sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Aves de rapina



Entre os significados de rapina encontra-se o ato de praticar o roubo ardiloso, velhaco, espertalhão

15/02/2012
Editorial ed. 468

No dia 25 de janeiro, no Estádio Pacaembu, em São Paulo, o presidente em exercício da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, aos 79 anos de idade, tratou de surrupiar uma das medalhas de ouro, destinadas aos jogadores do Corinthians, time campeão  a Copa São Paulo de Juniores/2012. Marin já foi deputado estadual, vice-governador de São Paulo na chapa de Paulo Maluf – por 10 meses foi governador paulista – e, em 2008, recebeu do Ministério Público do Estado de São Paulo o “Colar do Mérito Institucional do Mistério Público”. Ao que indica, o colar foi insuficiente para aplacar a sede de medalhas do velho cartola do futebol. No momento em que embolsava a medalha, Marin estava representando o presidente da CBF, Ricardo Teixeira - que está na mira da Policia Federal e do Ministério Público sob suspeita de enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro e recebimento de propina, junto com outros dirigentes da Federação Internacional de Futebol (Fifa). O futebol brasileiro e os milionários negócios envolvendo a Copa do Mundo de 2014 estão nas mãos dessa dupla.
Para alguns, o roubo da medalha no Pacaembu foi hilário. Até poderia ser, se o gesto flagrado elas câmeras de televisão não evidenciasse a facilidade e a impunidade com que as elites promovem a rapinagem da riqueza produzida pelo povo brasileiro.
Em 2011 a indústria automobilística, instalada no Brasil, enviou 5,58 bilhões de dólares em lucros e dividendos para suas matrizes no exterior. Esse montante é 36% superior ao valor enviado em 2010. No mesmo período a produção de automóveis aumentou apenas 0,7%. E é essa mesma indústria que reclama incessantemente da carga tributária do nosso país, constantemente reivindica incentivos fiscais e financiamentos públicos de investimentos e não aceita qualquer interferência do Estado nos problemas existentes na cadeia produtiva das montadoras, sejam ambientais ou trabalhistas.
E, pasmem! A quantia de 5.58 bilhões de dólares não é resultante do controle do Banco Central (BC) sobre as remessas de lucros enviadas ao exterior. Essa foi a quantia que os próprios fabricantes de veículos registraram. O BC não publica nem a lista das empresas que remetem seus lucros e muito menos, os valores individuais envolvidos. Como as empresas também não publicam essas informações, a riqueza é extraída daqui de forma quase sigilosa, prática dos que temem prestar conta dos seus atos.
O Banco Itaú se vangloria de ter alcançado, em 2011, o maior lucro da história do sistema financeiro nacional. Açambarcou R$ 14,6 bilhões. Essa riqueza concentrada na forma de lucro de um banco, para alguns, atesta a vitalidade da economia brasileira. Mas esconde e agudiza a gritante e vergonhosa desigualdade social e econômica existente em nosso país. No mesmo período, em 2011, o Itaú fechou 4.058 postos de trabalho. E as tarifas de serviços que cobra dos seus clientes representam quase uma vez e meia as despesas de pessoal do banco. Será por coincidência que esse banco é um dos principais patrocinadores da CBF comandada por Ricardo Teixeira?
Em meados do ano passado, o Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulgou estudo mostrando que, somente em 2009, cerca de 60 bilhões de dólares saíram do Brasil diretamente para os chamados paraísos fiscais. Como se sabe, os países tidos como paraísos fiscais atraem dois tipos de crimes: a lavagem de dinheiro (dinheiro do crime, droga, contrabando, tráfico de armas e seres humanos, corrupção, etc.) e a sonegação fiscal.
Em 2004, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Banestado – comprado pelo Banco Itaú no processo de privatização – estimou que o envio irregular de dinheiro aos paraísos fiscais, por meio das contas CC5, chegaria a R$ 150 bilhões. A mesma CPI sugeriu o indiciamento de 91 pessoas envolvidas nessas remessas irregulares de dinheiro ao exterior. Até o momento não há noticias da existência de processos contra essas pessoas e muito menos da recuperação de, pelo menos, parte desse dinheiro depositado no exterior. Aquela CPI, depois de um acordão entre PT e PSDB, perdeu uma oportunidade histórica de punir os que roubam o povo brasileiro.
No final de 2011, o jornalista Amaury Ribeiro Jr. lançou o livro A Privataria Tucana, com farta documentação mostrando a roubalheira do patrimônio publico que ocorreu através do programa de privatização feito no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e que enriqueceu o ex-governador de SP, José Serra, sua filha e um seleto grupo de pessoas próximas a ele. As acusações são graves e documentadas. Há uma CPI instalada e espera-se que ela não tenha o mesmo fim que teve a CPI do Banestado. Enquanto isso, o ex-governador tucano escafedeu-se num silencio típico dos que sabem que não têm resposta às acusações. Mais estranho ainda é o silencio do Ministério Público Federal, do Poder Judiciário e da Polícia Federal. Só servem para averiguar e punir os ladrões de galinhas?
A medalha surrupiada no Pacaembu continua em poder do cartola, enquanto providenciaram outra para seu legitimo dono, o goleiro do time campeão da Copinha.
As bilionárias e contínuas quantias de dinheiro enviadas para exterior, concentradas nos lucros dos bancos, depositadas em paraísos fiscais, fazem falta na construção de moradias populares, no sistema de saúde e educação, no saneamento, no transporte público; na reforma agrária. Diminuir a pobreza extrema e combater a desigualdade social existente na 6ª economia mundial exige enfrentar e combater os privilégios dos que acumulam uma imoral e, não raras vezes, ilegal riqueza. Política que nenhum governo, até o momento, sinaliza disposição nem coragem para implementar.



quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Pesquisador que só ‘Lattes’ não ‘morde’



