sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Oportunismo na Estrada do Comunismo


Os trabalhadores e os povos de todo o mundo têm direito a uma sociedade livre da exploração e da opressão. Essa sociedade só será construída pelas suas próprias mãos, pela sua luta organizada e criadora. E essa luta só irá tão longe quanto é necessário se tiver no seu cerne fortes organizações revolucionárias de classe: os partidos comunistas. A reflexão acerca dos factores que dificultam, atrasam e desviam dos seus objectivos essenciais a existência e a acção dos partidos comunistas é nos dias de hoje uma tarefa de primeiro plano.

Por Miguel Urbano Rodrigues

O quarto número da Revista Comunista Internacional - editada por órgãos teóricos de onze partidos revolucionários - é um valioso contributo para a compreensão das ameaças e problemas que afetam hoje a nível mundial a luta dos partidos comunistas.

O tema central da maioria dos artigos desta edição é a análise do oportunismo e do seu significado politico-ideológico. Nas últimas décadas o seu papel na social-democratização de partidos comunistas que abandonaram o marxismo-leninismo foi decisivo.

No ensaio de abertura da revista, Herwig Lerouge, do Partido do Trabalho da Bélgica, chama a atenção para as consequências nefastas da acção do Partido da Esquerda Europeia – PEE na anestesia, mais exatamente na neutralização, da combatividade de amplos sectores da classe operária em países da União Europeia. O Partido Comunista Francês-PCF e a Rifondazione Comunista Italiana-PRC (criada após a transformação do PCI num partido social-democrata) sustentam que é possível chegar- se ao socialismo pela via parlamentar. Fausto Bertinotti, que foi presidente do PEE, retomou velhas teses de Edward Bernstein ao afirmar que «o movimento dos movimentos» poderá ser o motor da caminhada para o socialismo.

O Die Linke, o Partido da Esquerda Alemã - que resultou da junção do PDS da ex-RDA com o WASG dos dissidentes do SPD da Alemanha Ocidental - adepto dessa tese, fez grandes promessas aos trabalhadores mas, após alguns êxitos iniciais, não as cumpriu e entrou em rápido declínio. Na década em que foi co-governo da cidade de Berlim com o SPD tornou-se cúmplice na privatização de mais de 100 000 apartamentos sociais, fechou creches, cortou indemnizações, privatizou transportes públicos.

Os fatos demonstram que a participação de partidos comunistas (ou ex-comunistas) em governos socialistas não trava as privatizações. O governo da gauche plurielle em França privatizou, aliás com o apoio do PCF, mais empresas do que as privatizadas durante os governos de Baladour e Juppé, ambos primeiros-ministros da direita.

Atualmente, o socialista François Hollande não hesita em assumir mais abertamente do que o próprio Obama a defesa de agressões militares imperialistas. No ataque à Líbia e no caso da Siria,por exemplo.

Na Grécia, o Syriza - amálgama de ex.trotskistas, de ex-maoístas e de trânsfugas do KKE - abandonou todas as referências ao marxismo e abstem-se de responsabilizar o capitalismo pela atual crise mundial que define como consequência de erros do neoliberalismo. No seu ambíguo programa promete revogar as medidas mais duras impostas pela troika, mas as suas propostas inserem-se num projeto de compromissos com a burguesia e o imperialismo. Nada que atinja os banqueiros e a estrutura repressiva das forças armadas. Não se opõe também à permanência da Grécia na NATO.

Na sua lucida intervenção no XV Encontro de Partidos Comunistas e Operários em Lisboa, Giorgos Marinos, do KKE, tirou a máscara ao partido de Alexis Tsipras.

«A verdade - disse – é que o Syriza como formação oportunista que se desenvolveu num dos pilares da social-democracia é apoiado por setores da classe burguesa, é um defensor do capitalismo e da União Europeia. É um partido que elogiou a linha política de Obama como progressista e promoveu o mito de que um novo vento soprava na Europa para os trabalhadores com a eleição de Hollande».

Julgo útil lembrar que o Bloco de Esquerda-BE é em Portugal (com o Partido Socialista) um defensor entusiasta da estratégia do Syriza. Francisco Louçã, seu ex-coordenador, participou mesmo em Atenas num comício do partido de Alexis Tsipras. Tal como o seu aliado, o BE, nascido da fusão da UDP, maoista, com o PSR trotskista, também se abstém hoje de referências ao marxismo.

A METAMORFOSE DO PARTIDO COMUNISTA DE ESPANHA

Importante é também o artigo na Revista Comunista de Raul Martinez e Astor Garcia, dirigentes do Partido Comunista de los Pueblos de Espana-PCPE.

Recordam que o Partido da Esquerda Europeia – PEE foi concebido para funcionar como «polo oportunista de dimensão continental e força para a colaboração de classes no âmbito da União Europeia».

Tem cumprido bem esse papel. Em 1976, em Berlim Ocidental, os Partidos Comunistas de Espanha, França e Itália aderiram a uma plataforma eurocomunista «na qual – sublinham - tinha um papel determinante o apoio ao processo de formação de uma união interimperialista europeia».

E no seu IX Congresso, em l978,o PCE decidiu romper com o marxismo-leninismo e adotar o eurocomunismo como a sua ideologia.

Em 1988, no XII Congresso, Julio Anguita, então secretário-geral, definiu com transparência o rumo do PCE: «É portanto necessária uma transformação da Comunidade Europeia. Para a realizar apostamos na construção de amplas alianças, a partir do movimento operário e outras forças sociais do progresso, sustentadas no terreno político pela convergência de partidos comunistas, socialistas, social-democratas, trabalhistas e verdes».

É transparente a apologia de uma estratégia incompatível com o marxismo.

Hoje, num contexto histórico diferente, cabe ao Partido da Esquerda Europeia, herdeiro do revisionismo, ser o executor dessa estratégia que privilegia a função dos parlamentos, e renuncia à luta de classes.

Na prática, as «amplas frentes de esquerda» preconizadas pelo PEE conduzem a uma aliança com a burguesia que subalterniza os partidos comunistas e faz deles instrumentos de uma política reformista que nega a sua função revolucionária.

A União Europeia ideada pelo PEE seria – cito novamente Raul Martinez e Garcia - “a negação de tudo o que se relaciona com a construção do socialismo, com recusa total das tradições revolucionárias, em contradição frontal com o socialismo científico, a luta de classes e a revolução socialista».

Robert Hue, ex-secretário do PCF, desceu à baixeza de afirmar que tudo na União Soviética foi negativo.

A OBRA DEVASTADORA DO OPORTUNISMO NOS PARTIDOS COMUNISTAS DA AMÉRICA

Sob o título «Alguns traços do oportunismo na América», Pavel Blanco Cabrera, primeiro secretário do Partido Comunista do México, e Hector Colío Galindo, também dirigente do PCM, apresentam, também no último número da Revista Comunista Internacional, uma reflexão abrangente sobre as consequências devastadoras da ação do oportunismo, do reformismo e do revisionismo nos partidos comunistas da América.

