sábado, 20 de setembro de 2014

Por uma esquerda inconformista (resposta a Breno Altman)



Por Juliano Medeiros


Dias atrás foi publicado artigo de autoria de Breno Altman, com o provocativo título que pergunta "por que a ultra-esquerda brasileira é residual".


Curiosamente, Altman coloca a questão em debate justamente no momento em que o PT busca apoderar-se de um discurso mais ideológico contra sua principal adversária nessas eleições, Marina Silva, evocando uma contundente crítica aos bancos e defendendo - ainda que timidamente - o controle público sobre o Banco Central. Não considero que Altman, conhecido por estimular debates fundamentais para a esquerda brasileira, esteja apenas servindo como anteparo a uma estratégia que busca proteger o flanco petista junto aos eleitores assumidamente de esquerda. Ainda assim, seu artigo sugere questões que não poderiam deixar de ser respondidas.

Começo com o título do artigo, que apresenta uma premissa no mínimo questionável: seriam os partidos por ele citados membros de uma mesma "ultra-esquerda", digna de ser assim definida? O PCO, por exemplo, desde o início da campanha eleitoral deixou claro que seu objetivo é estritamente propagandístico. O PCB, por sua vez, embora não diga com essas palavras, vai mais ou menos pelo mesmo caminho, quando afirma que a prioridade nas eleições é a denúncia do capitalismo. Já o PSTU relativiza esse discurso, uma vez que admite que a eleição de parlamentares socialistas cumpre um importante papel na luta anticapitalista. O PSOL, por sua vez, nega peremptoriamente essas perspectivas e não esconde de ninguém que vê na disputa das instituições um elemento essencial na construção de uma alternativa de poder dos trabalhadores. Assim, além do fato de acreditarem que o socialismo é um objetivo a ser alcançado, pouco há em comum entre um partido minúsculo como o PCO e uma agremiação como o PSOL, que governa uma capital e elegeu parlamentares em todos os níveis desde que foi criado. Portanto, rotular pontos de vista tão distintos simplesmente como parte de uma "ultra-esquerda" não passa de um recurso de desqualificação que não pega bem para quem quer discutir a sério os dilemas da esquerda brasileira.

Mas não é aí que reside a diferença fundamental entre a análise de Altman e aquela que fazem os partidos – e falo apenas em nome do PSOL – que optaram por manter-se fora da grande concertação liderada pelo PT. Na verdade, a questão de fundo é a validade do pacto conservador – no dizer de um intelectual petista de boa-fé – como forma de superação dos limites historicamente impostos pela dinâmica capitalista brasileira. Particularmente, não estou entre aqueles que imputam à uma suposta "traição" do PT o abandono de sua vocação anticapitalista. Acredito que, convencido de que a sociedade brasileira não suportava mais que um "reformismo fraco", o PT abandonou a perspectiva de superação política e econômica do modelo das elites em favor de uma adaptação às regras do jogo, um aggiornamento, no dizer de Lincoln Secco.

Mas é compreensível que Altman busque forjar uma caricatura de nossas posições. Só assim pode simplificar a realidade para colocá-la a favor de seu discurso conformista. Quem conhece o mínimo da dinâmica econômica do capitalismo brasileiro, sabe que não é possível manter uma política macroeconômica que privilegie igualmente todos os ramos da economia. E ao fazer determinadas opções em favor deste ou daquele setor, o PT acaba forjando suas alianças. Por exemplo, enquanto o agronegócio lucra como nunca com a atual política cambial – herdada dos neoliberais e mantida pelo PT – a indústria definha ano a ano. Assim se constrói o pacto de classes que permite que um poderoso partido com raízes profundas no movimento de massas possa servir como elemento estabilizador da hegemonia de determinas frações da burguesia. Isso é o mesmo que dizer que "o PT e os demais partidos burgueses seriam farinha do mesmo saco"? Evidente que não. Essa seria uma leitura pobre (ou, pelo menos, propagandística) da realidade. Tão pobre quanto a que coloca PSOL e PCO “no mesmo saco”...