O título do texto é, naturalmente, bastante provocador. Talvez tão provocador quanto julgo aberrante essa lógica da produção industrial e narcisisticamente compulsiva que ronda a academia e que quase que obrigatoriamente acaba sugando aqueles que de alguma forma se envolvem com ela. É a tal produção pela produção. Ou melhor, a produção para a produção de um ‘bom’ currículo – gordinho, recheado, robusto – para o pesquisador. O compromisso com o conhecimento, nesse caso, muitas vezes vai pro ‘beleléu’. Aí vira essa guerra de quem publica mais, em quais revistas que possuem quais pontuações, em parceria com quais ‘top-tops’ etc. E da guerra, infelizmente, se faz a mercantilização, o comércio. Isso mesmo. Um comércio antiético, onde a única lei que importa é a da quantidade pela quantidade, da infinita acumulação de capital; em suma, uma prática extremamente ‘antiacadêmica’, se levarmos em conta o que a academia deveria ser (para quê ela nasceu) e o que ela se tornou de verdade (como ela está sendo ‘enterrada’).
Não que eu esteja colocando a ‘culpa’ de tal lógica inteiramente no capitalismo – assim eu acabaria dando espaço para me chamarem de paranoico, raso e imprudente. No entanto, é a ele que, em última instância, esse sistema serve atualmente – quem ele imita e por quem ele, por tabela, se limita –, e isso considero ser razoavelmente difícil de negar. Hannah Arendt fez um comentário bastante interessante sobre a origem da academia na Grécia Antiga e o seu princípio motivador: “assim como a libertação do trabalho e das preocupações com a vida eram pressupostos necessários para a liberdade da coisa política, a libertação da política tornou-se pressuposto necessário para a liberdade da coisa acadêmica” (O que é política, p. 63); neste caso, “ao mundo das opiniões mentirosas e do falar enganador devia ser oposto um mundo contrário da verdade e do falar adequado à verdade; à arte da retórica, a ciência da dialética” (pp. 64-65). Mas aqui nesse ponto eu me pergunto: será que alguma vez a academia conseguiu ser isso que ela tanto quis ser? Acredito que não. Pelo menos, não nesses termos.
O fato é que de uma forma ou de outra a ‘ciência’ – de maneira bem geral – sempre esteve atrelada a algum poder específico – religioso, político etc. – até se tornar, ela mesma, um poder próprio por excelência, o poder da ‘verdade’ – a verdade que leva o carimbo de ‘cientificamente comprovada’, a verdade revelada por aqueles que compreendem o mundo muito melhor do que os meros mortais que se deliciam com ‘as opiniões mentirosas’ que rondam por aí e que contaminam o mundo. Mas será que já conseguimos mesmo nos desvincular totalmente da ‘arte da retórica’ para enfim chegar a uma verdadeira ‘ciência da dialética’, por exemplo? Sinceramente, acho que não – ou melhor, quando isso acontece, é meio que contra nossa vontade, quase um ‘erro de cálculo’ nos termos de Rancière. Bakhtin já dizia que todo conhecimento já nasce para ser superado, e que, por isso, é sempre mais interessante (dialeticamente produtivo, digamos) possuir adversários qualificados do que estar rodeado de ‘aliados’ medíocres – nada mais coerente.
Mas o que dizer do evidente controle político que determinados grupos (‘correntes de pensamento’) fazem dos seus respectivos programas para engessar a ‘batalha dialética’ e, assim – ao boicotar ao máximo as visões contrárias às suas –, estabelecer a sua verdade como hegemônica? O que dizer dessa aberração que transforma a ciência em dogma, em fé? Será que essa prática está realmente preocupada com o conhecimento em si, ou apenas com o ego dos que obtêm o controle político da ‘verdade’ naquele determinado espaço? Outro dia ouvi um relato sobre uma professora que em plena sala de aula (numa pós-graduação!) soltou a seguinte pérola: “eu não sei o que é que os anarquistas e os pós-modernos ainda estão fazendo na academia; já que eles a criticam tanto, não deveriam estar lá”. É mole? Seria cômico se não fosse trágico. E o pior é que está cheio de gente por aí que pensa de modo parecido, por mais que poucos tenham coragem de falar tal aberração em público.

A capitalização do conhecimento
E é aqui nesse ponto que a aberração política é complementada pela aberração mercadológica. Afinal, sinceramente, qual é a motivação principal de um pesquisador quando faz (e publica) um artigo, por exemplo? Idealmente, não temos dúvida de que deveria ser o compromisso com o conhecimento, a crença de que aquilo de alguma forma trará uma contribuição clara e efetiva para as discussões daquele campo. Mas infelizmente sabemos que muitas vezes não é exatamente isso que acontece. Normalmente publicamos porque temos que publicar: porque o programa ao qual estamos vinculados nos cobra (e ele quer e precisa pontuar cada vez mais porque o governo e suas agências de financiamento também lhe cobra isso); porque queremos e precisamos ‘fazer’, rechear, nosso currículo para podermos ter uma boa vitrine de pesquisador quando formos concorrer a uma vaga num concurso, por exemplo – ou para manter nossa posição intocada em alguma instituição; e porque, claro, também é bom para o ego saber que publicamos tantos artigos em tempo recorde nas melhores revistas do Brasil e do mundo na nossa área – o que rapidamente fará de nós uma ‘referência’ naquele campo do conhecimento. E é aqui que a lógica do quê se publica se transforma na do quanto se publica; é aqui que a qualidade acaba se vendendo ao mero aspecto quantitativo, o que proporciona a formação de um grande mercado (às vezes, máfia mesmo) de publicação.
Não estou aqui criticando simplisticamente o fato de se publicar. Muito longe disso. Afinal, como dizia Sérgio Sampaio, “um livro de poesia na gaveta não adianta nada; lugar de poesia é na calçada”; da mesma forma, lugar de artigos, de ideias, de descobertas científicas é nos livros, nas revistas, e, mais ainda, idealmente, na calçada também. O problema abordado é o como e o para quem se publica. No primeiro caso, o grande contrassenso é justamente a ‘máfia’ inescrupulosa que muitas vezes se cria para poder publicar cada vez mais. E minha crítica, naturalmente, está direcionada a esses casos (absolutamente reais). Um exemplo são as panelinhas do tipo “pô, bicho, bote meu nome aí no seu artigo, que quando eu fizer o meu eu coloco seu nome também”. Ou então quando o cara publica o mesmo artigo várias vezes mudando apenas algumas palavras em um ou outro parágrafo. Ou ainda quando o cidadão se aproveita do seu título acadêmico (de doutor, mais comumente) e apenas ‘assina’ artigos de/com outros (que não possuem aquela qualificação exigida por tal ou qual revista) para que o artigo possa ser aceito e publicado – muitas vezes o cara não sabe nem o que está escrito no ‘seu’ próprio texto.
Ou também quando o professor dá uma disciplina na faculdade, pede que cada aluno escreva um artigo (publicável, claro) como avaliação e no final ele ‘corrige’, assina junto com os estudantes e engorda seu Lattes em uns 30 ou 40 quilos numa garfada só. Aí depois – o que é ainda mais bizarro – esse cidadão vai para o MSN (hoje em dia, Facebook e Twitter) e estampa o resultado do seu ‘sucesso’: “30 artigos publicados em 2011”. Parabéns para você, meu caro. Mas realmente não é nesse tipo de ciência que eu, particularmente, acredito. Só que o governo e as universidades parecem crer e estimular isso mais que ninguém, e de maneira extremamente superficial. Aí, no fim das contas, acabam ‘punindo’ e ridicularizando aqueles que não seguem tanto essa lógica, colocando-lhe uma estampa pública de ‘produção insuficiente’. Nesse caso, não importa mais nada – rendimento em sala de aula, projetos paralelos (de extensão, inclusive), repercussão de publicações anteriores –, pois os números falam por si: e assim o mercado é fortalecido – capitalismo selvagem.
No que diz respeito ao ‘para quem’ se publica, o problema não é menos grave, já que poucas pesquisas conseguem de fato chegar às ‘calçadas’. Ao contrário, as discussões são extremamente elitizadas, fechadas em si mesmas, e para os mesmos poucos que debatem num ambiente quase que privado, seleto. Até porque, a nossa grande crença (arrogância) na academia é achar que ‘intelectual’ só pode falar com/para ‘intelectual’; que ‘especialista’ só consegue ser compreendido devidamente por outros ‘especialistas’ – afinal, quem de nós quer perder tempo explicando nossas teorias mirabolantes para pessoas tão mediocremente educadas? E ponto final.
Mas aí você vai num congresso que te cobra R$ 400 de inscrição – porque nesses eventos o que vale mais é a sua fama e o seu apelo, assim como quem determina o preço de uma roupa é o simbolismo da marca e não a qualidade do produto em si – e sai de lá com a sensação de que (pensando mercadologicamente) as discussões não valeram mais do que R$ 50, dado o grau de repetitividade e as apresentações em escala industrial, com pouco filtro de qualidade e quase nenhum tempo disponível para um debate realmente qualificado – sem falar que, como o que vale mesmo é apenas apresentar e publicar, muitas vezes o cidadão espera a sua vez, fala o que tem que falar no seu GT e vai embora; e as coisas morrem ali mesmo; afinal, pontuar no Lattes é o que importa. E é dessa forma, dada a grande demanda (pois cada vez mais gente entra no ‘mercado acadêmico’), que o negócio de congressos, colóquios e afins está em constante crescimento, devido ao seu alto grau de lucratividade – financeira e, claro, ‘lattesiana’, já que organizar eventos também é uma ótima forma de ‘pontuar’.
É por isso que, na minha mera opinião, pesquisador que  ‘Lattes’ não ‘morde’ – ele apenas ‘engole’ e ‘vomita’ essa lógica. Não morde porque já foi mordido por um sistema (perverso) que faz com que em muitos casos o autor visto pela vitrine do Lattes pareça muito mais competente do que o que ele é de verdade; que pareça contribuir mais para o seu campo de estudo do que de fato contribui. Não morde, em suma, porque suas pesquisas são meramente funcionais, feitas apenas para seu próprio benefício, o de ter um currículo ‘invejável’, e não para de alguma forma ajudar a melhorar o mundo, sei lá, ou por qualquer outra motivação menos narcísica. E esse é um dos grandes problemas da academia atualmente: em vez de estimular a qualidade das produções através do pensamento crítico, por conta dessa lógica ela acaba contrariamente contribuindo para o conformismo, fazendo com que o indivíduo que entra na universidade com vontade de produzir aquilo em que ele acredita saia preocupado apenas em ‘engordar’ o seu currículo Lattes.
Mais uma vez – só para razoavelmente me precaver de determinadas críticas –, não sou contra o currículo, de forma alguma – até porque é absolutamente importante e necessário organizar, categorizar e publicizar aquilo que a gente faz (inclusive para prestar contas para o governo e a sociedade, que é quem nos financia): o que eu particularmente não engulo, por mais mastigada que essa prática já esteja, é essa lógica mercantil que se apropria cada vez mais do currículo por meio de um uso vazio e irresponsável. Daí que, da mesma forma que utilizamos o termo ‘academia’ para descrever o lugar que frequentamos para malhar o corpo, acabamos, assim, mesmo que inadvertidamente, usando a academia (através do Lattes) apenas para ‘malhar’ o ego. Não que todos sejam assim, obviamente; mas com certeza existem muitos; muitos mais do que gostaríamos que existissem. Ou seja, tudo isso – independente do grau de ocorrência e dos meus possíveis exageros críticos –, portanto, não se trata de uma grande aberração? Para mim, a resposta está mais que clara…