Afirmando que a ausência de uma frente ideológica contra o oportunismo configura uma ameaça para os partidos comunistas, evocam a destruidora herança do browderismo na América Latina.

As teses de Earl Browder, um precursor do eurocomunismo, contribuíram nos anos 40 do século passado para a neutralização de muitos partidos comunistas da América Latina.

Deixaram aliás sementes. Hoje, Sam Web, o presidente do PC dos Estados Unidos, defende a sua transformação numa organização inofensiva, quase uma força auxiliar do Partido Democrata, uma espécie de «clube ideológico».

A chamada latino-americanizaçao do marxismo - cito Pavel e Hector - «tem muito em comum com operações corrosivas como as de Santiago Carrillo, os eurocomunistas, e o marxismo ocidental».

Académicos aventureiros e oportunistas como o alemão mexicano Hans Dieterich e o irlandês-mexicano John Holloway têm semeado a confusão; invocam o marxismo, mas na realidade combatem-no.

Em universidades prestigiadas da América Latina tornou-se quase uma moda fazer a apologia do chamado «socialismo do século XXI» para atacar o marxismo-leninismo definido como uma «ideologia estatal soviética» que qualificam de obsoleta. Subestimar os efeitos dessas campanhas é um erro. Estabelecem a confusão em meios progressistas. Sobretudo na Venezuela; mas até em Cuba fazem estragos.

As políticas que subalternizam a luta pelo socialismo - encarando-a como tarefa posterior e remota, como fizeram Bernstein e Kautsky - atribuem na prática prioridade às reformas no quadro institucional, admitindo que se pode chegar ao governo pela via eleitoral. São políticas capituladoras. Marinos não exagera ao afirmar que essa atitude «degrada o próprio objetivo estratégico, o objetivo que determina as táticas, a postura dos Partidos comunistas como um todo, o seu trabalho no movimento laboral e popular, a sua política de alianças».

O oportunismo manifesta-se, não esqueçamos, de maneiras diferentes, surgindo por vezes com máscara socialista.

Consciente dessa realidade, Pavel Blanco Cabrera e Hector Colío , na sua demolidora crítica ao oportunismo e ao revisionismo, alertam para a confusão que resulta do conceito do chamado «socialismo de mercado chinês».

A tese foi formulada por Deng Xiao Ping mas, muito antes, Mao Tse Tung, num quadro diferente, defendeu a viabilidade de alianças de partidos comunistas com um sector da burguesia nacional supostamente patriótico cujos interesses não coincidem com os do imperialismo. O resultado dessas alianças tem sido desastroso, mas a tese continua a ser uma fonte de ilusões. Alguns povos pagaram já um alto preço por esse tipo de alianças.

Identifico-me com Pavel Blanco e Hector Colío quando escrevem: «Nessa política de alianças, o papel da classe operaria e dos partidos comunistas que nela participam é subordinado; é um problema arriscado porque a independência de classe e o partido deixam de ser as tarefas prioritárias, o dever indeclinável; deixam de ser organizações militantes e transformaram-se em agrupações de filiados para as quais o socialismo passa a ser uma aspiração. Ao definir-se uma etapa intermédia de larga duração são empurradas para a colaboração de classes, os pactos sociais e um parlamentarismo funcional ao progressismo que é uma forma de gestão do capitalismo».

Enunciam uma evidência ao salientar que a denúncia firme do oportunismo, inseparável do revisionismo, é uma exigência premente na luta dos partidos comunistas revolucionários.
Já Lénine dizia que «a luta contra o imperialismo é uma frase vazia e falsa se não estiver indissoluvelmente ligada à luta contra o oportunismo».

Mas se o reformismo, tolerado ou erigido em opção estratégica, deve ser condenado qualquer que seja a sua modalidade porque não representa uma ameaça para o capitalismo, e lhe garante pelo contrário - por ser inofensivo - a sobrevivência - que fazer, então? Como inverter a atual correlação de forças favorável ao imperialismo? Qual a alternativa ao sistema de poder imposto à Humanidade?

Esboçar sequer uma tentativa de resposta a essas perguntas não é o objetivo deste despretensioso comentário ao número da Revista Comunista Internacional dedicado à denúncia do fenómeno do oportunismo que ameaça a nível mundial os partidos comunistas.
Como comunista sei que o capitalismo, condenado, não está em vésperas de ser erradicado. Não viverei esse dia. Mas é minha inabalável convicção que a alternativa ao monstruoso sistema de exploração do homem pelo homem será o socialismo.

Não está iminente esse grande acontecimento. Nem definidos os seus contornos depois de assimiladas as lições de muitos e graves erros (e desvios) cometidos no quadro das experiências socialistas ensaiadas pela humanidade.

Mas é falso, perverso e desmobilizador o discurso da burguesia sobre a inexistência de alternativas ao capitalismo. A social-democracia, farisaica, pretende que o capitalismo é humanizável e conta com a cumplicidade do oportunismo de múltiplos matizes.

Mentem. Pela sua essência e objetivos, o capitalismo é incompatível com as aspirações do homem. Terá de ser destruído.

Acredito que será a convergência de múltiplas lutas de muitos povos, lideradas pelos partidos comunistas, como vanguardas revolucionárias, fiéis aos ensinamentos do marxismo-leninismo, que contribuirá decisivamente para o fim do capitalismo, abrindo as alamedas de um futuro socialista à Humanidade.

A estrada que conduz ao comunismo é longa e dificílima de percorrer, batalhando. A meta a atingir, enquanto existiu a União Soviética, parecia próxima. Ilusão. Sabemos hoje que está longe e o caminho a percorrer semeado de obstáculos de difícil superação. O discurso retorico não ajuda.

Vila Nova de Gaia, 24 de Novembro de 2013



Fonte: ODiario

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Rolezinho é ação afirmativa contra racismo


Por Bruno Cava

Ontem à noite, praticamente todos os portais noticiavam um arrastão no shopping de Guarulhos. Milhares de jovens se organizaram pela internet para provocar tumulto e roubos. Os lojistas assustados chamaram a polícia, que cercou o shopping e prendeu 27 pessoas por furto. Era estranho, mas as dezenas de redatores dos portais descreveram com quase as mesmas palavras, no mesmo formato e tom de noticiário policial, e chegavam todos a conclusões idênticas: “arrastão”.
Horas depois, perto da meia noite, a unanimidade se tornou menos unânime.
Revelou-se que a organização do evento na internet avisava que era uma reunião recreativa e não para roubar. Alguns jovens estavam, de fato, com roupas etiquetadas das lojas, mas “dentro das lojas”, ninguém tinha saído com o produto do não-furto. Os lojistas não tinham chamado a polícia exatamente para conter um “arrastão” em andamento, mas porque estaria “prestes a acontecer” ou “pronto para um arrastão”. Prestes ou prontos a fazer um arrastão do verbo não fizeram nada. Aí a notícia derreteu de vez: ninguém, nenhum lojista, cliente ou a própria administração do shopping relataram qualquer furto ou roubo. Como não havia queixa, de madrugada todos os 27 detidos foram soltos. O noticiário desclassificava o não-arrastão para “tumulto”.


