sábado, 9 de junho de 2012

CIA traficava drogas para financiar guerras


Lá no início da “guerra contra as drogas”, em 1971, os Estados Unidos já desenvolviam ao mesmo tempo o tráfico de heroína no Sudeste Asiático 


06/06/2012


Por Salvador Capote 

Após várias décadas da “guerra contra as drogas”, acompanhada por um custo colossal em vidas humanas e recursos materiais, os narcotraficantes hoje são mais fortes do que nunca e controlam um território maior do que em qualquer época.
Nos últimos seis anos, ocorreram no México mais de 47 mil assassinatos relacionados ao tráfico de drogas. O número de mortes foi de 2.119, em 2006, para cerca de 17 mil, em 2011. Em 2008, o Departamento de Justiça estadunidense advertiu que as OTDs (Organizações de Tráfico de Drogas), vinculadas a cartéis mexicanos, estavam ativas em todas as regiões dos Estados Unidos. Na Flórida atuam máfias associadas ao cartel do Golfo, aos Zetas e à Federação de Sinaloa. Miami é um dos principais centros de recepção e distribuição de drogas. Além dos mencionados, outros cartéis, como o de Juárez e o de Tijuhana, operam nos Estados Unidos.
Os cartéis do México ganharam maior força depois que substituíram os colombianos de Cali e Medellín nos anos 1990 e controlam agora 90% da cocaína que entra nos Estados Unidos. O maior estímulo ao narcotráfico é o alto consumo estadunidense. Em 2010, uma pesquisa nacional do Departamento de Saúde revelou que aproximadamente 22 milhões de estadunidenses maiores de 12 anos consomem algum tipo de droga.
Esses, que são apenas alguns dos mais inquietantes dados estatísticos, permitem questionar a eficácia da chamada “guerra contra as drogas”. É impossível crer que exista realmente uma vontade política para por fim a este flagelo universal quando observamos o papel desempenho o narcotráfico a serviço da contra-revolução, para a expansão das transnacionais e para as ambições geopolíticas dos Estados Unidos e outras potências.