Afora os preconceitos e caricaturas que não merecem comentários (como a da "origem de classe" dos partidos que não compõem o governo petista), Altman agarra-se a duas teses principais: a) o PT tem grande base social e enraizamento popular – coisa que falta a muitos partidos da tal "ultra-esquerda" – porque representa verdadeiramente os interesses de classe dos trabalhadores; b) ao não apoiar o governo petista, a "ultra-esquerda" alia-se indiretamente à burguesia.

As premissas de Altman poderiam ser corretas, não fossem os ensinamentos da história. Os elementos destacados por ele como prova do compromisso do PT com os trabalhadores – expansão dos gastos públicos, políticas distributivistas, aumento do emprego e da renda dos trabalhadores – são, objetivamente, ganhos reais, mas que não comprovam qualquer compromisso em si. Por exemplo, o PMDB, partido que melhor representa os interesses do agronegócio, antagônicos ao desenvolvimento e aos trabalhadores, está alinhadíssimo com o governo. E por que seria? Porque, objetivamente, os ganhos listados por Altman não foram obstáculos ao projeto desta parte das elites. Pelo contrário. Aumentar a renda e expandir os gastos públicos, por exemplo, são instrumentos utilizados pela burguesia sempre que as condições conjunturais permitirem. Ou a Ditadura Militar também não aumentou o emprego e a renda, angariando ampla simpatia popular, no período do chamado “milagre econômico”? Não representava o regime militar um tipo de nacionalismo conservador, útil a determinadas frações da burguesia? Evidentemente, o aumento do emprego, da renda, das políticas redistributivas, é resultado de determinadas opções que podem ser consideradas corretas. Mas o fato de que a maioria da população não tenha se convencido dos limites do lulismo – tal como não estava convencida das propostas radicais do PT em 1989, optando por Collor – não colocam a "narrativa" de Altman mais próxima da realidade.

Por isso o petismo precisa lançar mão de outro argumento central: o de que não apoiar o governo é fazer, objetivamente, o jogo da direita. O problema, aqui, é que Altman considera a "direita" um bloco homogêneo, cujo "núcleo central" está em oposição ao governo. Nada mais falso. O núcleo da burguesia que assumiu protagonismo com o crescimento da economia mundial e a explosão das commodities em meados da década passada é aquele que hoje está ao lado do governo e não contra ele: o agronegócio, as empreiteiras e setores do capital financeiro. Ficaram no prejuízo a indústria e outra parte dos financistas. A CNA, de Kátia Abreu, não está com o governo? As empreiteiras, não estão com o governo? Os partidos que representam esses setores não estão com o governo?

A narrativa que coloca a direita como um bloco homogêneo é pobre, mas funcional. Através dela, todos os que estiverem contra o governo, estão com a direita. A retomada das privatizações (ou "concessões", como prefere o governo), a regressão da legislação ambiental e indígena, o crescimento do fundamentalismo no Congresso Nacional, as altas taxas de juros que inviabilizam o investimento produtivo e garantem o lucro dos bancos, tudo isso, não pode ser imputado exclusivamente a uma direita abstrata, que só existe em oposição ao governo. A direita também está no governo. E não através de um golpe, mas convidada pelos anfitriões do baile. Com isso, este também é um governo da direita, ou ao menos de parte dela. Da mesma forma, há milhares de trabalhadores que consideram, por ausência de uma alternativa, que este também é seu governo. Como achava a maioria dos trabalhadores que viviam sob o fascismo na Itália dos anos 20. Com isso, quero dizer que legitimidade não é suficiente para determinar o caráter de um projeto.