O roteiro foi parecido com o que aconteceu no shopping Itaquera, na zona leste de São Paulo, no último fim de semana. Eram seis mil pessoas organizadas por Facebook e WhatsApp. O noticiário imediatamente falou em “arrastão”. Nas notícias, também apareceram as palavras “caos”, “pânico”, “suspeitos” e “prejuízos”. Mas nenhum furto ou roubo foi registrado. Os relatos em primeira pessoa falavam, no máximo, de “correria” e “exaltação”, e alguns achismos: “é claro que devem ter ocorrido roubos”.
Em 30 de novembro, tinha acontecido em Vitória. Jovens que estavam num baile funk buscaram abrigo de uma confusão (possivelmente causada pela ação da polícia contra o baile) num shopping e a polícia foi chamada, cercando e detendo as pessoas. Também se falou em “arrastão”, mas naquela vez a notícia derreteu para “confusão” e “corre-corre”.
Em 19 de outubro, em Belo Horizonte, de novo um “arrastão” se transformou em 24 horas em “confusão” ou, conforme declaração do próprio shopping Del Rey: “um certo tumulto”. Nenhuma queixa registrada. No mesmo dia, em Contagem, perto de BH, um outro arrastão teria sido evitado pela polícia “antes que acontecesse”, expulsando os “suspeitos” do shopping.
Policiais dispersam jovens durante "rolezinho" no Shopping Metrô Itaquera, neste sábado (11)
A impressão que fica é que os redatores e jornalistas já têm um esquema mental do que seja um arrastão e, diante dos estímulos certos, apertam o “play” para essa narrativa precondicionada, nela encaixando as circunstâncias de tempo e lugar. Por isso, todas as notícias parecem rigorosamente iguais, dando a impressão de um fato universal e unânime, para onde convergem rapidamente todos os portais, grandes ou pequenos. E a polícia segue a mesma lógica.
Dizem que a “onda de arrastões” é um fenômeno maior. As colunas opinativas dão conta de uma “nova ameaça para a sociedade”, “moda de invadir shoppings” ou “grupos organizados para gerar pânico e caos”. Os editoriais a seguir incitam a violência policial, sob as senhas “medidas duras”, “tolerância zero” e “apertar o cerco”. Alguns sites e veículos, mesmo depois dos desmentidos, insistem em conservar a palavra-chave “arrastão” nas manchetes e títulos de reportagens e notícias.
Realmente, é um fenômeno maior. Ele se chama racismo. É o racismo dos automatismos e esquemas mentais, com que se interpreta e ajuda a reproduzir a realidade. “Arrastão” é um refrão do cancioneiro racista brasileiro, da mesma maneira que “atos de vandalismo” sempre serviu para criminalizar movimentos sociais e lutas legítimas. O medo, o pânico, o horror acontece não porque sejam milhares de criminosos que, pela internet, se organizem para saquear o shopping. O medo, o pânico, o horror acontece porque são negros. Eles são presos porque são negros. E são presos enquanto negros: sentados no chão com mãos à cabeça, alinhados em fila indiana, e então intimidados com armas em punho e humilhados como escravos fugidos. Não à toa os eventos sejam associados ao funk: música negra, da periferia e das favelas. Se fossem adolescentes brancos ouvindo, digamos, Los Hermanos, certamente não seriam presos, por mais exaltados e briguentos fossem, ainda que a polícia eventualmente fosse chamada. E dificilmente o fato seria noticiado como “arrastão”, tampouco ganharia tantos apelos histéricos na imprensa por sua repressão.
Os “rolezinhos” e “shoppings lotadões” — que é como eles chamam os eventos nos estacionamentos e áreas comuns — são uma forma de ação afirmativa. É ocupação político-cultural, embora fora das caixinhas da esquerdologia dominante, que não os reconhece como movimento. Mas, proibidos de fazer bailes na rua, e cada vez mais discriminados em sua cultura de resistência, resolveram levar a festa para os lugares onde a própria publicidade os convida: aos shoppings. Os jovens negros e pobres das periferias e favelas das grandes cidades estão, realmente, se organizando. É isto o que assusta. Se eles entrassem individualmente, se se portassem como consumidores bem-comportados, bem-adaptados, estaria tudo bem. O problema é que se organizam, que não querem deixar de ser eles mesmos, de existirem livres em sua riqueza, mesmo quando conquistam a admissão no clube da dita “Classe C” ou “nova classe média”.
O rolezinho não só expõe e denuncia o racismo institucional do capitalismo brasileiro, como afirma um mundo, cria um acontecimento. Realmente, é um fenômeno maior.

Fonte: UniNômade

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Rolevolução: As várias explicações sobre os rolezinhos

O texto abaixo não é explicação, mas interpretação. O autor, Rafael, tem a mesma origem que os "rolezeiros". Um testemunho interessante.



Os Rolezinhos – sem aspas por favor – estão fazendo aquilo que a classe média, medíocre, universitária, não fez. Revolução.
A favela ficou invisível por tempo demais. Tempo demais. Eu sei, porque é de lá que eu venho.
A classe média não gosta da favela. Odeia pobreza, tristeza, colégio público, café de padaria, busão lotado.
Odeia roupa colorida, óculos espelhado, cabelo pintado e desenhado. Odeia gíria, dialeto. Não suporta funk.
Do alto dos muros dos condomínios do Itaim Bibi, Morumbi, Jardins, Pacaembu, Perdizes, Pinheiros, Moema, olhos azuis observam com medo a movimentação estranha desses negros e pardos coloridos que se aglomeram em volta de seus templos de prazer. E agora?, pensam eles. E agora? O que fazer, quando o presidente da Ambev for comprar um iPhone 67 para seu filho e for obrigado a sentir o cheiro de Axe Dark Temptation?

A molecada favelada não foi pra rua. Foi pro shopping dar rolê. Está incomodando com aquilo que mais incomoda a classe média e alta. Sua pobreza. Essa gurizada está levando sua pobreza para locais antes proibidos. Está invadindo sem pedir permissão, sem se desculpar, locais que não foram construídos para eles. Nenhum queixa de roubou ou furto é feito pelos lojistas, mas mesmo assim, a presença desses despossuídos faz com que as portas se fechem, fregueses corram, a polícia se prontifique. 
Quando fuzilaram minha casa e a de meu vizinho lembro da polícia não agir tão rapidamente assim. Mas talvez seja somente minha memória ficando senil.
Agora, a entrada da molecada em shopping centers está formalmente proibida.  No shopping JK Iguatemi, do empresário Carlos Jereissati, seguranças do shopping fizeram uma triagem para definir quem poderia entrar e quem deveria ficar de fora. Negros e pardos pobres, fora.

