que se apresenta de forma radical nas assembleias dos “indignados”. E ele está certo. Tanto na Grécia quanto na Espanha, onde estive acompanhando esses movimentos, era possível perceber que o que aparece como um monolito nas imagens de TV (o povo em luta) apresenta muitas fragilidades, justamente por conta da incapacidade das esquerdas em fazer a unidade na luta. Na Grécia, sindicatos e partidos – os que atuam dentro de um objetivo calculado - fazem manifestações em separado, peleiam por detalhes e muitas vezes deixam as gentes em desamparo, porque muitos não conseguem entender o teor das divisões. Na Espanha observei o mesmo fenômeno. Determinadas organizações preparam marchas em separado e igualmente se afastam das maiorias, que muitas vezes estão nas ruas por pura indignação mesmo, carentes de uma explicação do mundo.
Mas, o que me chamou a atenção no texto do Boaventura e o que me parece foi o estopim para tantas pessoas o terem replicado, foi o fato de ele apresentar como novidade os processos de democracia – que ele chama de alta-intensidade – que se observam no interior dos movimentos. E aí sim fico pensando na incapacidade de nossos intelectuais de pensarem o mundo como totalidade. Porque, afinal, a vida não tem sua fonte original nas terras europeias, ela também se expressa em outros espaços geográficos, às vezes com muito mais originalidade. Então proponho algumas indagações aos companheiros que pensam a vida.
Não seria de alta-intensidade a democracia que sobrevive em Cuba, por exemplo - apesar do criminoso bloqueio comercial - com um processo de ampla participação popular que começa na rua de casa? E que depois se espraia nas assembleias por bairros e por municípios? Coisa que já dura aí mais de 50 anos! Não seria também de alta-intensidade a democracia que vive nas comunidades zapatistas, no meio da selva chiapaneca, onde as comunidades discutem à exaustão os temas que envolvem a reprodução de suas vidas e só tomam uma decisão quando todos concordam? E o que dizer da democracia participativa inaugurada pelo povo venezuelano a partir de 1998, com a formação de missões, conselhos e uma rica vida política de intervenção direta? Não seria de alta-intensidade a organização comunal dos ayllus, na Bolívia, em que as questões são decididas em conselhos abertos da comunidade? Ou as rodas comunitárias dos indígenas do Equador, do Chile, da Argentina, do Brasil?
Nada contra as reflexões de Boaventura, ele tem mais que pensar e refletir o seu universo, e o faz muito bem. Ele inclusive aponta um elemento que pode ser revestido de caráter universal, que é o da necessidade de as esquerdas estudarem mais a realidade, a sua realidade.
O que tento fazer, desde aqui deste meu pequeno pedaço de Abya Yala é propor a descolonização do pensamento. Que possamos, até convidados por Boaventura, perceber as originalidades que vicejam aqui mesmo, ao nosso redor, nessa terra cheia de possibilidades. O capitalismo faz água, está em processo de queda e como já anuncia outro teórico – do mundo árabe – Samir Amin, nos processos de queda de impérios e de mudança de temperatura do mundo é sempre a periferia do sistema aquela que tem as melhores chances de arrancar para algo radicalmente novo.

Elaine Tavares é jornalista.

