sábado, 20 de julho de 2013

Cabral e a Falência do Discurso Vazio, ou ‘Olha eu aqui de novo’

protesto_leblon_barricada


Por Sérgio Bruno Martins


No Rio de Janeiro, ao longo das últimas semanas, o curso das manifestações tomou um rumo singular. Nenhum governante de qualquer outra cidade ou estado brasileiro foi colocado sob fogo tão cerrado quanto o governador Sérgio Cabral Filho. ‘Fora Cabral’ e ‘vai cair’ são gritos que se tornaram onipresentes nos protestos da capital carioca e parecem ter renovado o fôlego dos manifestantes: marchas contra o governador já acontecem dia sim, dia não, e a mais recente – no dia 17 de julho, no Leblon – reuniu pelo menos duas mil pessoas. Concomitantemente, pelo menos duas linhas de argumento vem ponderando sobre a real eficácia desse ímpeto anticabralino, a saber: 1) que é pura e simples ingenuidade achar que Cabral pode cair por conta dos protestos; e 2) que sua queda será no fundo inócua (frente ao problema maior do peemedebismo) e pode inclusive revelar-se um tiro pela culatra (no caso de uma possível vitória do ex-governador Anthony Garotinho em 2014). Embora eu discorde de ambas, acredito que estas são ponderações absolutamente honestas, e que por isso merecem uma reflexão cuidadosa.

 molotovglobovandalosdanielramalhoterra

Meu desacordo com o primeiro ponto passa por uma questão de linguagem. Na raiz da atual onda de protestos, a meu ver, há um aspecto fundamental da atuação do Movimento Passe Livre: sua insistência quase que cega (não fosse profundamente lúcida) na demanda específica e concreta das tarifas. O efeito dessa insistência foi neutralizar o discurso vazio e a tergiversação, que seriam as respostas políticas padrão para esse tipo de situação, especialmente se considerarmos que as demandas do MPL saiam da boca de ‘garotos’. Não é por menos que as fotos da reunião destes garotos com a Dilma quase que exalava condescendência – algo como ‘pronto, olha que bonitinho, vocês estão falando com a presidente feito gente grande’. Pois eles não só estavam conscientes dessa percepção como souberam revertê-la, causando assim um desconcerto ainda mais agudo. Daí terem saído da reunião sem titubear, invertendo a acusação de infantilidade: ‘a presidente não estava preparada para discutir propostas concretas.’ Da mesma forma, a atitude aparentemente infantil de outro grito frequente nas passeatas contra Cabral – ‘olha eu aqui de novo’ – é na verdade uma expressão de pura insistência diante da surdez do governo e da truculência da polícia. O que pode soar como um ludismo inconsequente é na verdade um sinal de compreensão profunda (e coletiva) do que está em jogo, e também uma estratégia perfeita: entrar em diálogo com o discurso vazio, isso sim, seria cair numa armadilha de linguagem. Mais eficaz é desarmá-lo formalmente através de uma insistência cega, que de tola só tem a aparência. O discurso vazio não tem respostas, ele é só repetição. Ele se alimenta de ser levado a sério, sem o que sua repetição se desgasta.

 18jul2013---fachadas-de-lojas-e-bancos-da-avenida-ataulfo-de-paiva-no-leblon

A prova disso é que Cabral já não consegue mais sustentar seus enunciados pela via da impessoalidade da autoridade pública e democrática, ou melhor, na expectativa de sentido que se costuma a ter em relação ao que vem desse lugar – essa expectativa já desapareceu por completo, desgastada pela repetição de chavões que só revelam a incapacidade do governo de dar qualquer mínima consistência às suas respostas. Isso o obriga a se escorar na tese do complô e do bode expiatório (as manifestações seriam orquestradas por Garotinho), que nada mais são do que figuras de compensação pela perda da autoridade discursiva. No jargão lacaniano, seria como dizer que transpareceu aí a inconsistência do grande Outro, levando o governador a tentar substituí-lo por avatares débeis – o ‘medo Garotinho’ é invocado, nesse sentido, justamente como um bode expiatório que possa servir de apoio, como algo contra o qual a fala do governador ainda pode pretender se colocar e se escorar. Portanto, acreditar prontamente na ameaça Garotinho é, antes de mais nada, cair no blefe desesperado do próprio Cabral.

 barricada

É claro que nada disso impede que Garotinho seja realmente eleito em 2014. Mas aí vale lembrar outra tese lacaniana: mesmo que a mulher esteja efetivamente traindo o marido, como este desconfia, isso não torna seu ciúme menos patológico. Ou seja: mesmo que aconteça o pior e o Garotinho seja eleito governador – o que, de toda forma, está muito longe de ser uma certeza – isso não vai justificar retroativamente o medo dele hoje; pelo menos não quando o assunto é tentar levar às últimas consequências a investida contra o atual governo.

 1000766_10200756820977145_42989415_n

E quanto a Cabral e o PMDB? Antes de mais nada, ingênuo seria acreditar que o peemedebismo vai cair de maduro, sem algum evento simbólico potencialmente capaz de desencadear seu desarranjo. Nesse sentido, Cabral pode muito bem se mostrar, pelo menos em alguma medida, o telhado de vidro trincado do peemedebismo (ressalto que digo isso sem nenhuma intenção de idealizar o PT). É por isso também que não vejo a crítica contra Cabral na chave simplesmente da crítica pessoal a um político. Quer ele tenha ou não essa centralidade, as manifestações o constroem simbolicamente não como um desvio para longe do que realmente importa, mas, ao contrário, como um foco de convergência de tudo o que mais importa: violência da polícia militar, remoções, loteamento do interesse público, exclusão social sistemática, e por aí vai. Por fim, se a cabeça do Cabral rolar, quem sabe isso não significa que rolou a cabeça do boneco de ventríloquo do discurso vazio? Alguns talvez reclamem que não rolou a do próprio ventríloquo. Mas isso é perder de vista o que realmente importa: que existem muitos bonecos por aí, mas que o ventríloquo, na verdade, não existe.

 17jul2013---manifestante-e-detido-pela-policia-durante-protesto-proximo-a-residencia-do-governador-do-rio-de-janeiro-sergio-cabral-pmdb-na-noite-desta-terca-feira-17-1374160349049_956x500



sexta-feira, 19 de julho de 2013

Vândalos, baderneiros e arruaceiros, só os brasileiros. Por que?


A Revolta Carioca

 Por Pablo Martins


Por que só os manifestantes do Rio de Janeiro ou do Brasil são vândalos, baderneiros ou arruaceiros? Na Turquia, Grécia, Espanha, Portugal, Tunísia ou Egito eles eram diferentes? Na França ouve destruição de carros, depredações, saques ao comércio e distúrbios urbanos e não ouvi e nem li em nenhuma reportagem se quer a palavra vandalismo. Na Argentina a pouco tempo aconteceram diversos saques coordenados pela oposição à Presidenta Cristina Kirchner e a nossa mídia em nenhum momento classificou o ato como baderna. Muitos brasileiros vendo o que acontecia nesses países gritavam em bom som, que nosso povo era acomodado, que era isso que tinha quer ser feito e que nos países "civilizados" era tudo diferente. Agora que temos bons motivos para revolta e classificam essa revolta como baderna, arruaça e VANDALISMO, fica-se repetindo o discurso da mídia colonial como papagaios e sem entender realmente o que se passa nas ruas.