E o pior, é que há gente como Fabio Magalhães, encarregado de compras na Empresa Prakolar Rótulos e formado em Comércio Exterior na Uninove – de acordo com seu próprio perfil no Facebook – que sai com a seguinte pérola de sabedoria:
“Você também está achando a repressão aos “rolezinhos” no shoppings paulistanos um novo ‘apartheid’?

ENTÃO FODA-SE!

O melhor modo de se inibir a criminalidade em projetos de futuros bandidos e marginais é assim mesmo. Já que infelizmente não se pode matar esta sub espécie de gente. Mas se morresse também não faria falta nenhuma!”
Preciso continuar?

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

ESTÁDIO SÓ PRA RICO?


Por Ciro Barros e Giulia Afiune

“Tô sentindo isso na pele. Tenho um filho de 14 anos, flamenguista também, e ainda não consegui levar ele no Maracanã devido a essa sem-vergonhice que eles fizeram”, diz Reinaldo Reis, morador da comunidade da Estradinha e presidente da Associação de Moradores do Morro dos Tabajaras, na zona sul carioca.
Reinaldo, 39 anos, é um flamenguista fanático. Um papo breve com ele já basta para ouvir aqueles “causos” típicos do torcedor de estádio. Mas não de qualquer estádio; Reinaldo também tem uma relação umbilical com o Maracanã, sede carioca da Copa 2014. Frequentador desde os seis anos de idade, quando acompanhava um vizinho nos jogos do Fluminense, Reinaldo comemorou quando, aos 11 anos, ganhou permissão para ir ao Maraca sozinho. “Foi uma alegria muito grande quando a minha mãe me deu essa liberdade de ir ver o Flamengo. Eu já era flamenguista, mas só tinha ido no Maracanã ver o Fluminense. Eu gostava de ver o estádio. Mas ver o meu time lá foi muito legal”.
Desde então, Reinaldo se tornou, nas palavras de Nelson Rodrigues, um “Arquibaldo”: o torcedor de arquibancada. Supersticioso, sempre que pôde ficou na arquibancada superior do Maraca, entre a Raça Rubro-Negra e a Jovem Fla, torcidas organizadas do Flamengo. O jogo mais marcante? “Com certeza foi aquele Flamengo e Botafogo de 1992, quando caiu a arquibancada. Se eu tô aqui podendo falar com você foi porque eu cheguei um pouco atrasado naquele dia e por sorte não tava no meio da galera que caiu”, relembra. O jogo foi em 19 de julho de 1992, decisão do Campeonato Brasileiro entre Fla e Bota. Na ocasião, parte da grade de proteção da arquibancada superior cedeu e alguns torcedores caíram no anel de baixo. “Que sorte que eu não tava, meu irmão”, diz.
Desde que o seu filho mais velho nasceu, Reinaldo assumiu um compromisso: ir com o menino a todos os jogos do Flamengo no Maracanã. “Pô, meu primeiro filho, filho homem. A primeira coisa que eu quis foi levar ele pra torcer comigo. E eu tava levando ele em todos os jogos, todos mesmo, mas depois dessa reforma pra Copa não tem a menor condição”, afirma. “Antes de fechar para a reforma, já tava difícil. O ingresso mais barato a 40 reais já não era tão acessível. Mas agora, com esse absurdo que tá o preço dos jogos, não tem como. Se eu for pagar, por mais barato que seja, vai ser 80 reais o jogo. Para tomar um refrigerante, comer um cachorro-quente, tudo mais, eu tenho que levar no mínimo R$ 150. Qual trabalhador tem esse dinheiro sobrando pra gastar em ingresso?”, questiona.
O processo relatado por Reinaldo já é conhecido pelos torcedores e ganhou até nome: a elitização dos estádios. Saem os torcedores das camadas populares, entram os torcedores da elite (ou seriam consumidores?). “Está em curso um processo de transformação do estádio num local mais de consumo voltada para um torcedor mais endinheirado”, denuncia o antropólogo Antonio Oswaldo Cruz, da UFRJ. Para ele o marco inicial desse processo foi em 1999, quando ocorreu a reforma do próprio Maracanã para o Mundial de Clubes da Fifa, em 2000. Na ocasião, o estádio teve sua capacidade reduzida com a instalação de cadeiras no anel superior. O antropólogo também cita como exemplo da elitização, a construção da Arena da Baixada, em Curitiba. “Para este estádio foi feita uma pesquisa na Europa de plantas de estádio, concepções de estádio. Ele é voltado para um público mais consumidor de outras coisas do que futebol. Na época, um diretor do Atlético Paranaense dizia que ele não queria mais aquele público que bebia, ficava bêbado e depois ia ver o jogo dentro do estádio, ele queria um público mais espectador.”
Christopher Gaffney, geógrafo da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro da Associação Nacional de Torcedores (ANT), acredita que esse novo modelo faz com que os estádios deixem de ser espaços públicos de convivência e confraternização. Segundo Gaffney, as mudanças arquitetônicas também modificam o comportamento do torcedor, que passa a ser visto como um consumidor. “É uma domesticação da experiência pública. Você se sente mais em casa, mais relax, você senta na cadeira com encosto, com um drink na mão e assiste o jogo com uma atitude mais passiva. O torcedor apaixonado que usa ou usava o estádio como lugar de solidariedade social, que deixava as frustrações da semana lá no estádio, xingando o árbitro, ele não vai ter mais essa escolha, porque não vai poder pagar.”
A Copa do Mundo é, sem dúvida, um significativo novo degrau desse processo. O próprio Ministério do Esporte se assustou com os preços praticados nas novas arenas reformadas para o mundial. “O Ministério do Esporte reconhece que há uma elitização dos estádios nesse momento, mas o processo é muito recente”, afirma o secretário nacional de Futebol, Toninho Nascimento. “Estamos estudando formas para intervir nesse processo, mas é um pouco complicado porque grande parte das novas arenas são privadas. E nós não podemos fazer subsídio de ingresso”, diz.
O secretário nacional de Futebol chega a se comportar como torcedor ao comentar o assunto: “Se eu e a minha família formos ao Maracanã nós gastamos R$ 400, um absurdo. Isso não é preço para jogo de futebol. E, com isso, é claro que as classes sociais menos favorecidas vão acabar se afastando. Mas é ridículo você pensar que o futebol, que é um esporte popular, construído pelas classes populares, esteja afastando a população mais pobre. Os clubes deveriam escolher e ter outras formas de renda nos estádios que não fosse a bilheteria: ganhar dinheiro no restaurante, nas lojas, no estacionamento”, diz.
O processo de elitização em decorrência da Copa do Mundo no Brasil teve sua demonstração mais cabal no último dia 11 de julho, na entrevista de João Borba , presidente do Consórcio Maracanã S.A., vencedor da concessão do estádio à iniciativa privada, ao repórter Claudio Nogueira, do jornal O Globo. “Temos de trabalhar com os clubes nesta mudança de hábitos. Bandeirões gigantes, mastros de bambu, torcedores sem camisa, assistir aos jogos em pé… Fui no último fim de semana às finais do tênis em Wimbledon, e no convite, estava escrito que não é recomendável ir com uma determinada roupa… Quando um inglês lê ‘não recomendável’, entende que não deve usar aquele tipo de roupa.”