Thiago Rocha é graduado em Jornalismo pela UFS e mestrando no programa de Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA. Como jornalista, foi editor e colunista político do Caderno Municípios do Jornal Cinform e um dos 20 brasileiros selecionados pela Embaixada Americana para estudar, observar e cobrir as eleições de 2008 através de um programa realizado pela Universidade Estadual da Carolina do Norte. Já no campo acadêmico, tem experiência nos estudos de comunicação política, Internet e mobilização social, e em 2010 foi o vencedor do Prêmio Franklin Delano Roosevelt na categoria monografia com um estudo sobre a utilização das novas mídias por parte do movimento Organizing for America, de Barack Obama.

Um Hino para unir-vos



A INTERNACIONAL
(Letra: Eugéne Pottier - Música: Pierre Degeyter)
De pé, ó vitimas da fome
De pé, famélicos da terra
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra
Cortai o mal bem pelo fundo
De pé, de pé, não mais senhores
Se nada somos em tal mundo
Sejamos tudo, ó produtores
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Senhores, Patrões, chefes supremos
Nada esperamos de nenhum
Sejamos nós que conquistemos
A terra mãe livre e comum
Para não ter protestos vãos
Para sair desse antro estreito
Façamos nós por nossas mãos
Tudo o que a nós nos diz respeito
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
O crime de rico, a lei o cobre
O Estado esmaga o oprimido
Não há direitos para o pobre
Ao rico tudo é permitido
À opressão não mais sujeitos
Somos iguais todos os seres
Não mais deveres sem direitos
Não mais direitos sem deveres
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Abomináveis na grandeza
Os reis da mina e da fornalha
Edificaram a riqueza
Sobre o suor de quem trabalha
Todo o produto de quem sua
A corja rica o recolheu
Querendo que ela o restitua
O povo só quer o que é seu
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Nós fomos de fumo embriagados
Paz entre nós, guerra aos senhores
Façamos greve de soldados
Somos irmãos, trabalhadores
Se a raça vil, cheia de galas
Nos quer à força canibais
Logo verás que as nossas balas
São para os nossos generais
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Pois somos do povo os ativos
Trabalhador forte e fecundo
Pertence a Terra aos produtivos
Ó parasitas deixai o mundo
Ó parasitas que te nutres
Do nosso sangue a gotejar
Se nos faltarem os abutres
Não deixa o sol de fulgurar
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Duas Revoluções por Antonio Gramsci