Tráfico da CIA
 Repassemos, em síntese, a história recente. A administração de Richard Nixon, ao iniciar a “guerra contra as drogas” (1971), desenvolve ao mesmo tempo o tráfico de heroína no Sudeste Asiático com o propósito de financiar suas operações militares nessa região. A heroína produzida no Triângulo de Ouro (de onde se unem as zonas montanhosas do Vietnã, Laos, Tailândia e Myanmar) era transportada em aviões da “Air America”, propriedade da CIA (Agência Central de Inteligência). Em uma conferência de imprensa televisionada em primeiro de junho de 1971, um jornalista perguntou a Nixon: “Senhor presidente, o que você fará com as dezenas de milhares de soldados estadunidenses que regressam viciados em heroína?”
As operações do “Air America” continuaram até a queda de Saigon em 1975. Enquanto a CIA transportava ópio e heroína do Sudeste Asiático, o tráfico e consumo de drogas nos Estados Unidos se convertia em tragédia nacional. O presidente Gerald Ford solicitou ao Congresso, em 1976, a aprovação de leis que substituíssem a liberdade condicional com a prisão, estabelecessem condenações mínimas obrigatórias e negassem as fianças para determinados delitos envolvendo drogas. O resultado foi um aumento exponencial do número de condenados por delitos relacionados com o tráfico e consumo de drogas e, por conseguinte, conversão de Estados Unidos no país com maior população prisional do mundo. O peso principal desta política punitiva caiu sobre a população negra e outras minorias.
As administrações estadunidenses durante os anos 1980 e 1990 apoiaram a governos sul-americanos envolvidos diretamente no tráfico de cocaína. Durante a administração Carter, a CIA interveio para evitar que dois dos chefes do cartel de Roberto Suárez (rei da cocaína) fossem levados a juízo nos Estados Unidos. Ao ficar livres, puderam regressar a Bolívia e atuar como protagonistas no golpe de estado de 17 de julho de 1980, financiado pelos barões da droga. A sangrenta tirania do general Luis García Meza foi apoiada pela administração de Ronald Reagan.
A participação mais conspícua da administração Reagan no narcotráfico foi o escândalo conhecido como “Irã-Contras” cujo eixo mais propagandeado foi a obtenção de fundos para financiar o conflito nicaragüense mediante a venda ilegal de armas ao Irã, mas está bem documentado, ademais, o apoio de Reagan, com este mesmo propósito, ao tráfico de cocaína dentro e fora dos Estados Unidos.
O jornalista William Blum explica essas conexões em seu livro “Rogue State”. Na Costa Rica, que servia como Frente Sul dos “contras” (Honduras era a Frente Norte) operavam várias redes “CIA-contras” envolvidas com o tráfico de drogas. Estas redes estavam associadas com Jorge Morales, colombiano residente em Miami. Os aviões de Morales eram carregados com armas na Flórida, voavam à América Central e regressavam carregados de cocaína. Outra rede com base na Costa Rica era operada por cubanos anti-castristas contratados pela CIA como instrutores militares. Esta rede utilizava aviões dos “contras” e de uma companhia de venda de camarões que lavava dinheiro da CIA, no translado da droga aos Estados Unidos.
Em Honduras, a CIA contratou a Alan Hyde, o principal traficante nesse país (“o padrinho de todas as atividades criminais” de acordo com informações do governo dos Estados Unidos), para transportar em suas embarcações abastecimento aos “contras”.  A CIA, de volta, impediria qualquer ação contra Hyde de agências anti-narcóticos.
Os caminhos da cocaína tinham importantes estações, como a base aérea de Ilopango, em El Salvador. Um ex-oficial da CIA, Celerino Castillo, descreveu como os aviões carregados de cocaína voavam em direção ao norte, aterrizavam impunemente em vários lugares dos Estados Unidos, incluindo a base da Força Aérea no Texas, e regressavam com dinheiro abundante para financiar a guerra. “Tudo sob o guarda-chuva protetor do governo dos Estados Unidos”. A operação de Ilopango se realizava sob a direção de Félix Rodríguez (aliá, Max Gómez) em conexão com o então vice- presidente  George H. W. Bush e com Oliver North, quem formava parte da equipe do Conselho de Segurança Nacional de Reagan.
Em 1982, o diretor da CIA, William Casey, negociou um “memorando de entendimento” com o fiscal geral, William French Smith, que exonerava a CIA de qualquer responsabilidade relacionada às operações de tráfico de drogas realizadas por seus agentes. Este acordo esteve em vigor até 1995.
Reagan e seu sucessor, George H. W. Bush, patrocinaram  o “homem da CIA no Panamá”, Manuel Noriega, vinculado ao cartel de Medellín e à lavagem de grandes quantidades de dinheiro procedentes da venda da droga. Quando Noriega deixou de ser útil e se converteu em estorvo, os Estados Unidos invadiram Panamá (20 de dezembro de 1989) em um bárbaro ato sem precedentes contra o direito internacional e a soberania de um país pequeno.
Michael Ruppert, jornalista e ex-oficial do setor de narcóticos, apresentou em 1997 uma larga declaração, acompanhada de provas documentais aos comitês de inteligência (“Select Intelligence Committees”) de ambas Câmaras do Congresso. Em um dos parágrafos afirma: “A CIA traficou drogas não só durante a época dos “Irã-contras”, mas o tem feito durante todos os cinqüenta anos de sua história. Hoje lhes apresentarei evidências que demonstrarão que a CIA, e muitas figuras que se fizeram célebres durante o ‘Irã-contras’, como Richard Secord, Ted Shackley, Tom Clines, Félix Rodríguez e George H. W. Bush , venderam drogas aos estadunidenses desde a época do Vietnã.”
Em 1999, sob a administração de Bill Clinton, os Estados Unidos bombardearam impiedosamente o povo iugoslavo durante 78 dias. De novo aqui aparece o narcotráfico no fundo das motivações. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos e seus homólogos da Alemanha e Grã-Bretanha utilizaram o tráfico de heroína para financiar a criação e o equipamento do Exército de Libertação de Kosovo. A heroína proveniente da Turquia e da Ásia Central passava pelo Mar Negro, Bulgária , Macedônia e Albânia (Rota dos Balcãs) com destino a Itália. Com a destruição da Sérvia e o fortalecimento – desejado ou não – da máfia albanesa, a administração Clinton deixava livre o caminho da droga desde o Afeganistão até a Europa Ocidental. De acordo com informes da DEA e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, cerca de 80 % da heroína que se introduz na Europa passa através de Kosovo.
“Planos” Colômbia
Várias administrações estadunidenses, e em particular a de George W. Bush, foram cúmplices do genocídio na Colômbia. A “guerra contra as drogas” sustentada pelos Estados Unidos com recursos financeiros multimilionários, assistência técnica e volumosa ajuda militar, não conseguiu deter o fluxo de cocaína e, pelo contrário, tem sido determinante no surgimento e desenvolvimento dos grupos paramilitares a serviço dos proprietários de terras com plantações de drogas, e também como pretexto para manter o domínio sobre os trabalhadores e a população camponesa. O Plano Colômbia resultou num completo fracasso, mas serviu como tela de fundo para a ingerência dos Estados Unidos no país e mostrou claramente seu verdadeiro objetivo, a contra-revolução.
Muitas vezes se esquece que o narcotráfico é provavelmente o negócio mais lucrativo dos capitalistas. Com a guerra na Colômbia lucram as empresas químicas que produzem os herbicidas, a indústria aeroespacial que abastece helicópteros e aviões, os fabricantes de armas e, em geral, todo o complexo militar-industrial. Os bilhões de dólares que gera o tráfico ilegal de drogas, também incrementam o poder financeiro das corporações transnacionais e da oligarquia local.
A recente declaração do Secretariado de Estado Maior Central das FARC-EP, em vista do quadragésimo oitavo aniversário do início da luta armada rebelde, denuncia este vínculo drogas-capital: “os dinheiros do narcotráfico se convertem em terras, inundam a banca, as finanças, os investimentos produtivos e especulativos, a hotelaria, a construção e a contratação pública, resultando funcionais e necessários no jogo de captação e circulação de grandes capitais que caracteriza a capitalismo neoliberal de hoje. Igualmente ocorre na América Central e no México.”
O Tratado de Livre Comércio Estados Unidos-México (NAFTA) obrigou numerosos camponeses, ante a competitividade de produtos agrícolas estadunidenses, a cultivar em suas terras papoula e maconha. Outros, frente à alternativa de trabalho escravo nas indústrias “maquiladoras”, preferem ingressar nas redes mafiosas da droga. O grande aumento do tráfico de mercadorias através da fronteira e dos controles bancários para combater o terrorismo, provocou a lavagem de dinheiro dos bancos até as corporações comerciais.  A complexidade e o volume das operações financeiras, e o fluxo instantâneo e constante de capitais “on line”, tornam extremamente difícil seguir o rastro das transações ilícitas.
Uma das conseqüências do NAFTA é a impunidade quase total que acompanha o fluxo de narcodólares em ambos lados da fronteira. Igualmente como no México, o Tratado de Livre Comércio recentemente em vigor na Colômbia estimulará a violência, o narcotráfico e a repressão sobre os trabalhadores e camponeses. A “Iniciativa Mérida”, apor sua vez, é somente a versão ‘México-Centroamericana’ do Plano Colômbia.
Devemos meditar sobre o fato de que em todos os cenários de onde os Estados Unidos têm intervindo militarmente, principalmente naqueles onde tem ocupado a sangue e fogo o território, o narcotráfico, sem diminuir, como seria de esperar, está multiplicado e fortalecido. No Afeganistão, o cultivo de papoula se reduziu drasticamente durante o governo dos talebãs para alcançar logo, sob a ocupação estadunidense, um crescimento acelerado. O Afeganistão é atualmente o primeiro produtor de ópio do mundo, mas, ademais, já não exporta somente em forma de pasta para seu processamento em outros países, mas fabrica a heroína e a morfina em seu próprio território.
Se nos atemos aos fatos históricos, poderíamos afirmar que a política dos Estados Unidos não tem sido a de “guerra contra as drogas”, senão a de “drogas para a guerra”. (da alainet.org)
Tradução: Eduardo Sales de Lima

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Reflexões de Fidel: Um Esclarecimento Honesto


Fidel Castro

Há alguns dias, em 28 de maio, foi comemorado com merecidas referências o violento Combate de Uvero. Um dever elementar me obriga a esclarecer os fatos.

Por aquelas semanas Manuel Piñeiro, "Barbarroja", gênio e figura até a sepultura, como diz o provérbio, enviou a Santiago de Cuba um caminhão com armas, das que foram utilizadas no ataque ao Palácio Presidencial, por parte do Diretório Revolucionário, que de alguma maneira foram parar a suas mãos. Frank País, responsável de ação, em nível nacional, de nosso Movimento 26 de Julho, enviou uma parte importante desse carregamento à difícil zona da Serra Maestra, onde nosso nascente Exército Rebelde renascia de suas cinzas.