O Estadão classificou que na França em 2010 os protestos foram "violentos":

Estudantes viram carros e confrontam a polícia

http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,franca-volta-a-registrar-protestos-violentos-contra-reforma-da-previdencia,627788,0.htm

O UOL não falou diferente sobre a Argentina, após a onda de saques:

Os "mascarados" argentinos após mais um saque

http://noticias.terra.com.br/mundo/america-latina/com-medo-de-novos-saques-lojistas-fecham-as-portas-na-argentina,89ca07c1b7fbb310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html

O Globo Online não cita a palavra vandalismo em nenhum momento nos distúrbios gregos:

Louisa Gouliamaki/AFP
Manifestantes gregos enfrentam a polícia

http://oglobo.globo.com/economia/grecia-enfrenta-dia-de-protestos-violentos-3937813

 
O Estadão em nenhum momento chama de arruaceiros os que enfrentaram a polícia na Espanha:

Repressão aqui como lá, na Espanha

http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,espanha-manifestantes-entram-em-conflito-com-a-policia,1054918,0.htm


A Veja adora os manifestantes turcos, já os brasileiros...

Manifestantes entram em confronto com a polícia durante uma manifestação na praça Kizilay, no centro de Ancara, Istambul
Enfretamento na Turquia

http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/novos-protestos-antigovernamentais-deixam-17-feridos-na-turquia


 A Folha tratou os tunisianos como heróis. Nós, baderneiros:

tunisia protestos
Manifestantes na Tunísia


http://www1.folha.uol.com.br/mundo/860476-milhares-vaos-as-ruas-na-tunisia-protestar-por-queda-de-ditador.shtml


A minha humilde conclusão é que os meios de comunicação do Brasil reforçam demais o nosso complexo de vira-lata e não querem que nós lutemos por nossos direitos. E que vândalos, baderneiros e arruaceiros são só os brasileiros. Nos demais países, principalmente os europeus "civilizados", são manifestantes lutando por seus direitos. E o nosso querido Governador do Rio discursa dizendo que há influência internacional nos protestos do Rio. Mas isso é óbvio, é a GLOBALIZAÇÃO das manifestações. Ou a globalização somente serve para o capital?

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Outra Copa-2014 é possível!

 130717-AnaMoser

Ana Moser, Raí, Hortência, Cafu e outros esportistas lançam movimento para que megaeventos multipliquem direitos sociais, ao invés de limitá-los

Por Ciro Barros, na APública

Ela jogou três Olimpíadas, Seul (1988), Barcelona (1992) e Atlanta (1996), quando a seleção brasileira de vôlei conquistou sua primeira medalha (de bronze), venceu dois Grand Prix de Vôlei (em 1994 e 1996) e entrou para o seleto grupo do Hall da Fama do Vôlei dez anos depois de deixar de ser atleta profissional. Fora das quadras, não deixou de se dedicar ao esporte, mas com outro foco. Em vez de conquistar medalhas ela luta para que o esporte seja um direito da população. E quer que seja essa a prioridade do Brasil que se prepara para receber as Olimpíadas de 2016.

“O esporte para todos” é o bordão da presidente da associação Atletas pela Cidadania, fundada por ela e outros nomes de peso do esporte nacional como Raí, Joaquim Cruz, Cafú, Dunga, Edmilson, Fernanda Keller, Fernando Scherer (Xuxa), Hortência e o seu colega de vôlei Giovane.

O objetivo é universalizar a prática do esporte nas escolas e incrementar sua prática entre os brasileiros em geral através da criação de um Sistema Nacional de Esporte, com estrutura legal, recursos adequados e transparência. Em vez de passivos espectadores de um megaevento que por enquanto tem trazido mais prejuízo do que benefício à população, Ana e seus colegas querem contribuir para que a realização das Olimpíadas deixe um “legado positivo” para a prática do esporte no Brasil.

Esse é o foco do manifesto “Atletas pelo Brasil” que a associação lança hoje  (leia aqui) para chamar a atenção para a necessidade de criar uma política pública para a prática do esporte e apresentar três propostas concretas: a instituição de um comitê interministerial para reestruturar a legislação do sistema esportivo nacional e a criação de um Plano Nacional de Esporte; a aprovação de  legislação sobre as condições necessárias para as entidades do Sistema Nacional de Esporte receberem recursos públicos (emenda nº à MP 612 e emenda nº à MP 615); e a total transparência dos investimentos e das apurações referentes às denúncias de violações de direitos humanos nos grandes eventos esportivos.

Em entrevista à Pública, Ana explica em primeira mão o que pretendem os atletas com essas propostas e por que elas podem mudar a realidade do esporte no país. Leia a seguir:

Como foi o seu acesso ao esporte?

Eu sou de Blumenau, Santa Catarina. Ali a colonização alemã e italiana é muito forte. E o esporte é cultural; na Europa, faz parte do dia a dia das famílias, das cidades. Então eu comecei antes de ter esporte na escola, num clube, aos sete anos, depois na escola, estudei em colégio particular. Então, quer dizer, eu não sou o padrão. E, para mim, sempre foi esporte pelo esporte, pelas coisas boas que ele traz. Fui virar atleta depois de adolescente, com 17 anos. Até lá o esporte na minha vida era cultural. E essa visão que eu trago nas atuações que eu tenho.

Uma das bandeiras que a ONG Atletas pela Cidadania defende é o esporte acessível a todos os brasileiros. Quão distantes estamos desse cenário?

Na real, esporte de pobre e esporte de rico não tem. Todos são carentes nesse sentido. Rico e pobre. Carentes por bons lugares, aptos para a prática esportiva. Nos Estados Unidos, por exemplo, você tem as associações de bairro em que se começa a praticar o esporte até que na escola vira uma coisa mais séria. Mas a raiz é comunitária. E aqui nós não temos isso. Então eu vejo que todos os setores têm carência, e dizer o quão longe a gente está é uma suposição, porque os dados mesmo a gente não tem. Tem algumas pesquisas, mas insuficientes. Eu imagino que estejamos num patamar de 20 a 30% da população que pratica esportes, pessoas realmente ativas.

Publicamente você não se manifestou contra a vinda dos Jogos Olímpicos, mas você me disse que você é contrária. Por que?