Fonte: www.brasildefato.com.br

O papel rebelde da utopia



Filme de Sílvio Tendler retoma Bloch, lembra que sociedades transformam-se e “astuciar” o mundo é viver agora futuro que desejamos
Por Arlindenor Pedro*
Assisti Utopia e Barbárie, filme do Silvio Tendler, em uma noite de dezembro de 2011 no acampamento do Ocupa Rio, em plena Cinelândia. Naquele cenário, sentado na calçada com jovens idealistas, olhando as imagens desse importante documentário, não pude deixar de recordar outros momentos que passei naquela praça.
Lembrei-me que foi ali, na porta do Clube Militar, na tarde do dia 31 de marco de 1964, que presenciei estarrecido as tropas da Policia do Exército disparar contra o povo desarmado que defendia o governo João Goulart. Com apenas 17 anos vi corpos abatidos ao meu lado pelo Exército do meu país, e, embora tenha mantido a minha vida, naquela tarde perdi a minha liberdade.
Mais tarde, na mesma Cinelândia, emocionado, cansado pelos anos de luta, assisti com a multidão, através do som de um trio elétrico, a sessão no Congresso na noite do dia 28 de abril de 1984 – momento da votação da Emenda das diretas Já. Embora derrotada, ela deu cheque- mate na ditadura, que ficou com seus dias contados. Recuperávamos então a liberdade política perdida!
A obra de Silvio Tendler nos remete àqueles momentos. Trata-se de um intenso trabalho de pesquisa e coleta de som e imagem com o objetivo de nos lembrar a importância das utopias no desenvolvimento de um povo, na suplantação dos estados de barbárie que por vezes se impõem, oprimindo a sociedade. Segundo o diretor, foram dezenove anos de trabalho e quinze países visitados, resultando no olhar diverso de cerca de 50 personagens. Por meio deles, e a partir do vendaval que varreu o mundo na década de 1960, o filme reconstrói o pós-II Grande Guerra. Trata-se de rever essas utopias e perguntar: o que resultou disso tudo?
Depoimentos de políticos, poetas, escritores, militares, jornalistas, numa variada gama de imagens feitas no Brasil e exterior, nos colocam frente a acontecimentos que tiveram importância na formação do presente. As guerras da Indochina, a guerra da independência na Argélia, o assassinato de Patrice Mulumba. Personagens como o General Giap, Ho Chi Mihm, Lyndon Johnson, presentes na mídia daquela época, retornam para avivar nossa memória e informar os mais novos. O diretor ouviu sobreviventes do genocídio de Hiroxima e Nagasaki, dos campos de extermínio nazista da II Guerra e moradores de um kibutz em Israel, último vestígio da utopia sionista socialista do início do século passado.
No que se refere ao Brasil, é interessante constatar como alguns dos que viveram a luta contra a ditadura militar sentiam aqueles momentos. Dilma Rousseff, que ainda não era presidente ao depor para o filme, deixa claro a falta de liberdades políticas foi o que empurrou sua geração para a oposição e a clandestinidade. O poeta Thiago de Melo fala sobre as divergências que tinha com seus companheiros que pregavam a luta armada como forma de combater o regime. Toda uma geração que, embora seguindo por caminhos paralelos, levantou-se contra a barbárie e apostava na utopia de um Brasil solidário, diferente. Na oposição aos militares e em busca de liberdade, uniram-se todos, num sentimento comum que se materializou com a Constituição de 88.
Em um dos momentos marcante do documentário o diretor nos leva ao Vietnã atual, várias gerações após a guerra. Vemos país que adota a economia de mercado e de consumo, tentando seguir os mesmos caminhos da China. Fica no ar a pergunta: seria esse o final da história? O sentido da guerra do Vietnã se resumiria à luta pela afirmação nacional e independência, diante das forças invasoras – francesas e depois americanas? As utopias das revoluções chinesa soviética teriam, por diferentes caminhos, desembocado no mesmo final: os parâmetros de mercado do mundo globalizado?
O cientista político norte-americano Francis Fukuyama desenvolveu a tese de que o liberalismo político e econômico saiu vitorioso da batalha final contra o socialismo e o comunismo. Mas, seria mesmo essa a batalha final da humanidade? Haveria, aliás, uma “batalha final”?
Robert Kurz, e seus companheiros da revista alemã Exit, não pensam assim. Em seu livro O colapso da Modernização, ele refuta os que vem na derrocada dos regimes socialistas a vitória do capitalismo. Segundo seu ponto de vista, o que está em crise é um sistema mais amplo – do qual os países “socialistas” faziam parte; e pode surgir daí um desastre de proporções catastróficas. Para Kurz a crise inicia-se nos países do “terceiro mundo”, avança para leste europeu e hoje já se instala profundamente nas áreas do centro capitalista.
Na verdade, ao derrotar as utopias modernas – como socialismo, comunismo, fascismo, nazismo, sionismo, maoísmo – a “visão de mundo” da burguesia liberal, apenas abriu caminho para uma nova utopia. Trata-se o pós capitalismo, um mundo onde novas relações entre os seres humanos, não mais intermediadas pelas mercadorias e sua própria imagem, substituirão a apropriação do trabalho abstrato e a prevalência do valor de troca sobre o valor de uso.
Muitos duvidam que a humanidade possa viver fora da lógica do mercado e da sociedade do consumo. Veem como utópicas – aqui, no sentindo de fantasiosas e impossíveis – as propostas de sociedades além desses parâmetros. A mercadoria seria eterna; e o trabalho, a essência da natureza humana, constituindo-se inclusive no elemento que nos diferenciaria dos outros primatas, propiciando a nossa evolução. Estaríamos condenados, pois, a viver dentro de um sistema que reifica nossas relações e nos afasta cada vez mais da sociabilidade e equilíbrio, levando-nos à barbárie.
Neste caso, a humanidade viveria uma espécie de beco-sem-saída, visto que a natureza predatória do mercado põe em risco a própria existência da espécie, tal o poder de extermínio acumulado por um tipo de conhecimento tecnológico que opõe os mercados às sociedades e à natureza.
Anselm Jappe, o pensador alemão que escreveu Debord, conta ter descoberto, em suas pesquisas no Canadá, um povo indígena que mantém um costume para nós no mínimo inusitado. Se um indivíduo dessa comunidade sentir-se ofendido por outro, seja qual for o motivo, fica na obrigação de presenteá-lo com algo, para demonstrar que sentiu a ofensa. Por sua vez, o indivíduo que recebeu o presente adquire o dever de retribuir com outro presente, de valor de troca ainda maior. E isto se faz sucessivamente, até que um dos dois desista da “gentileza”, ou simplesmente vá à falência. Vemos aqui uma forma de encarar o valor do presente, e a própria relação entre os indivíduos, totalmente distinta da nossa. Talvez isso sugira a necessidade de reciclar por completo nossos comportamentos e modo de encarar os nossos semelhantes. Não é sem sentido que muitos filósofos na atualidade voltaram-se para o estudo do modo de vida das comunidades gregas do período homérico, quando, pensa-se, a humanidade perdeu o passo do homem livre e total da antiguidade
Dada sua incongruência com a ordem estabelecida, as utopias sempre tiveram um relevante papel como motor do processo histórico – isto é, da busca por mudanças. Estariam elas no campo das pulsões, conceito presente nas obras do pensador alemão Ernst Bloch – especialmente no seu livro Princípio Esperança? Ali, ele nos propõe a existência de um nexo entre as potencialidades-ainda-não-manifestas e a atividade criadora da “consciência-antecipadora”. Ou seja, sugere que podemos equacionar problemas atuais em sintonia com linhas que antecipam o futuro. O conceito blochiano de superação do que-já-se-efetivou pela esperança do que ainda-não-veio-a-ser, torna-se um elemento importante para entendermos as utopias no desenvolvimento das sociedades. O ainda-não-ser, categoria fundamental na filosofia blochiana da práxis, baseia-se nas potencialidades imanentes do ser que ainda não foram exteriorizadas, mas que constituem uma força dinâmica que projeta o ente para o futuro. Imaginando, os sujeitos “astuciam” o mundo. O futuro deixa de ser insondável para vincular-se à realidade como expectativa de libertação e desalienação. No presente, o individuo vive o futuro, por meio de ações e comportamentos – isto é, nas utopias.
Em diversos momentos vivi isto nas ruas, no pós-64. Foi também o que vi na vida-vivida do Ocupa Rio, naquela noite, na Cinelândia, ao assistir e refletir sobre a obra de Silvio Tendler. As multidões que tomam as ruas em todo o mundo, no Brasil e na nossa Praça da Utopia – a Cinelândia — o fazem porque recusam-se em viver o presente, projetando-se para o futuro: astuciando o universo.
O diretor considera sua obra inacabada. É fato, pois, ao contrário do que pensa Fukuiama, nunca existirá o fim da história: as ideologias e utopias estarão sempre se chocando. Fazemos parte de um universo em constante e acelerada expansão, onde sempre existirão o infinito e o improvável. Eles alimentarão nossas almas, nossa arte, fazendo de nós os seres mais livres da existência. O filme de Silvio Tendler existe para isto.
Serra da Mantiqueira, Janeiro de 2012

Arlindenor Pedro é professor de História e especialista em Projetos Educacionais. Anistiado por sua oposição ao regime militar, atualmente é produtor de flores tropicais na região das Agulhas Negras.


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Porque o BBB tem que ser proibido


Por Luis Nassif

  1. Intimidade e privacidade são bens indisponíveis. Isto é, não é dado a outras pessoas invadirem esse tipo de bem jurídico. É um direito individual, inalienável e intransferível. Somente a própria pessoa – por ela própria (não por meio de outro) - pode abrir mão desse direito.
  2. Exemplificando. A legislação não pune a autolesão. Mas pune quem induz ou pratica a lesão em terceiros, mesmo com sua autorização. Não pune a tentativa de suicídio, mas quem induz. Não proíbe a prática de prostituição, mas pune quem explora. Esses princípios derrubam a ideia de que basta a pessoa autorizar para que sua intimidade possa ser exposta por terceiros de forma degradante.
  3. Tem um caso clássico na França do lançamento de anões. Um bar tinha uma atração que consistia em lançamento de anões. A prática passou a ser questionada nos tribunais. O depoimento de um dos anões foi de que dignidade era ter dinheiro para sustentar a família. A corte decidiu que a dignidade humana deveria prevalecer e proibiu a prática explorada pelo estabelecimento.
A análise do BBB deve ser feita a partir desses pressupostos.
  1. Não poderia ser questionado juridicamente alguém que coloque em sua própria casa uma webcam e explore sua intimidade.
  2. No caso do BBB, no entanto, a exploração é feita por terceiros de forma degradante. É como (com o perdão da comparação) o papel da prostituta e do cafetão. E não é qualquer terceiro, mas o titular de uma concessão pública obrigado a seguir os preceitos éticos previstos na Constituição - que não contemplam o estímulo ao voyeurismo.

Escândalo é derrubar laranjal. Estupro, não.




Por Igor Felippe Santos

A Globo fez um escândalo sem precedente quando, em 2009, trabalhadores rurais derrubaram pés de laranjas (menos de 1% do total na área, contaminados por agrotóxicos, de acordo com o governo dos Estados Unidos) em protesto para denunciar que a fazenda era grilada pela Cutrale, as terras ficam no município de Borebi, na região de Iaras (SP).
Foram dias e dias de exposição por mais de uma semana, dia e noite, das imagens (sem contextualizá-las) de um trabalhador rural passando o trator sobre os pés de laranja. Esse escândalo teve como consequência a instalação de uma CPMI contra a Reforma Agrária, a paralisação da criação de assentamentos e tentativa de desmoralização do MST.
Agora suspeita-se que um integrante de um reality show, o BBB12, teria feito sexo sem consentimento com outra participante, desmaiada e sem consciência, o que configuraria estupro. Esta denúncia não vai aparecer no Jornal Nacional, no Bom Dia Brasil, no Jornal Hoje e no Jornal da Globo? As imagens, inclusive, não estão mais no arquivo da Globo…
Escândalo para a Globo é fazer um protesto contra a grilagem de uma empresa transnacional, contra a pobreza no campo e pela Reforma Agrária. Mas a suspeita de estupro dentro da suas instalações, transmitido ao vivo por suas câmeras (com consentimento da produção do programa?), não está sujeita a virar notícia.
Não dá nem para dizer que são dois pesos e duas medidas. Porque o escândalo no caso da Cutrale era a grilagem das terras, que foi omitida, assim como o episódio no BBB12. A Globo cria os escândalos que quer. E com todo o seu poder apaga aqueles que se configuram como tal que não convêm para seus interesses. Aposto que, daqui uma semana, o programa transcorrerá como se nada tivesse acontecido…
Tanto que a “história” e os “procedimentos” para a continuidade da “atração” já foram combinados entre produção e participantes, uma vez que “por volta das 19h30 desta segunda-feira, o áudio do pay-per-view do programa foi cortado e só voltou às 20h20. Às 20h, os brothers que estavam na área externa da casa tiveram que entrar imediatamente” (de acordo com o blog SRZD).
Não há democracia num país que tem uma emissora de TV que manda e desmanda, escandaliza e “des-escandaliza” (transforma verdadeiros escândalos em… nada). É hora da sociedade se movimentar e pressionar para que o governo federal jogue peso no projeto de regulamentação dos meios de comunicação. É preciso colocar amarras nesse monstro criado pela ditadura chamado Organizações Globo, que deveria escandalizar todos aqueles que defendem a democracia.
Igor Felippe Santos é jornalista, editor da Página do MST, do conselho político do jornal Brasil de Fato e do Centro de Estudos Barão de Itararé.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Organizações progressistas brasileiras lançam manifesto de solidariedade à Síria

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A Síria está sofrendo uma série de atentados terroristas que atingem diretamente a população, cujo objetivo é desestabilizar o governo, provocar guerra civil e uma intervençaõ militar da OTAN.

A estratégia empregada é muito semelhante a empregada na Líbia. Mas, as massas síria estão nas ruas respondendo com bastante vigor o intento imperialista.
Seguindo a tradição da esquerda internacionalista de nosso país, as Entidades brasileiras ,abaixo relacionadas, lançam um Manifesto de solidariedade à luta anti imperialista travada pelo povo sírio e em Defesa de sua Soberania, obviamente, são as entidade brasileiras que se encontram perfiladas ao lado dos anti imperialistas sírios contra a guerra ,calculadamente construída pelo sionismo.


Manifesto
Manifestamos nosso enérgico repúdio aos atentados terrorista praticado contra o povo sírio, sua unidade e sua soberania, que tem causado a morte de dezenas de pessoas e muitos feridos, perpetrado por forças que querem destruir a unidade síria, impedir as reformas e favorecer o imperialismo e o sionismo no Oriente Médio.
Não temos dúvidas de que estas violentas agressões contra inocentes civis sírios são parte da estratégia imperialista/sionista que se utiliza e orienta grupos mercenários e fundamentalistas oportunistas a criar entre a população um clima de guerra psicológica e terrorista, cujo principal objetivo é levar ao sectarismo e criar enfrentamentos, incitando à guerra civil .
Nesse sentido a mídia mundial funciona como um instrumento de guerra eficaz, quando faz coro com as manipulações criadas pelas forças de segurança dos EUA e de Israel, que justificam os massacres perpetrados por seus exércitos e pela OTAN em nome da democracia e da necessidade de proteção da população nativa. Na verdade o que querem é dominar, destruir, matar e ocupar o país.
No caso da Síria, censuram as notícias sobre os ataques de grupos terroristas à população e culpam o governo de Bashar AL - Assad , invertendo os papeis: a vítima transforma-se no criminoso; o criminoso em vítima.
A Síria é o principal pilar da resistência antiimperialista e antisionista do Oriente Médio, do nacionalismo árabe e da convivência pacífica entre diversas etnias e religiões. A Síria foi o único país árabe que acolheu além dos palestinos desde 1948, mais de 1,5 milhão iraquianos que largaram para trás seu país, após a bárbara invasão estadunidense, onde foram utilizadas bombas de fragmentação, urânio empobrecido e outras armas proibidas pelas Convenções de Genebra.
Nós, brasileiros, acreditamos na força e na determinação do povo sírio, que tem respondido, nas ruas das cidades e províncias diariamente, de uma forma unitária e muito firme, as estratégias criminosas da qual têm sido vitimas. Todo nosso apoio e solidariedade internacionalista ao povo sírio e sua forte unidade nacional. Estamos lado a lado com a Siria e condenamos qualquer ingerência externa em seus assuntos.


Assinam:


Comitê de Solidariedade à Luta do Povo Palestino do Estado do Rio de Janeiro
Comitê Catarinense de Solidariedade ao Povo Palestino do Estado de Santa Catarina
Movimento Palestino Brasileiro pela Paz no Oriente Médio / Rio de Janeiro
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PCB - Partido Comunista Brasileiro
MTD – Movimento dos Trabalhadores Desempregados
Brigadas Populares
CTB – Central dos Trabalhadores e trabalhadoras do Brasil
CEBRAPAZ – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz
União da Juventude Comunista
Unidade Classista - Corrente Sindical do PCB
FEARAB – Federação de Entidades Árabes da América/RJ
Club Sírio e Libanês
União CulturalL Árabe- brasileira
Sociedade Beneficente Feminina Árabe-Brasileira
Sociedade beneficente Muçulmana Alauita
Sociedade Ortodoxa São Nicolau


Fonte: www.diariodaliberdade.org

domingo, 15 de janeiro de 2012

Racismo filho do fascismo



A luta para acabar com as repetidas manifestações de racismo e xenofobia, na Europa inteira, vai ser longa
11/01/2012

Vito Giannotti

Na Europa, todos os meses, há notícias de um ataque racista contra “extra-comunitários”, isto é, não europeus. Sempre a mesma cena: mortes de imigrantes e a imediata apresentação dos atacantes como loucos, neuróticos, desequilibrados. Em seguida a absolvição dos criminosos e o rápido esquecimento do fato, com silêncio de toda a mídia que apoia o sistema.
Todos lembramos da chacina de quase cem pessoas de meses atrás, cometida por um jovem da Noruega. Ele já foi declarado “psicopata”, isto é, absolvido. Não era nenhum louco especial, só um cara de direita, amigo de amigos de grupos nazistas ou fascistas e todos racistas cheios de ódio de árabes, africanos e eslavos.
No ano passado, o governo do presidente francês Sarkozy mandou “limpar” Paris e a França de imigrantes miseráveis da Romênia, que já viviam no país há anos. Qual o crime? Não são franceses legítimos.
Em dezembro passado, dia 10, na cidade modelo da cultura italiana, Florença, um pacato cidadão matou a tiros de revólver dois imigrantes do Senegal, num mercado público, e deixou dezenas de feridos. Este “pacato” cidadão também pertencia a um grupo racista e planejou detalhadamente a chacina.
Três dias antes, em Turim, uma garota de 16 anos resolveu transar com o namorado. Acabou a virgindade. E daí? Correu para casa para contar para os pais e os irmãos que tinha sido atacada e estuprada por dois “rom”, isto é, por dois imigrantes romenos “que fediam muito”. Duas horas depois, jovens da bem comportada Turim, armados de picaretas, machados e latas de gasolina, destruíram e incendiaram uma favelinha de 25 barracos de imigrantes perto da casa da moçoila. Essa mesma mocinha, arrependida, uma hora depois declarou na delegacia que ela tinha inventado tudo por medo dos pais descobrirem o pecado que ela fez com o namoradinho. E daí? O acampamento dos imigrantes já estava em chamas e os jovens alegres a comemorar.
No dia 17 de dezembro, em Florença, 20 mil manifestantes prestaram solidariedade aos dois senegaleses assassinados na semana anterior. Foi bom. Mas é pouco para reverter 20 anos de avanço da ideologia de direita neoliberal. A ideia chave desta ideologia é o individualismo. E o racismo é o individualismo expandido à etnia. Eu sou o centro. O problema são os outros. Os diferentes. E os imigrantes, os estrangeiros são muito diferentes. Daí vem o ódio a todos eles. Hitler também dizia que os judeus eram muito diferentes.
A luta para acabar com as repetidas manifestações de racismo e xenofobia, na Europa inteira, vai ser longa. Na Itália, por exemplo, há quase seis milhões de imigrantes que não tem direitos civis. Cerca de 10% da força de trabalho deste país não têm direito de voto. Isso vale mesmo para aqueles que nasceram na Itália, mas tem a mancha de não ser fi lhos de italianos “legítimos”.
Até o presidente da República, o antigo comunista Giorgio Napolitano, no dia da manifestação de Florença, declarou: “Precisamos bloquear a cultura racista. Tivemos tolerância demais com a xenofobia e o racismo”.
O líder do partido de esquerda, Socialismo, Ecologia e Liberdade (SEL), foi taxativo: “Nossa classe dirigente por 15 anos fez racismo de Estado”. É isso mesmo. O momento, para a Itália de hoje, e para a Europa, é de avançar nestas constatações e voltar a levantar as causas desta derrota de esquerda que gerou este racismo. Retomar o combate unitário à cultura da direita neoliberal que imperou nestas últimas décadas. E mostrar que a única alternativa é retomar a construção de uma nova cultura socialista baseada na solidariedade. Ou isso, ou dar razão a Hitler. Enfim, é o velho dilema que colocava Rosa Luxemburgo, cem anos atrás: “Socialismo ou barbárie”.

Vito Giannotti é escritor e Coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação.

Fonte: www.brasildefato.com.br

93 anos do assassinato de Rosa Luxemburgo



Na noite de 15 de janeiro de 1919, em Berlim, foi detida Rosa Luxemburgo: uma mulher indefesa de cabelos grisalhos, enrugada e exausta. Uma mulher velha, que aparentava muito mais que os 48 anos que tinha.

Um dos soldados que a rodeavam, obrigou-a a seguir aos empurrões, e a multidão burlona e cheia de ódio que se amontoava no vestíbulo do Hotel Eden saudou-a com insultos. Ela ergueu sua face diante da multidão e olhou os soldados e os hóspedes do hotel que se mofavam dela com seus olhos negros e orgulhosos. E aqueles homens em seus uniformes desiguais, soldados da nova unidade das tropas de assalto, sentiram-se ofendidos pela olhada desdenhosa e quase compassiva de Rosa Luxemburgo, "a rosa vermelha", "a judia".
Insultaram-na: "Rosinha, aí vem a velha puta". Eles odiavam tudo o que esta mulher representou na Alemanha durante duas décadas: a firme crença na ideia do socialismo, o feminismo, o antimilitarismo e a oposição à guerra, que eles haviam perdido em novembro de 1918. Dias antes, os soldados haviam esmagado o levante dos trabalhadores em Berlim. Agora eles eram os amos. E Rosa os havia desafiado em seu último artigo:
«A ordem reina em Berlim! Ah! Estúpidos e insensatos verdugos! Não vos dais conta de que vossa ordem está levantada sobre a arena. A revolução se erguerá amanhã com sua vitória e o terror assomará nos vossos rostos ao ouvir anunciar com todas suas trompetas: Eu fui, eu sou, eu serei!».
Empurraram-na e golpearam. Rosa levantou-se. Nesse então, quase haviam alcançado a porta traseira do hotel. Fora, esperava um carro cheio de soldados, os quais, segundo haviam-lhe comunicado, conduziriam-na à prisão. Mas um dos soldados foi para cima dela levantando sua arma e golpeou-lhe a cabeça com a culatra. Ela caiu no chão. O soldado lhe desferiu um segundo golpe na têmpora.
O homem chamava-se Runge. O rosto de Rosa Luxemburgo jorrava sangue. Runge obedecia ordens quando golpeou Rosa Luxemburgo. Pouco antes ele havia derrubado Karl Liebknecht com a culatra do seu fuzil. Também a ele haviam-no arrastado pelo vestíbulo do Hotel Eden.
Os soldados levantaram o corpo de Rosa. O sangue brotava da sua boca e do seu nariz. Levaram-na ao veículo. Sentaram Rosa entre dois soldados no assento de trás. Fazia pouco que o carro havia arrancado quando lhe dispararam um tiro a queima roupa. Se pode escutar no hotel.
Na noite de 15 de janeiro de 1919 os homens do corpo de assalto assassinaram Rosa Luxemburgo. Lançaram seu cadáver de uma ponte para o canal. No dia seguinte toda Berlim sabia já que a mulher que nos últimos vinte anos desafiara todos os poderosos e que cativara os assistentes de inumeráveis assembleias, estava morta. Enquanto se buscava o seu cadáver, um Bertold Brecht de 21 anos escrevia:
A Rosa vermelha agora também desapareceu.
Onde se encontra é desconhecido.
Porque ela aos pobres a verdade há dito
Os ricos do mundo a extinguiram.
Poucos meses depois, em 31 de maio de 1919, encontrou-se o corpo de uma mulher junto a uma eclusa do canal. Podia-se reconhecer as luvas de Rosa Luxemburgo, parte de seu vestuário, um brinco de ouro. Mas a cara era irreconhecível, já que o corpo fazia tempo que estava podre. Foi identificada e se a enterrou em 13 de junho.
No ano de 1962, 43 anos depois de sua morte, o Governo Federal alemão declarou que seu assassinato fora uma "execução de acordo com a lei marcial". Faz doze anos que uma investigação oficial concluiu que as tropas de assalto, que haviam recebido ordens e dinheiro dos governantes social-democratas, foram os autores materiais de sua morte e da de Karl Liebknecht.
Rosa Luxemburgo foi assassinada pelas tropas de assalto a serviço da socialdemocracia. Junto com ela morreu seu camarada Karl Liebknecht. Nasceu em 5 de marzo de 1871. Muita gente segue a tradição da Alemanha oriental de assistir à manifestação para recordá-la, seu respeito demonstram-no depositando cravos vermelhos no monumento dedicado a «Rosa Vermelha» e aos socialistas e comunistas que trabalharam por un mundo melhor.
A atualidade do pensamento de Rosa Luxemburgo
"Que extraordinário é o tempo que vivemos", escrevia Rosa Luxemburgo em 1906. "Extraordinário tempo que propõe problemas enormes e espolia o pensamento, que suscita a crítica, a ironia e a profundidade, que estimula as paixões e, antes de tudo, um tempo frutífero, prenhado".
Rosa Luxemburgo viveu e morreu num tempo de transição, como o nosso, no qual um mundo velho se afundava e outro surgia dos escombros da guerra. Seus companheiro tentaram construir o socialismo, seus assassinos e inimigos ajudaram Adolf Hitler a subir ao poder.
Hoje, quando o capitalismo demonstra uma vez mais que a guerra não é um acidente, senão que uma parte irrenunciável de sua estratégia. Quando os partidos e organizações "tradicionais" se vêem na obrigação de questionar suas formas de atuar ante o abandono das massas. Quando a esquerda transformadora advoga exclusivamente pelo parlamentarismo como via para a mudança social. Quando nos encontramos ante una enorme crise do modelo de democracia representativa e os argumentos políticos se reduzem ao "voto útil".
Hoje, dizemos, Rosa Luxemburgo se converte em referência indispensável nos grandes debates da esquerda. Não é senão sua voz a que se escuta sob o lema, aparentemente novedoso: "Outro mundo é possível". Ela o formulou com um pouco mais de urgência: "Socialismo ou barbárie".
Seu pensamento, seu compromisso e sua desbordante humanidade nos servem de referência em nosso luta para que este novo século não seja também o da barbárie.
Com informações da Fundação Lauro Campos e do Mundo Obrero.


Fonte: www.diariodaliberdade.org