Aquela aprendizagem tinha sido sumamente dura. Passo a passo fomos travando as primeiras ações vitoriosas, nas quais aumentavam nossas forças em armas e homens, sem termos baixas. Ao mesmo tempo, fomos obrigados a encarar a perigosa traição de Eutimio Guerra, camponês solidário com os rebeldes até o momento em que sucumbiu às abundantes ofertas do inimigo. Apesar dos obstáculos, e com o apoio de homens e meios que nos enviava Frank, fomos criando o primeiro destacamento guerrilheiro: com a vanguarda, sob o comando de Camilo; a retaguarda, com Efigenio Ameijeiras; o centro, com pequenos pelotões; e o Comando Geral. Contávamos já com um experiente grupo de combatentes, adaptados ao terreno quando, em tanques de espessa graxa lubrificante, chegou um importante lote das armas resgatadas por "Barbarroja".

Será que foi correto desde o ponto de vista militar e revolucionário atacar a guarnição entrincheirada e bem armada na beira do mar, onde era embarcada a madeira extraída daquela zona? Por que fizemos isso?

Aconteceu que nesse momento, no mês de maio, teve lugar o desembarque do iate "Corynthia", liderado por Calixto Sánchez White. Um forte sentimento de solidariedade fez com que atacássemos a guarnição de Uvero.

Devo salientar, com toda a honestidade, que a decisão adotada, se for excluído o mérito da solidariedade que entranhava, não foi absolutamente correta. Nosso papel, ao qual se subordinava qualquer outro objetivo, tal como foi feito durante nossa vida revolucionária, não se ajustava àquela decisão.

Lembro o primeiro disparo do fuzil de mira telescópica que eu utilizava, dirigido ao aparelho de rádio da guarnição. Após aquele disparo, dezenas de balas caíram sobre o posto de comando inimigo. O adversário não soube por isso que estavam atacando sua guarnição. Tivemos a nosso favor três horas ao menos, sem que bombas e metralha caíssem sobre nós; o que acontecia invariavelmente apenas 20 minutos depois que começasse qualquer combate. Sem esses fatores é muito provável que aquela decisão, inspirada só na solidariedade, reduzisse nossas forças de quase cem veteranos e fosse necessário começar novamente seu azarento caminho, no melhor dos casos.

Naquelas condições Almeida foi atingido no peito e protegido de uma ferida mais grave por algo de metal, segundo recordou, que levava no bolso; Guillermo García, com um capacete obtido no primeiro combate, manteve renhido duelo com o defensor de um fortim de grossos troncos; o Che, com fuzil-metralhadora que engasgou, se separou de seu posto para levar a cabo um duelo com os que combatiam contra Almeida; e Raúl com seu pequeno pelotão avançou contra os soldados entrincheirados atrás dos troncos dispostos para o embarque; tudo antes de que aparecessem os caça-bombardeiros. Julio Díaz, corajoso combatente que disparava com uma metralhadora com tripé, não pôde avançar; jazia a meu lado com um balaço mortal na testa.

Compreende-se agora o que aconteceu naquele 28 de maio de 1957, há 55 anos?




Fidel Castro Ruz
1 de Junho de 2012
16h36

quinta-feira, 7 de junho de 2012

“A meta da Rio+20 é privatizar as decisões que deveriam ser dos estados e governos”



Por José Coutinho Júnior, do site oficial do MST
Para Iara Pietricovsky, antropóloga e integrante do conselho de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a sociedade civil precisa estar atenta e mobilizada em relação aos debates na Conferência da Rio+20, pois conceitos importantes tratados e definidos na Rio92 podem estar ameaçados. Confira a entrevista que Iara concedeu à Página do MST.
A Rio+20 é uma consequência da Rio92. Quais são as principais diferenças no caráter político e na conjuntura em que as Conferências se realizam?
Em 1992, nós estávamos no ápice do neoliberalismo, e ideias como a privatização e o Estado mínimo estavam sendo aprofundadas. A conferência de 1992 foi um contraponto a esses ideais, mostrando que existiam outras coisas importantes que deviam ser consideradas, como os direitos humanos e a sustentabilidade ambiental.

A Rio92 desorganizou essa lógica neoliberal que assolava o mundo naquele momento. Vinte anos depois, estamos vivendo num mundo onde os paradigmas do neoliberalismo estão em crise. Em 92, ao pensar nos pilares social, econômico e ambiental, se desenvolveu princípios como o de responsabilidades diferenciadas entre os países, cuja ideia é que os países poluidores são os maiores responsáveis pela crise ambiental e, portanto, devem arcar com esta responsabilidade. Além de uma série de marcos regulatórios e princípios jurídicos internacionais ratificados por meio de tratados e convenções, que são fundamentais.
Hoje é o oposto. Estamos num mundo em crise, com os países e seus governos fragilizados, as corporações estão extremamente fortalecidas, pressionando e destituindo os estados de seu papel regulador e mediador.
Como conseqüência desse processo, a Rio+20 está diluída, pois o que foi constituído ao longo dos anos e conferências em relação aos direitos humanos está sendo reduzido. Ou seja, vivemos em tempos muito mais complexos e muito mais complicados, portanto é necessária maior consciência e ação política por parte dos cidadãos, organizações políticas e movimentos sociais em torno do que está se deliberando na Rio+20.
Em relação às metas da Rio92, o que foi cumprido até hoje?
É difícil dizer. Há uma série de leis e marcos legais que foram regulamentados. Hoje há o princípio das Responsabilidades Comuns, Mas Diferenciadas, fundamental para envolver, discutir e obrigar os países desenvolvidos a mudar seu padrão de produção e consumo, além de iniciativas e experiências do ponto de vista do desenvolvimento de tecnologias, da compreensão da necessidade de uma mudança de padrão no mundo.

Mas efetivamente, uma alternativa a essa forma de produção capitalista baseada em recursos naturais de forma infinita continua existindo na prática até hoje. E isso é o maior dos desafios que temos hoje na sociedade planetária. Se não nos mobilizarmos massivamente no sentido de mostrar tanto às corporações e transnacionais quanto aos governos – que vem respondendo mais aos interesses corporativos do que da dignidade humana das populações -, vamos perder um momento importante e transcendente para fazer essa reflexão de modelo de paradigma e desenvolvimento.
Nesse ano expira o protocolo de Quioto. Qual a sua avaliação dos resultados do protocolo?
A renovação do protocolo está sendo questionada. O protocolo essencialmente afirma as Responsabilidades Comuns, Mas Diferenciadas, ao dizer que os países ricos têm de pagar essa conta, pois eles foram e são os maiores predadores ambientais. Há também o debate de transferência de tecnologia: não é só acessar a tecnologia, é transferir, quebrar a lógica das patentes.