Por fim, afora todo o conformismo de Altman, para o qual o governo está no limite do possível, encontro em seu artigo uma afirmação verdadeira: há espaço à esquerda do PT. Não para cumprir o papel sugerido por Altman – a saber, a de uma "consciência crítica" do PT – mas para apresentar uma alternativa de poder que considere a hipótese de enfrentamento com os senhores que, há quinhentos anos, determinam os rumos do país. Esse é o bloco histórico do qual o Brasil precisa, e espero sinceramente que nele estejam muitos pós-petistas, que não tendo abandonado a crença de que os trabalhadores podem determinar seu destino, não aceitaram os limites do conformismo que a realpolitik impôs ao PT.




quarta-feira, 17 de setembro de 2014

10 sexismos do dia-a-dia e o que você pode fazer a respeito deles



Por Soraya Chemaly


As pesquisas mostram que a maioria das pessoas não enxerga o sexismo nem mesmo quando ele está diante de seus narizes.

"As mulheres endossam crenças sexistas, pelo menos em parte, porque não prestam atenção nas formas sutis e agregadas de sexismo em suas vidas pessoais", escreveram Julia C. Becker e Janet K. Swim, autoras deste estudo sobre a invisibilidade do sexismo. "Muitos homens não só não prestam atenção para esses incidentes como também tendem a não considerar incidentes sexistas uma forma de discriminação potencialmente perigosa para as mulheres."

O que você pensa desses dez exemplos e como responderia a eles?

1. Sexismo religioso e discriminação

Você realmente acredita que as mulheres não têm a capacidade de ter autoridade religiosa? Esse silenciamento ritualístico das mulheres é praticado por basicamente todas as grandes religiões. Com raras exceções, elas proíbem que mulheres e meninas ocupem cargos de liderança ministerial. Isso significa que o acesso ao divino é mediado exclusivamente pelos homens e por seu discurso. Isso é uma discriminação que nunca foi contestada legalmente, e seu efeito vai muito além dos lugares de culto e de suas práticas. A partir do momento em que uma garota se dá conta de que não é convidada a participar de rituais clericais porque ela é uma garota, ela descobre que sua voz não tem força e não é respeitada. O mesmo vale para os garotos à sua volta. Mas, ei, pelo menos minamos o bem geral do público com nosso dinheiro, por meio de isenções fiscais e subsídios. E se você se opusesse? E parasse de apoiar essa discriminação?

2. Dois pesos e duas medidas

Convivemos com um número infinito de situações em que dois pesos e duas medidas em relação ao gênero são parte fundamental da hierarquia. Isso restringe a liberdade das mulheres e prejudica nossa capacidade de termos vidas seguras, gratificantes e autônomas. 50 dessas situações são exploradas no novo livro de Jessica Valenti, He's a Stud, She's a Slut (Ele é um garanhão, ela é uma vadia, em tradução livre). Elas vão da expectativa de que meninas demonstrem mais autocontrole e educação aos tratamentos absurdamente diferentes dispensado a homens e mulheres quando eles envelhecem e quando usam seus corpos para se expressar, passando pelas ideias distorcidas sobre as habilidades "naturais" de meninos e meninas.

3. O cavalheirismo, também conhecido como sexismo benevolente, é parte das nossas "boas maneiras"

Uma coisa é um homem que abre a porta para você e não se importa se você fizer o mesmo para ele. Mas um homem que recusa categoricamente sua cortesia é sinal de um problema muito maior. O sexismo benevolente, aquele que se passa por "protetor" e "cavalheiro", é uma característica central da construção da masculinidade (e, por contraste binário, da feminilidade) nas culturas conservadoras. Estudos têm mostrado que, quanto mais as pessoas se julgam merecedoras de algo, mais chances elas têm deser sexistas - o que diz muito a respeito das #MulheresContraoFeminismo. Isso se define como "a consequência negativa das atitudes que idealizam as mulheres como objetos puros, morais e santificados, diante da adoração, proteção e provisão dos homens". Muito disso vem da infância, escondido sob o manto das ideias de que meninas e meninos devem ser "damas" e "cavalheiros", em vez de simplesmente seres humanos civis e bondosos, que se preocupam igualmente uns com os ouros. Em outras palavras, o que muita gente acredita ser cavalheirismo ou o comportamento de um "homem de verdade". Os efeitos negativos nas mulheres são muito bem documentados, especialmente no ambiente de trabalho.