Acho que não faz sentido. A grande chance na estrutura que estava naquele momento, e acho até que já involuímos de lá para cá, era de direcionar investimentos no esporte para todos, o esporte que não envolve medalhas. Eu tenho até um amigo que é empresário e que investe em esporte, que tem a mesma visão. As Olimpíadas trouxeram o foco no esporte de rendimento, então nós nos estruturamos errado. Há um foco em esporte nesse momento, há muitos investimentos, mas não se consegue investir no esporte para todos. E tem boas ações nesse sentido, no governo, na sociedade civil. Mas na época eu tinha uma visão mais conservadora. Eu achava que se ocorressem os grandes eventos iria se concentrar os investimentos em esporte, tanto na questão da infraestrutura e preparação da equipe olímpica. Mas eu vi que se se investir só nisso, você não tem impacto embaixo. Por dois anos eu vi isso acontecer no Instituto Esporte e Educação (outra ONG presidida por ela): caiu em 70% a captação de recursos privados para projetos de esportes para todos, para todos os projetos esportivos que não envolvem medalhas. O Ministério do Esporte está construindo ginásios, estádios, cuidando de aeroporto, de orçamento, e daqui a pouco vai cuidar do Parque Olimpíco, botando recurso direto nas confederações e no COB. Mas, por outro lado, se trouxe o esporte para o centro do interesse nacional. E nós estamos agora querendo juntar forças para lutar por um outro lado: investe em cima, mas estrutura embaixo para tornar sustentável e transformar em legado. Se não, fica aquele negócio: o que que eu ganho com isso?

Você é uma ex-atleta que está militando pelo esporte para todos em nível nacional. Falta mais posicionamento dos atletas e ex-atletas que tenham algum prestígio em questões relacionadas à gestão política do esporte?

A gente até criou a ONG Atletas por isso também, para criar entre os atletas essa cultura de participação. Mas em relação a atletas em atividade é complicado. Eu tinha assinado na CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) um código de ética que dizia que eu não poderia falar contra a CBV. Se eu falasse na imprensa alguma coisa eu pagava uma multa. Então é complicado. A gente está caminhando, mas o sistema é ainda muito conservador.

E por que vocês estão lançando esse manifesto agora, que destaca entre outras coisas, as violações de direitos humanos nos megaeventos?

A gente está na rua há uns cinco anos, mais focados nos bastidores, em movimentação interna no esporte, com menos campanhas para fora. É um movimento grande, e estamos sós nesse sentido, ainda ganhando forças. E agora a gente criou uma maturidade, uma condição de irmos para fora com mais força, e quer dar mais visibilidade às denúncias, primeiramente, para mitigar essa situação. Todo mundo sabe que foi feita muita coisa – e muito rápido – na preparação para os grandes eventos esportivos. E tudo muito escondido, em momentos de trocas de gestão, sem que houvesse contrapartidas. Por exemplo, você não tem como fazer um evento para atrair visitantes e deixar que os nossos saiam de suas casas! Seja na condição que for, invasão, “não-invasão”, com cinco ou 40 anos de existência, comunidades foram destruídas. Então somos solidários e queremos ajudar primeiro com a divulgação [das denúncias], para dar mais voz às pessoas que estão nessa situação. E também nos somamos para exigir transparência nos gastos públicos. Tem estudos da FGV que falam em retorno desses investimentos na ordem de R$ 147 bilhões. Queremos nos somar para promover um debate qualificado sobre isso também. Se trará lucro, como vamos distribuí-lo? Se não trará esse lucro todo, como se potencializa esses eventos? Acho que a gente tem que encarar isso com responsabilidade. E enquanto ONG queremos propor discussões como essa.

Outra bandeira que vocês levantam é a revisão do Sistema Esportivo Nacional…

Na verdade a construção, porque o sistema nem existe… O esporte de elite e especificamente o futebol é bem estruturado. Mas as outras dimensões não estão. Não existem serviços públicos de esporte a longo prazo. Então o que as Prefeituras investem em termos de esporte atualmente? Ok, tem as escolas, a educação física, teoricamente. Mas depende ali do orçamento em Educação e do que a gestão municipal queira fazer. E o resto da população? Como ela é atendida em esporte? Não existe uma regra para isso, não existe orçamento para isso. As Prefeituras, as Secretarias de Esporte tem 0,5% do orçamento total! Então não existe. A gente teve programas, o Segundo Tempo, o Mais Educação, em que alguns municípios investiram em mobilidade, pistas de corrida, ciclofaixas, ciclovias, parques, e outros não. Ou uma gestão faz e outras não. Não existe nada estruturante no esporte. Por exemplo, quais as funções da Federação? Do Estado? Do município? Então queremos essa estrutura para guiar os investimentos em esporte.

Quem formaria o Comitê Interministerial, proposto por vocês, e como ele atuaria na disseminação da prática esportiva?

O Comitê seria formado pelos ministérios da Saúde, da Educação e, claro, do Esporte. A questão é como você coloca a questão da disseminação da prática esportiva para todos, mas com uma abordagem em outras áreas de influência. Não é que não tenha nada, existem alguns projetos. Por exemplo, existe o projeto Mais Educação, uma estratégia do Ministério do Esporte junto com o programa de Educação, que injeta dinheiro direto nas escolas, e tem lá no cardápio de opções o esporte, uma meta para se investir em uma política de escola integral, e se pretende também incluir pautas ligadas ao esporte, como a ampliação e a qualificação do esporte para toda a rede pública de ensino. Há então uma combinação de recursos e de estratégias, entre o Ministério do Esporte e o Ministério da Educação, para ver como é possível viabilizar isto, mas há dificuldades em adequar uma política e uma visão para guiar essa estratégia. O Ministério do Esporte, por exemplo, acha que só professor de educação física pode realizar atividades no Mais Educação. Mas o Ministério da Educação, que é quem tem a escola, não tem professores lá na ponta, aí entra toda uma rede comunitária, com professores de capoeira, tudo mais, para suprir essa demanda. Mas  com a Educação já tem uma entrada. Com relação ao [ministério] da Saúde, pensamos em um programa de como usar o esporte na prevenção de doenças coronárias, respiratórias, diabetes…A saúde tem programas, o esporte tem programas, mas como é que se potencializa isso em termos de recurso e como se potencializa isso em termos de se criar uma linha de atuação? E também pensamos em uma participação da sociedade, que teria voz e voto nesse comitê. Porque a sociedade já desenvolve programas e metodologias na ponta, em menor escala, e o poder público tem que dar a escala.

E como a sociedade participaria desse comitê?

Isso já existe em outras áreas, na questão da Lei do Aprendiz, por exemplo. Ela também é interministerial: tem o Ministério da Educação, a sociedade civil, as delegacias regionais do trabalho… enfim, tudo que diz respeito ao setor representado. Então os agentes do esporte, o COB, as confederações, a rede de ONGs, as universidades, os conselhos regionais, cicloativistas, enfim, todos aqueles que fazem o esporte acontecer teriam lugar em sua composição. Pretendemos a criação de um projeto de lei para regulamentar e disseminar a organização e a participação de conselhos municipais, estaduais e nacional de esportes, como existe em outras áreas. E também queremos criar um fundo para fazer levantamento de dados, porque não temos praticamente nada e é a primeira coisa necessária para criar políticas públicas. Na área da educação, por exemplo, você tem uma base de dados suficiente para orientar políticas, o Plano Nacional de Educação, na área da saúde também tem. Então é essa mesma evolução que o esporte pode ter e isso que a gente quer dizer com reestruturar o Sistema Nacional de Esporte. Tudo começa com um posicionamento do governo de enfrentar seriamente e dar prioridade a essa estruturação. Enxergar isso como legado dos grandes eventos, e entregar para a sociedade como um legado que vai ficar além de 2016.