O que acontece é que nenhum país desenvolvido quer assumir essa responsabilidade. Essa força política que não quer renovar o protocolo quer partir para outro acordo que responsabilize em igual medida os países em desenvolvimento, o que configura uma inversão de valores e da responsabilidade histórica que os países desenvolvidos têm.
É fundamental que se aprove a renovação do protocolo. Assim como é fundamental que as metas de desenvolvimento sustentável que estão sendo propostas na Rio+20 peguem os países ricos. Eles têm de começar a mudar radicalmente e a pagar a conta. Não que nós não tenhamos responsabilidade, mas eles são os maiores responsáveis: o padrão de consumo e produção predatório é realizado em grande parte pelos países ricos.
Que metas de desenvolvimento sustentável são essas?
Essas metas são propostas de desenvolvimento que nasceram da Colômbia, mas que foram rapidamente aplaudidas pelos países ricos. São metas que pretendem substituir as Metas do Milênio, que fracassaram. Só que para essas metas serem efetivas, elas tinham que estar atreladas a um conteúdo diretamente relacionado aos princípios da Rio92, ou seja, o princípio do país poluidor-pagador, da precaução, que são princípios básicos. Todos os tratados que foram derivados da Rio92 estão atrelados a estes princípios.

O que as metas propostas hoje querem nesse momento é o contrário: estão retirando esses direitos, transformando essas metas em projetos de longo prazo, cujo exemplo maior é a proposta de dobrar a energia limpa do mundo. Ora, a energia limpa do mundo hoje corresponde a 4% do total. Em 2030, se dobrar, vamos para 8%. Isso não é nada.
Não se fala de transferência de tecnologia também. As metas, agora, são assim: em relação ao acesso universal a água, os governos estão sendo incapazes de garantir este direito. Então o conceito de universalização do direito a água da margem para se colocar metas pausadas, e quem vai realizar essa meta são os parceiros prioritários, através das parcerias público-privadas, nas quais o setor privado será o maior realizador dessas metas. As metas da Rio+20 privatizam as decisões que deveriam ser realizadas pelos estados e seus governos.
Aparentemente, há duas agendas, a dos países desenvolvidos e a dos subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Há posições conflitantes na agenda destes países?
Sim. O Estados Unidos não é um país signatário de nenhum tratado internacional. Com isso ele joga o jogo mas não se compromete com nada. Ele não quer direito humano algum, ele quer uma declaração simples, sem nenhuma obrigação. A Europa, por conta dessa crise absoluta, está numa posição defensiva; o Japão está em crise por causa dos terremotos, mas ele tem resoluções internas importantes na questão da sua sustentabilidade, mas não querem compartilhar isso com o mundo. Eles também rejeitam tudo que diz respeito aos direitos humanos.

O G-77, grupo de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, do qual o Brasil faz parte, além de países africanos, árabes e da América Latina, é o grupo que está batalhando para reafirmar os tratados e convenções que foram aprovados desde a Rio92. Há contradições, inclusive dentro do Brasil, mas o fato é que esse conjunto de países tem uma defesa mais pró-ativa em relação à questão dos tratados e dos direitos.
Você acredita que a Rio+20 vai conseguir avançar na criação de algum modelo efetivo para enfrentar as crises que vivemos?
A Rio+20 vai ser importante por colocar na agenda mundial novamente esse debate. O documento oficial vai ser fraco, ele vai simplesmente introduzir essas metas do desenvolvimento sustentável e dar uma agenda para o futuro. É preciso brigar para que os princípios e convenções da Rio92 permaneçam. Lutar para que todas as instâncias e capítulos sejam vinculados ao tema dos direitos humanos, econômicos, culturais, que foram constituídos ao longo destas últimas décadas.

Se isso não for feito, esse documento não vai ter poder nenhum de transformação. Mesmo assim, eu acho que este debate, nesse momento de crise mundial é fundamental, porque é a maneira que os movimentos sociais, as organizações de cidadãos e cidadãs que tem uma consciência do que está acontecendo e que querem se tornar ativos nesse processo, tem de apresentarem seus pensamentos, disputar com o poder da mídia hegemônica e das corporações. É um momento em que a gente consegue fazer uma inflexão de contracultura, de contraponto à tentativa que o modelo e o sistema têm de se readequar e reproduzir, vestido numa roupagem de economia verde, de sustentabilidade.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Londres-2012, as Olimpíadas do Medo


Porta-aviões no rio Tâmisa: parte de pacote que inclui vigilância intensa sobre cidadãos e armas sônicas para dispersar manifestações.