Existe uma correlação bem documentada entre o sexismo benevolente e a aceitação dos papéis de gênero enviesados por parte das mulheres. Considere as maneiras como se expressa a negação da existência da diferença salarial entre homens e mulheres. Por exemplo, Phyllis Schlafy recentemente anunciou que diminuir esa distância (que ela admite ser real) significaria que as mulheres ficariam impossibilitadas de encontrar maridos. Ideias como essa são profundamente ligadas ao apoio sistêmico de um funcionário ideal, homem, responsável por ganhar o pão sozinho. Essa ideia é tema recorrente nas políticas conservadoras de trabalho e gênero.

Não enxergar sexismo onde ele é evidente permite que as pessoas com poder possam especular em voz alta que "o dinheiro é mais importante para os homens" sem perder o emprego por incompetência. Quero que você imagine um político hoje em dia dizendo que o dinheiro é mais importante para os judeus. Ou para os negros. Ou para as pessoas mais altas. A diferença de salários entre homens e mulheres chega a 431 000 dólares ao longo de uma vida. Os homens ganham menos que as mulheres somente em 7 de 534 tipos de emprego (http://www.bls.gov/cps/cpswom2011.pdf), então, obviamente, o republicano do Tennessee Lamar Alexander queria saber recentemente o que uma legislação sobre o tema poderia fazer para ajudar as mulheres. Os sexistas benevolentes são definitivamente hostis ao sucesso das mulheres no trabalho. Se não contestarmos essa forma silenciosa de sexismo estamos garantido que ela será recompensada. Quanto vale o cavalheirismo para você? Porque, no fim das contas, você pode abrir as portas você mesma. Dar-se um aumento, por outro lado, é impossível.

4. O alto custo de "manter-se segura"

Diariamente as mulheres absorvem e pagam o preço da diferença nos níveis de segurança. Essa diferença custa tempo e dinheiro e limita nossos movimentos. Pode limitar nossas oportunidades de emprego, porque alguns empregos podem ser perigosos se você for mulher. É só perguntar para repórteres, motoristas de caminhão,imigrantes e ativistas.

Homens, perguntem-se a si mesmos: vocês se sentem seguros nas ruas de seus bairros? Vocês têm de tomar cuidado na escolha do lugar e dos horários onde vão fazer compras ou quando vão usar transporte público? Têm estratégias paraestacionar o carro, como longe de vans, por exemplo? Vocês usam chaves como armasou tomam algum tipo de medida semelhante? Vocês evitam pagar uma academia porque podem se exercitar ao ar livre tranquilamente? Ensinamos para nossas crianças que essas coisas são normais e esperadas. Fale com seus amigos do preço que
é cobrado de você.

5. O sexismo na mídia é divertido

A mídia "de família" marginaliza e objetifica meninas e mulheres, cria ideais de masculinidade danosos para os meninos e sustenta mitologias que apoiam o status quo violento dominado pelos homens.

Não só convivemos com essa mídia, mas a maioria das pessoas, apesar de genuinamente preocupada com o bem-estar e com o futuro de seus filhos, não exigem ativamente que as empresas de entretenimento ou mídias relacionadas façam melhor. Quando você vê um filme e há 20 homens para cada mulher (normalmente só uma ou duas) na tela você diz alguma coisa? Você pensa no fato de que são 20 vezes mais empregos na tela para homens? Ou o que esse desequilíbrio significa na tela e por trás dela?

6. Pagamos mais pelos "nossos" produtos só porque somos mulheres e consideradas não-standard.

Um artigo da Jezebel colocou a questão da seguinte maneira uns anos atrás: "Nascer mulher é um grande erro financeiro". A Marie Claire publicou uma lista parecida. Até recentemente, o seguro diferenciado por gênero, que resultava em mulheres pagando 31% a mais por coberturas, era perfeitamente legal. Acha que estou brincando? Eis um pacote de 10 canetas esferográficas Bic por 5,89 dólares. Eis o pacote de 10,14dólares, com seis unidades, "para ela". Pare de comprar essa m*rda.