E como se faria para criar essa base de dados? Quais atores poderiam ajudar nesse processo?

Tem muita gente mexendo com isso, desde a Unicef a ONGs. A gente está criando com o UniEthos uma série de indicadores de monitoramento do esporte nas cidades-sede da Copa do Mundo, que é um programa do Atletas junto com o Instituto para a Educação. Temos muito poucos dados atualmente, dados de educação física no esporte que são sobre as escolas brasileiras da rede pública, com número de quadras abertas ou cobertas, número de professores contratados, mas não se sabe nem se eles estão dando aulas ou estão na parte administrativa, para quantos alunos eles estão dando aula, quantas horas de esporte os alunos praticam por semana, os programas complementares às escolas. Olha que dilema: no Ensino Fundamental I, que é do primeiro ao quinto ano, não tem professor especialista em educação física. Então, teoricamente, tem educação física na grade, mas quem é que dá essas aulas? O professor de sala. Mas qual é a preparação ele tem para dar essas aulas? Qual conhecimento? Qual linha ele segue? Qual política? Enfim, o que ele faz? Ele é atleta amador, ou foi? Como ele dá as aulas? Só roda uma bola? Então essas aulas de educação física não existem na prática, mas ninguém fala disso porque não é um dado que aparece. E isso no Brasil inteiro, não é só no interiorzão, sertão, não. As capitais do nordeste, por exemplo. Em Minas também, você sai de Belo Horizonte, você não acha um professor de educação física.

Vocês também falam também em limitar mandatos de dirigentes esportivos, né?

Essa é uma emenda que a gente propôs à MP 612, uma questão importante na moralização, na gestão do esporte. Porque também é recurso público, também representa a nossa bandeira,  então é um caminho de avanço que queremos para o nosso esporte. Também propusemos uma adequação na MP 615, que é uma adequação da Lei Pelé. As confederações, as federações e o COB têm direito a recurso público na medida em que tomarem algumas medidas, como a participação de atletas na gestão, fiscalização e eleição de dirigentes, a de estabelecer dois mandatos de quatro anos no máximo, de ter prestação de contas, transparência.

Sobre a atual gestão da Confederação de Vôlei, como você avalia?

É um modelo econômico que funciona, tem planejamento a longo prazo. A dimensão que vejo do esporte de rendimento é com as outras dimensões do esporte, o esporte na escola, iniciação esportiva. Por exemplo, existe a Lei Piva, que é um percentual das loterias esportivas, que vai para o COB e ele distribui por critérios próprios para as confederações. O quanto desse recurso é investido nas federações dos estados ou no desenvolvimento do esporte nos estados? No vôlei, você tem um modelo de seleção brasileira, no topo de categoria, com centro de treinamento, e uma Superliga. E agora uma Liga B, mas nos Estados é fraco. Então você tem na verdade uma máquina de renovação [de jogadores] de dez, doze clubes espalhados aí pelo Brasil, mas as federações não agem para disseminar a prática do vôlei na sociedade. Não tem volume, escala da prática esportiva. Quantas crianças praticam o esporte? Quantas crianças de 10 a 16 anos participam de campeonatos regionais? Essa é a questão. Queremos um esporte presente em todos os níveis para as pessoas, para ter uma população ativa. O que é o futebol de várzea, por exemplo? Existe em tudo que é lugar, em todos os níveis, e tem outros esportes também. Mas e o investimento nessas áreas, nesses modelos de praticar o esporte? São debates que estão na rua há muito tempo. É isso que está posto: vão passar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, mas fica o que para o país? É isso que estamos questionando.

O que você espera para para o próximo ciclo olímpico, após as Olimpíadas de 2016? Quais pautas a ONG propõe para haver uma preparação melhor?

A gente propõe um caminho que começa agora e termina em 2022 de ter todas as crianças em todas as escolas do Brasil com educação física e atividade esportiva, dobrar a prática de esporte na população e construir esse Sistema Nacional de Esportes de maneira que ele garanta uma estrutura legal e de recursos para que o esporte aconteça nas várias condições. Quanto mais o Brasil avançar na disseminação da prática de esportes e na disseminação da cultura ativa, mais a população em geral vai ganhar em qualidade de vida.



quarta-feira, 17 de julho de 2013

Imprensa burguesa depreda a verdade e incita a repressão

O monopólio dos meios de comunicação que opera no Brasil aplaude polícia e pacifistas e tenta domesticar os protestos, tapando o sol da rebelião com a peneira da reação, mas não sem encher a boca para falar de "democracia", aquela do tipo que perpetua a opressão do povo brasileiro.

 

http://www.anovademocracia.com.br/113/05.jpg
Manifestantes protestam em frente a Rede Globo, no Rio de Janeiro, no dia 03 de julho de 2013

Por Hugo R. C. Souza


Em junho o Brasil se levantou em justa, massiva e combativa revolta contra o velho Estado semicolonial, semifeudal, autoritário, e tudo o que compõe esta "democracia" de fachada, de industriais e latifundiários.

Neste contexto de gigantescas e retumbantes marchas populares e de protestos radicalizados como há muito não se via no país, a imprensa burguesa vem cumprindo o papel político que lhe cabe quando o povo se insurge de maneira retumbante contra esta ordem moribunda. E este papel não é outro senão o da difamação das lutas populares e do açulamento da violência contra o povo rebelde, em luta contra seus opressores.

Quando os primeiros protestos mais avolumados e combativos contra o aumento dos preços das passagens de ônibus começaram a estourar, em Goiânia, Natal, Rio de Janeiro, São Paulo, nos dias seis e sete de junho, com a juventude enfrentando com violência a violência das forças policiais, usando paus, pedras e barricadas em chamas para se defender da feroz repressão, o monopólio da imprensa, tendo a Rede Globo como o cabeça de sempre, apressou-se em exercitar todo o seu repertório.