Antes e depois – Créditos: Christopher Gaffney (UFF)

Vasco x Fluminense, 21 de julho 2013
Arrecadação total da bilheteria: R$ 1.554.000.
Público total: 46.860
Torcedores pagantes: 34.634 (74%)
Torcedores não-pagantes: 12.226 (26%)
Preço médio do ingresso por torcedor presente: R$33,16
Preço médio do ingresso por torcedor pagante: R$44,87
Arrecadação perdida (torcedores não-pagantes x preço médio por torcedor presente): R$584.458

Vasco x Flamengo, 1 de agosto de 2010
Arrecadação total da bilheteria: R$ 1.368.290
Público total: 60.202
Torcedores pagantes: 50.447 (84%)
Torcedores não-pagantes: 9.755 (16%)
Preço médio do ingresso por torcedor presente: R$ 22,73
Preço médio do ingresso por torcedor pagante: R$ 27,11
Arrecadação perdida (torcedores não-pagantes x preço médio por torcedor presente):
R$ 264,430.71

Algumas considerações gerais podem ser tiradas desses números:
45% de aumento no preço do ingresso
65% de aumento no preço do ingresso por torcedor pagante
10% de aumento dos ingressos gratuitos
221% de aumento na arrecadação perdida
23% menos torcedores produziram 13,5% mais lucro)
 

PREÇO DO INGRESSO AUMENTA 300% E PÚBLICO MENOR QUE NOS ESTADOS UNIDOS

Entre 2003 e 2013, o Brasil testemunhou uma alta desenfreada do preço dos ingressos. Nestes 10 anos, o valor médio dos tíquetes subiu 300%. Bem acima da inflação no período, que foi de 73%, segundo o IPCA-IBGE. O salário mínimo neste mesmo período subiu 183% e a renda média do trabalhador, 37%. Os dados são da Pluri Consultoria.
“Muita gente viu os estádios cheios em jogos muito específicos, como na Copa das Confederações, e achou que o torcedor teria disposição para pagar um valor alto por esse em ambiente. Mas a realidade do dia a dia do futebol rapidamente tratou de sinalizar que o consumidor não vai pagar ”, diz o economista Fernando Ferreira, presidente da Pluri.
Em 2003, o ingresso custava em média R$ 9,50. Em 2013 essa média saltou para R$ 38. A consultoria também publicou, em julho, um estudo em que o Brasil aparece como o 18º colocado em média de público em um ranking dos 20 maiores. Com 12.983 torcedores de média de público no ano passado, o Campeonato Brasileiro perde nesse quesito para ligas como a Major League Soccer, dos EUA, o Campeonato Chinês e até mesmo a Segunda Divisão da Inglaterra.

Outro estudo da mesma consultoria constata que o Brasil tem um dos ingressos mais caros do mundo se comparado aos preços praticados em outros países. Um levantamento feito pela Pluri em 16 países (Brasil, Espanha, Itália, Turquia, México, Reino Unido, Portugal, Argentina, Chile, Costa Rica, França, Estados Unidos, Uruguai, Alemanha, Holanda e Japão) concluiu que o Brasil cobra o ingresso mais caro entre os países analisados. Para chegar a essa conclusão, a consultoria dividiu a renda per capita anual média pelo valor médio do ingresso mais barato em cada país. Dessa conta, sai um número de ingressos mais baratos possível de ser comprado por ano em cada país. No Brasil, segundo o estudo, é possível comprar 645 ingressos com a renda per capita média anual. O número está bem abaixo da média geral dos 16 países. Nela, constata-se que é possível comprar 1.308 ingressos com a renda per capita anual média dos 16 países analisados, 103% a mais de ingressos do que no Brasil, último colocado no ranking.
Segundo o levantamento feito com dados oficiais da CBF pelo geógrafo Christopher Gaffney, da UFF, há um crescimento da renda nos jogos Brasileirão associado a uma queda constante de público. De acordo com o levantamento, o público total do Campeonato Brasileiro passou de cerca de 6,5 milhões, em 2007, para 4,9 milhões, em 2012: uma queda de 15,2%. A média de público também caiu: em 2007, ela era de 17.461 pessoas por jogo e, em 2012, não passou de 12.970. A queda foi de 15,8%. A renda, no entanto, teve uma alta considerável: passou de cerca de R$ 80 milhões em 2007 para R$ 119 milhões em 2012, alta de 49%. “A média de público do Brasileirão está baixa, mas, ao mesmo tempo, os times estão ganhando mais do que nunca. É um claro processo de elitização que está acontecendo nos últimos anos.”, afirma o geógrafo.
Outro estudo divulgado pela consultoria BDO, que analisou as novas arenas reformadas para a Copa das Confederações deste ano, constatou uma grande diferença entre o preço médio dos ingressos nas novas arenas e nos estádios antigos. O preço médio dos ingressos nas seis arenas da Copa das Confederações foi de R$ 55,42 nas nove primeiras rodadas do Campeonato Brasileiro da Série A deste ano, enquanto que, nas arenas antigas, o preço foi de R$ 25,20. Ou seja, nas novas arenas os ingressos custaram, nas primeiras rodadas do Brasileirão deste ano, 119% a mais.
Para o consultor da gestão esportiva da BDO, Pedro Daniel, isso se explica por um novo conceito de ir ao estádio. “A ideia de pagar mais é por todo o serviço agregado. Nas novas arenas, o torcedor tem mais conforto, tem a questão da alimentação, o banheiro que ele pode utilizar. Todo esse pacote de serviços. Isso ainda na teoria, mas na prática a gente não vê ainda essa diferença tão grande. O que causa mais impacto, ainda é a curiosidade pelas novas arenas”, explica. “A tendência é de que os ingressos fiquem mais caros, os desse campeonato certamente vão ser os mais caros da história”. Pedro, porém, justifica o aumento dos ingressos: “Por uma visão estritamente econômica, [falar em aumento] faz sentido. Mas se compararmos os produtos, não. Hoje, o campeonato brasileiro não é mais o mesmo produto. Hoje temos o Alexandre Pato jogando no Corinthians, o Seedorf no Botafogo, o Forlán no Internacional, temos as novas arenas. É um novo produto. É natural que haja esse aumento”, argumenta.
Pensando no caso específico do Maracanã, o pesquisador Erick Omena, doutorando da Oxford Brookes University fez um cálculo de quanto o valor do ingresso passou a pesar na renda do torcedor. Ele pesquisou os preços desde a década de 1950 até o fechamento para a reforma da Copa, e acompanhou a evolução da relação entre o valor dos tíquetes mais baratos em comparação com o salário mínimo vigente. Em julho de 1950, o ingresso mais barato do Maraca representava cerca de 2% do salário mínimo. Sessenta anos depois, em agosto de 2010, o ingresso mais barato representava 6% do salário mínimo vigente. Nos preços de hoje, o ingresso mais barato do Maracanã chega a cerca de 12% do salário mínimo vigente. O levantamento de Omena foi publicado originalmente pelo jornalista Mauro Cezar Pereira, da ESPN.
Caso o infográfico não funcione, clique aqui. (Recomendado para dispostivos Android)