Toda forma de poder político não pode ser historicamente concebida e justificada se não como o aparato jurídico de um real poder econômico, não pode ser concebida e justificada se não como a organização de defesa e a condição de desenvolvimento de um determinado ordenamento nas relações de produção e de distribuição de riqueza: este cânone fundamental (e elementar) do materialismo histórico resume todo o complexo de teses que tentamos desenvolver organicamente em torno do problema dos conselhos de fábrica, resume as razões pelas quais colocamos como centrais e preeminentes, no tratamento dos problemas reais da classe proletária, as experiências positivas determinadas pelo movimento profundo das massas operárias para criação, desenvolvimento e coordenação dos conselhos. Por isso, sustentamos que:
  • a revolução não é necessariamente proletária e comunista quando se propõe e consegue abater o governo político do Estado burguês;
  • não é proletária e comunista nem mesmo quando propõe e consegue destruir os institutos representativos e a máquina administrativa através das quais o governo central exercita o poder político da burguesia;
  • também não é proletária e comunista quando a onda de insurreições populares entrega o poder em mãos de homens que se dizem (e sejam sinceramente) comunistas.
A revolução é proletária e comunista apenas quando é liberação de forças produtivas proletárias e comunistas que vinham elaborando-se no seio mesmo da sociedade dominada pela classe capitalista, é proletária e comunista na medida em que consegue favorecer e promover a expansão e a sistematização das forças proletárias e comunistas capazes de iniciar o trabalho paciente e metódico necessário para construir uma nova ordem nas relações de produção e distribuição, uma nova ordem na qual se torne impossível a existência da sociedade dividida em classes e cujo desenvolvimento sistemático tenda, por isso, a coincidir com um processo de esgotamento do poder de Estado, com a dissolução sistemática da organização política de defesa da classe proletária, que se dissolve como classe para se tornar humanidade.
A revolução que se concretiza na destruição do aparelho estatal burguês, bem como na construção de um novo aparelho estatal interessa e envolve todas as classes oprimidas pelo capitalismo. Ela é determinada imediatamente pelo fato brutal de que, nas condições de carestia legadas pela guerra imperialista, a grande maioria da população (constituída por artesãos, por pequenos proprietários rurais, por pequenos burgueses intelectuais, por massas camponesas paupérrimas e também por massas proletárias atrasadas) não possuem mais nenhuma garantia no que se refere às elementares exigências da vida cotidiana. Esta revolução tende a ter, predominantemente, um caráter anárquico e destrutivo e a manifestar-se como uma explosão cega de cólera, como um tremendo desencadeamento de furores sem objetivo concreto, que se compõem num novo poder de Estado somente quando a fadiga, a desilusão e a fome terminam por reconhecer a necessidade de uma ordem constituída e de um poder que a faça verdadeiramente respeitar.
Esta revolução pode produzir uma pura e simples assembléia constituinte, que procure medicar as feridas provocadas no aparelho estatal burguês pela cólera popular; pode alcançar até o soviet, até a organização política autônoma do proletariado e das outras classes oprimidas, porém não ousam ir para além das organizações, não ousam tocar nas relações econômicas e são, portanto, obrigadas a recuar diante da reação das classes proprietárias; pode ir até a destruição completa da máquina estatal burguesa, bem como ao estabelecimento de uma condição de desordem permanente, na qual as riquezas existentes e a população vão se dissolvendo e desaparecendo, esmagadas pela impossibilidade de qualquer organização autônoma; pode até chegar a estabelecer um poder proletário e comunista que, não obstante, se esgota em repetidas e desesperadas tentativas para suscitar pela autoridade as condições econômicas de sua permanência e de seu fortalecimento, mas que termina, no final, derrotado pela reação capitalista.
Na Alemanha, na Áustria, na Baviera, na Ucrânia e na Hungria realizam-se desenvolvimentos históricos deste tipo; o ato destrutivo da revolução não é seguido pelo processo de reconstrução da revolução em sentido comunista. A existência das condições externas — Partido Comunista, destruição do Estado burguês; fortes organizações sindicais, armamento do proletariado — não foi suficiente para compensar a ausência destas condições: existência de forças produtivas tendentes ao desenvolvimento e à expansão, movimento consciente das massas proletárias no sentido de dar substância ao poder econômico agregando-lhe o poder político, vontade das massas proletárias de introduzir na fábrica a ordem proletária, de fazer da fábrica a célula do novo Estado, de construir o novo Estado como reflexo das relações industriais do sistema de fábrica.
Eis porque nós sempre sustentamos que o dever dos núcleos comunistas existentes no Partido seja aquele de não cair em alucinações particularistas (problema do abstencionismo eleitoral, problema da constituição de um partido “verdadeiramente” comunista), mas de trabalhar para criar as condições de massa nas quais seja possível resolver todos os problemas particulares como problemas do desenvolvimento orgânico da revolução comunista. Pode, de fato, existir um Partido Comunista (que seja partido de ação e não uma academia de doutrinários puros e de politiqueiros, que pensam “bem” e se exprimem “bem” em matéria de comunismo) se não existirem, no meio das massas, o espírito de iniciativa histórica e a aspiração à autonomia industrial que devem encontrar seu reflexo e sua síntese no Partido Comunista? E, uma vez que a formação dos partidos e o surgimento das forças reais históricas de que os partidos são o reflexo, não surgem de um só golpe, a partir do nada, mas segundo um processo dialético, o dever maior das forças comunistas não é, portanto, aquele de dar consciência e organização às forças produtivas, essencialmente comunistas, que deverão, ao se desenvolver e expandir, criar a base econômica segura permanente do poder político proletário?
Do mesmo modo: pode o Partido abster-se da participação nas lutas eleitorais para as instituições representativas da democracia burguesa, se ele tem o dever de organizar politicamente todas as classes oprimidas em torno do proletariado comunista de modo que, para obter isto, é necessário que ele se torne o partido de governo destas classes em sentido democrático, dado que somente do proletariado comunista pode ser partido em sentido revolucionário?
Na medida em que se torna o partido da confiança “democrática” de todas as classes oprimidas, na medida em que se mantém permanentemente em contato com todos os estratos do povo trabalhador, o Partido Comunista conduz todos os estratos do povo a reconhecer no proletariado comunista a classe dirigente que deve substituir o poder de Estado da classe capitalista, ou seja, ele cria as condições nas quais é possível que a revolução como destruição do Estado burguês se identifique com a revolução proletária, com a revolução que deve expropriar os expropriadores, que deve iniciar o desenvolvimento de uma nova ordem nas relações de produção e de distribuição.
Destarte, enquanto se apresenta como partido específico do proletariado industrial, enquanto trabalha para dar consciência e direção precisa às forças produtivas que o capitalismo suscitou com seu desenvolvimento, o Partido Comunista cria as condições do poder de Estado nas mãos do proletariado comunista, cria as condições nas quais é possível que a revolução proletária se identifique com a revolta popular contra o Estado burguês, na qual esta revolta se transforma no ato de liberação das forças produtivas reais que se acumularam no seio da sociedade capitalista.
Estas séries diversas de acontecimentos históricos não são separadas e independentes; são momentos de um mesmo processo dialético de desenvolvimento, no curso do qual as relações de causa e efeito se articulam, se invertem, interagem entre si. A experiência das revoluções mostrou, todavia, como, depois da Rússia, todas as outras revoluções fracassaram subitamente; mostrou, ainda, como o fracasso da segunda revolução mergulhou as classes operárias em um estado de prostração e envilecimento, que permitiu às classes burguesas se reorganizarem fortemente e iniciar a obra sistemática de esmagamento das vanguardas comunistas que tentavam se reconstituírem.
Para os comunistas que não se contentam em ruminar monotonamente os primeiros elementos do comunismo e do materialismo histórico, mas que vivem na realidade da luta e compreendem a realidade assim como ela é, do ponto de vista do materialismo histórico e do comunismo, a revolução como conquista do poder social por parte do proletariado não pode ser concebida se não como o processo dialético na qual o poder político torna possível o poder industrial e o poder industrial torna possível o poder político. O soviet é o instrumento de luta revolucionária que permite o desenvolvimento autônomo da organização econômica comunista, de modo que, a partir dos conselhos de fábrica, chega ao conselho central da economia, que estabelece os planos de produção e distribuição, conseguindo assim suprimir a concorrência capitalista. O conselho de fábrica, como forma da autonomia do produtor no campo industrial e como base da organização econômica socialista, é o instrumento da luta mortal para o regime capitalista, na medida em que cria as condições nas quais a sociedade dividida em classes é suprimida e se torna “materialmente” impossível qualquer nova divisão em classes.
Mas para os comunistas que vivem na luta, esta concepção não permanece como pensamento abstrato: transforma-se em motivo de luta, isto é, em estímulo para um esforço de organização e propaganda.
O desenvolvimento industrial determinou nas massas certo grau de autonomia espiritual e certo espírito de iniciativa histórica positiva: é necessário dar uma organização e uma forma a estes elementos de revolução proletária, criar as condições psicológicas de seu desenvolvimento e de sua generalização no meio de todas as massas trabalhadoras mediante a luta pelo controle da produção.
É necessário promover a constituição orgânica de um partido comunista, que não seja uma corja de doutrinários ou de pequenos Maquiáveis, mas um partido de ação comunista revolucionária, um partido que tenha consciência exata da missão histórica do proletariado e saiba guiá-lo para a realização desta sua missão, que, por isso, seja o partido das massas que querem libertar-se, com seus próprios meios, autonomamente, da escravidão política e industrial através da organização da economia social e não um partido que se sirva das massas para tentar imitações heróicas dos jacobinos franceses. É necessário criar, na medida em que isso pode ser obtido pela ação de um partido, as condições nas quais existam duas revoluções, mas onde a revolta popular contra o Estado burguês encontre as forças organizadas capazes de iniciar a transformação do aparelho nacional de produção por um instrumento de opressão plutocrática em instrumento de libertação comunista.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

“A causa da crise financeira é a lógica do próprio capitalismo”

Para o professor François Houtart, somos confrontados com uma lógica que corre ao longo da história econômica do século passado

20/01/2012
Nilton Viana
da Redação



O sociólogo belga François Houtart - Foto Roosewelt Pinheiro/ABr 
A crise que vivemos é mais profunda e bastante diferente da que conhecemos nos anos 1929 e 1930, afirma o professor François Houtart. Segundo ele, sua dimensão evidentemente está vinculada ao fenômeno da globalização. Porém, ressalta que a atual crise não é nova. Não é a primeira crise do sistema financeiro e muitos dizem que não será a última. Houtart acredita que o mais importante, e isso é diferente dos anos 1929 e 1930, é essa combinação com vários tipos de crises. E afirma: a causa fundamental da crise financeira é a lógica do próprio capitalismo. “A crise financeira é devida à lógica do capital, que tenta buscar mais lucros para acumular capital, que é, dentro dessa teoria, o motor da economia”.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Houtart fala também sobre as várias facetas desta crise, inclusive a crise alimentar, a qual, segundo ele, faz parte da mesma lógica. “A combinação da crise econômica com a alimentar é algo novo. Porém, são vinculadas”.