7. Nossa linguagem é profundamente enviesada, relacionada com nossa estrutura social, e isso afeta como pensamos.

Usamos pervasivamente os genéricos masculinos, e isso tem efeitos negativos. Eu o faço o tempo todo - não consigo me livrar do hábito de falar "caras". Ainda usamos palavras masculinas para denotar categorias positivas, como "humanos", mas termos femininos para categorias negativas, como "vadias". Não falamos seriamente com nossos filhos sobre os problemas sociais causados pelo termo "vadia" (bitch), mesmo quando usado afetuosamente. Mulheres são frequentemente chamadas de "meninas" (infantis e dependentes), e os homens, de "homens". Isso é parte do problema maior da infantilização das mulheres adultas. É mais provável que se refiram a nós como animais. E há outros exemplos. Palavras são importantes - porque, no mínimo, elas mostram a relação dinâmica entre as ideias. Pode parecer trivial até você saber que no Japão há termos de gênero para todos os três pronomes, enquanto os países nórdicos estão tentando introduzir termos neutros. Por que isso é importante? Bem, o Japão é o lugar com a menor paridade entre homes e mulheres no trabalho, enquanto os nórdicos têm a maior. Não estou sugerindo uma relação de causa e efeito, apenas correlações culturais significativas às quais não estamos imunes.

8. O preconceito contra os homens inibe a igualdade.

Já vi mulheres em parque tirando bebês das mãos dos pais para que elas trocassem as fraldas, pois os homens "não são bons nesse tipo de coisa". Ou então você já ouviu homens se referindo a si mesmos como "babás" de seus filhos, ou viu comerciais na TV que retratam os homens como idiotas incompetentes na hora de tomar conta da casa. Mais perigoso, entretanto, é a repetição dos mitos do abuso e do estupro que ameaça meninos e homens ao perpetuar as ideias discriminatórias sobre quem são asvítimas de estupro - mulheres bêbadas que estão pedindo para ser abusadas ou que cometem o erro de andar em ruas escuras.

9. Fingimos que o assédio nas ruas não existe ou não importa

Arriscaria dizer que pouca gente fala com suas filhas, ou filhos que não se conformam aos seus gêneros, sobre o assédio das ruas. O efeito desse tipo de assédio não pode ser subestimado.

10. Permitimos que nossas escolas ensinem conteúdos sexistas e perpetuem sistemas hierárquicos de organização baseados no sexismo.

Primeiro, nosso sistema educacional apaga as contribuições históricas das mulheres, não oferece um retrato preciso do passado e não mostra casos suficientes de mulheres exemplares. As meninas vão para a escola com ambição e segurança, mas saem dela muito diferentes.

Segundo, as escolas estão cheias de normas sociais que, se inexploradas, minam a diversidade e a igualdade, por exemplo, a questão dos uniformes.

Terceiro, muitas se mantêm estruturalmente baseadas em modelos complementares para homens e mulheres, dos conselhos, que tendem a ser comandados por homens (porque, afinal de contas, é onde acontece o trabalho duro e que envolve dinheiro), às atividades voluntárias das associações de pais e mestres (essencialmente executadas por mulheres). A administração das escolas e os cargos de técnicos esportivoscontinua a ser um reduto dos homens numa indústria, a educação, que é composta em sua maioria por mulheres. As crianças, então, estão imersas em ambientes educacionais que continuam a deixar de lado o trabalho histórico das mulheres, que sexualizam as meninas com suas regras antiquadas sobre aparência e moralidade, que oferecem exemplos de estruturas sociais hierárquicas baseadas em gêneros. São ambientes que comprovadamente fracassaram na tarefa de serem justos, prejudicando tanto meninos como meninas.

Quando eles e elas saem do ensino médio e entram na faculdade, os meninos têm duas vezes mais probabilidade de se considerar prontos a disputar eleições. Conheço professores que trabalham duro para tentar anular esses efeitos, mas, enquanto instituições, muitas de nossas escolas continuam muito patriarcais. E se você desafiasse sua escola a tornar uma prioridade a atenção às questões de genêro, em vez de driblar sintomas como homofobia e bullying, problemas de matemática e mais?