Aparato de segurança nunca visto controlará cidadãos durante os Jogos. Eles terão se tornado cavalo-de-tróia para medidas de controle social?
Por Dave Zirin | Tradução Daniela Frabasile
Até 48 mil policiais e 13,5 mil soldados. Baterias de mísseis aéreos posicionadas no alto de prédios residenciais. Uma arma sônica que dispersa multidões, criando “dor de rachar a cabeça”. Drones não-tripulados vigiando tudo do céu. Uma zona de segurança, contornada por uma cerca elétrica de mais de 17km, cercada por agentes treinados e 55 grupos de cães para ataque.
Você poderia pensar que essas são as táticas usadas pelas bases norte-americanas no Iraque e Afeganistão, ou talvez os métodos militares ensinados a ditadores do terceiro mundo na Escola das Américas em Forte Benning, Georgia. Mas elas fazem parte do aparato ostensivo de segurança preparado em Londres, para as Olimpíadas de 2012.
Na capital britânica, que já tem mais câmeras de segurança por pessoa que qualquer outra cidade no mundo, há sete anos os governantes não economizam para monitorar seus cidadãos. Mas a operação olímpica vai além de tudo o que já se viu, quando uma democracia ocidental hospeda os jogos. Nem mesmo a China em 2008 usou aviões não-tripulados (drones), nem cercou as instalações olímpicas com uma imensa cerca de alta voltagem. Mas aqui está Londres, preparando uma contra-insurgência, e posicionando um porta-aviões no meio do rio Tâmisa. Aqui está Londres, instalando scanners, cartões de identificação biométrica, sistemas de vigilância que reconhecem placas de carros e rostos, sistemas de rastreamento de doenças, novos centros de controle policial e pontos de revista.
Stephen Graham refere-se a estas táticas, no jornal The Guardian, como “Lockdown London” [algo como "Londres Cercada"]. É “a maior mobilização de militares e forças de segurança do Reino Unido desde a Segunda Guerra Mundial”. Ele não está exagerando. O número de soldados irá superar as forças que o Reino Unido enviou ao Afeganistão.
Não se trata apenas dos custos e de inacreditável invasão de privacidade. O poder está sendo passado para a polícia. A “lei dos jogos olímpicos em Londres”, de 2006 capacita, além do exército e da polícia, forças de segurança privadas para lidar com “questões de segurança” usando força física. Essas “questões de segurança” foram definidas de forma ampla. Incluem tudo: de “terrorismo” até protestos pacíficos, ações sindicais, camelôs vendendo produtos das Olimpíadas nas ruas, banimento de qualquer presença corporativa que não tenha o selo de aprovação das Olimpíadas. Para ajudar a cumprir a última parte, haverá “equipes de proteção de marcas” na cidade. Também operarão nas instalações olímpicas, para garantir que ninguém “vista roupas ou acessórios com mensagens comerciais que não sejam dos patrocinadores oficiais”.
A operação de segurança também inclui assédio nas ruas. Como reportou o Guardian, “policiais têm poder de deslocar qualquer pessoa que considerem engajada em comportamento antissocial, como dar voltas em estações de trem, pedir dinheiro, mendigar, caminhar indolentemente, cobrir-se com capuz ou qualquer outra maneira de causar incômodo”.
Não há razão alguma para que as Olimpíadas sejam assim. Uma celebração internacional de esportes – particularmente mais diversos do aqueles com que estamos acostumados – não precisa de drones e porta-aviões. Não existe razão para que atletas do mundo inteiro necessitam de tal aparato para se unir e mostrar seu potencial físico.
Mas as Olimpíadas atuais estão para o esporte assim como a guerra do Iraque estava para a democracia. As Olimpíadas não são têm a ver com atletas. E definitivamente não estão relacionadas a “unir a comunidade das nações”. São um cavalo de Tróia neoliberal destinado a ampliar negócios e reverter as liberdades civis mais elementares.
Sem querer chocar ninguém, sustento: não há sinais de que esse aparato de segurança será desmontado depois do término das Olimpíadas. As forças policiais ganharam um número excessivo de brinquedos, as caixas foram abertas.
Num certo sentido, as Olimpíadas sempre cumpriram este papel. Desde a Berlim comandada por Hitler em 1936, até a chacina de estudantes na Cidade do México, em 1968; o ataque às gangues em Los Angeles em 1984; o desalojamento em massa de cidadãos em Beijing em 2008, a “repressão” sempre foi parte dos jogos. Mas no mundo pós 11 de Setembro, as apostas são muito mais altas. As Olimpíadas tornaram-se a colher de açúcar que ajuda a tomar o remédio; o remédio é que nossos governantes descobriram o inimigo; e o inimigo somos todos nós.

terça-feira, 5 de junho de 2012

EUA: Sistema de Injustiça Criminal para negros pobres

Brian Banks após receber a sua sentença 


Só num estado, na Louisiana, a taxa de encarceramento, em relação à população, é 13 vezes maior que a da China e cinco vezes maior que a do Irã
04/06/2012
Margaret Kimberley
(Traduzido pelo coletivo de tradutores Vila Vudu)


Há tantas coisas erradas nos EUA, que nem se sabe por onde começar. Mas, de todas as calamidades que os norte-americanos enfrentam, a mais cruel é o sistema de justiça criminal. 

Os EUA são a capital mundial das prisões. Só num estado, na Louisiana, a taxa de encarceramento, em relação à população do estado, é 13 vezes maior que a da China e cinco vezes maior que a do Irã.

O encarceramento em massa não é acaso, mas reação coordenada e aperfeiçoada contra o sucesso do movimento pelos direitos civis. As leis de segregação racial foram tornadas ilegais. E imediatamente criaram-se novos meios legais para segregar e destruir a comunidade negra nos EUA.

A obsessão dos EUA com o castigo sempre foi cause célèbre que chamou a atenção de parte da mídia, quando é muito flagrantemente injusta, ou evidencia vícios processuais ou mostra muito evidente racismo. Mas esses detalhes perdem importância, se se considera o terror sem fim que é o sistema judicial nos EUA.

O calvário de Brian Banks é exemplo disso.

Banks tinha 16 anos e era aluno e jogador destacado da equipe de futebol americano de uma escola em Long Beach, Califórnia, quando foi falsamente denunciado por estupro, por uma colega de classe, em 2002. Banks foi formalmente acusado, não só por estupro, mas também por sequestro. Preferiria ter-se declarado inocente, mas estava ameaçado, se condenado, por uma sentença de 41 anos de prisão. Como Banks relembra, seu advogado lhe disse que era “negro alto e forte” e que os jurados o considerariam culpado, dissesse o que dissesse; e que a confissão reduziria a sentença. Seguindo conselho do advogado, Banks declarou-se culpado.

Foi condenado a cinco anos de prisão, depois dos quais passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica e identificado como “agressor sexual”. Quem seja identificado como  “agressor sexual” é condenado, de fato, a prisão perpétua; fica proibido de frequentar determinados espaços, ou recebe a tornozeleira eletrônica várias vezes ao longo da vida,  por diferentes períodos. 

As sentenças draconianas não reduziram o número de ataques sexuais, nem aumentaram a segurança de ninguém. São apenas mais um item acrescentado à longa lista de instrumentos criados para infligir cada vez mais sofrimento.

Acontece assim com milhares de norte-americanos que, por um motivo ou outro, acabam colhidos nas malhas do sistema, mesmo quando são praticaram nenhum tipo de crime. No caso de Banks, a suposta vítima arrependeu-se, confessou que mentira, e a história de Banks afinal chegou às manchetes. Mas ainda não se cogita de levar a julgamento todo o sistema de justiça criminal nos EUA.

Não é raro que os procuradores ampliem a lista de acusação contra os réus, o que força muitos a declarar-se culpados, na tentativa de escapar de décadas de encarceramento. É como se os procuradores do estado da Florida tivessem decidido que não seria necessário seguir todas as etapas do justo processo legal. Basta aumentar os crimes de que os réus sejam acusados, pedir sentenças gigantescas, cinco, dez, às vezes 20 vezes mais longas do que as sentenças previstas para o caso de o acusado declarar-se culpado, vale dizer, para o caso de o acusado ‘confessar’ –, e o trabalho de todo o sistema judicial fica muito facilitado. 

 Marissa Alexander foi acusada de ter dado um tiro no marido. Se se declarasse culpada, seria condenada,  no máximo, a três anos de prisão. Mas recusou-se. O caso portanto teve de ir a júri, e ela, apesar de não ter dado tiro algum em marido algum, cumpre hoje pena de 20 anos atrás das grades.