Brasil de Fato – O mundo vive hoje uma crise mundial, que tem afetado principalmente os Estados Unidos e a Europa. Como o senhor avalia esse cenário?
François Houtart – Eu penso que, primeiro, se trata de uma crise do sistema econômico capitalista, que é muito similar à crise dos anos de 1929-1930 e também a muitas outras crises cíclicas do sistema capitalista onde há subprodução, subconsumo e eventualmente crises financeiras.
A crise que vivemos hoje me parece mais profunda e bastante diferente da que conhecemos nos anos 1929 e 1930, porque, primeiro, sua dimensão evidentemente está vinculada ao fenômeno da globalização. Isso significa que hoje há um efeito muito mais global do que nos anos de 1929-1930 e que evidentemente afeta o conjunto da economia. Já está afetando os países emergentes e de uma maneira ou outra afetará outros países do mundo. Porém, o mais importante, e isso é diferente dos anos 1929 e 1930, é essa combinação com vários tipos de crises. Por exemplo, a crise alimentar, que foi conjuntural nos anos 2008-2009 e que correspondeu à crise do capital financeiro. Porque o capital financeiro tem buscado novos lugares de especulação e o lugar foi a alimentação, com conseqüências terríveis. E a crise alimentar é também estrutural e não somente conjuntural, porque precisamente afeta toda a maneira de fazer a agricultura. E a introdução cada vez mais forte do capital dentro da agricultura, com a concentração de terras, gera uma contrarreforma agrária mundial e o desenvolvimento de monocultivos, com todas as consequências ecológicas de destruição de ambiente e também de destruição humana; por exemplo, a exclusão dos camponeses de suas terras.
A combinação da crise econômica com a alimentar é algo novo. Porém, são vinculadas. Na verdade, a crise financeira é devida à lógica do capital, que tenta buscar mais lucros para acumular capital, que é, dentro dessa teoria, o motor da economia. Se o capital financeiro é mais proveitoso do que o produtivo, ele faz a lei da economia mundial como é hoje. Assim, essa é evidentemente a lógica do capitalismo que provoca a crise financeira, que tem efeitos econômicos, porque tem efeitos sobre emprego, crédito e toda a economia. Porém, é essa mesma lógica que está provocando a crise alimentar, porque, por uma parte, há uma especulação – o preço do trigo, por exemplo, tem dobrado 100% em um ano, menos de um ano, por razões puramente especulativas.

A inclusão do capital na agricultura teve como uma de suas consequências
a exclusão dos camponeses de suas terras - Foto: P.Casier/CGIAR
E quais são as conseqüências sociais dessa crise?
Na verdade, as consequências sociais da crise financeira são sentidas além das fronteiras da sua própria origem e afetam os fundamentos da economia. Desemprego, custo de vida crescente, a exclusão dos mais pobres, a vulnerabilidade das classes médias, expandindo a lista de vítimas no mundo. Não é apenas um acidente no percurso, ou apenas de abusos cometidos por alguns atores econômicos que precisam ser punidos. Somos confrontados com uma lógica que corre ao longo da história econômica do século passado. O desenrolar dos acontecimentos sempre responde à pressão das taxas de lucro. A crise que vivemos hoje não é nova. Não é a primeira crise do sistema financeiro e muitos dizem que não será a última.

A seu ver, qual é a principal causa dessa crise mundial?
A causa fundamental da crise financeira é a lógica do próprio capitalismo, que torna o capital motor da economia. E seu desenvolvimento – essencialmente, a acumulação – leva à maximização do lucro. Se a financeirização da economia favorece a taxa de lucro e se a especulação acelerou o fenômeno, a organização da economia como um todo continua dessa forma. Mas um mercado não regulamentado capitalista conduz inevitavelmente à crise. E, como indicado no relatório da Comissão das Nações Unidas, é uma crise macroeconômica.

Um dos graves problemas da humanidade hoje é a fome. Como fica essa questão frente a esse cenário de crise?
A crise alimentar tem dois aspectos, um cíclico e um estrutural. O primeiro manifestou-se com o aumento dos preços dos alimentos em 2007 e 2008. Sim, para explicar o fenômeno, houve alguma base eficiente, como alguma diminuição fraca em reservas de alimentos, mas a principal razão foi de natureza especulativa, em que a produção de agrocombustíveis não ficou imune (etanol de milho nos Estados Unidos). Assim, o preço do trigo na Chicago Board (Bolsa de Chicago) aumentou para 100%, do milho 98% e do etanol, 80%. Durante esses anos, uma parte do capital especulativo passou de outros setores para investir na produção de alimentos, na busca por lucros rápidos e significativos. Consequentemente, segundo o diretor da FAO, em geral, a cada ano, em 2008 e 2009, mais de 50 milhões de pessoas ficaram abaixo da linha da pobreza e o total de pessoas que viviam nessa situação em 2008 atingiu um valor nunca antes conhecido – de mais de um bilhão de pessoas. Essa situação foi claramente o resultado da lógica do lucro, a lei capitalista do valor.
O segundo aspecto é estrutural. É a expansão durante os últimos anos da monocultura, resultando na concentração da terra, ou seja, uma verdadeira contrarreforma. A agricultura familiar foi destruída em todo o mundo sob o pretexto de sua baixa produtividade. Na verdade, as monoculturas têm uma produção que às vezes pode ir até 500% ou mais de 1000%. No entanto, dois fatores devem ser levados em conta. A primeira é a destruição ecológica dessa forma de produzir. Florestas são removidas, solo e água contaminados pelo uso maciço de produtos químicos. Agricultores são forçados a deixar suas terras e há milhões que têm de migrar para as favelas das cidades, aumentando a crise urbana, e aumentando a pressão da migração interna, como no Brasil, ou externa, como em muitos outros países.

Então a fome no mundo não tem nada a ver com a produção de alimentos, com a capacidade de produzir?
Não. Não tem nada a ver com a produção. A questão é somente especulativa. É a Bolsa de Chicago que fixa os preços internacionais dos grãos.

E como o senhor vê as afirmações de alguns estudiosos de que o planeta, com uma população na casa dos 7 bilhões de pessoas, se torna incapaz de produzir alimentos para nutrir tanta gente?
Isso é totalmente falso. Segundo a FAO, teoricamente a Terra pode facilmente nutrir 10 ou 12 bilhões de habitantes.

E a questão energética, também faz parte desse cenário de crise?
A crise de energia vai além da explosão conjuntural dos preços do petróleo e faz parte do esgotamento dos recursos naturais explorados pelo modelo de desenvolvimento capitalista. Uma coisa é clara: a humanidade vai ter que mudar a fonte de sua energia nos próximos 50 anos. Os picos de petróleo, urânio e gás podem ser discutidos em termos de anos precisos, mas ainda assim sabemos que esses recursos não são inesgotáveis e que as datas não estão longe. Com o esgotamento, inevitavelmente vem o aumento dos preços das commodities, com todas as consequências sociais e políticas. Além disso, o controle internacional de fontes de energia fósseis e outros materiais estratégicos é cada vez mais importante para as potências industriais, que não hesitam em usar a força militar para se apropriar deles. É no contexto de escassez de energia no futuro que se insere parte do problema dos agrocombustíveis. Diante da expansão da demanda e da redução esperada em recursos energéticos fósseis, há uma certa urgência de se encontrar soluções. Como novas fontes de energia exigem o desenvolvimento de tecnologias ainda não muito avançadas (como a solar ou à base de hidrogênio) e outras soluções são interessantes, mas economicamente marginais ou não rentáveis (mais uma vez, a solar e a eólica), a dos agrocombustíveis pareceu interessante.

Mas a produção dos agrocombustíveis traz também graves consequências.
A produção de agrocombustível é feita na forma de monocultura. Em muitos casos, isso envolve a remoção de grandes florestas. Na Malásia e na Indonésia, em menos de 20 anos 80% da floresta original foi destruída pelas plantações da palma e eucalipto. A biodiversidade é removida, com todas as consequências sobre a reprodução da vida. Para produzir é usado não só muita água, mas um monte de produtos químicos, como fertilizantes ou pesticidas. O resultado é uma poluição intensiva de água subterrânea, dos rios que desembocam no mar, e um perigo real de falta de água potável para as populações. Além disso, os pequenos agricultores são expulsos e muitas comunidades indígenas perdem suas terras ancestrais, causando uma série de conflitos sociais, até mesmo violentos. O desenvolvimento de agrocombustíveis corresponde à negligência das externalidades ambientais e sociais, típicas da lógica do capitalismo.