A 'democracia' das bombas de 'efeito moral'

 

Globo e companhia colocaram em prática o roteiro reacionário de sempre que prevê:
  • Contrapropaganda do elogio da "iniciativa privada" como detentora do "direito divino" de oferecer os serviços públicos. Isso sem considerar a absoluta contradição entre o direito do povo, no caso, o transporte público barato e de qualidade e o imperativo das companhias que exploram o setor de multiplicarem seus lucros às custas da qualidade e da exploração cada vez maior dos seus funcionários (como a determinação de que o motorista deve acumular a função de cobrador) e na base dos aumentos das tarifas. 
  • Tentativas de desqualificação das justas reivindicações do povo. No caso das tarifas dos transportes públicos, martelando que os aumentos das passagens estavam "previstos em contrato" e que os reajustes seriam feitos "abaixo da inflação", como se contratos não pudessem ser questionados e até rasgados quando cotejados com a realidade que não os sustenta ou quando assim exige a autoridade das ruas.
  • Dobradinha com as "autoridades" nas tentativas de criminalização das formas de luta do povo (até por volta do dia 15 de junho, tampouco a "passeata pacífica" era tolerada), abrindo espaço para os gerentes de turno acossados pelos protestos invocarem a lei e a ordem. Arrotam democracia para explicar a repressão e para tentar abafar o grito das multidões com a amplificação, via TV e nas páginas dos jornais, de tergiversações e ataques verbais. Exemplo disso foi quando, em 14 de junho, quando já haviam se realizado cinco grandes protestos em São Paulo e a PM paulista já havia prendido 232 manifestantes, o "governador" de São Paulo, Geraldo Alckimin, foi ao monopólio da imprensa para tentar minimizar os protestos, dizendo se tratarem de "um movimento político" (no sentido de ter algum partido eleitoreiro por trás das manifestações) e para defender a violência com que a polícia paulista reprimiu uma manifestação no dia anterior, sem que fosse questionado acerca disso por um só veículo.
  • Foco exacerbado e dramatização da violência empregada pelos manifestantes contra a polícia, noticiando a autodefesa da juventude combatente como ataques criminosos de "vândalos" e "baderneiros", e deixando em segundo plano ou mesmo escamoteando a brutalidade da própria repressão policial aos protestos, não obstante a abundância de imagens e relatos atestando a ferocidade das hordas fardadas a serviço do Estado e das empresas, como as de ônibus.

 

Só faltou pedir sangue. Faltou?

O papel político do monopólio da imprensa no Brasil é o de desqualificar a juventude combativa, criminalizar a revolta popular e açular a reação violenta do Estado às mobilizações das massas trabalhadoras - sobretudo as mobilizações mais radicalizadas -, o de tentar esvaziar as ruas com os megafones da desinformação e, acima de tudo, preparar o terreno para outras marchas: as das tropas de choque das polícias militares da semicolônia Brasil.

Todos os órgãos mais proeminentes do monopólio clamaram abertamente por repressão, faltando apenas pedir expressamente o sangue dos manifestantes. Ecoaram as palavras de Alckmin e Haddad, que, de Paris, onde apresentavam a candidatura de São Paulo à Expo 2020, foram os primeiros a classificar os protestos e a resistência à violência policial em São Paulo como "vandalismo", e os primeiros a chamar os estudantes insubordinados de "baderneiros". Vale lembrar, tudo isso antes dos primeiros saques ao pequeno comércio, o que seria o mais próximo de algo que poderia ser classificado como tal, ainda que esse tipo de atitude nada tenha a ver com manifestação política.

Assim, o Jornal Nacional de 12 de junho já falava que "protesto contra aumento do transporte dá lugar ao vandalismo" para se referir à revolta dos manifestantes que tomaram o centro de São Paulo no dia anterior, no terceiro protesto contra o aumento das passagens, depois que a Polícia Militar de Alckmin levou a cabo violentas e autoritárias tentativas de dispersão. O JN festejou a ação violenta da polícia e a prisão de 20 jovens manifestantes enquadrados em acusações de crimes inafiançáveis, e ainda foi cobrar da Polícia Federal a investigação dos protestos "violentos" em São Paulo e no Rio de Janeiro.

No carro-chefe do "jornalismo" da Rede Globo, Haddad sofismou como um autêntico gerente militar para tentar desqualificar as manifestações, dizendo que "a liberdade de expressão está sendo garantida, mas as pessoas não estão fazendo uso adequado dessa liberdade de expressão".

Estadão: 'a PM agiu com moderação'

 

http://www.anovademocracia.com.br/113/06.jpg
Manifestantes protestam contra a TV Globo durante ato na final da Copa das Confederações, 30 de junho

No dia seguinte, 13 de junho, os dois maiores jornais da imprensa burguesa paulista, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo empolavam o discurso da lei e da ordem e se apressavam em requisitar que o Estado agisse "já" contra o povo nas ruas, dando a senha para o aumento da repressão policial aos protestos, que se avolumavam e já faziam tremer a espinha dos inimigos do povo, dos gerentes políticos às elites parasitárias, entre as quais estão os próprios donos dos jornalões.

Em editorial intitulado "Chegou a hora do basta", o "Estadão" afirmou que os protestos contra o aumento das passagens em São Paulo eram promovidos por "baderneiros", incitou a polícia contra os manifestantes, dizendo que, "daqui para a frente, ou as autoridades determinam que a polícia aja com maior rigor do que vem fazendo ou a capital paulista ficará entregue à desordem", cravou que a "A PM agiu com moderação" e festejou que o "governador" Geraldo Alckimin parecia disposto a "endurecer o jogo".

Já a Folha de S. Paulo exortava o Estado a "Retomar a Paulista", título do seu editorial do dia 13 de junho, no qual o jornal afirmava que esta "Avenida vital de São Paulo se tornou território preferido de protestos abusivos, que prejudicam milhões para chamar a atenção do público", expressando a postura da imprensa burguesa no momento imediatamente anterior ao agigantamento das manifestações em todo o território nacional, quando os jornais e emissoras do monopólio se viram obrigados a abandonar, momentaneamente, o seu discurso de que o povo não pode ocupar as vias públicas em protesto porque isso cercearia o "direito de ir e vir" das "pessoas de bem"...

Dizia ainda o editorial da Folha, transbordando ódio de classe:

"Os poucos manifestantes que parecem ter algo na cabeça além de capuzes justificam a violência como reação à suposta brutalidade da polícia, que acusam de reprimir o direito constitucional de manifestação. Demonstram, com isso, a ignorância de um preceito básico do convívio democrático: cabe ao poder público impor regras e limites ao exercício de direitos por grupos e pessoas quando há conflito entre prerrogativas."
E seguia:

"O direito de manifestação é sagrado, mas não está acima da liberdade de ir e vir - menos ainda quando o primeiro é reclamado por poucos milhares de manifestantes e a segunda é negada a milhões."

Mudança na cobertura?

Ficou marcada como peça reacionária exemplar desta "cobertura" a intervenção de Arnaldo Jabor no Jornal da Globo do dia 12 de junho. Jabor comparou os jovens que participavam de manifestações a integrantes da organização criminosa paulista PCC, dizendo que os manifestantes não valiam "nem 20 centavos", entre outras patifarias.

Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas das principais cidades do Brasil, mas também nas cidades pequenas e médias, sob o grito de que não era apenas por 20 centavos que as massas trabalhadoras, sempre com a juventude na linha de frente, levantavam-se para afirmar toda a sua autoridade. A partir de então, com a repercussão de casos de jornalistas alvejados por balas de borracha e a enxurrada de imagens da violência policial registradas pelo próprio povo, observou-se uma mudança de postura na cobertura da imprensa reacionária, mas não a ponto de contradizer suas características antipovo nem tampouco de maquiar a quem e a quê ela realmente serve. Ao contrário.

Assim, ao mesmo tempo que se viu obrigada a recuar nos elogios à repressão policial e nas requisições do "basta" aos protestos, diante do gigantismo das manifestações populares que se espalharam pelo país, os jornais e emissoras de TV da burguesia reforçaram o discurso legalista, esmerando-se na contrapropaganda de que manifestações legítimas eram só aquelas que se limitavam ao "exercício da cidadania" e às formas de "liberdade de expressão" previstas na Constituição Federal, em uma clara tentativa de subtrair à efervescência política que tomou conta do país a sua marca identificadora, que é a sua combatividade, tentando mesmo criminalizar tudo e todos que pudessem ser identificados pejorativamente como "radicais".

Além disso, os integrantes do monopólio dos meios de comunicação tentaram dirigir os protestos, tentando fazer crer que eram aceitáveis apenas as manifestações cujas pautas se balizassem por questões da esfera institucional, ou seja, reformistas, que remetessem à possibilidade de "melhoria" do Estado e "aprimoramento" desta "democracia" só de nome, como se o povo devesse reivindicar melhores condições para seguir sendo explorado e oprimido, e não lutar para fazer arrebentar os seus grilhões e para construir uma democracia de novo tipo.

E foi assim que se desencadeou uma das maiores e mais ferozes campanhas de contrainformação por parte da imprensa reacionária em toda a história desta semicolônia Brasil.

"Vândalos" e "baderneiros", ad infinitum...

Tentando minimizar esta ameaça,buscaram transformar a generalizada rebelião popular exatamente no seu avesso, ou seja, em manifestações politicamente estéreis, vazias das questões de classe.

E dá-lhe elogios às marchas "pacíficas", menções à PEC 37 (da qual o Congresso Nacional abriu mão com o maior prazer), e à pequena corrupção, que é a corrupção do gabinete parlamentar e do cartão corporativo, tudo para fazer fumaça à grande corrupção que constitui, baliza e sustenta a semicolônia Brasil, desde os primeiros acordos visando a próxima farsa eleitoral até as decisões políticas sobre o trabalho, o campo e as "políticas sociais", passando pelo passe-livre (este sim, com tarifa quase zero!) dado aos monopólios internacionais para fazerem o que bem entendem com nosso chão e com nossa gente.

E nesse momento eis que volta à cena o Arnaldo Jabor, pedindo desculpas por ter dito alguns dias antes que os manifestantes sequer valiam 20 centavos, mas bem à caráter para a tal "mudança na cobertura da imprensa", ou seja, tentando dizer ao povo como se comportar, afirmando que a energia do movimento deveria ser canalizada justamente para questões que passam ao largo das mais prementes questões de classe, citando justamente ecologia, corrupção, inflação e a "terrível ameaça da PEC 37"...

E foi também em meio a toda esta picaretagem "informativa" que aconteceu uma das patuscadas mais ilustrativas deste esforço desesperado da imprensa reacionária para apaziguar as ruas do país. O apresentador de TV José Luiz Datena, conhecidoo por seu "radicalismo" na defesa do Estado penal máximo, colocou ao vivo, em seu programa na Band, uma enquete perguntando se a audiência era favorável a protestos com "baderna", palavra que a imprensa burguesa adotou para (des)qualificar ações violentas contra o Estado. Pois os telespectadores não caíram na armadilha, e a grande maioria respondeu que "sim", ou seja, que protesto que é protesto tem que ser radicalizado, não obstante as gaguejadas do Datena e os estratagemas para tentar, sem sucesso, fazer com que o resultado da enquete seguisse o receituário da difamação aos manifestantes em luta por uma democracia de verdade.

Os verdadeiros vândalos

A reação feroz ao levante popular no Brasil se manifestou, sobretudo, nas repetições ad infinitum das palavras "vândalos" e "baderneiros" para classificar quem participa da resistência ativa aos ataques da repressão com ataques aos símbolos da opressão e da podridão generalizadas, caso de agências bancárias e prédios do Estado onde se delineiam as artimanhas desse fascismo maquiado, como a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e o prédio da prefeitura de São Paulo.

A reação alardeia em torno dos vitrais franceses quebrados na Alerj, tentam tapar o sol da rebelião com a peneira da reação, clamando por "paz" em meio à retumbante rebelião popular que varre o país de norte a sul. Incita o coro de "Sem violência" em meio às marchas, o coro da ilusão de que este Estado assassino pode e deve ser confrontado e enfrentado com flores, abraços e até com "amor", e incentivam até mesmo a delação dos mais radicalizados, tentando jogar povo contra povo, com direito à divulgação de um telefone especial do disque-denúncia para alcaguetes "exercerem a cidadania"que a imprensa burguesa, as elites e os poderosos tanto gostam de cultivar entre os desavisados e os analfabetos políticos.

Tudo como se os maiores destruidores do patrimônio público deste país não fossem os políticos empoleirados no Congresso Nacional e nos sucessivos turnos de gerenciamento desta pobre semi-colônia cujo slogan oficial diz que somos um "país rico e país sem pobreza", com suas privatizações, olíticas vende-pátria e depredações sem fim dos direitos dos trabalhadores e dos serviços prestados à população.

Foi esta a mudança na cobertura da imprensa? Foi esta a guinada radical na forma como a imprensa burguesa apresentou os protestos populares no Brasil em seus jornais e telejornais, em seus plantões, editoriais e análises políticas, com seus "especialistas" chamados para opinar sobre o que acontece nas ruas?

O papel da imprensa popular e democrática

O máximo de "mudança" foi que, quando os protestos se agigantaram, a imprensa burguesa aumentou, pelo menos por ora, a sua paciência com manifestações de ocupação das ruas. Atém ontem, diziam: "O direito de manifestação não pode tolher o direito de ir e vir"; Agora, cacarejam ainda mais alto: "Os baderneiros não podem atrapalhar o direito de manifestação". Mas a juventude rebelde, o grosso dela, sabe muito bem identificar quem é quem.

Equipes de "jornalismo" da Rede Globo foram escorraçadas das manifestações. Carros das emissoras Record e SBT foram incendiados. A Globo foi obrigada a filmar os protestos dos seus helicópteros, por de trás das tropas de choque ou com câmeras escondidas e repórteres à paisana.

Também passaram a insistir em noticiar casos isolados de policiais, fuzileiros, gente da direita, "golpistas" e até de "neonazistas" e "skinheads" infiltrados nas manifestações, em mais uma nuance das patéticas tentativas de desqualificar a rebelião popular, tentando fazer esquecer que a centelha para a explosão da revolta agigantada e espalhada é o ódio represado contra tanta política antipovo.

