O monopólio dos meios de comunicação que opera no Brasil aplaude polícia e pacifistas e tenta domesticar os protestos, tapando o sol da rebelião com a peneira da reação, mas não sem encher a boca para falar de "democracia", aquela do tipo que perpetua a opressão do povo brasileiro.
Manifestantes protestam em frente a Rede Globo, no Rio de Janeiro, no dia 03 de julho de 2013 |
Por Hugo R. C. Souza
Em
junho o Brasil se levantou em justa, massiva e combativa revolta
contra o velho Estado semicolonial, semifeudal, autoritário, e tudo o
que compõe esta "democracia" de fachada, de industriais e
latifundiários.
Neste contexto de gigantescas e retumbantes
marchas populares e de protestos radicalizados como há muito não se via
no país, a imprensa burguesa vem cumprindo o papel político que lhe
cabe quando o povo se insurge de maneira retumbante contra esta ordem
moribunda. E este papel não é outro senão o da difamação das lutas
populares e do açulamento da violência contra o povo rebelde, em luta
contra seus opressores.
Quando os primeiros protestos mais
avolumados e combativos contra o aumento dos preços das passagens de
ônibus começaram a estourar, em Goiânia, Natal, Rio de Janeiro, São
Paulo, nos dias seis e sete de junho, com a juventude enfrentando com
violência a violência das forças policiais, usando paus, pedras e
barricadas em chamas para se defender da feroz repressão, o monopólio da
imprensa, tendo a Rede Globo como o cabeça de sempre, apressou-se em
exercitar todo o seu repertório.
A 'democracia' das bombas de 'efeito moral'
Globo e companhia colocaram em prática o roteiro reacionário de sempre que prevê:
- Contrapropaganda do elogio da "iniciativa privada" como detentora do "direito divino" de oferecer os serviços públicos. Isso sem considerar a absoluta contradição entre o direito do povo, no caso, o transporte público barato e de qualidade e o imperativo das companhias que exploram o setor de multiplicarem seus lucros às custas da qualidade e da exploração cada vez maior dos seus funcionários (como a determinação de que o motorista deve acumular a função de cobrador) e na base dos aumentos das tarifas.
- Tentativas de desqualificação das justas reivindicações do povo. No caso das tarifas dos transportes públicos, martelando que os aumentos das passagens estavam "previstos em contrato" e que os reajustes seriam feitos "abaixo da inflação", como se contratos não pudessem ser questionados e até rasgados quando cotejados com a realidade que não os sustenta ou quando assim exige a autoridade das ruas.
- Dobradinha com as "autoridades" nas tentativas de criminalização das formas de luta do povo (até por volta do dia 15 de junho, tampouco a "passeata pacífica" era tolerada), abrindo espaço para os gerentes de turno acossados pelos protestos invocarem a lei e a ordem. Arrotam democracia para explicar a repressão e para tentar abafar o grito das multidões com a amplificação, via TV e nas páginas dos jornais, de tergiversações e ataques verbais. Exemplo disso foi quando, em 14 de junho, quando já haviam se realizado cinco grandes protestos em São Paulo e a PM paulista já havia prendido 232 manifestantes, o "governador" de São Paulo, Geraldo Alckimin, foi ao monopólio da imprensa para tentar minimizar os protestos, dizendo se tratarem de "um movimento político" (no sentido de ter algum partido eleitoreiro por trás das manifestações) e para defender a violência com que a polícia paulista reprimiu uma manifestação no dia anterior, sem que fosse questionado acerca disso por um só veículo.
- Foco exacerbado e dramatização da violência empregada pelos manifestantes contra a polícia, noticiando a autodefesa da juventude combatente como ataques criminosos de "vândalos" e "baderneiros", e deixando em segundo plano ou mesmo escamoteando a brutalidade da própria repressão policial aos protestos, não obstante a abundância de imagens e relatos atestando a ferocidade das hordas fardadas a serviço do Estado e das empresas, como as de ônibus.
Só faltou pedir sangue. Faltou?
O papel político do monopólio da imprensa no Brasil é o de
desqualificar a juventude combativa, criminalizar a revolta popular e
açular a reação violenta do Estado às mobilizações das massas
trabalhadoras - sobretudo as mobilizações mais radicalizadas -, o de
tentar esvaziar as ruas com os megafones da desinformação e, acima de
tudo, preparar o terreno para outras marchas: as das tropas de choque
das polícias militares da semicolônia Brasil.