O que se vê nas cortes norte-americanas nada tem a ver com sistema de justiça que, por definição, sempre daria aos acusados o direito de ser julgado por juiz legal, assistido por advogado legal, sem medo de, por razão nenhuma, acabar condenado a prisão perpétua. O sistema de justiça nos EUA castiga, sempre mais,  os inocentes que se declarem inocentes. 

Em muitos estados dos EUA, quem se declare inocente expõe-se a penas mais curtas, mas, automaticamente, perde o direito às audiências preliminares de defesa. Assim, os inocentes que se declarem inocentes se autocondenam a permanecer presos por longos períodos, sem serem ouvidos por nenhum juiz... até que confessem ter feito o que não fizeram, quando, então, vão a julgamento, já condenados.

O sistema judicial criminal e de correição dos EUA não passa de ninho de corruptos e corruptores, e tem de ser desmontado até a raiz. 

Prisões e carceragens nos EUA são instituições que geram negócios e criam empregos para a fechada comunidade dos carcereiros, para empresas privadas que vivem do negócio de construir e administrar prisões, e que impedem os negros norte-americanos de efetivamente questionar todo o sistema, como faziam há 40 ou 50 anos. 

Procuradores e políticos beneficiam-se e lucram com o número sempre crescente de condenados a sentenças cada vez mais longas, além de ganharem tempo de exposição na mídia, nos casos mais espetacularizados, o que muito os interessa no caso de serem candidatos a ‘promoção’,  seja no sistema judicial-policial seja no sistema político.

Pouco têm a perder com as condenações a prisão perpétua que resultaram das leis de “três acusações [de crime menor] equivalem a uma [de crime maior], inventada para prender pequenos traficantes de drogas. A “tolerância zero” nunca passou de metáfora para manter negros pobres – e pobres em geral – sob controle. 

O discurso codificado e enunciado pela mídia e o lucro que advém da falácia segundo a qual “se há sangue, é notícia” alimentam o medo e ajudam também a obter o apoio de muitos negros e de muitos pobres, para essas medidas judiciais, que são apresentadas como justas e legais, quando são legais, mas são racistas.

Para meter negros e pobres nas cadeias, nenhum crime é pequeno crime. Até abandono dos filhos é crime que mete negros pobres nas prisões dos EUA, negros pobres que, metidos nas cadeias por décadas, se não abandonaram antes, fatalmente abandonarão os filhos depois de ‘justiçados’. Mas, evidentemente, não há no mundo quantidades de pais e mães espancadores de filhos, ou de predadores sexuais ou de assassinos psicopatas, para encher prisões cujos proprietários privados são remunerados ‘por cabeça’. 

Esses crimes-espetáculo, que são os únicos que são midiatizados, só são midiatizados para manter operante o sistema judicial de distribuir e perpetuar injustiças, aumentar o lucro das prisões-empresa, atrair votos para candidatos financiados pelas mesmas prisões-empresas e pela mídia, e para manter satisfeitos os norte-americanos racistas, “em uniforme” ou sem uniforme.

O caso de Brian Banks atraiu a atenção das televisões, jornais e jornalistas, porque uma mentirosa o mandou para a cadeia. E as televisões, os jornais e os jornalistas repisam sempre esse aspecto desse caso. Mas essa explicação pouco explica dos outros muitos casos em que o único mentiroso foi o sistema judicial norte-americano. 

Temos de considerar, isso sim, o que disse aquele advogado, para convencer Banks a confessar crime que não cometera: que “negro alto e forte”, nos EUA, é pressuposto culpado e é pré-condenado a longas sentenças e castigo eterno.

Sempre haverá casos cujas histórias atraem mais simpatias, ou cujos personagens atraem apoiadores mais bem organizados. Ainda que nós também sejamos atraídos para esses casos mais espetacularizados pelas televisões, jornais e jornalistas, temos de lembrar que há muitos outros negros e pobres que enchem as prisões nos EUA. O caso ‘do dia’ deve ser ocasião para desentocar a besta e cortar-lhe a cabeça de uma vez por todas. É a única notícia que realmente vale a nossa atenção.

Sobre a autora:

A coluna “Freedom Rider”, de Margaret Kimberley, é publicada semanalmente em Black Agenda Report, BAR (http://www.blackagendareport.com) e reproduzida em muitos jornais nos EUA. Mantém também um blog em http://freedomrider.blogspot.com. Recebe e-mails em Margaret.Kimberley@BlackAgandaReport.com






segunda-feira, 4 de junho de 2012

Novo espião digital: ameaçador


120604 virusRNW - Não existem mais dúvidas: o software ‘Flame’, que a empresa antivírus russa Kaspersky Lab descobriu na semana passada, foi criado por encomenda de um governo. É o que diz o especialista holandês Roel Schouwenberg, que trabalha para a Kaspersky. Parece ser um passo lógico na corrida armamentista digital.



O Flame é tão avançado e potencialmente perigoso que a União Internacional de Telecomunicações (UIT) da ONU alertou para uma ameaça grave de infraestrutura crítica dos Estados membros. É a primeira vez que a UIT dá um alarme deste tipo. A agência pediu que haja mais cooperação internacional para combater a espionagem digital.
Flame
O ‘malware’ (software danoso) que foi chamado de Flame infectou sistemas no Irã, Sudão e em vários países do Oriente Médio. Os alvos foram diversos: pessoas físicas, instituições governamentais, empresas e universidades.


Como o Flame é detectado?

Para usuários comuns o Flame não oferece nenhum perigo direto. Mas um funcionário que leve trabalho para casa num pen-drive utilizado num sistema infectado, deve controlar seu computador, diz Schouwenberg. “No geral, empresas e universidades podem ser alvos de espionagem digital.” Agora que o vírus é conhecido, a maioria dos antivírus já pode detectar a infecção numa varredura. No website Securelist há uma ampla lista de perguntas e respostas, além de instruções. Os furos nos softwares Windows também já foram corrigidos.
 

O espião digital é grande, a maior variante conhecida tem 20 MB e utiliza ‘furos’ – agora já corrigidos – em software da Microsoft. A título de comparação: o malware comum tem apenas alguns kilobytes e mesmo o famoso Stuxnet (2009-2010) tinha só 500 Kb. O Flame rouba dados, registra os toques no teclado, liga a webcam à distância e faz screendumps. Quem ataca pode escutar conversas via Skype e mesmo conversas no ambiente próximo ao computador infectado. Além disso, o Flame também pode, via Bluetooth, escutar aparelhos celulares.