Neste momento de embates nas ruas e de acirramento da luta de classes no país, salta às vistas mais que nunca a importância da imprensa popular e democrática, cujo papel é apoiar as lutas radicalizadas do povo contra o velho Estado e seus sócios, ajudar a deter a contraofensiva reacionária na batalha ideológica, mostrar que os protestos das massas trabalhadoras e estudantis brasileiras não têm que desaguar nas urnas, como pedem as classes dominantes, porque as urnas são viciadas pelo poder econômico e servem apenas para legitimar, via farsa eleitoral, a miséria e o fascismo que estão por toda parte.

É dever da imprensa popular e democrática espelhar a necessidade e a urgência de rumos e mudanças de fato radicais e encabeçadas pelas classes populares. É atribuição histórica da imprensa popular e democrática contribuir com a formatação de um programa revolucionário para as massas trabalhadoras brasileiras, insistir na necessidade de uma direção mais consequente para ocupar o lugar da ausência de lideranças tão festejada pela imprensa burguesa, festejada justamente porque esta lacuna nas lutas populares abre caminho para o rearranjo das forças retrógradas, para conformações anti-povo, para a direita cavalgar a rebelião e para o reformismo estéril, e não para o caminho libertador de uma nova democracia.


terça-feira, 16 de julho de 2013

O fim da revolução 'sem liderança': falácia global e intervenção militar no Egito



Mais de 10 milhões de pessoas mobilizaram-se no Egito contra um autocrata desajeitado. E essa mobilização, afinal de contas, levou à tomada militares e juízes a tomar o poder, com o apoio de políticos de centro e de clérigos. Chamem como quiserem: golpe de Estado, golpe elegante ou poder popular. Nenhum rótulo muda a natureza da intervenção e o dia seguinte: governo militar apoiado pelo povo, dos praticamente os mesmos elementos que estavam no poder no tempo de Mubarak e que haviam construído uma coalizão (instável e incompleta) com a Fraternidade Muçulmana.



As revoltas em anos recentes na Tunísia e no Egito acenderam a imaginação de muitos ativistas em todo o mundo, que viram ali uma "revolução sem liderança". Contudo, o estranho amálgama de revolução, restauração golpe, democratização e autoritarismo que persistiu ao longo do processo egípcio sugere lições diferentes, ainda por extrair daquela situação.


De campanha popular à reafirmação do poder das elites

Tamarod, uma campanha popular sem precedentes, coletou milhões de assinaturas e exigiu a derrubada do presidente Morsi. Multidões imensas reuniram-se em todo o Egito no dia 30 de junho, para fazer acontecer o que a campanha exigia. Segundo as estimativas, cerca de 15 milhões de pessoas tomaram as ruas, o que fez daquela a maior rebelião da história do Egito.

Por ironia, a maior parte das pessoas pareciam apoiar os militares. Houve até grupos que clamavam abertamente por uma intervenção militar. Entre os manifestantes havia não só civis que queriam a volta de Mubarak, mas também membros das gangues armadas que constituíam a 'segurança' do governo Mubarak, que tornaram a vestir os antigos uniformes para ir à praça. De fato, durante o mês de junho, foi-se tornando cada dia mais claro que os militares planejavam usar a rebelião como uma oportunidade para intervir (e alguns políticos, que antes haviam feito duras declarações contra governos militares, puseram-se então a considerar bem-vindos os mesmos militares).

Havia também outras forças dedicadas a capitalizar os protestos e reforçar a própria dominação. Por exemplo, muitos intelectuais do Golfo festejaram as dificuldades da Fraternidade. Queriam um autêntico Erdoğan na presidência do Egito, não um simulacro "de Taiwan". Escolheram ignorar que suas críticas contra Morsi (concentração de poderes, centralização, autoritarismo etc.) aplicam-se igualmente ao seu líder muçulmano favorito. E as cabeças influentes na região, assim, sugeriam que a única via para sair da crise egípcia seria outro caminho conhecido, não qualquer via revolucionária.

Houve convocações para uma greve geral durante os protestos de 30 de Junho, além de gritos e gritos que pediam a intervenção militar. De fato, a situação nacional que preparou o cenário do qual emergiu o Movimento Tamarod tem uma dimensão de classe, que não foi claramente articulada como parte de sua plataforma. Além disso, alguns grupos em Tahrir ("6 de Abril", "Partido Egito Forte" "Socialistas Revolucionários" [orig. April 6, Strong Egypt Party, Revolutionary Socialists) protestavam abertamente contra os militares, não só contra a Fraternidade.

Nada disso contudo, culminou em algum mapa do caminho que delineasse o modo de escapar da coalizão Fraternidade-militares (o que deixou os militares e seus novos aliados como únicos atores capazes de ditar o afamado mapa).

O resultado imediato do levante foi a renúncia de seis ministros. Se algum desejo político revolucionário se tivesse cristalizado no Egito durante os últimos dois anos e meio, teria podido capitalizar aquela abertura e declarar vitória antecipada; quer dizer, teria podido agir antes que os Kornilovs convertessem o levante em vitória deles mesmos.

Quando os militares intervieram, alguns poucos discursos e slogans antigolpe ainda se fizeram ouvir, mas foram afogados pela atmosfera francamente pró-militares em Tahrir. O otimismo infundado, de que forças antimilitaristas permaneceriam na praça até a saída dos militares nada alterou na dinâmica principal. Ninguém mobilizou Tahrir para lutar contra seus principais torturadores. Os milhões que voltaram só pensavam em impedir que os Irmãos tomassem a praça.

Em resumo, julho de 2013 testemunhou não só a remoção de um presidente não popular, mas a constituição de regime plenamente ditatorial: centenas de membros da Fraternidade Muçulmana e de islamistas sem qualquer ligação com a Fraternidade foram duramente atacados. Muitos canais de televisão foram fechados. E, o mais importante, os militares indicaram uma figura do Judiciário do antigo regime para substituir o presidente. Os massacres subsequentes foram ingredientes necessários e conhecidos sem os quais nenhum golpe militar se impõe.


Os vícios de interpretação

Muitas das respostas iniciais à intervennção militar passaram sem ver por um ponto crucial: sob a coalizão Fraternidade-militares, o Egito estava andando rapidamente de um regime autoritário com apoio popular para um regime totalitário com apoio popular. Os ativistas da praça Tahrir tiveram o desejo suficientemente radical de tornar mais lenta essa transformação, mas não encontraram as ferramentas para detê-la completamente, sem a perniciosa 'ajuda' dos militares. Liberais focados nos procedimentos, que criticaram a intervenção militar, ignoraram completamente que, sob certas condições, um presidente eleito pode contribuir para construir regime totalitário, o qual fará, de quantas eleições haja, simples plebiscitos. A rua precisou agir para defender a revolução egípcia e talvez, até, para depor o presidente. Os liberais, com o medo visceral que as multidões lhes inspiram, decidiram impedir, não apenas esses movimentos arriscados, mas todas e quaisquer formas de democracia participativa.