***

Essa é uma lista curta. Deixando de lado os danos físicos reais que as pessoas podem encontrar, e de fato encontram, conviver com o sexismo cotidiano é como combater uma infecção de baixa gravidade durante toda a sua vida. Quando as mulheres notam o sexismo em suas vidas diárias - por exemplo, falando abertamente do assédio que sofrem nas ruas ou dos preconceitos que sofrem no trabalho - e dão a ele seu nome verdadeiro, elas param de aceitá-lo como algo "normal". Para as políticas que têm de lidar com comentários enviesados e com adversários políticos muito à vontade em seus "clubes do bolinha", confrontar o sexismo abertamente funciona. Quando os homens começam a prestar atenção, quando eles pensam nas diferenças, eles criam empatia. É o primeiro passo para entender, como diz Jamie Utt, que "em sua forma atual a masculinidade é fundamentalmente uma expressão da opressão patriarcal". Mas, antes que isso aconteça, as mulheres têm de contar suas histórias e as pessoas têm de ouvi-las e entender por que elas são importantes. As atitudes culturais prevalecentes continuam a minimizar os danos de gênero.

Mas as mulheres estão claramente numa sinuca de bico, pois denunciar o sexismo pode significar penalidades reais. Um estudo recente mostrou algo deprimente que todos sabemos: as mulheres que defendem a igualdade no trabalho, por exemplo, são penalizadas (http://blogs.wsj.com/atwork/2014/07/21/women-penalized-for-promoting-women-study-finds/) por fazê-lo.

O triste fato é que é educado expressar ideias sexistas, mas confrontá-las é falta de educação e falta de senso de humor. Essa proibição é um impedimento significativo para mudanças positivas e cotidianas. Quando um homem numa festa do bairro faz um comentário rude sobre meus seios ou quando um outro me interrompe incessantemente numa reunião, sou eu, não eles, a pessoa hostil, "estridente" e desagradável por dizer "Minha cara está aqui em cima" ou "Você poderia parar de me interromper, por favor?"

A verdade é que estamos envolvidos num grande processo de geração de consciência que requer que todos olhem para o papel do sexismo em suas vidas. Você o reconhece quando ele se manifesta? E o que você faz a respeito dele?




Fonte: Brasil Post

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Até onde são 'progressistas' os governos progressistas?



Por Guillermo Almeyra

Doze anos de governo do Partidos dos Trabalhadores, que foi se distanciando dos movimentos sociais que o apoiavam, estarão em perigo em outubro.


De fato, inclusive em caso de no primeiro turno Dilma Rousseff seja ganhadora, muito provavelmente vencerá por uma margem estreita sobre Marina Silva que, no segundo turno, poderia arrecadar boa parte dos votos do candidato mais direitista e algum apoio dos que declaram que se absterão ou votarão em branco. Um governo conservador com uma base de massa constituída pelos evangélicos e os grandes setores de descontentes sem muita certeza e de despolitizados poderia por em risco as poucas conquistas sociais e as posições internacionais (Unasul, Mercosul, Celac, Brics, contra os fundos abutres) do PT antes de que este possa reconquistar o governo com um novo período Lula. Ao mesmo tempo, o governo kirchnerista, na Argentina, batalha para conservar seu fluxo de 30% dos votos em 2015 contando com a divisão de seus adversários na centro-direita e na direita enquanto perde votos à esquerda; Nicolás Maduro, na Venezuela, não consegue nem a estabilização econômica nem a política e Rafael Correa deve ceder ao FMI e enfrentar uma oposição dos movimentos indígenas, sindicais e ecologistas enquanto a direita clássica conserva o controle das classes médias das grandes cidades e até no Uruguai a Frente Ampla pode perder a sua maioria.