OS MOTIVOS DOS CLUBES PARA ELITIZAR OS ESTÁDIOS

Para o antropólogo Antonio Oswaldo Cruz, da UFRJ, a elitização dos estádios se dá principalmente pela hiper-dependência dos clubes brasileiros em relação à transmissão. “A televisão exige que o futebol seja entregue para ela num pacote. O futebol tem que seguir uma série de regras para ser transformado em produto televisivo. Nesse sentido, o torcedor mais militante é uma ameaça ao espetáculo televisivo no futebol. A partir da década de 80 e 90 na Inglaterra, a aliança da TV paga com o futebol se aprofundou muito. E esse modelo foi exportado para o resto do mundo, com as finanças do futebol sendo basicamente atreladas aos contratos televisivos”, afirma o antropólogo. “E nunca é de mais lembrar que quanto mais gente fora do estádio, maior a audiência da TV”. Segundo relatório produzido pela auditoria Mazars, as cotas de TV representam cerca de 37,3% das receitas de 14 clubes da Série A do futebol brasileiro. O segundo posto ficou com o marketing, com 17,1%, e o terceiro, com a venda de jogadores (14,7%).
A venda de ingressos representa apenas 6,8% da arrecadação. Segundo Gaffney, é por isso que os clubes não valorizam a presença do torcedor nos estádios, encarando-os apenas como consumidores. “No passado, o torcedor ficava lá fora, vestia a camisa, comia churrasquinho, tomava cerveja com os amigos e batia um papo antes de entrar no estádio. Agora, o entorno do estádio é um mundo asséptico, não tem ninguém vendendo nada, não tem água, não tem sombra, então você é forçado entrar para consumir”, explica. A venda de produtos dentro do estádio poderia ser uma nova fonte de renda para os times. “Eles querem tornar os estádios uma espécie de shopping, onde o ingresso é o filtro principal para entrar em uma zona de consumo. O time vai lucrar com uma porcentagem dessas compras a mais em lojas, bares dentro do estádio, etc”.
Diferentemente de Gaffney, o economista Fernando Ferreira, não acredita que a elitização dos estádios seja feita para excluir a parcela mais pobre da população “Eu acho que esse aumento de preços foi fruto de um erro de avaliação. A gente viveu um momento recente de euforia no Brasil e as pessoas começaram a achar que havia público disposto a pagar muito mais pelo futebol. Mas não havia! Eles queriam cobrar o mais caro possível para ganhar mais.”
Ambos concordam, porém, que os clubes e os novos administradores possuem um único objetivo: o lucro. E até por isso, Ferreira acredita que os preços devem baixar. “Esses gestores já tiveram um choque de realidade e perceberam que com o preço lá em cima, os estádios ficam vazios. Não há dúvida de que o valor do ingresso vai cair porque os novos administradores dos estádios são agentes racionais, diferente dos clubes, que continuavam aumentando o preço mesmo com estádios vazios.”

De acordo com ele, os estádios cheios também são benéficos para os clubes, pois potencializam receitas de outras fontes. “Quando você enche o estádio e o povo tá lá, tem festa, o patrocinador acha ótimo, a TV acha ótimo, os parceiros comerciais do clube acham ótimo. O clube ganha de outras receitas também, porque quando vai negociar com o patrocinador ele vai falar ‘Ah, eu quero negociar com você porque nos jogos o estádio tá sempre cheio’”.


ARISTOCRATAS NO ESTÁDIO: UM PROTESTO BEM HUMORADO NO MARACANÃ

Quem foi acompanhar o clássico entre Flamengo e Botafogo, no último dia 28 de julho, deu de cara com um protesto bem humorado nos arredores do estádio. Cerca de 30 torcedores das duas equipes estavam “fantasiados”: os homens usam ternos, sapatos sociais e gravatas; as mulheres, vestidos longos e chapéus. Eram os manifestantes da Aristocracia Flamenga e da Aristocracia Alvinegra, grupos de manifestantes que ironizavam a elitização do Maracanã. O ingresso mais barato para aquele jogo? Nada menos do que R$ 100.
“O anúncio do valor do ingresso foi mais ou menos o estopim para que a gente criasse esse protesto bem humorado”, afirma um dos organizadores da Aristocracia Alvinegra, Pedro Ivo Mendes. “Frequentando o Maracanã é possível ver que tem um projeto de mudança de público no estádio. Então quisemos ironizar isso”, diz. O protesto culminou com um “chá das cinco” feito pelas duas aristocracias.
No evento, os manifestantes levaram cartazes ironizando o preço dos ingressos e os comportamentos exigidos no Maracanã. Um dos letreiros pedia: “Silêncio, jogadores em campo”. O geógrafo Felipe Silva, participante do movimento, explica os sinais que vê desse novo comportamento. “O ato de você ficar em pé, cantando, com tambor e tudo, só é permitido em algumas áreas. Se for no lugar errado, vem alguém te reprimir. O problema é que eu não vi uma grande diferença nos serviços oferecidos dentro do estádio, tirando os banheiros”.
Das novas arenas, o Castelão vem sendo a maior decepção de público. A média de público nos 25 jogos realizados no estádio é de 10.916 pessoas por jogo, uma taxa de ocupação do estádio de 16,5%, pois o estádio tem capacidade de 66 mil lugares. Para Francisco Wellington da Silva, diretor da Cearamor, principal organizada do Ceará, que vem mandando seus jogos no Castelão, o principal problema são os preços praticados no estádio. “Desde que eu era criança e frequentava estádio, o futebol era uma coisa assim mais povão. Com a reforma, você não vê mais aquele torcedor mesmo, de verdade no campo”, afirma. “Tá tudo muito caro, preço do ingresso, bebida e comida lá dentro, fora que você não pode nem beber lá dentro… Futebol tá ficando chato”, conclui.