E como o senhor vê a questão climática nesse cenário atual?
A crise climática é bem conhecida e as informações estão se tornando mais precisas, graças a várias conferências da ONU sobre clima, biodiversidade, geleiras etc. Enquanto o atual modelo de desenvolvimento continuar emitindo gases de efeito-estufa (especialmente CO2), destruindo os sumidouros de carbono, ou seja, sítios naturais de absorção desses gases, especialmente florestas e os oceanos, a crise continuará. A pegada ecológica é de tal ordem que, de acordo com estimativas, em 2010, em meados de agosto, o planeta tinha esgotado a sua reprodução natural. Além disso, de acordo com o relatório do Dr. Nicholas Stern para o governo britânico, em 2006, se as tendências atuais continuarem na metade do século existirão entre 150 e 200 milhões de migrantes climáticos, e os mais recentes números são ainda mais elevados.

E como o senhor avalia as medidas adotadas pelas elites e governos para tentar superar essas crises? E quais são as soluções?
A primeira solução é a do sistema. Alguns, principalmente preocupados com a crise financeira, propuseram mudar e punir os responsáveis. Essa é a teoria do capitalismo (teoria neoclássica em economia), que vê elementos positivos na crise, porque eles permitem a liberação de elementos fracos ou corruptos para retomar o processo de acumulação em bases saudáveis. Atores são alterados, e não se muda o sistema. Evidentemente não é solução. A segunda visão é propor regulamentos. É reconhecido que o mercado regula a si mesmo e que os organismos nacionais e internacionais têm necessidade de executar essa tarefa. Os Estados e organizações internacionais devem ser envolvidos. O G8, por exemplo, propôs certos regulamentos do sistema econômico global, mas ligeiros e temporários. Em vez disso, a ONU apresentou uma série de regulamentações muito mais avançadas. Propôs a criação de um Conselho de Coordenação Econômica Global, em pé de igualdade com o Conselho de Segurança, e também um painel internacional de especialistas para acompanhar permanentemente a situação econômica global. Outras recomendações tratadas foram a abolição dos paraísos fiscais e do sigilo bancário e, também, maiores requisitos de reservas bancárias e um controle mais rígido das agências de notação de crédito. A profunda reforma das instituições de Bretton Woods foi incluída, bem como a possibilidade de se criar moedas regionais em vez de ter como referência única o dólar. Os regulamentos propostos pela Comissão Stiglitz para reconstruir o sistema financeiro e monetário, apesar de algumas referências a outros aspectos da crise, tais como clima, energia, alimentos – e apesar do uso da palavra sustentável para qualificar o crescimento – não têm a profundidade suficiente para fazer a pergunta: para que reparar o sistema econômico? Para desenvolver, como antes, um modelo que destrói a natureza e é socialmente desequilibrado? É provável que as propostas para reformar o sistema monetário e financeiro serão eficazes para superar a crise financeira, e muito mais do que o que foi feito até agora, mas é suficiente para responder a desafios globais contemporâneos? A solução é dentro do capitalismo, um sistema historicamente esgotado, mesmo que tenha ainda muitos meios de adaptação. A gravidade da crise é tal que devemos pensar em alternativas, não somente em regulações.

E, quais seriam, por exemplo, essas outras alternativas?
Questionar o próprio modelo de desenvolvimento. A multiplicidade de crises que foram exacerbadas nos últimos tempos é resultado da lógica de mesmo fundo: uma concepção de desenvolvimento que ignora as “externalidades” (danos naturais e sociais); a ideia de um planeta inesgotável; o foco no valor de troca em detrimento do valor de uso; e a identificação da economia com a taxa de acumulação de lucro e do capital que cria, consequentemente, enormes desigualdades econômicas e sociais. Esse modelo resultou em um crescimento espetacular da riqueza global, mas seu papel histórico se perdeu, devido à sua natureza destrutiva e da desigualdade social que resultou. A racionalidade econômica do capitalismo, escreve Wim Dierckxsens, não apenas tende a negar a vida da maioria da população mundial como também destrói a vida natural.
Temos que discutir alternativas ao modelo econômico capitalista prevalecente hoje e os meios para rever o próprio paradigma (orientação básica) da vida coletiva da humanidade sobre o planeta, conforme definido pela lógica do capitalismo, que hoje é global. A vida coletiva é composta por quatro elementos que chamamos de base, porque as exigências são parte da vida de toda sociedade, desde as mais antigas até as mais contemporâneas: a relação com a natureza; a produção da base material da vida física, cultural e espiritual; a organização social e política coletiva; e a leitura do real e autoenvolvimento dos atores na sua construção da cultura. Ou seja, cada sociedade tem essa tarefa para realizar.

Mas as alternativas necessariamente passam pelo envolvimento do conjunto da sociedade organizada, dos movimentos sociais.
Exatamente. As alternativas são tão importantes que não vão chegar por si só. É somente pela pressão dos movimentos sociais, movimentos políticos também, que podemos esperar chegar a redefinir os objetivos fundamentais da presença humana no planeta e o desenvolvimento humano no planeta. E isso significa transformar a relação com a natureza. Passar da exploração ao respeito. Significa outra definição da economia. Não somente produzir um valor agregado senão produzir as bases da vida. Da vida física, cultural, espiritual de todos os seres humanos no planeta. Isso é a economia. Porém, isso não corresponde à definição do capitalismo. Também é preciso generalizar a democracia a todas as instituições, não somente políticas e econômicas mas também na relações humanas, relações entre homens e mulheres etc. É necessário também não identificar desenvolvimento com civilização ocidental e dar a possibilidade a todas as culturas, religiões, filosofias de participar dessa construção. Isso é o que chamo de construir o bem comum da humanidade, que é a vida; assegurar a vida, a vida do planeta e a vida da humanidade. Isso é um projeto alternativo, que pode parecer utópico. Porém não é utópico porque existem milhares de organizações e movimentos sociais que já trabalham para transformar esses aspectos da vida comum da humanidade, para melhorar a relação com a natureza, para ter outro tipo de economia, para ter uma participação, uma democracia que seja participativa e para renovar a cultura. Existem muitas iniciativas. Isso posso chamar de construção do socialismo. Porque socialismo não é uma palavra. É um conteúdo. E eu penso que devemos redefinir o conteúdo do socialismo.

Como o senhor analisa a América Latina neste contexto da crise e qual é o papel dos movimentos sociais?
É muito interessante porque a América Latina é o único continente do mundo onde temos tido alguns avanços. Não ainda na opção de novo paradigma, nova orientação fundamental, porém, pelo menos avanços, que não existem em outros continentes até agora. Mas não é algo generalizado na América Latina. Há alguns países que só reproduzem o sistema, com sua dependência ao capital internacional, particularmente do norte do continente americano. São países como México, Colômbia, Chile, Panamá, Costa Rica, Honduras etc. São países onde a burguesia local está totalmente vinculada com o sistema internacional e, nesse sentido, não tem outro projeto senão um projeto muito repressivo contra as populações.