Longe de ser, como acreditam alguns nacionalistas de esquerda, uma nova fase, irreversível e duradoura, na luta pela libertação nacional e os sujeitos da mudança social, estes governos burgueses dirigidos por setores das classes médias são, melhor dizendo, um momento de transição na crise mundial do capitalismo.

Seu "progressismo" está também em questão. Seriam progressistas porque têm uma política desenvolvimentista, com elementos de estatismo e distribuicionismo, mas que não escapa do neoliberalismo e serve fundamentalmente às grandes transnacionais, a custa dos trabalhadores? Preservam o capitalismo, enquanto que progressista e democrático é em troca somente o que aumente a confiança em si mesmos, a independência política, a auto-organização e a capacidade de auto-gestão dos trabalhadores e favoreça sua construção como cidadãos e não simples eleitores.

Outro setor da esquerda latino-americana, em particular a argentina, recorre a Gramsci, com sua categoria da revolução passiva, e a Trotsky, com sua análise sobre o bonapartismo sui generis, para analisar uma época totalmente diferente. Gramsci e Trotsky escreveram quando centenas de milhões de pessoas lutavam por uma revolução anticapitalista e confiavam em uma alternativa socialista ao capitalismo. Mussolini e Hitler foram o resultado do temor do grande capital e de vários setores acomodados das classes médias diante da ameaça de uma possível revolução socialista. Daí as tagarelices anticapitalistas e antiplutocráticas e as pretensões nacional-socialistas, sobretudo de Mussolini da República de Salò. Diante da fragilidade dos setores burgueses tradicionais muito golpeados pelas mobilizações sociais e a carência de uma direção revolucionária dos trabalhadores, camponeses e classe média-baixa de seus países, eles construíram Estados corporativos aparentemente independentes das classes fundamentais utilizando ambiciosos e aventureiros e se apoiaram internacionalmente na União Soviética (Pacto de Locarno, Pacto Molotov-Ribentropp) para contrapor os imperialistas principais. O mesmo fez o nacionalismo socializante de Lázaro Cárdenas, diante da extrema fragilidade dos capitalistas mexicanos e a carência de uma direção operária e camponesa revolucionária e, em escala internacional, a fragilidade relativa de Washington e a divisão entre Estados Unidos e Inglaterra, por um lado, e as potências do Eixo, por outro. A revolução passiva era assim o subproduto do temor à revolução socialista e internacionalmente se apoiava sobre o relativo equilíbrio das potências.

Hoje o capital não teme a revolução socialista, os socialistas revolucionários em escala internacional e de cada país são uma pequeníssima minoria e as classes médias e os trabalhadores não são anticapitalistas senão que tratam de defender suas conquistas anteriores mas dentro do sistema e buscam a utopia de humanizar o capital. Os aventureiros e improvisados ou inclusive os dirigentes sindicais que dirigem os governos chamados "progressistas" não se veem como inimigos do socialismo nem como agentes do grande capital, acreditam sinceramente em uma aliança entre os capitalistas nacionais e os trabalhadores e no poder mágico do aparato estatal. Não buscam enganar os trabalhadores adotando bandeiras destes para fortalecer o capitalismo, ainda que de fato eles os enganem. São empíricos, pragmáticos; sem ser anti-imperialistas aproveitam as rachaduras e brechas que surgem com a perda de hegemonia dos Estados Unidos enquanto se enriquecem na função pública e se aliam sem preconceito algum com os governos autoritários dos países capitalistas secundários (os BRICS) para seguir ostentando um "progressismo" que expressa a fragilidade do capitalismo mundial mas também o retrocesso político e ideológico da imensa maioria dos trabalhadores de seus respectivos países.

Este efêmero "progressismo" das carências tem como limite do desenvolvimento político dos trabalhadores o aprofundamento da crise econômica e da luta de classes que reduzirão as margens para o clientelismo e o distribucionismo para os que querem montar cavalos que tendem a ir em direções opostas querendo conciliar os interesses capitalistas com os dos explorados e oprimidos pelo capital.

Tradução e fonte: Diário Liberdade.