O QUE DIZEM OS CONSÓRCIOS DAS NOVAS ARENAS?

Os consórcios de empresas que administram os estádios afirmam que são os times que definem o preço do ingressos. Segundo os especialistas ouvidos pela Pública, manter o preço no alto seria uma estratégia dos clubes para forçar os torcedores a aderir aos programas de sócio-torcedor. “Isso funciona apenas para uma parcela de torcedores, e costuma estar diretamente atrelado ao momento do time. Ou seja, quando a fase é boa, o estádio enche, quando é ruim, volta a ficar vazio. Ingressos proibitivos não permitem que o torcedor crie vínculos com o time e desenvolva, com o tempo o desejo de se tornar sócio não apenas pela vantagem financeira, mas também pela experiência de ir ao jogo”, analisa Fernando Ferreira.
Segundo o grupo Arena Castelão Operadora de Estádio S/A, gestor do Castelão, em Fortaleza (CE), o ingresso normalmente custa R$ 30.
Já o Minas Arena, que administra o Mineirão, afirma que R$ 70 é o preço médio do setor mais barato em partidas do Cruzeiro, que tem contrato assinado para mandar seus jogos no estádio.
O consórcio responsável pelo estádio de Belo Horizonte nega a redução de torcedores nos estádios. “A média de público do Cruzeiro este ano está em torno de 20 mil torcedores, maior do que a registrada em anos anteriores, inclusive no Mineirão, antes da reforma”, informou, em nota.
A reportagem entrou em contato com o Complexo Maracanã Entretenimento S.A, gestor do estádio carioca, mas não obteve resposta até o fechamento.


Fonte: A Publica

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Sobre fascismos e fanatismos



Por Adriano Pìlatti

Talvez mais do que qualquer outro, o Brasil é o país em que o ladrão grita “pega ladrão!”, o corrupto esbraveja contra a corrupção, o indigno clama por dignidade, o fofoqueiro reclama da fofoca, o “fascista” acusa o outro (é sempre o outro…) de “fascismo”.

Desde que a multidão constituinte se alevantou em junho, a reivindicação de democracia direta, a crítica e a rejeição ao lamentável quadro representativo-partidário “nacional”, à representação fake e à mercantilização partidária (reivindicação, crítica e rejeição fortemente justificadas pelos fatos) têm sido acusadas de “fascistas” e tendentes a destruir a democracia representativa e a liberdade partidária.

E a acusação provém de uma incrível “santa aliança” que une governistas, o chamado “PIG” (Partido da Imprensa Golpista) e seus bonecos de ventríloquo, além de acadêmicos “de esquerda” que se pouparam de ir às ruas e acompanharam as manifestações exclusivamente pela mídia que tanto criticam.



Em seu vadio comodismo intelectual, esses oráculos de gabinete não se deram nem ao trabalho de acessar os múltiplos streamings das mídias livres, preferindo ficar com as versõe$ da Globonews mesmo, classificando de “fascismo” tudo aquilo que não conseguiram compreender – “é que Narciso acha feio o que não é espelho”, já dizia “um antigo compositor baiano”…

Neste 2014, com a retomada das manifestações, esse mi mi mi decadente deve se agravar, então vale a pena recordar algumas coisas simples.

“Fascismo”, originalmente, é fenômeno de Estado, manipulação das “massas” feita “de cima para baixo”, garantia de algum bem estar material, combinado com violenta repressão e total silenciamento de qualquer ator individual ou coletivo autônomo, para garantir a sobrevivência do capitalismo em situações pré-revolucionárias. Nada a ver, portanto, com movimentos multitudinários anticapitalistas que buscam, “de baixo pra cima”, outras formas políticas para além do Estado…



Entre nós, o termo tem sido usado genericamente como sinônimo de qualquer autoritarismo. Nesse sentido, nada mais “fascista” do que o sofisma “se você luta por mais democracia direta, então você quer a destruição da democracia representativa”. Falso: o que se quer é mais participação popular; é acabar, sim, com o falseamento da representação pela influência do dinheiro, que ameaça converter a democracia em plutocracia; é a realização da democracia participativa prevista na Constituição.

Parafraseando Vandré quando disse, nos idos de 1968, que a vida não se resumia a festivais, é possível dizer que, para o(a)s menino(a)s nas ruas e para muito(a)s de nós, a democracia não se resume a eleições.

De todo modo, não é inútil lembrar a anedota italiana: à mesa do almoço, o filho pergunta “papai, o que é fascismo?” e este responde “coma e fique quieto!”. É a postura atual de muitos governistas quando acham que a satisfação – mínima – de algumas necessidades vitais impõe aos “de baixo” os “deveres” de desistir de lutar por mais direitos, de aplaudir incondicionalmente o governo, de silenciar ante a bacanal de patifarias e cumplicidades que unem Estado & Capital. Tudo isso em nome de um “realismo” que se tornou o pseudônimo do mais rasteiro e indiferente cinismo.




Para a decepção dos tolinhos fanatizados pelos slogans dos marqueteiros governistas, isso não vai acontecer. Não adianta tentar reencarnar “Regina Duarte” com a baboseira do medo do “retrocesso”: o retrocesso liberticida hoje tem lastimavelmente o próprio governo como um de seus agentes, e só será evitado avançando, aprofundando a democracia. Desafiando a pusilanimidade oficialista, as galeras intrépidas estão a demonstrar isto, arriscando a pele, desde junho.

A multidão das singularidades vai prosseguir na constituição do comum a partir da multiplicidade e através da participação direta. Nas ruas e em todos os espaços que liberar para a afirmação da potência de seus corpos e mentes indomáveis. A composição e a recomposição, em ato, da força multitudinária vai prosseguir nos bons encontros que estão a reinventar a democracia entre nós. Não vai parar.




Adriano Pilatti é professor da PUC-RJ e participa da rede UniNômade.




Fonte: UniNômade

domingo, 12 de janeiro de 2014

V de Vingança - link para download do filme



V for Vendetta) EUA, 2005. Direção: James McTeigue. Elenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Rea. Duração: 132 min.

1 - Resumo do Filme

O filme V de Vingança tem como palco a Inglaterra de meados do século XXI. À época, o mundo vivia uma crise sem proporções. Os Estados Unidos da América, antiga potência dominante, havia entrado em franca decadência. Peste, guerra, fome, terror, enfim, o caos, tomava conta do planeta. 

A Inglaterra era uma exceção a essa regra. Assolada por todos esses problemas, mas em especial pela propagação de um vírus mortal, o país aceita se submeter ao controle de um governo forte, que busca manter a ordem unicamente através da opressão.