Classe à parte
Fora esta função Bluetooth, este tipo de atividade de espionagem não é novo. Segundo o especialista Roel Schouwenberg, no caso do Flame também não se trata do que ele pode fazer, mas de como o malware é escrito e como a operação é executada. “Isto é de uma classe à parte.” Experts acreditam que precisarão de alguns anos para compreender completamente esta arma cibernética.

Quem ataca envia um ‘pacote’ sob medida para o sistema que quer invadir. Este é constituído por vários módulos, cada um com uma tarefa diferente. Eles podem ser ligados e desligados à distância. E não se exclui a possibilidade de que outros módulos desconhecidos possam surgir. “Acredita-se que esta seja uma operação paralela ao Stuxnet”, diz Schouwenberg. “Achamos que também existe um módulo dirigido para a sabotagem. Com isso o objetivo da operação muda de espionagem digital para sabotagem digital. Isso faz com que seja muito mais perigoso.”
Resta saber como o Flame conseguiu se espalhar por sistemas que deveriam ser bem protegidos. “Nenhum código é 100% seguro”, diz Schouwenberg. “Por sorte as universidades dão cada vez mais atenção a falhas nos códigos de programas.” Governos e empresas ainda dão pouca atenção a atualizações e segurança.


Furos no software
Em 2010, o mundo da segurança digital foi abalado com a descoberta do Stuxnet. Um vírus de sabotagem dirigido especificamente ao programa iraniano de enriquecimento de urânio. “A ordem para a criação do Stuxnet e do Flame perece vir da mesma entidade”, diz Schouwenberg. “O código de programação tem algumas características técnicas que não são encontradas em nenhum outro lugar.” Ambos fazem uso de furos em software Windows para impressoras e pen-drives.

Mas a filosofia é fundamentalmente diferente. O Stuxnet infectou milhares de computadores. O Flame, menos de mil, embora acredite-se que já esteja circulando desde 2007. Além disso, o Stuxnet foi desenvolvido principalmente para causar danos, enquanto o Flame é um astuto colhedor de informações. “O Flame foi desenvolvido para operar sob os radares”, diz o especialista holandês. “Ele não se esconde e utiliza nomes de arquivos relativamente genéricos. Isso significa que passa despercebido numa varredura de segurança. A não ser que você saiba o que está procurando.”


Clientes
Segundo uma reconstrução do jornal norte-americano New York Times o Stuxnet foi uma iniciativa dos EUA e Israel. O programa teria começado com George W. Bush e sido posto em ação pelo atual presidente dos EUA, Barack Obama. Considerando as descobertas do New York Times, é fácil pensar que o Flame viria da mesma fonte. Isso faz sentido, porque vários países árabes, Irã e Sudão foram os alvos da operação. Países que os EUA mantém sob estreita vigilância por causa de sua guerra contra o terrorismo.

Schouwenberg prefere não fazer especulações. Ainda não há provas concretas. O que está claro para ele é que um governo não cria ele mesmo um malware assim. Da mesma forma que uma empresa recebe um contrato para fornecer aviões bombardeiros, o governo encomenda a construção de armas cibernéticas.


Sabotagem digital
O Flame deixa claro que a espionagem e sabotagem digital são parte da guerra contemporânea. Um complexo cyberindustrial que é um negócio de bilhões de dólares. “A guerra digital é mais fácil, mais barata e traz menos riscos do que a guerra tradicional”, diz Schouwenberg. “Mas há um problema: pode-se pensar que um determinado governo está por trás de um ataque e contra-atacar, mesmo sem provas concretas.”



Fonte: Diário da Liberdade

domingo, 3 de junho de 2012

Tecnologia, desenvolvimento e ilusões


Por Adriano Benayon


No momento em que surgem novos avanços na nanotecnologia e na criação de materiais, como o grafeno, é fundamental compreender a interação da tecnologia com o desenvolvimento econômico e social. 

Indispensável afastar ilusões, pois não há algo de que se fale tanto e de que se entenda tão pouco como essa interação. Mesmo os  que trabalham em  inovar com produtos e processos não têm, na maioria, a percepção de como um país se desenvolve através da  tecnologia.

Na teoria econômica, ela é vista como progresso técnico e elemento externo à função de produção, na qual entram os fatores: recursos naturais, trabalho e capital (conjunto de máquinas, instrumentos e materiais utilizados na produção).

Alguns autores assinalam o papel da tecnologia como fator organizativo, que determina a composição e a proporção dos fatores de produção.

Os que exercem poder sobre o capital, privado ou  público, escolhem a tecnologia a ser adotada.  Para isso, baseiam-se, de um lado, no que os técnicos criam e, de outro, nas estratégias de mercado e/ou nos objetivos da política econômica. Os criadores de tecnologias as desenvolvem em função de suas ideias e do que lhes é demandado por parte dos que comandam o capital.

Fator invisível, mas concreto, da produção, a tecnologia decorre do trabalho, pois é gente que a produz: engenheiros, técnicos, artesãos (como nos primeiros séculos da industrialização) ou operários.

Por outro lado, tendo valor — e muito, do ponto de vista do mercado e em termos monetários — a tecnologia é quase sempre apropriada pelos detentores do capital, podendo a mais-valia ser especialmente elevada.
De resto, o ordenamento jurídico da propriedade industrial está no Acordo TRIPS (Trade Related Intellectual Property Rights) da Organização Mundial do Comércio (OMC), aprovado no Brasil, no final de 1994.

Esse acordo protege, muito mais que os direitos dos inventores, as corporações transnacionais. É instrumento da oligarquia para aprofundar o apartheid tecnológico, impedindo a absorção de tecnologia por países e empresas de menor desenvolvimento.

A lesão ao desenvolvimento tecnológico do País foi reforçada com a Lei de Propriedade Industrial, 9.279/1996, enviesada em favor das empresas transnacionais, que controlam os mercados no Brasil.
Essas legislações inserem-se no salto qualitativo do crescimento da concentração do poder sob o império anglo-americano, em seguida ao desmantelamento da União Soviética. Foi assim radicalizada a apropriação da tecnologia pelos concentradores transnacionais do poder econômico.

Se, antes de 1990, já prevalecia o comando do capitalismo — por definição, concentrador — sobre os benefícios e os rendimentos monetários advindos da tecnologia, esta passou, desde então, a ser cada vez mais amplamente expropriada do Estado, dos empresários médios e pequenos, bem como dos técnicos e demais trabalhadores.

Tal como os demais bens suscetíveis de serem públicos, ou de — embora privados — beneficiarem o conjunto da sociedade, a tecnologia vem sendo objeto da privatização concentradora.

E o que  isso tem a ver com a desindustrialização do Brasil, com o baixo percentual de empregos de qualidade, com as infra-estruturas econômica e social mal construídas e deterioradas? E com o enorme déficit nas transações correntes com o exterior, o qual não arrefece nem com a redução da demanda, como foi em 2011?