Todos os órgãos
mais proeminentes do monopólio clamaram abertamente por repressão,
faltando apenas pedir expressamente o sangue dos manifestantes. Ecoaram
as palavras de Alckmin e Haddad, que, de Paris, onde apresentavam a
candidatura de São Paulo à Expo 2020, foram os primeiros a classificar
os protestos e a resistência à violência policial em São Paulo como
"vandalismo", e os primeiros a chamar os estudantes insubordinados de
"baderneiros". Vale lembrar, tudo isso antes dos primeiros saques ao
pequeno comércio, o que seria o mais próximo de algo que poderia ser
classificado como tal, ainda que esse tipo de atitude nada tenha a ver
com manifestação política.
Assim, o Jornal Nacional de 12 de
junho já falava que "protesto contra aumento do transporte dá lugar ao
vandalismo" para se referir à revolta dos manifestantes que tomaram o
centro de São Paulo no dia anterior, no terceiro protesto contra o
aumento das passagens, depois que a Polícia Militar de Alckmin levou a
cabo violentas e autoritárias tentativas de dispersão. O JN festejou a
ação violenta da polícia e a prisão de 20 jovens manifestantes
enquadrados em acusações de crimes inafiançáveis, e ainda foi cobrar da
Polícia Federal a investigação dos protestos "violentos" em São Paulo e
no Rio de Janeiro.
No carro-chefe do "jornalismo" da Rede
Globo, Haddad sofismou como um autêntico gerente militar para tentar
desqualificar as manifestações, dizendo que "a liberdade de expressão
está sendo garantida, mas as pessoas não estão fazendo uso adequado
dessa liberdade de expressão".
Estadão: 'a PM agiu com moderação'
Manifestantes protestam contra a TV Globo durante ato na final da Copa das Confederações, 30 de junho |
No
dia seguinte, 13 de junho, os dois maiores jornais da imprensa
burguesa paulista, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo empolavam o
discurso da lei e da ordem e se apressavam em requisitar que o Estado
agisse "já" contra o povo nas ruas, dando a senha para o aumento da
repressão policial aos protestos, que se avolumavam e já faziam tremer a
espinha dos inimigos do povo, dos gerentes políticos às elites
parasitárias, entre as quais estão os próprios donos dos jornalões.
Em editorial intitulado "Chegou a hora do basta", o "Estadão" afirmou
que os protestos contra o aumento das passagens em São Paulo eram
promovidos por "baderneiros", incitou a polícia contra os
manifestantes, dizendo que, "daqui para a frente, ou as autoridades
determinam que a polícia aja com maior rigor do que vem fazendo ou a
capital paulista ficará entregue à desordem", cravou que a "A PM agiu
com moderação" e festejou que o "governador" Geraldo Alckimin parecia
disposto a "endurecer o jogo".
Já a Folha de S. Paulo exortava o
Estado a "Retomar a Paulista", título do seu editorial do dia 13 de
junho, no qual o jornal afirmava que esta "Avenida vital de São Paulo
se tornou território preferido de protestos abusivos, que prejudicam
milhões para chamar a atenção do público", expressando a postura da
imprensa burguesa no momento imediatamente anterior ao agigantamento das
manifestações em todo o território nacional, quando os jornais e
emissoras do monopólio se viram obrigados a abandonar, momentaneamente,
o seu discurso de que o povo não pode ocupar as vias públicas em
protesto porque isso cercearia o "direito de ir e vir" das "pessoas de
bem"...
Dizia ainda o editorial da Folha, transbordando ódio de classe:
"Os poucos manifestantes que parecem ter algo na cabeça além de
capuzes justificam a violência como reação à suposta brutalidade da
polícia, que acusam de reprimir o direito constitucional de
manifestação. Demonstram, com isso, a ignorância de um preceito básico
do convívio democrático: cabe ao poder público impor regras e limites
ao exercício de direitos por grupos e pessoas quando há conflito entre
prerrogativas."
E seguia:
"O direito de manifestação é
sagrado, mas não está acima da liberdade de ir e vir - menos ainda
quando o primeiro é reclamado por poucos milhares de manifestantes e a
segunda é negada a milhões."
Mudança na cobertura?
Ficou marcada como peça reacionária exemplar desta "cobertura" a
intervenção de Arnaldo Jabor no Jornal da Globo do dia 12 de junho.
Jabor comparou os jovens que participavam de manifestações a
integrantes da organização criminosa paulista PCC, dizendo que os
manifestantes não valiam "nem 20 centavos", entre outras patifarias.
Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas das principais cidades
do Brasil, mas também nas cidades pequenas e médias, sob o grito de que
não era apenas por 20 centavos que as massas trabalhadoras, sempre com
a juventude na linha de frente, levantavam-se para afirmar toda a sua
autoridade. A partir de então, com a repercussão de casos de
jornalistas alvejados por balas de borracha e a enxurrada de imagens da
violência policial registradas pelo próprio povo, observou-se uma
mudança de postura na cobertura da imprensa reacionária, mas não a
ponto de contradizer suas características antipovo nem tampouco de
maquiar a quem e a quê ela realmente serve. Ao contrário.
Assim,
ao mesmo tempo que se viu obrigada a recuar nos elogios à repressão
policial e nas requisições do "basta" aos protestos, diante do
gigantismo das manifestações populares que se espalharam pelo país, os
jornais e emissoras de TV da burguesia reforçaram o discurso legalista,
esmerando-se na contrapropaganda de que manifestações legítimas eram
só aquelas que se limitavam ao "exercício da cidadania" e às formas de
"liberdade de expressão" previstas na Constituição Federal, em uma
clara tentativa de subtrair à efervescência política que tomou conta do
país a sua marca identificadora, que é a sua combatividade, tentando
mesmo criminalizar tudo e todos que pudessem ser identificados
pejorativamente como "radicais".
Além disso, os integrantes do
monopólio dos meios de comunicação tentaram dirigir os protestos,
tentando fazer crer que eram aceitáveis apenas as manifestações cujas
pautas se balizassem por questões da esfera institucional, ou seja,
reformistas, que remetessem à possibilidade de "melhoria" do Estado e
"aprimoramento" desta "democracia" só de nome, como se o povo devesse
reivindicar melhores condições para seguir sendo explorado e oprimido, e
não lutar para fazer arrebentar os seus grilhões e para construir uma
democracia de novo tipo.
E foi assim que se desencadeou uma das
maiores e mais ferozes campanhas de contrainformação por parte da
imprensa reacionária em toda a história desta semicolônia Brasil.
"Vândalos" e "baderneiros", ad infinitum...
Tentando minimizar esta ameaça,buscaram transformar a generalizada
rebelião popular exatamente no seu avesso, ou seja, em manifestações
politicamente estéreis, vazias das questões de classe.
E dá-lhe
elogios às marchas "pacíficas", menções à PEC 37 (da qual o Congresso
Nacional abriu mão com o maior prazer), e à pequena corrupção, que é a
corrupção do gabinete parlamentar e do cartão corporativo, tudo para
fazer fumaça à grande corrupção que constitui, baliza e sustenta a
semicolônia Brasil, desde os primeiros acordos visando a próxima farsa
eleitoral até as decisões políticas sobre o trabalho, o campo e as
"políticas sociais", passando pelo passe-livre (este sim, com tarifa
quase zero!) dado aos monopólios internacionais para fazerem o que bem
entendem com nosso chão e com nossa gente.
E nesse momento eis
que volta à cena o Arnaldo Jabor, pedindo desculpas por ter dito alguns
dias antes que os manifestantes sequer valiam 20 centavos, mas bem à
caráter para a tal "mudança na cobertura da imprensa", ou seja, tentando
dizer ao povo como se comportar, afirmando que a energia do movimento
deveria ser canalizada justamente para questões que passam ao largo das
mais prementes questões de classe, citando justamente ecologia,
corrupção, inflação e a "terrível ameaça da PEC 37"...
E foi
também em meio a toda esta picaretagem "informativa" que aconteceu uma
das patuscadas mais ilustrativas deste esforço desesperado da imprensa
reacionária para apaziguar as ruas do país. O apresentador de TV José
Luiz Datena, conhecidoo por seu "radicalismo" na defesa do Estado penal
máximo, colocou ao vivo, em seu programa na Band, uma enquete
perguntando se a audiência era favorável a protestos com "baderna",
palavra que a imprensa burguesa adotou para (des)qualificar ações
violentas contra o Estado. Pois os telespectadores não caíram na
armadilha, e a grande maioria respondeu que "sim", ou seja, que
protesto que é protesto tem que ser radicalizado, não obstante as
gaguejadas do Datena e os estratagemas para tentar, sem sucesso, fazer
com que o resultado da enquete seguisse o receituário da difamação aos
manifestantes em luta por uma democracia de verdade.