Subordinação total.
Exatamente. Há uma segunda realidade, que são os países que podemos chamar de “adaptações ao sistema”. E aí existem dois tipos de países. Há os que dizem: sim, o sistema necessita de mudanças fundamentais e devemos nos adaptar à lógica do capitalismo. E para se ter mais justiça social e repartir parte do lucro, como já dizia Marx, com o rápido avanço das forças produtivas, temos um aumento dos lucros e da destruição da natureza. Nesse tipo de desenvolvimento se inserem Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, que possuem programas sociais eficazes. Com resultados indubitáveis porque milhões de pessoas saíram da pobreza, o que não podemos desprezar, porém, esse modelo não transforma profundamente a sociedade; isso representa apenas uma redistribuição de parte do lucro. Não podemos dizer que é uma mudança de paradigma. Entretanto, há países como Venezuela, Equador e a Bolívia, que têm outro discurso, o do socialismo do século 21, que pelo menos faz uma alusão a uma transformação fundamental. Pelo menos no Equador e na Bolívia, entre o discurso e a prática eu vejo grande avanços, em que as práticas dos governos seguem uma orientação das demandas sociais apresentadas pelos movimentos sociais.

Então, neste contexto de crise, os países que estão mais vulneráveis sofrem mais as consequências?
Não estou seguro. Teoricamente pode-se dizer que sim, esses países serão mais afetados em médio prazo. Porém, no momento é igual em todas as partes. Mas, evidentemente, os países mais vinculados ao sistema serão mais afetados em médio prazo. Entretanto, desgraçadamente, países como Venezuela e Bolívia também são indiretamente dependentes do sistema global e sofrerão as consequências. O que eu acho que é cedo demais pra se dizer, com diz Samir Amin, que eles conseguiram fazer uma desconexão. Não, não conseguiram. Mas é óbvio que as economias mais vinculadas à economia do Norte sofrerão as consequências a curto prazo.

No caso da América Latina, uma maior integração dos países seria uma alternativa frente a esse cenário mundial? O papel do Estado é fundamental neste contexto?
Absolutamente. Mas, para encerrar a tipologia, eu penso que a Venezuela é um país que avança para um novo modelo, onde as mudanças são mais aprofundadas. O papel do Estado não pode ser concebido sem levar em conta a situação dos grupos mais marginalizados socialmente, os sem-terra, as castas mais baixas ignoradas por milênios, os povos indígenas da América e os excluídos de ascendência africana; e, nesses grupos, as mulheres são muitas vezes duplamente marginalizadas. A expansão da democracia também se aplica para o diálogo entre os movimentos políticos e sociais. A organização de instâncias de consulta e diálogo pertence ao mesmo conceito, respeitando a autonomia mútua. O projeto de um conselho de movimentos sociais na arquitetura geral da Alba é uma tentativa original nessa direção. O conceito de sociedade civil muitas vezes utilizados para esse fim ainda é ambíguo, porque ela é também o lugar da luta de classes: há realmente uma sociedade civil de baixo e de cima e o uso do termo de forma não qualificada permite muitas vezes a criação de uma confusão e a apresentação de soluções que ignoram as diferenças sociais. Por outro lado, as formas de democracia participativa, como os encontrados em vários países latino-americanos, também entram na mesma lógica da democracia em geral. Todas as novas instituições regionais latino-americanas, como o Banco do Sul, a moeda regional (o sucre) e a Alba, serão objeto de atenção especial na direção de propagação da democracia. E o mesmo vale para os outros continentes.



<QUEM É>
François Houtart é sociólogo e professor da Universidade Católica de Louvain (Bélgica). É diretor do Centro Tricontinental, entidade que desenvolve trabalho na Ásia, África e América Latina.






Fonte: http://brasildefato.com.br/node/8647

Eu Apresento A Página Branca por Arnaldo Antunes



Eu apresento a página branca.


Contra:


Burocratas travestidos de poetas
Sem-graças travestidos de sérios
Anões travestidos de crianças
Complacentes travestidos de justos
Jingles travestidos de rock
Estórias travestidas de cinema
Chatos travestidos de coitados
Passivos travestidos de pacatos
Medo travestido de senso
Censores travestidos de sensores
Palavras travestidas de sentido
Palavras caladas travestidas de silêncio
Obscuros travestidos de complexos
Bois travestidos de touros
Fraquezas travestidas de virtudes
Bagaços travestidos de polpa
Bagos travestidos de cérebros
Celas travestidas de lares
Paisanas travestidos de drogados
Lobos travestidos de cordeiros
Pedantes travestidos de cultos
Egos travestidos de eros
Lerdos travestidos de zen
Burrice travestida de citações
água travestida de chuva
aquário travestido de tevê
água travestida de vinho
água solta apagando o afago do fogo
água mole sem pedra dura
água parada onde estagnam os impulsos
água que turva as lentes e enferruja as lâminas
água morna do bom gosto, do bom senso e das boas intenções
insípida, amorfa, inodora, incolor
água que o comerciante esperto coloca na garrafa para diluir o whisky
água onde não há seca
água onde não há sede
água em abundância
água em excesso
água em palavras.



Eu apresento a página branca.


A árvore sem sementes.


O vidro sem nada na frente.


Contra a água.

Internet em estado de sítio: análise da ofensiva dos EUA contra a liberdade na net

090212_censura

Mariano Blejman, tradução do Diário Liberdade - Os efeitos "colaterais" do fechamento do Megaupload um dia após o protesto contra a lei SOPA, antecipam até onde pretende chegar o governo norte-americano na defesa da propriedade intelectual.

A pedrada que o FBI deu no site criado pelo exuberante alemão Kim Dotcom Schmitz, que possuía 4 por cento do tráfego da internet, já teve a primeira bandeira branca em sinal de retirada: ontem o site inglês Btjunkie, um buscador de arquivos de compartilhamento, anunciou que se baixavam "voluntariamente" da rede, devido às pressões, depois de ver como detinham os criadores do Megaupload e os três fundadores do The Pirate Bay, o site do BitTorrent mais usado do mundo, situado na Suécia. "Este é o fim da linha, meus amigos", escreveram em sua página de maneira lapidária, os criadores desse site que permitia buscar filmes, músicas, programas, através do protocolo peer to peer criado por Bram Cohen há uma década.
Em termos de política internacional, poderia-se dizer que motu próprio do Btjunkies é algo assim como o triunfo "diplomático" das armas digitais norte-americanas. Ou seja, a capacidade de resistência dos sites de compartilhamento de arquivos ficou truncada diante dos últimos acontecimentos. Também decidiram suspender serviços de compartilhamento, sites como o FileSonic ou Upladed.to (que fechou nos Estados Unidos), e uns quantos mais, caírão por força dos acontecimentos. Megaupload tinha 50 milhões de usuários diários ativos e 150 milhões registrados, 4 por cento do tráfego mundial da internet e estava tentando reestruturar a sua imagem com uma campanha cativante, cujos vídeos estão no Youtube. Entre outras coisas, haviam nomeado como CEO a Swizz Beats, o marido da cantora e compositora de rock & blues Alicia Keys. Mas não foi suficiente. Como se sabe, o Megaupload foi bloqueado em 19 de janeiro, acusado de fazer parte de uma "mega" conspiração que haveria feito as empresas defensoras da propriedade intelectual, basicamente a indústria de Hollywood e a da música, perderem 500 milhões de dólares. Foram acusados ainda de haver ganho 150 milhões de dólares por subscrições e 25 milhões em publicidade em um período de cinco anos.


A propriedade ou a propriedade intelectual?
Mas que ironia: em nome da defesa da "propriedade intelectual", o fechamento do Megaupload poderia considerar-se o ataque mais flagrante à propriedade privada na história da internet. Para citar um dos 150 milhões de casos: Verónica Malamfant é uma das criadoras de As Pornográficas, um site de "jornalistas algo eróticas" que se juntam para escrever sobre sexo uma vez por semana e realizam programas há dois anos. Neste tempo, passaram de 200 descargas no primeiro programa a seis mil, no último anterior ao fechamento do Megaupload, lugar onde tinham uma conta premium. "Nunca violamos nenhuma propriedade intelectual. Postamos nossos próprios conteúdos, e _ enquanto temos um backup em nossas máquinas_ nos matou o fato de perder os registros das vizualizações, a informação contextual que fomos adicionando", além de um trabalho de postagem de dois anos.
Músicos, artistas, designers, jornalistas, documentaristas, cineastas, enfim, milhões de pessoas de todo o mundo se viram afetadas pela decisão do FBI de fechar o Megaupload. O site do fastuoso Dotcom, estava situado legalmente na Nova Zelândia e Hong Kong, mas os servidores estavam nos Estados Unidos. Ergo, a repercussão é planetária. E o FBI uma força sem fronteiras. Que novidade. Na semana passada, o FBI anunciou que já haviam recolhido a informação necessária dos servidores do Megaupload para construir seu caso por cyber crime. Como as contas da empresa haviam sido congeladas, ninguém tinha podido pagar a fatura em nome de Carpathia y Cogent, duas das empresas que davam os servidores ao Megaupload dentro dos Estados Unidos, estes podiam ser apagados. A informação foi dada por Ira Rothken, a advogada do site que oferecia a possibilidade de compartilhar arquivos de grande tamanho, sobretudo quando os usuários compravam contas premium e se anunciou que os dados de milhões de usuários em todo o mundo estavam a ponto de desaparecer. O assunto é que nos termos e condições de uso do Megaupload _ aquilo que se assina quando aceita ingressar a um serviço, sem dar importância_ diz que "Megaupload pode terminar suas operações sem aviso prévio". Ou seja.


Internet com fronteiras
E então, chegou a Electronic Frontier Foundation, fundada por John Perry Barlowe ( certa vez letrista dos Grateful Dead), organização não governamental que defende os direitos digitais dos cidadãos, a realizar um acordo com Carpathi - um dos hosting do Megaupload – para tentar recuperar os arquivos de 150 milhões de usuários espalhados pelo mundo... Bem, por agora só defenderão aqueles situados dentro do território americano. Não se pode ter tudo. O acordo da EFF com Carpathia inclui a criação de um website chamado Megaretrieval.com para instrumentar a recuperação da informação "retida" na nuvem do Megaupload, depois da decisão do FBI. Ainda que não se saiba muito bem como se instrumentará a recuperação. Por enquanto, a possibilidade de que esses dados se percam para sempre – o que seria a maior perda de memória da história da internet, uma espécie de nova queima da biblioteca de Alexandria – diminuiu sensivelmente.
Ou seja, a decisão de um governo afetou unilateraçmente a 150 milhões de usuários (que ainda não são o mesmo que pessoas, mas é questão de esperar), e uma organização não governamental teve que pedir a uma empresa privada que resguarde a informação dos usuários. Além disso, uma dezena de executivos que não eram norte-americanos, foram detidos pelo FBI fora dos Estados Unidos. A EFF estaria pensando em organizar uma demanda coletiva contra o governo dos Estados Unidos por uma longa série de violações aos direitos dos cidadãos... dos Estados Unidos. Começaram por pedir à justiça norte-americana através de um procedimento formal, a salvaguarda dos dados dos "usuários inocentes", que provavelmente sejam maioria. A carta foi assinada por Cindy Cohn, diretora legal da fundação.
O problema é que, fora dos Estados Unidos a sensação é de desamparo. Quem está na dianteira em iniciar ações coletivas contra o governo dos Estados Unidos são os fundadores do Partido Pirata Catalão. "Os danos pelo fechamento do Megaupload estão totalmente injustificados e são inadmissíveis", escreveram. Logo se somaram os partidos piratas do resto da Europa. Se juntam lentamente à demanda coletiva os partidos piratas da Galícia, Alemanha, Inglaterra, República Tcheca, França, Canadá e obviamente o da Suécia, que tem representação parlamentar. O site catalão anunciou haver recebido pelo menos 1500 demandas nas primeiras horas de convocatória. Na Argentina, o Partido Pirata local, tentava encontrar um advogado para aderir à causa. Os custos de pagar um advogado nos Estados Unidos e brigar com o FBI seria uma causa que eu amaria, me sentiria o Che Guevara por uns microssegundos, mas está acima do nosso orçamento", conta a jornalista Malamfant, do As Pornográficas.
O agrupamento de hacker ativistas Anonymous não se conformou só em rapidamente uma série de páginas desde o FBI até a indústria de Hollywood ou os selos discográficos, mas também revelaram uma conversa que poderia ter ocorrido em 17 de janeiro (antes do fechamento do Megaupload) entre o FBI e a Scotland Yard, onde os serviços de inteligência se referiam ao apoio de alguns hackers para realizar suas ações.


Tráfego legal, tráfego ilegal
O impacto do fechamento do Megaupload no tráfego mundial foi espetacular. Esses quatro por cento da internet (uma incrível concentração de tráfego, sem dúvida) que tinha o site da Dotcom como origem, mas dezenas de sites que o usavam como fonte de streaming, se distribuiu rapidamente entre os serviços de download e a televisão tradicional. Segundo Nicolás de Tavernost, do grupo francês M6, que oferece um serviço legal de streaming, na última semana receberam um "aumento considerável de tráfego" e o vinculoudiretamente ao fechamento do site, para o prazer de Marcelo Birmajer, que domingo saiu apoiando a lei SOPA no Clarín. Mas com ou sem SOPA ou PIPA (as leis insígnias da propriedade intelectual que parecem ter ficado em stand by depois do "apagão" da Wikipedia e outras centenas de sites em 18 de janeiro passado), a internet debate não só sobre a propriedade intelectual, mas pelo atropelamento dos direitos individuais, a liberdade de expressão, a neutralidade da internet e o livre fluxo de informação.
Desde o auge e queda da Napster, a indústria tem buscado métodos para recuperar a escassez de acesso aos bens culturais existentes. As condições tecnológicas e culturais do protocolo de Internet (ai Vint Cerf!) geraram novas leis de mercado e de tráfego cultural. Para dar um exemplo, vale recorrer aos livros Long Tail e Free, de Chris Anderson e uma grande rede de produção dedicada à cultura livre.O problema para o FBI é que ainda existe internet e a esta altura é insubstituível na vida cotidiana de dois bilhões de pessoas. Nos últimos três ou quatro anos, as corporações mais duras, dedicadas a fibras e cabos, oferecem serviços denominados "na nuvem". Ou seja, a oportunidade de empresas, governos e usuários de postar dados na internet, de ter a oportunidade do deslocamento permanente, a inexistência do serviço técnico e um longo etcetera. Porém existem sites como o RapidShare, SoundCloud, DropBox, GrooveShark, google (que já tem computador para a nuvem ChromeBook), iCloud da Apple, Amazon ou os serviços da Global Crossing, para nomear apenas alguns, são espaços onde os usuários postam seus dados amparados pela fascinação do fim do formato físico.
Assim, o Departamento de Estado caminha em duas frentes: trata de endurecer as leis de propriedade intelectual dentro dos Estados unidos e de apoiar leis para cortar o acesso a sites que possam violá-las fora. Logo, tenta acomodar as leis de outros países a suas próprias leis de propriedade intelectual e castiga com o FBI para gerar o efeito terror. Um efeito indesejado pelo governo norte-americano é que uma cópia exata do Megaupload poderia intalar-se fora desse país e a justiça norte-americana não poderia interceder: o disse a própria Justiça esta semana. Mas o que aconteceria se os usuários começassem a postar índices de filmes para baixar pelo bitTorrent em arquivos compartilhados do Google docs, o FBI estaria disposto a fechar o Google? Em que país está o Google? Ou, como bem escreveu o empreendedor argentino santiago Bilinkis em seu blog: " A luta para evitar o atropelamento das liberdades será difícil e desigual. Mas há uma boa notícia: não há lei que possa, de maneira efetiva e sustentada, deter o avanço da tecnologia. E será nosso engenho, aproveitando as possibilidades que a própria internet oferece, o que nos dará as ferramentas ideais para resistir".


Tradução de Cássia Valéria para o Diário Liberdade


Fonte: www.diarioliberdade.org