Ora,  o Brasil, após agosto de 1954, foi sendo inviabilizado em termos de desenvolvimento econômico e social, ao ter continuadamente subsidiado a ocupação do mercado por empresas transnacionais. Com esse tipo de ocupação, não se desenvolvem tecnologias nacionais, pois raras são as empresas de capital nacional que subsistem no mercado.

Aí reside um ponto-chave: tecnologia capaz de alavancar o desenvolvimento só cresce dentro de empresas em competição nos mercados. Entretanto, domina, na opinião comum, a falsa  concepção de que o Brasil está atrasado tecnologicamente porque investe pouco em educação, ciência, pesquisa básica e tecnologia.

É verdade que investe relativamente pouco. Mas o grave mesmo é que, desse pouco, quase nada resulta em proveito da economia do País. Por que? Porque não há empresas nacionais evoluindo com progressos tecnológicos próprios. Elas simplesmente ficaram sem chance de permanecer no mercado ou de nele entrar, salvo em raros e passageiros nichos, logo apropriados pelos concentradores, principalmente transnacionais.

Poderíamos comparar a tecnologia aos nutrientes e adubos de uma planta, que seria a empresa produtiva. 

Ora, se a planta não é nossa, de pouco nos serve alimentá-la.

As transnacionais têm seus centros tecnológicos, em geral nas matrizes, e utilizam nas subsidiárias daqui a tecnologia já paga no exterior durante anos de vendas, o que lhes permite custo real zero no Brasil. Não têm, pois, interesse em investir nem em adquirir alguma aqui desenvolvida.

Se alguma lhes interessar, quase nada pagarão por ela, porque, controlando o mercado em sistema de oligopólio, impõem os preços e as condições, na qualidade de únicas compradoras. O que fizeram muito foi adquirir empresas nacionais apertadas pela política econômica, que as oprime em favor das ETNs.

Esta é a síntese da questão, como expus e documentei no meu livro “Globalização versus Desenvolvimento: 
Não existe país que se tenha desenvolvido, havendo entregado seu mercado a empresas comandadas por capitais estrangeiros.

Portanto, o conceito de “transferência de tecnologia” no Brasil só tem sentido na direção inversa àquela em que costumam falar dele: de brasileiros para as transnacionais dos países ditos desenvolvidos, ao contrário do que acontece(u) nos países realmente em desenvolvimento.

Agradeço ao Prof. Weber de Figueiredo, da UFRJ, por me ter transmitido  um exemplo típico da ilusão “desenvolvimentista” fomentada  por JK:  a eliminação de mais um projeto de indústria nacional, a Romisetta.

Figueiredo assim resumiu informações de Fernando Campanholo sobre esse veículo  produzido pela Romi, empresa brasileira de Santa Bárbara do Oeste (SP), de 1956 a 1959:
O governo JK abriu linha de financiamento subsidiado destinado às multinacionais de automóveis que se estavam instalando no Brasil. A nacional Romi também pleiteou o financiamento, deixando os burocratas embaraçados, pois o financiamento fora pensado apenas para as multinacionais. Mas uma solução engenhosa foi encontrada. O governo baixou uma portaria definindo que automóvel é o veículo que tem dois bancos, o dianteiro e o traseiro! E, assim, a brasileira Romi foi jogada para escanteio, ficando fora do financiamento oficial, falindo a sua linha automotiva.”

A Romisetta era um carro leve, de um só banco. Mas o importante é começar a produzir para o mercado, o primeiro passo para evoluir em tecnologia. Não importa não ser de primeira linha.

O Fusca da VW chegou a mais de 50% do mercado, dominou-o por mais de vinte anos e pouco evoluiu. Fora desenvolvido nos anos 1930, e a VW  ganhou o incrível subsídio, dado às multinacionais,  em 1954,  de registrar como investimento em moeda, o equipamento e tecnologia de produção, então mais do que amortizados. Portanto, custo zero para o capital e a tecnologia. Além disso, com JK, mais subsídios, como o financiamento oficial.

Campanholo conclui: “A fabricação de 3.000 unidades no Brasil no período de 1956 até 1961, principalmente comparados às 22.543 Isettas-BMW fabricadas somente em 1956 pela Alemanha, fica como triste lembrança de quanto nós estamos suscetíveis e passivos aos mandos e desmandos do capital estrangeiro. Até hoje.”
Resultado: as transnacionais, que ficaram com o mercado brasileiro de graça, continuam recebendo subsídios e remetendo centenas de bilhões de dólares para o exterior, a diversos títulos. Isso significa descapitalizar o País.

O Brasil foi programado pelo império anglo-americano para ser uma área de exploração de recursos naturais, em condição semelhante à maioria dos países africanos, submetidos ao mesmo tipo de intervenção. Além disso, em base de lucros provenientes também da indústria, controlada pelas transnacionais.

Foram elementos-chave da estratégia para que esse programa tenha sido realizado a pleno contento das potências imperiais e associadas: 1) a intervenção política e militar diretamente junto aos governos brasileiros; 2) a intervenção do dinheiro e da corrupção nas eleições, no sistema formalmente democrático; 3) o genocídio cultural; 4) o fomento da crença em que a entrada do capital estrangeiro favorece o desenvolvimento, complementa a poupança nacional, e em outras falácias.

Os entreguistas, culminando com os mega-entreguistas Collor e FHC, radicalizaram  a aplicação dessa fé bizarra e fatal. Foram muito além da simples abertura ao comércio: fizeram o Estado brasileiro subsidiar os investimentos diretos estrangeiros, de forma inacreditável, e discriminar contra o capital nacional.

O Brasil não deixará de ser um país saqueado e enganado pela conversa fiada, enquanto não se reverter, de modo cabal, tudo isso e a mentalidade subjacente.

Eis algumas consequências para um país que participa do BRICs e pleiteia assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, só para ser enrolado pela potência dominante:
Dos 25 navios daMarinha de Guerra do Brasil apenas 14 estão em condições de navegar, e dos seus 23 aviões apenas um tem condições de levantar voo. Enquanto isso, a Rússia, a Índia e a China são potências nucleares, detentoras de tecnologia militar de altíssimo nível...”
Não produzimos sequer uma calculadora de bolso, pois falta-nos até fábrica de chips – somos meros montadores de aparelhos eletrônicos.


Adriano Benayon é doutor em economia e autor de "Globalização versus Desenvolvimento" (Escrituras). Contato: abenayon@brturbo.com.br


Fonte: Algo a Dizer