domingo, 21 de dezembro de 2014

Adeus Che?


Por Francisco Toledo*


É hora de dizer adeus? A reconciliação diplomática entre Cuba e Estados Unidos, anunciada por Barack Obama e Raul Castro na terça-feira (17) pode marcar uma nova era de transformações na ilha socialista. Mas não se enganem: o embargo continua, e depende da maioria republicana no Congresso para cair. Afinal, serão os últimos dias da Cuba como conhecemos durante toda a nossa vida?

Não podemos ser ingênuos. A reaproximação entre Cuba e Estados Unidos, oficializada ontem por ambos os governos, não significa de forma alguma uma “vitória da revolução cubana”. Muito pelo contrário, é o começo de uma série de mudanças radicais que prometem balançar a ilha nos próximos anos. Mas por enquanto, vamos analisar o que aconteceu nos últimos dias para então imaginar como será o andamento desse processo histórico.

Primeiro: o embargo continua. O mesmo embargo que fez a ilha parar no tempo após a queda da União Soviética, e que colocou em risco a vida de milhões de pessoas. Se não fosse pela política de integração entre os países da América Latina, o regime socialista já teria se desfeito 20 anos atrás - provavelmente da mesma forma que aconteceu nos países do leste-europeu, gerando uma grave crise na qualidade de vida com nível de desemprego massivo, uma série de privatizações feitas “nas coxas” (vide o exemplo russo, com grandes estatais passando para as mãos da máfia), entre outras coisas mais. A vitória de Chavez na Venezuela e de governos de centro-esquerda em países como Equador, Bolívia e Brasil, acabaram tornando possível a permanência do regime revolucionário na ilha, pelo menos até agora. 

A reconciliação diplomática com os Estados Unidos não significa necessariamente uma “guinada ao mercado”, pelo menos não por enquanto. Seguindo o modelo chinês (e não o do leste-europeu), Cuba deve seguir uma abertura lenta ao capital privado, não afetando a qualidade de vida de sua população e também todas as conquistas que a revolução trouxe nas últimas décadas - emprego pleno, analfabetismo zero, sistema educacional totalmente gratuito, um dos melhores sistemas de saúde do mundo (também gratuito) e uma política de participação popular pouco reconhecida pela mídia ocidental. 

Mas se existe um setor que irá crescer ainda mais é o do turismo, praticamente o único que é “imune” ao embargo norte-americano. De resto? Por enquanto nada. Para o embargo cair, é preciso que o Congresso norte-americano aceite o pedido de Obama para revisá-lo, o que não irá acontecer (pelo menos não até 2017). Os motivos são muitos: os republicanos, comandados por ícones “a la Bolsonaro texano” do Tea Party, jamais permitirão que a ilha dos Castro ganhe enfim a sua liberdade. Vale lembrar também que em 2016 será ano de eleições nos Estados Unidos e, o ibope e moral dos democratas já esteve bem melhor. Aliás, para as próximas eleições, é bom os democratas esquecerem de vez a Flórida, porque depois do ato histórico de Barack Obama em relação à Cuba, é quase improvável uma vitória democrata no estado - que é inundado de votos de cubanos “exilados”, claramente anti-revolucionários, que pensam ao modo “Yoanni Sánchez”.

Aliás, a própria blogueira de oposição aos Castro se posicionou contra a reconciliação entre os dois países - mas por outros motivos. Segundo ela, antes de qualquer tipo de aproximação, é preciso que os comunistas “paguem pelos seus crimes”. É bom lembrar que Yoanni, diferente de Julian Assange que denunciou diversos crimes do governo norte-americano, hoje vive livre em seu país, em uma casa bancada pelo Estado, com um portal de notícias que é livremente acessado na ilha. É a ditadura que todo jornalista um dia já sonhou, não?

E se o embargo cair? Dai é bom se despedir. Claro que será bom para os cubanos se for administrado de forma correta pelo governo e pela própria população, mas os exemplos do leste-europeu deixaram marcas complicadas de gerir. É preciso, principalmente, evitar que as multinacionais (que já estão de olho na ilha) cresçam o olho no mercado cubano. Para tanto, o regime precisaria se manter o mesmo politicamente - ou seja, não aderir ao modelo democrático ocidental, o que seria difícil em um mundo com Fidel e Raúl já falecidos. Quem iria segurar a barra? 

Mas enfim. Aproveitem enquanto ainda dá tempo: Cuba é um país maravilhoso, com uma história única e com personagens únicos. Um pequeno país que, ao contrário do resto do mundo, tem em sua realidade duas opções a seguir. Já nós, meros mortais, temos apenas uma: o eterno capitalismo de terceiro mundo, que insiste em abaixar a cabeça e rezar. 

Para finalizar:


*Francisco Toledo é fotógrafo e Gestor de Conteúdos e Projetos do coletivo Guerrilha GRR