Surge então, é claro, uma oposição, liderada pelo revolucionário V. V consegue apoio da jovem Evy e, juntos, os dois lideram o povo inglês em uma jornada em busca da verdade, resgatando os valores que estavam ocultos atrás da ideologia imposta pelo Estado. 


2 - Análise do Filme

A Inglaterra passava por um momento de profunda crise. Guerra, terror, doenças, problemas sociais e econômicos. Qualquer semelhança com situação da Alemanha pós Primeira Guerra Mundial não é mera coincidência. Da mesma forma, não é coincidência as semelhanças existentes entre os regimes que instalaram nesses países. 

A crise inglesa retratada no filme fez com que os cidadãos fossem tomados pelo medo. Medo de perder todas as coisas pelas quais as suas gerações vinham lutando para manter. Foi esse sentimento de conservadorismo que possibilitou a subida ao poder de um ditador, que recebeu a alcunha de chanceler, que centralizava em si todos os poderes do Estado (legislativo, executivo e judiciário). 

O chanceler estabelecia quais seriam as condutas entendidas como crime dentro da sociedade. Esse mesmo chanceler organizava as políticas públicas de combate à criminalidade. Por fim, era o próprio ditador quem decidia, em um julgamento sumário, se o cidadão era inocente ou culpado, e qual seria a sua pena. 

A ideologia pregada pelo Estado para justificar a centralização do poder nas mãos do chanceler era simples. O mundo estava pagando pelos seus pecados. Anos e anos de desvios de comportamento, como o homossexualismo, o sexo sem compromisso, uso de drogas e consumo de bebidas alcoólicas, tudo isso havia atraído a ira de Deus contra os homens. Mas não contra os ingleses. Os ingleses eram o povo escolhido pelas forças divinas. O povo que havia conseguido superar a peste, o terror, a morte e a guerra. Tudo isso graças aos poderes ilimitados que haviam sido conferidos ao chanceler. Um homem que, assim, como seu povo, havia sido escolhido por Deus, e que estava destinado a guiar os rumos do povo inglês. 

A ideologia, em suma, era essa. Mas outras táticas utilizadas por Hitler também foram adotadas. Um exemplo delas é a simplificação do mundo. Existem apenas dois extremos. O bem e o mal. Os Estados Unidos, o terrorismo, o homossexualismo, são todos exemplos do mal. E o bem é o cidadão que trabalha duro, vai para casa, e não contesta a atuação do Estado. 

Outro exemplo é a nomeação. O agrupamento de diversos seres humanos, cada um com as suas particularidades, sob a mesma alcunha, fomenta o preconceito e torna mais fácil o controle da população a partir de uma ideologia frágil, porém, eficiente. Assim, muçulmanos, imigrantes e homossexuais se tornavam o principal foco de ataque do Estado. 

A ofensiva contra o inimigo comum era realizada principalmente através de uma mídia inteiramente controlada pelo partido conservador, que estava no poder. A liberdade de expressão, de informação e de imprensa, considerados como direitos fundamentais em diversos países do mundo atualmente, estavam muito distantes da realidade inglesa. 

Como se vê, a ideologia pregada pelo chanceler era bastante simples. Inclusive, essa foi exatamente a causa do seu sucesso. Afinal, a situação caótica da Inglaterra favorecia a proliferação e aceitação de idéias simplistas, alinhadas através de um discurso extremamente atraente. 

Todavia, vale lembrar ainda uma outra semelhança. O regime social fascista era apoiado pelo grande capital. Tal apoio tinha várias razões, dentre as quais podemos destacar a ameaça de expansão do regime socialista. Da mesma forma, o Estado ditatorial inglês relatado no filme também tinha apoio do grande capital. Por trás da formação daquele regime estavam interesses econômicos, em particular os da indústria farmacêutica. Ou seja, a ideologia estatal acabava por esconder por trás de si o interesse do grande capital.

O Estado inglês do filme tinha um caráter essencialmente repressor. Não se via nenhuma preocupação com a garantia dos direitos individuais dos cidadãos. Tampouco eram mencionados direitos políticos, sociais ou econômicos. O resultado disso era uma criminalidade intensa, que fazia com que a função do Estado se transformasse em uma mera atuação policial sobre o comportamento da população. 

Ressalte-se que a repressão imposta sobre a população tinha apenas uma explicação: havia uma imensa tensão social imersa no seio da população inglesa. Tanto é que bastou que o revolucionário V agisse para que as pessoas passassem a encarar novamente a realidade com olhos de estranheza. Bastou uma faísca para que os ânimos se exaltassem e a vontade de mudança vencesse o medo de mudança. 

Quanto às influências políticas manifestadas por V, trata-se de uma questão de difícil definição. Parece, entretanto, que o mesmo tem algumas influências anarquistas. Afinal, o revolucionário V se propunha unicamente a destruir a ordem estatal dominante. Não pregava a reconstrução de uma Inglaterra sob os pilares do liberalismo, do socialismo ou de nenhum outro sistema. O Estado, instituído daquela forma, era um mal que deveria ser extirpado.

Por outro lado, existem alguns pontos da doutrina anarquista que não podem ser identificados na personalidade de V. Isso porque V, apesar de buscar destruir aquele Estado inglês, não afirma em momento algum se o Estado poderia ser reconstruído sob outros moldes, como, por exemplo, a partir da instalação de uma democracia representativa. Logo, não se pode afirmar com certeza se V era ou não um anarquista.

Interessante notar que a posição do observador influencia a análise que se faz acerca do objeto por ele estudado. V, por exemplo, na visão do chanceler, era um terrorista, um agitador, uma pessoa que não aceitava se submeter à ordem imposta pelo Estado. V era uma ameaça, um mal a ser neutralizado por se opor ao bem representado pelo Estado.

No entanto, na concepção da população inglesa, V era um revolucionário. Um homem que estava agindo altruisticamente, se colocando em risco com o objetivo de abrir os olhos dos ingleses para a realidade que lhes era imposta. 


3 - Conclusão

O filme V de Vingança é uma obra marcante. Marcante porque mostra às novas gerações que os erros cometidos em um passado não tão distante continuam passíveis de ocorrer. Logo, funciona como um alerta contra posições maniqueístas, contra soluções fáceis para problemas que merecem uma melhor reflexão.

As relações sociais estão se tornando cada vez mais complexas. A virada neoliberal (conservadora) iniciada há mais de duas décadas fez com que a concentração de capital atingisse níveis nunca antes vistos na história da humanidade. Por outro lado, as desigualdades sociais atingem níveis alarmantes. Somando isso à existência comprovada de crises cíclicas dentro do capitalismo, a porta fica aberta para que idéias e soluções fáceis, inseridas dentro de um discurso atraente, levem a humanidade a repetir seus erros. 

Mas o filme vem trazer a sua mensagem. O alerta está dado.



Link para baixar o filme clique aqui
Link para legenda do filme clique aqui

Trailer: