sábado, 7 de janeiro de 2012

Os Comunistas por Pablo Neruda

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Passaram-se alguns anos desde que ingressei no partido... Estou contente... Os comunistas formam uma boa família... Têm a pele curtida e o coração moderado... Por toda parte recebem golpes... Golpes exclusivos para eles... Vivam os espíritas, os monarquistas, os anormais, os criminosos de todas as espécies... Viva a filosofia com muita fumaça e pouco fogo... Viva o cão que ladra e que morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o cinismo, viva o camarão, viva todo o mundo, menos os comunistas... Vivam os cintos de castidade, vivam os conservadores que não lavam os pés ideológicos há quinhentos anos... Vivam os piolhos das populações miseráveis, viva a fossa comum gratuita, viva o anarco-capitalismo, viva Rilke, viva André Gide com seu coridonzinho, viva qualquer misticismo... Está tudo bem... Todos são heróicos... Todos os jornais devem sair... Todos podem ser publicados, menos os comunistas... Todos os políticos devem entrar em São Domingos sem algemas... Todos devem celebrar a morte do sanguinário, de Trujillo, menos os que mais duramente o combateram... Viva o carnaval, os últimos dias de carnaval... Há disfarces para todos... Disfarces de idealista cristão, disfarces de extrema esquerda, disfarces de damas beneficentes e de matronas caritativas... Mas cuidado: não deixem entrar os comunistas... Fechem bem a porta... Não se enganem... Eles não têm direito a nada... Preocupemo-nos com o subjetivo, com a essência do homem, com a essência da essência... Assim estaremos todos contentes... Temos liberdade... Que grande coisa é a liberdade!... Eles não a respeitam, não a conhecem... A liberdade para se preocupar com a essência... Com o essencial da essência...

Assim têm passado os últimos anos... Passou o jazz, chegou o soul, naufragamos nos postulados da pintura abstrata, a guerra nos abalou e nos matou... Tudo permanecia o mesmo... Ou não permanecia?... Depois de tantos discursos sobre o espírito e de tantas pauladas na cabeça, alguma coisa ia mal... Muito mal... Os cálculos tinham falhado... Os povos se organizavam... Continuavam as guerrilhas e as greves... Cuba e o Chile se tornavam independentes... Muitos homens e mulheres cantavam a Internacional... Que estranho... Que desanimador... Agora cantam-na em chinês, em búlgaro, em espanhol da América... É preciso tomar medidas urgentes... É preciso bani-lo... É preciso falar mais do espírito... Exaltar mais o mundo livre... É preciso dar mais pauladas... É preciso dar mais dólares... Isto não pode continuar... Entre a liberdade das pauladas e o medo de Germán Arciniegas... E agora Cuba... Em nosso próprio hemisfério, na metade de nossa maçã, estes barbudos com a mesma canção... E para que nos serve Cristo?... Para que servem os padres?... Já não se pode confiar em ninguém... Nem mesmo nos padres. Não vêem nossos pontos de vista... Não vêem como baixam nossas ações na Bolsa...

Enquanto isso sobem os homens pelo sistema solar... Deixam pegadas de sapatos na Lua... Tudo luta por mudanças, menos os velhos sistemas... A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranha medievais... Teias de aranha mais duras do que os ferros das máquinas... No entanto, há gente que acredita numa mudança, que tem posto em prática a mudança, que tem feito triunfar a mudança, que tem feito florescer a mudança... Caramba!... A primavera é inexorável!

Pablo Neruda - Confesso que vivi


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A sua História:

Nome literário do poeta, diplomata e marxista chileno Neftalí Ricardo Reyes Basoalto. Nasceu a 12 de julho de 1904 em Parral, no Chile, e morreu a 23 de setembro de 1973, em Santiago. De família humilde, viveu no sul do Chile, em Temuco. A mãe faleceu uns meses após o seu nascimento e o pai voltaria a casar. Neruda viria a ter um bom relacionamento com a madrasta, que considerou como a sua verdadeira mãe. Escreveu um dia "eu nasci para a vida, para a terra, para a poesia e para a chuva". Estudou no liceu desta cidade, entrando aos 15 anos no Instituto Pedagógico da Universidade de Santiago. Começou a escrever aos 10 de idade. Quando tinha apenas 12 anos conheceu Gabriela Mistral, uma famosa poetisa chilena, que lhe deu a conhecer os escritores clássicos que iriam influenciar a sua carreira e as suas decisões políticas. Tornou-se militante anarquista e traduziu o trabalho de Jean Grave, a notável teoria de Peter Kropotkine, um anarquista comunista. A partir de 1920 passou a usar o nome Pablo Neruda, que legalmente adotou em 1946. Em 1921 deixou Temuco e mudou-se para a capital, Santiago. O estudante romântico invadiu a vida literária da capital chilena com a sua capa de estudante. Neste ano ganhou o prémio da federação chilena de estudantes de poesia com La canción de la fiesta e a partir daí começou a publicar poemas na revista da federação, Claridad. Em 1923 escreveu o primeiro livro, Crepusculario . Para cobrir as despesas desta publicação viu-se obrigado a vender o relógio que o pai lhe tinha oferecido. Em 1924 encontrou quem lhe publicasse Viente poemas de amor y una canción desesperada . Este trabalho foi muito bem recebido pelo público e conservou a sua popularidade ao longo dos anos. Aos vinte anos e com dois livros publicados, Neruda tornou-se o poeta chileno mais conhecido. Abandonou os estudos de francês para se dedicar inteiramente à poesia. Escreveu Tentativa del hombre infinito ,Anillos, em colaboração com Tomás Lago, e El hondero entusiasta .Em 1927 foi nomeado cônsul em Rangoon, Burma, e durante cinco anos representou o seu país na Ásia. Seguidamente viajou para Ceilão, Colombo, Jacarta, Java, onde casou com a sua primeira mulher, de origem holandesa. Esteve ainda em Singapura. Viveu um período de grande solidão, animado apenas pelo romance com uma jovem burmesa. Durante estes anos na Ásia escreveu Residencia en la tierra . Em 1933 foi nomeado cônsul em Buenos Aires e daí data a sua amizade com o poeta espanhol Federico García Lorca. No ano seguinte foi transferido para Barcelona e depois para Madrid onde voltou a casar, desta vez com Delia del Carril. Com o mesmo impacto literário que obteve no seu país, Neruda conquistou a Europa e o resto do mundo, a sua poesia tornou-se rapidamente conhecida. Foi um escritor bem acolhido em Espanha. Este clima de desenvolvimento poético foi subitamente interrompido pelo eclodir da guerra civil espanhola em 1936. A execução do seu amigo García Lorca, a prisão de Miguel Hernández e o sangue nas ruas contribuíram para a maturidade do poeta e para as suas atitudes políticas. Escreveu então Espanã en el corazón , publicado durante a guerra civil nas linhas da frente republicanas. Pablo Neruda regressou ao Chile em 1938, com um grupo de refugiados espanhóis. Depois desta atitude, o governo chileno mandou-o para o México onde produziu intensamente textos poéticos, inspirado na II Guerra Mundial, que assolava a Europa, posicionando-se especialmente ao lado da defesa de Estalinegrado contra a ocupação germânica. Em 1943 voltou ao Chile por mar, recebendo uma grande ovação dos seus conterrâneos. Em 1945 foi eleito senador e nos três anos seguintes consagrou a maior parte do seu tempo aos problemas do país. A atividade política de Neruda foi interrompida quando foi eleito um governo de direita. Pablo Neruda, comunista, foi forçado a ocultar a sua ideologia, assim como outros esquerdistas. Estes anos de clandestinidade foram, no entanto, proveitosos do ponto de vista da obra literária. Escreveu Canto General , um dos grandes poemas épicos escritos no continente americano. Em fevereiro de 1948, deixou o Chile, atravessando a zona sul das montanhas dos Andes a cavalo. Em junho de 1949 visitou a União Soviética para participar na celebração dos 150 anos de Aleksandr Pushkin. Visitou depois outros países da Europa e o México. Em 1952, depois da ordem para prisão dos escritores de esquerda e de figuras políticas terem sido retiradas, Neruda regressou ao Chile e casou pela terceira vez, com a chilena Matilde Urrutia. Com a sua residência na Ilha Negra, no Pacífico, viajou constantemente por vários países, entre os quais Cuba e Estados Unidos, respetivamente em 1960 e 1966. A sua poesia foi traduzida em quase todas as línguas. A poesia de Neruda representa uma constante mudança, relacionada com as experiências da sua vida. Um dos mais enigmáticos trabalhos é Residencia en la tierra onde rompeu com a forma tradicional e criou uma técnica poética altamente personalizada embora plena de realismo, que se tornou conhecida como "nerudismo". Pablo Neruda foi Prémio Nacional de Literatura, Prémio Lenine da Paz (1953) e Prémio Nobel da Literatura (1971).

Monólogo Ao Pé Do Ouvido / Banditismo Por Uma Questao De Classe

Personagem como Chico Sciense faz muita falta ao cenário cultural brasileiro.


Monólogo Ao Pé Do Ouvido


"Modernizar o passado
É uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos
O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar

o orgulho, a arrogância, a glória
Enche a imaginação de domínio
São demônios, os que destroem o poder bravio da humanidade
Viva Zapata!
Viva Sandino!
Viva Zumbi!
Antônio Conselheiro!
Todos os panteras negras
Lampião, sua imagem e semelhança

Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia."


Banditismo Por Uma Questao De Classe


"Há um tempo atrás se falava de bandidos
Há um tempo atrás se falava em solução
Há um tempo atrás se falava e progresso
Há um tempo atrás que eu via televisão
Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha
Não tinha medo da perna cabiluda
Biu do olho verde fazia sexo, fazia
Fazia sexo com seu alicate
Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha
Não tinha medo da perna cabiluda
Biu do olho verde fazia sexo, fazia
Fazia sexo com seu alicate
Oi sobe morro, ladeira, córrego, beco, favela
A polícia atrás deles e eles no rabo dela
Acontece hoje e acontecia no sertão
Quando um bando de macaco perseguia Lampião
E o que ele falava outros hoje ainda falam
"Eu carrego comigo: coragem, dinheiro e bala"
Em cada morro uma história diferente
Que a polícia mata gente inocente
E quem era inocente hoje já virou bandido
Pra poder comer um pedaço de pão todo fudido
Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha
Não tinha medo da perna cabiluda
Biu do olho verde fazia sexo, fazia
Fazia sexo com seu alicate
Galeguinho do Coque não tinha medo, não tinha
Não tinha medo da perna cabiluda
Biu do olho verde fazia sexo, fazia
Fazia sexo com seu alicate
Oi sobe morro, ladeira, córrego, beco, favela
A polícia atrás deles e eles no rabo dela
Acontece hoje e acontecia no sertão
Quando um bando de macaco perseguia Lampião
E o que ele falava outros hoje ainda falam
"Eu carrego comigo: coragem, dinheiro e bala"
Em cada morro uma história diferente
Que a polícia mata gente inocente
E quem era inocente hoje já virou bandido
Pra poder comer um pedaço de pão todo fudido
Banditismo por pura maldade
Banditismo por necessidade
Banditismo por pura maldade
Banditismo por necessidade
Banditismo por uma questão de classe!
Banditismo por uma questão de classe!
Banditismo por uma questão de classe!
Banditismo por uma questão de classe!"



sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Sarkozy celebra Joana d’Arc

O presidente da França, Nicolas Sarkozy, vai homenagear, na sexta-feira 6, os 600 anos de nascimento de Joana d’Arc, figura emblemática da história e monopolizada, nos últimos anos, pela extrema-direita.

A visita do chefe de Estado aos lugares simbólicos da vida de Joana d’Arc, nos departamentos de Vosges e Meuse (leste do país) vai acontecer na véspera de uma comemoração, em Paris, da Frente Nacional, o principal partido da extrema-direita francesa, na presença de Jean-Marie Le Pen e de sua filha Marine, candidata à presidencial de 2012.
Estátua de Joana d'Arc em Paris. Foto: AFP
O próprio Sarkozy deverá oficializar, em fevereiro, sua candidatura à reeleição e já havia exaltado a figura da santa francesa na campanha presidencial de 2007.
Na sexta, o presidente estará em Domrémy-la-Pucelle (Vosges), considerada a cidade natal de heroína.
Nascida em 6 de janeiro de 1412 em Domrémy, Joana d’Arc, também chamada de ‘Jeanne la Pucelle’, a donzela, simboliza a participação francesa na guerra dos 100 anos (1337 a 1453) contra o exército inglês.
Considerada muito piedosa, foi condenada a ser queimada viva, após um processo de heresia. Reabilitada e elevada a mártir, foi beatificada e canonizada no início do século XX.
Presente nos livros escolares desde o século XIX, tornou-se um símbolo da ‘Action française’, o principal partido da extrema-direita, até a chegada da Frente Nacional na década de 1980.
Há mais de 20 anos, a Frente Nacional organiza no dia 1° de maio uma cerimônia em sua memória.

Fonte: Agência France Press

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Nazi-fascismo Renasce na Hungria




Hungria já não é ''República'' e pede a bênção de Deus

A Hungria entrou em 2012 com uma nova Constituição em que deixa de ser "república", restaura o poder do velho nacionalismo e do confessionalismo e silencia a oposição na comunicação social. O IVA subiu para 27 por cento.

A nova Constituição define o modelo do regime de Viktor Orban e do seu partido de direita e nacionalista Fidesz, que obteve uma maioria de dois terços no Parlamento, onde ainda conta com o apoio da extrema direita fascista, que dispõe de milícias organizadas e autorizadas.
O preâmbulo da Constituição suprime a palavra "república" da designação do país, que passa a chamar-se simplesmente Hungria, e inclui a fórmula confessional "Deus abençoe os húngaros".
A Constituição introduz medidas suscetíveis de deixar por muito tempo na Hungria as marcas dos atuais responsáveis e a tutela autocrática de Orban. As leis definidoras do regime, designadamente de cidadania, do sistema eleitoral e dos fundamentos religiosos do país só poderão ser alteradas por maiorias de dois terços. A lei eleitoral, sobretudo, tem sido criticada tanto interna como externamente, incluindo dirigentes da União Europeia, por permitir a possibilidade de os pais votarem em nome dos filhos menores.
Além disso, o poder está a nomear os seus comissários políticos para as chefias das forças militares, policiais e de segurança, justiça e comunicação social com mandatos de nove a 12 anos.
No final de dezembro o regime anunciou que vai calar a última rádio independente, a Klubradio, através de um processo que o proprietário desta qualificou como "totalmente opaco". O Conselho dos Media, que segundo a oposição funciona como comissão de censura, retirou a licença à Klubradio e pretende entregá-la a uma sociedade "obscura" até agora desconhecida.
Em paralelo e durante as última semanas o regime tem vindo a despedir centenas de jornalistas e outros trabalhadores da rádio e televisão públicas num processo qualificado como "operação de limpeza" adaptado à entrada em vigor do novo regime.
O governo húngaro aumentou entretanto o IVA para 27 por cento, o mais elevado nos países da União Europeia, devido à crise económica e aos problemas com a dívida soberana. O FMI e Bruxelas suspenderam entretanto as negociações com Budapeste sobre a perspetiva de um eventual "auxílio" devido ao facto de as novas medidas legislativas no país estabelecerem um estatuto para o Banco Central que não respeita o princípio da independência.


Fonte: www.diariodaliberdade.org

A Ordem Criminosa do Mundo





Em novembro de 2008, a TVE (Espanha) exibiu um documentário intitulado “A ordem criminosa do mundo”. Nele, Eduardo Galeano, Jean Ziegler e outras personalidades mundiais falam sobre a transformação da ordem capitalista mundial em um esquema mortífero e criminoso para milhões de pessoas em todo o mundo. Mais de três anos depois, o documentário permanece mais atual do que nunca, com alguns traços antecipatórios da crise que viria atingir em cheio também a Europa. Reproduzimos aqui o vídeo, legendado em português, e algumas das principais afirmações de Galeano e Ziegler:
“Os verdadeiros donos do mundo hoje são invisíveis”
“Os verdadeiros donos do mundo hoje são invisíveis. Não estão submetidos a nenhum controle social, sindical, parlamentar. São homens nas sombras que procuram o governo do mundo. Atrás dos Estados, atrás das organizações internacionais, há um governo oligárquico, de muito poucas pessoas, mas que exercem um controle social sobre a humanidade, como jamais Papa algum, Imperador ou Rei teve”. (Jean Ziegler)

“O atual sistema universal de poder converteu o mundo num manicômio e num matadouro” (Eduardo Galeano).

“A globalização é uma grande mentira”
“O capital financeiro percorre o planeta 24 horas por dia com um único objetivo: buscar o lucro máximo. A globalização é uma grande mentira. Os donos do grande capital que dirigem o mecanismo da globalização dizem: Vamos criar economias unificadas pelo mundo inteiro e assim todos poderão desfrutar de riqueza e de progresso. O que existe, na verdade, é de uma economia de arquipélagos que a globalização criou” (Jean Ziegler).

“Há três organizações muito poderosas que regulam os acontecimentos econômicos: Banco Mundial, FMI e OMC; são os bombeiros piromaníacos. Elas são, fundamentalmente, organizações mercenárias da oligarquia do capital financeiro invisível mundial” (Jean Ziegler).
“Eu não creio que se possa lutar contra a pobreza e criar uma estratégia de luta contra a pobreza sem lutar contra a riqueza, contra os ricos, pois os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres” (José Collado, Missionário em Níger).

“Todos os dias neste planeta, segundo a FAO, 100 mil pessoas morrem de fome ou por causa de suas consequências imediatas” (Jean Ziegler).

“O dicionário também foi assassinado”
“Hoje as torturas são chamadas de “procedimento legal”, a traição se chama “realismo”, o oportunismo se chama “pragmatismo”, o imperialismo se chama “globalização” e as vítimas do imperialismo, “países em vias de desenvolvimento. O dicionário também foi assassinado pela organização criminosa do mundo. As palavras já não dizem o que dizem, ou não sabemos o que dizem” (Eduardo Galeano).

“Se hoje eu digo que faz falta uma rebelião, uma revolução, um desmoronamento, uma mudança total desta ordem mortífera e absurda do mundo, simplesmente estou sendo fiel á tradição mais íntima, mais sagrada da nossa civilização ocidental. O nosso dever primordial hoje deve ser reconquistar a mentalidade simbólica e dizer que a ordem mundial, tal como está, é criminosa. Ela é frontalmente contrária aos direitos do homem e aos textos fundacionais das nossas civilizações ocidentais” (Jean Ziegler).

“Se houvesse uma só morte por fome em Paris haveria uma revolta”
“A primeira coisa que devemos fazer é olhar para a situação de frente e não considerar como normal e natural a destruição, por exemplo, de 36 milhões de pessoas por culpa da fome e da desnutrição. Se houvesse uma só morte por fome em Paris haveria uma revolta. De nenhum modo devemos permitir que as grandes organizações de comunicação nos intimidem, nem as fábricas das teorias neoliberais das grandes corporações, pois todas as corporações se ocupam, primeiro, de controlar as consciências, de controlar como podem a imprensa e o debate público” (Jean Ziegler).
Essa pirâmide não faz mais sentido nos dias de hoje

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

"Ai Se Eu Te Pego" - O Europeu Gosta de Chico Buarque e de Michel Teló

Por Fernando Vives

Há poucos meses, vivi um dos sonhos da classe emergente brasileira: paguei uns 18 carnês e fui conhecer a Europa pela primeira vez.
Em Berlim, cidade de onde aponta o dedo em riste de Angela Merkel para o restante dos vizinhos europeus atolados em dívidas, entrei em uma loja de departamentos, daquelas gigantescas nas quais você pode comprar desde um chaveirinho até um trator, se assim quiser (exagero, claro, mas não muito). Ressalto que esse negócio de crise pegou todo mundo pela Europa, mas a Alemanha discretamente vai muito bem, Danke.
Pois bem. Houve um momento dentro daquele templo de consumo (adoro esse clichê, soa sempre tão bonito) que meus ouvidos tupiniquins foram surpreendidos com a familiar melodia de um axé brasileiríssimo, um desses onomatopeicos que há pelo menos 15 anos rimamamor com calor com Pelô. Pensei na hora que o axé já teve momentos interessantes, lá no início dos anos 1990, e depois virou uma cópia de si mesmo que sobrevive até hoje.
Mas tudo passa, inclusive aquele axé, imediatamente sucedido por um rap americano moderninho, um desses cantados sempre por um sujeito com boné atolado na cabeça a fazer gestos com as mãos, cuja letra sempre dizia “Fuck! Fuck! Fuck!”, ou coisa parecida. Na sequência, enquanto eu circulava pela loja, a caixa de som soltou um rap alemão, também não muito criativo musicalmente, e uma daquelas canções meladas da Mariah Carey, que fez as louças da seção de cristais fazerem caretas inenarráveis enquanto lutavam para não explodir em depressão profunda com os agudos da cantora.

Aí veio a epifania, como se uma jaca caísse na cabeça de Newton: me incomodei com o brasileiríssimo axé no início, mas as músicas que vieram na sequência me fizeram sentir uma saudade imensa, milenar e total daquelas rimas de amor com calor com Pelô. A batida da música é animada e, numa festa, nos convida naturalmente a dar alguns passinhos, o que está longe de ser praxe na música lá fora. Então passei a ver vantagem.
A música brasileira desde muito é aplaudida pelo europeu, tanto aquela mais artística quanto a puramente comercial. Em 1989, Chico Buarque gravou um disco ao vivo em Paris, no teatro Le Zenith, que causou palpitações mil nos franceses. Na mesma época, o grupo Kaoma cantou que chorando se foi quem um dia só fez chorar alguém da banda, e também foi aplaudidíssimo pelos franceses, muitos dos quais também deveriam ser fãs de Chico Buarque.
E falei sobre tudo isso para chegar no Michel Teló, o cantor paranaense de sertanejo universitário (essa chancela de “universitário” para tipos musicais popularescos, só para tentar atrair as classes mais abastadas, ainda merece um tratado de sociologia sobre o Brasil atual) que se transformou talvez na maior febre musical da Europa nesse inverno de lá. Não preciso detalhar que Teló está muito mais para Kaoma que para Chico Buarque. O fato é que tem muita gente incomodada com o sucesso do sertanejo na Europa, como se ele fosse um embaixador vergonhoso da música brasileira.
O sucesso europeu de Teló surgiu quando o jogador português do Real Madrid, Cristiano Ronaldo, marcou um gol e saiu comemorando com a dancinha de “Ai se eu te pego”, o maior hit do cantor, na frente das câmeras junto com o jogador brasileiro Marcelo, seu amigo que apresentou-lhe a música. Aí foi um rastilho de pólvora: há versões da música em espanhol, inglês, holandês e italiano. E algumas outras virão por aí. Já é considerada em vários países a nova Macarena. Hoje, por toda a Europa, dificilmente existe uma festa sem “Ai se eu te pego”. Surrealmente, até o exército israelense entrou na onda: integrantes da sua tropa de elite fizeram um vídeo com a dancinha, o que causou celeuma em Israel.
Vale a piada de que a crise na Europa é tão feia que até o Michel Teló anda fazendo sucesso por aquelas bandas. Não gosto da música dele, como não gosto de Mariah Carey. Porém, se começarmos a selecionar música boa da ruim, inevitavelmente cairíamos em uma discussão autoritária e perigosa. Lá fora como no Brasil, há espaço tanto para a música boa e para a música ruim, e essa definição fica a critério de cada um. Eu tenho as minhas, o caro leitor terá as suas próprias. E que bom que os europeus estejam ouvindo os brasileiros. Se tem uma coisa que fazemos melhor que eles, certamente é música popular. Boa ou ruim.

Fonte: www.cartacapital.com.br

Desenvolvimento e Socialismo




Gilberto Maringoni -  Falar em socialismo deixou de ser um despautério. A crise internacional desmoralizou os fanáticos do mercado. Mas qualquer mudança social tem de ser pensada em meio a um projeto de desenvolvimento viável e no bojo das disputas políticas reais da sociedade brasileira.

Introdução
A possibilidade concreta de se viabilizar uma transição ao socialismo está hoje fora da agenda da sociedade brasileira. A hegemonia burguesa consolidou-se, após um longo período de defensiva das idéias socialistas. Parte da esquerda formada a partir dos anos 1970-80 adaptou-se e ajudou a consolidar tal hegemonia, conferindo-lhe inédita legitimidade.
Essa parcela significativa da esquerda – que inclui lideranças políticas, sindicais e populares – dá nova qualidade ao pacto de classes estabelecido no Brasil, após a eleição de Luís Inácio Lula da Silva à presidência, em 2002. Estabeleceu-se uma aliança sólida entre tais setores e o grande capital financeiro e industrial e o agronegócio, em torno de um projeto de desenvolvimento. O detalhamento de tal pacto pode ser lido aqui.
Embora se percebam vários matizes no interior desse grande acordo, a maior parte de seus agentes se unifica em torno de algumas linhas-mestras: 1.Absoluta prioridade aos setores rentistas, para os quais se destina cerca de 47% do orçamento federal, sob a rubrica de pagamento dos serviços da dívida pública, baseados nos juros reais mais altos do mundo; 2. Manutenção de uma taxa de câmbio valorizada, que favorece o capital externo e penaliza os setores industriais; 3. Livre circulação de capitais; 4. Expansão do mercado interno, através da elevação do salário mínimo e de programas de transferência de renda;5. Diversificação dos parceiros comerciais do Brasil no plano externo e 6. Manutenção de toda ordem jurídico-institucional criada para a implantação do modelo neoliberal.
Neoliberalismo puro e duro
Não se trata mais do neoliberalismo puro e duro dos anos 1990, quando aconteceram as privatizações em massa e o grosso das reformas constitucionais que garantiram a nova ordem. Tudo se deu ao custo de aumento do desemprego e de três crises consecutivas na economia brasileira. Esse viés mais radical do mercadismo perdeu legitimidade, mas permanece vivo nas páginas e telas da grande mídia e nos partidos de direita. Atualmente, mantidas suas características básicas, o modelo se arraigou na sociedade brasileira, gerando moderadas taxas de crescimento econômico, além de uma melhoria no padrão de vida dos assalariados e da adoção de políticas sociais focadas.
Num plano muito minoritário em termos de expressão política, existe um projeto à esquerda – que contempla também várias nuances. Na verdade, não se conforma nitidamente como alternativa, mas como ideário disperso em alguns setores sociais. Ele poderia, genericamente, ser classificado como democrático-popular. Essa vertente envolve frações dos trabalhadores, da pequena e média burguesia e mesmo partes minoritárias da burguesia. Algumas dessas formações encontram-se abrigadas no pacto de classes majoritário e, vez por outra, exibem descontentamentos com os rumos da orientação geral.
Como tratar a questão da transição do capitalismo para o socialismo nessas balizas concretas? Como colocar o tema no plano da tática – ou seja, da política – e não no terreno de uma estratégia desvinculada da formação social e econômica e social atual do país?
Este pequeno texto não responde a tais questões. Elas seguem em aberto nos dias que correm. Busca-se aqui tão somente apontar a necessidade de articulação entre um projeto de desenvolvimento democrático e popular nos marcos do capitalismo realmente existente e a luta pelo socialismo.
Problema tático
Duas décadas depois da derrocada dos regimes do socialismo real, que gerou uma aguda crise política e ideológica na esquerda mundial, e quase uma década após a chegada ao poder de um partido de origem popular no Brasil, o que significa exatamente advogar uma ruptura socialista?
Um objetivo como esse não pode ser uma construção apenas doutrinária, desvinculada das lutas e condições da realidade política. Ruptura – ou revolução - e socialismo não são valores ou categorias morais. São, antes de tudo, objetivos políticos, inseridos na real disputa de forças na sociedade. Isso implica estabelecer metas de curto, médio e longo prazo, examinar quem são os sujeitos políticos dessa empreitada, os aliados e os inimigos e traçar um programa mínimo e um programa máximo de ação. Em outras palavras, são partes da construção de uma tática e de uma estratégia política. Não se trata assim de tarefa acadêmica. Uma articulação desse tipo deve captar uma necessidade expressiva na sociedade, tendo como núcleo fundamental os trabalhadores, os setores pobres da cidade e do campo e parcelas da pequena burguesia. Outras frações de classe podem eventualmente se juntar nessa empreitada, dependendo das condições concretas da disputa política.
Revolução em xeque
Ao longo das últimas duas décadas, revolução passou a ser um conceito tido como obsoleto. A queda do muro de Berlim, em 1989, a derrota eleitoral dos sandinistas na Nicarágua, em 1990, o desmanche da União Soviética, em 1991, e a supremacia do modelo neoliberal em quase todo o mundo, acuaram as forças que pregavam mudanças na ordem social. A própria idéia de revolução, no sentido de uma transformação radical da realidade, foi colocada em xeque. Ela voltou à baila primeiro pelas mãos do presidente venezuelano, Hugo Chávez, que desde sua chegada ao poder, em 1998, alardeia comandar uma revolução em seu país. Mais recentemente, as mobilizações populares nos países árabes chegaram a ser chamadas de revolução. Independente da exatidão ou não na utilização do termo, o certo é que ele saiu do limbo a que foi relegado há duas décadas.
O que é uma revolução? As definições sobre uma mudança de tal natureza foram sintetizadas por Caio Prado Júnior (1907-1990):
Revolução, em seu sentido real e profundo, significa o processo histórico assinalado por reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas que, concentradas em período histórico relativamente curto, vão dar em transformações estruturais da sociedade, e em especial das relações econômicas e do equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais. [1]
Fernando Claudín (1915-1990), histórico dirigente comunista espanhol, destaca um traço fundamental nas revoluções:
Toda revolução social, tanto socialista como burguesa, compreende como momento necessário a revolução política, a passagem do poder a uma nova classe.[2]
O debate sobre processos revolucionários pode levar à discussão de outro conceito banido da agenda política: o projeto socialista. Se, como dizia Marx, o socialismo representará o desenvolvimento máximo das forças produtivas, com a disseminação do bem-estar e da qualidade de vida, há que se superar o desenvolvimento capitalista, mudando sua qualidade, guardando algumas de suas características, mas negando outras, essenciais, para a construção de uma nova síntese que pode ser genericamente chamada de desenvolvimento socialista.
A esquerda e o desenvolvimentismo
Embora o desenvolvimento econômico sob o capitalismo seja um projeto essencialmente burguês, é preciso levar em conta algumas de suas características. No caso brasileiro recente, o aumento da massa salarial, a expansão dos níveis de emprego e a disseminação do crédito acabam por atrair largos setores dos trabalhadores para o pacto dominante. A melhoria imediata dos padrões de vida, como acontece atualmente em vários países da América Latina, após duas décadas de estagnação, consolidou a idéia que o desenvolvimento é igualmente bom para todos.
Celso Furtado (1920-2004), o mais radical e talentoso reformista burguês do Brasil, diferenciava desenvolvimento de crescimento. Para ele, "O crescimento econômico, tal qual o conhecemos, vem se fundando na preservação dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor de recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da população. Mas quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento" [3].
Ou seja, trata-se de um processo de transformação social. Essa transformação será tão mais profunda quanto mais a esquerda socialista souber empreender uma luta política para fazer aliados e formular programas na luta por um desenvolvimento distributivista, democrático e ecologicamente sustentável, que aponte para o socialismo. Não se coloca aqui em dúvida que a transformação almejada será socialista. Discute-se a tática a ser empreendida. Ela depende dos rumos a serem traçados, mas sobretudo da luta e das condições política concretas.
Para definir os atores sociais de uma empreitada dessa envergadura, é preciso apontar o que se quer e onde se deseja chegar. A estratégia de transformação conformará a frente de interesses e de interessados, deixando claro quais os beneficiados e quais os prejudicados com o processo.
O tal do reboquismo
Ao mesmo tempo, a esquerda não pode permanecer como caudatária do desenvolvimentismo burguês. Isso aconteceu de forma clara depois da divulgação da Declaração de Março de 1958, do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A íntegra do texto pode ser lida aqui.
Vale a pena estudar aquele documento. Ele é contraditório, mas extremamente interessante. O texto tem o mérito de produzir um giro na atuação partidária, que havia adotado concepções ultraesquerdistas, estreitas e sectárias após a publicação dos manifestos de janeiro de 1948, de agosto de 1950 e das resoluções do IV Congresso, de 1954. Todos representam reações à colocação do partido na ilegalidade, em 1947. O resultado foi o isolamento do PCB das forças nacionalistas e progressistas.
Após o texto de 1958, a agremiação adotou uma linha de participação no movimento nacionalista, assumiu a luta democrática como bandeira e possibilitou a ela tocar as questões concretas do dia a dia. Houve uma busca pela concretização de alianças, sem exigências irreais, dogmáticas e apriorísticas de hegemonia, como acontecia no período anterior.
No entanto, a Declaração de Março tem como questão principal um grave erro estratégico, fruto de uma análise precária da composição de classes da sociedade brasileira. O texto atribui à "burguesia nacional" um papel progressista. A dada altura, a Declaração diz o seguinte:
O proletariado e a burguesia se aliam em torno do objetivo comum de lutar por um desenvolvimento independente e progressista contra o imperialismo norte-americano.
O resultado concreto foi que o Partido acabou por se colocar a reboque da "burguesia nacional" e de sua concepção política e econômica central, o nacional-desenvolvimentismo. A maior parte dessa burguesia aliou-se ao imperialismo no golpe de 1964, isolou e combateu os comunistas e a esquerda em geral.
O período nacional-desenvolvimentista não foi uniforme e suas características intrínsecas conheceram várias nuances. Obteve-se, através dessas orientações, um modelo de modernização acelerado, que não tocava nas estruturas arcaicas de concentração da renda e da propriedade.
Provocou um dos maiores deslocamentos humanos da história contemporânea, através das migrações internas do campo para a cidade, com vantagens e problemas daí advindos.
O desenvolvimentismo dos anos 1950 entrou em crise, no final daquela década, por conta da maciça e crescente necessidade de importação de bens de produção, o que passou a causar desequilíbrios estruturais no balanço de pagamentos. Some-se a isso, uma contradição inerente ao desenvolvimento, a formação de uma numerosa e disciplinada classe operária, que passou a reivindicar uma repartição maior das riquezas por ela produzida, colocando-se na prática contra um dos pilares do modelo, a superexploração do trabalho.
As raízes do golpe de 1964 estavam principalmente em impedir que as classes sociais emergentes na cena política a partir de 1930 – especialmente o operariado, os trabalhadores rurais e setores das camadas médias – exigissem democratização da propriedade, da renda e do poder político. Para seguir atraindo o capital externo, o país teria de domesticar as reivindicações trabalhistas e criar um ambiente politicamente estável.
O golpe de 1964 é a maior expressão histórica do equívoco de se submeter o movimento popular a uma diretriz própria da burguesia. O exame criterioso desse exemplo deve nortear as ações táticas e estratégicas da esquerda brasileira.
As vertentes da retomada
Após duas décadas de defensiva das camadas populares, a sociedade brasileira viveu novamente, a partir dos anos 1980, um intenso período de disputas, no bojo das lutas políticas pelo fim da ditadura. O debate tinha como pano de fundo a ofensiva do movimento popular.
A percepção de que o modelo anterior entrara em crise, gerando um acentuado desgaste político do regime suscitou um grande debate nacional. Ele combinava reivindicações democráticas com definições de rumos na economia. Havia três vertentes e várias nuances no tabuleiro.
A primeira delas, liderada pelo grande capital, clamava por uma política de desestatização, identificando o propalado gigantismo do Estado como matriz da dinâmica recessiva e inflacionária que o país viveu a partir de 1982. A saída seria uma redução do papel do Estado, para liberar energias produtivas da iniciativa privada.
A segunda era vocalizada por setores da burguesia – cuja tradução política se dava através da maioria do PMDB – e por uma parte do movimento social, especialmente pelos setores nos quais o PCB tinha forte presença. Exigiam uma redefinição do papel do Estado, que deveria retomar suas características de planejador e impulsionador do desenvolvimento.
E a terceira vertente – formada pelas lideranças do chamado "novo sindicalismo", por egressos da luta armada dos anos 1960-70 e por facções progressistas da Igreja Católica – advogava, de maneira rudimentar, uma ruptura com o capitalismo, sem mediações com a burguesia brasileira. Eram os setores que convergiriam para a formação do Partido dos Trabalhadores. A agremiação nasceu e cresceu criticando a política de alianças de classe do PCB.
Ao longo dos anos, a segunda e a terceira vertente tiveram grande convergência. Ou seja, o PT paulatinamente passou a adotar a aliança de classes que renegara no passado. E ao conquistar o poder de Estado, aconteceu o que o economista Paul Singer notou em entrevista recente: A "aliança com sistema financeiro e latifúndio deu ao PT tranqüilidade para governar".
Concretizou-se assim o pacto de desenvolvimento mencionado no início. Uma conformação política dessa natureza não é feita para se lutar pelo socialismo e muito menos para mudar estruturalmente a sociedade. É neste cenário que o grande capital, o agronegócio exportador e as velhas oligarquias seguem dominando, em aliança com parcelas expressivas do movimento popular.
Colocar na agenda
É também neste cenário que a esquerda socialista precisa alcançar legitimidade para colocar na agenda política a alternativa de uma transformação social radical. Dois erros devem ser evitados:
A) Ficar a reboque do desenvolvimentismo. Os setores que o compõem são aliados em uma luta comum até determinado ponto: romper com alguns constrangimentos impostos pelo capital financeiro, o que não é pouca coisa;
B) O segundo equívoco é o oposto. Seria incorrer num doutrinarismo estéril, sem disputar a base social do pacto dominante, que envolve setores com várias contradições entre si. Seria ao mesmo tempo incorreto eleger o desenvolvimentismo como obstáculo principal da luta pelo socialismo
No plano concreto, um programa tático poderia envolver, entre outros, os seguintes pontos:
A) Uma política monetária e uma política fiscal expansiva, que se traduza na quebra da dominação neoliberal. Concretamente isso se traduz em juros baixos, fim do superávit primário e na adoção de controle de capitais;
B) No âmbito do trabalho, redução de jornada, aumento de direitos e do trabalho formal;
C) Maior controle do sistema financeiro e reestatização das empresas privatizadas nos últimos 20 anos;
D) Aumento do investimento estatal nos serviços públicos
E) Auditoria da dívida pública;
F) Democratização das comunicações;
G) Reforma agrária;
H) Direitos iguais para homens, mulheres, negros e minorias;
I) Uma política de desenvolvimento ecologicamente sustentável.
A partir desses pontos – que contam com a concordância de amplas parcelas do campo popular, algumas hegemonizadas pelo pacto dominante – é que se pode avançar no plano concreto para a construção de uma estratégia socialista com força social.
A luta pelo socialismo é um projeto coletivo e não-linear. Depende das injunções históricas, do ambiente interno ao país, das condições da economia mundial e de decisões na esfera política. Ela necessita da constituição de uma frente popular e democrática, a partir das organizações existentes na sociedade. Pressupõe a disputa das bases sociais do pacto dominante.
A luta pelo socialismo não interessa ao grande capital e nem àqueles que têm no terreno financeiro e na especulação a fonte principal de seus ganhos. Um projeto desse tipo, que passa por uma ruptura revolucionária, pressupõe a supremacia da política, com sociedade organizada, instituições democráticas e Estado e forte. E pela solidificação dos partidos de esquerda.
É algo a favor das maiorias e contra as minorias privilegiadas. Um projeto desse tipo só é possível em um embate antiimperial de envergadura e de integração regional soberana.
(*) Agradeço a sugestões feitas em versões anteriores deste texto por Antonio Augusto, Duarte Pereira, Paulo Kliass e Valter Pomar. Naturalmente, eles não têm responsabilidade alguma sobre as linhas que seguem.


NOTAS:
1. Prado Jr., Caio, A revolução brasileira, Editora Brasiliense, São Paulo, 1987, pág. 11
2. Claudín, Fernando. A crise do movimento comunista: vol. 1. São Paulo, Global, 1985. v.1. págs. 51-52
3. Furtado, Celso, Os desafios da nova geração, in Revista de Economia Política, Vol 24, nº 4 (96), Out-Dez – 2004, pág. 484


Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de "A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez".


Publicado na revista Margem Esquerda no. 17, Boitempo Editorial, 2011.