Igualmente perigosos foram os relatos (talvez bem-intencionados) que listaram os abusos do regime da Fraternidade-militares, mas ninguém chegou a discutir as calamidades que um regime contra-Fraternidade poderia produzir. Os que chamaram o golpe militar de uma "segunda revolução" foram rápidos ao denunciar os movimentos autocráticos do governo da Fraternidade. Mas não explicaram em que sentido o regime que substituísse os Irmãos poderia vir a tornar-se algum tipo de democracia. (Um amplo círculo de intelectuais pro-Tamarod concentraram-se nos movimentos ilegítimos do presidente deposto, sem ir além e sem enfrentar a questão de se e como aqueles movimentos legitimariam os movimentos de um governo militar-judiciário depois de depoisto o presidente eleito).

A afirmação, que se viu frequentemente em inglês e em árabe, de que "todos os fatores que fizeram de 25 de Janeiro uma revolução permitem chamar o 30 de Junho de 'segunda revolução'" ignorou um fato claro (dentre muitos outros): 2013 não é 2011. Em outras palavras, passaram-se dois anos, que levaram a possibilidades sociais e políticas diferentes. Durante esses dois anos, a prioridade poderia ter sido organizar o poder popular, criar instituições alternativas e liderança revolucionária, para impedir (ou, no mínimo, para tornar mais lento) o avanço do autoritarismo das autoridades eleitas; sem só se cogitar de derrubá-las e, assim, abrir caminho para os velhos inimigos da revolução.

Alguns comentadores ainda insistem que nem os militares nem a Frente de Salvação Nacional (a coalisão de políticos de centro, contra a Fraternidade Muçulmana) representa as massas em Tahrir, cujas demandas reais são democracia e eleições antecipadas. Esse argumento, que se faz em nome dos milhões aparentemente pró-militares, nada altera numa das regras pétreas da política: os que não se possam representar eles mesmos, sempre serão representados por terceiros.


Os frutos da 'revolução' sem ideias revolucionárias

Essa ideia, construída com vistas aos camponeses franceses, nos alertam contra a beatificação das massas não organizadas, um romanticização atualmente muito em moda. Muitas teses anti-representação, vindas dos extremos mais ideologicamente opostos (anarquistas, liberais, autonomistas, pós-modernos etc.) resumem-se todas a um único pressuposto: quando não há metadiscurso nem liderança, a pluralidade vencerá. Pode até ser verdade no curso prazo. De fato, no caso do Egito, o anonimato dos porta-vozes do Movimento Tamarod até ajudou, no início: os porta-vozes (que não são líderes, como tanto se disse) não podiam ser demonizados como populistas partidarizados. Além disso, porque uniam o povo só em torno de uma identidade negativa (todos anti-Fraternidade), e traziam táticas inovadoras, o Movimento Tamarod mobilizou pessoas de todos os grupos e tipos. Mesmo assim, as massas mobilizadas caíram como presas fáceis nos braços da única opção clara: o antigo regime!

Ainda que os revolucionários não produzam ideias, demandas e líderes, nem por isso estará garantida que a revolução se fará sem ideologia, demandas e líderes. De fato, a ideologia espontaneísta do Movimento Tamarod, como adiante se verificou, era um nacionalismo militarista; sua demanda, um golpe pós-moderno; seus líderes, os feloul (o 'entulho' que sobrou do velho regime). Esse é o perigo que ameaça qualquer revolta que se pretenda sem liderança: deixar-se apropriar pelas principais alternativas institucionais das instituições contra as quais combatem.

É hora de globalizar as lições da onda global de 2011-2013. Comecemos por EUA e Egito. O que se aprende desse caso é que quando movimentos não têm (ou dizem não ter) pensamento, agenda, demandas e líderes, só podem andar numa das seguintes direções: podem dissipar-se (como aconteceu com Occupy), ou viram instrumentos em agendas alheias.


Vivemos tempos interessantes...

Diferente das décadas depressivas que se arrastaram de 1980 a 2010, "o povo quer que o sistema caia" – como diz o slogan árabe. E é bem provável que o sistema caia, não só no Egito mas em outros pontos do mundo (se se considera o quanto as atuais elites e líderes são reacionários e avessos a reformas, onde estiverem, seja na Casa Branca ou nas colônias: não querem, simplesmente, ou são incapazes de imaginar, sequer, cenários do tipo New Deal, os quais, no mínimo, talvez absorvessem as revoltas).

Mas não basta que o sistema 'caia'. O que o substituirá? Todos se empenham em fugir dessa pergunta (as metanarrativas, ao que consta, estariam mortas; quer dizer... todas as metanarrativas, exceto o liberalismo!). É hora de acordar e perceber que se não desenvolveram alternativas que se mantenham em pé (e organizações e instituições que façam-acontecer aquelas alternativas), talvez, até, o sistema caia. Mas isso não implicará que teremos, para viver, um mundo melhor.


Revoluções cheias de líderes

Agora, acontecerá o quê? Os militares egípcios são perfeitamente capazes de perpetrar política neoliberal, pró-norte-americana e seu comprovadamente renitente autoritarismo. Muitos setores da esquerda absolutamente nada esperam dos militares – quanto a isso não será preciso convencê-los. Mas, assim como a Fraternidade Muçulmana tão rapidamente afastou dela, em um ano de governo, tantos milhões de pessoas, assim também os 'novos' militares (que se 'reposicionarão', como griffe, depois de se terem apropriado de um levante revolucionário) logo mostrarão sua verdadeira face aos que apoiaram o golpe, movido por ingênuas esperanças democráticas. O 'novo' regime autoritário com apoio democrático parece já estar começando a pavimentar a estrada pra um terceiro levante revolucionário.

A esquerda (que deve incluir também não socialistas, não anarquistas, não comunistas e as/os feministas e todos os liberais de esquerda e os islamistas de esquerda) tem de usar o tempo para organizar a inevitável insatisfação com o governo dos militares. Tem de construir alternativas sólidas à democracia dos militares e à democracia conservadora-totalitária. Baseada em suas experiências dos três últimos anos, deve construir lideranças, instituições e organismos de poder popular que possam fazer-ser seu projeto alternativo.

Em resumo: dessa segunda vez, a esquerda terá de estar preparada.


*****

O fim da revolução sem lideranças não implica o fim do processo revolucionário no Egito. Mas põe a nu a falácia segundo a qual 'o povo', sozinho, sem agenda, sem plataforma, sem ideias e sem lideranças poderia algum dia ser poder popular.

No Egito, a revolução sem liderança acabou por ser mera substituta do status quo e de revoluções que levaram ao culto do líder. Hoje, talvez, precisemos de revoluções enriquecidas com muitas, não com apenas umas poucas, lideranças.


Original em: http://www.counterpunch.org/2013/07/10/the-end-of-the-leaderless-revolution

Tradução do coletivo Vila Vudu

Fonte: Diário Liberdade