Os verdadeiros vândalos
A reação feroz ao levante popular no Brasil se manifestou, sobretudo, nas repetições ad infinitum
das palavras "vândalos" e "baderneiros" para classificar quem participa
da resistência ativa aos ataques da repressão com ataques aos símbolos
da opressão e da podridão generalizadas, caso de agências bancárias e
prédios do Estado onde se delineiam as artimanhas desse fascismo
maquiado, como a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
(Alerj) e o prédio da prefeitura de São Paulo.
A reação
alardeia em torno dos vitrais franceses quebrados na Alerj, tentam
tapar o sol da rebelião com a peneira da reação, clamando por "paz" em
meio à retumbante rebelião popular que varre o país de norte a sul.
Incita o coro de "Sem violência" em meio às marchas, o coro da ilusão de
que este Estado assassino pode e deve ser confrontado e enfrentado com
flores, abraços e até com "amor", e incentivam até mesmo a delação dos
mais radicalizados, tentando jogar povo contra povo, com direito à
divulgação de um telefone especial do disque-denúncia para alcaguetes
"exercerem a cidadania"que a imprensa burguesa, as elites e os poderosos
tanto gostam de cultivar entre os desavisados e os analfabetos
políticos.
Tudo como se os maiores destruidores do patrimônio
público deste país não fossem os políticos empoleirados no Congresso
Nacional e nos sucessivos turnos de gerenciamento desta pobre
semi-colônia cujo slogan oficial diz que somos um "país rico e
país sem pobreza", com suas privatizações, olíticas vende-pátria e
depredações sem fim dos direitos dos trabalhadores e dos serviços
prestados à população.
Foi esta a mudança na cobertura da
imprensa? Foi esta a guinada radical na forma como a imprensa burguesa
apresentou os protestos populares no Brasil em seus jornais e
telejornais, em seus plantões, editoriais e análises políticas, com
seus "especialistas" chamados para opinar sobre o que acontece nas ruas?
O papel da imprensa popular e democrática
O máximo de "mudança" foi que, quando os protestos se agigantaram, a
imprensa burguesa aumentou, pelo menos por ora, a sua paciência com
manifestações de ocupação das ruas. Atém ontem, diziam: "O direito de
manifestação não pode tolher o direito de ir e vir"; Agora, cacarejam
ainda mais alto: "Os baderneiros não podem atrapalhar o direito de
manifestação". Mas a juventude rebelde, o grosso dela, sabe muito bem
identificar quem é quem.
Equipes de "jornalismo" da Rede Globo
foram escorraçadas das manifestações. Carros das emissoras Record e SBT
foram incendiados. A Globo foi obrigada a filmar os protestos dos seus
helicópteros, por de trás das tropas de choque ou com câmeras
escondidas e repórteres à paisana.
Também passaram a insistir em
noticiar casos isolados de policiais, fuzileiros, gente da direita,
"golpistas" e até de "neonazistas" e "skinheads" infiltrados nas
manifestações, em mais uma nuance das patéticas tentativas de
desqualificar a rebelião popular, tentando fazer esquecer que a centelha
para a explosão da revolta agigantada e espalhada é o ódio represado
contra tanta política antipovo.
Neste momento de embates nas
ruas e de acirramento da luta de classes no país, salta às vistas mais
que nunca a importância da imprensa popular e democrática, cujo papel é
apoiar as lutas radicalizadas do povo contra o velho Estado e seus
sócios, ajudar a deter a contraofensiva reacionária na batalha
ideológica, mostrar que os protestos das massas trabalhadoras e
estudantis brasileiras não têm que desaguar nas urnas, como pedem as
classes dominantes, porque as urnas são viciadas pelo poder econômico e
servem apenas para legitimar, via farsa eleitoral, a miséria e o
fascismo que estão por toda parte.
É dever da imprensa popular e
democrática espelhar a necessidade e a urgência de rumos e mudanças de
fato radicais e encabeçadas pelas classes populares. É atribuição
histórica da imprensa popular e democrática contribuir com a formatação
de um programa revolucionário para as massas trabalhadoras brasileiras,
insistir na necessidade de uma direção mais consequente para ocupar o
lugar da ausência de lideranças tão festejada pela imprensa burguesa,
festejada justamente porque esta lacuna nas lutas populares abre caminho
para o rearranjo das forças retrógradas, para conformações anti-povo,
para a direita cavalgar a rebelião e para o reformismo estéril, e não
para o caminho libertador de uma nova democracia.
Fonte: A Nova Democracia
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