sábado, 21 de julho de 2012

Kafka e nossa irrealidade digital




Por Fernando da Mota Lima

No alvorecer do capitalismo moderno, Adam Smith cunhou a expressão “a mão invisível” para designar a força impessoal investida do poder de organizar os agentes do mercado. Essa mão, que hoje meu ódio impotente gostaria de decepar, explicaria o funcionamento das forças econômicas que milagrosamente se coordenam — o jogo da oferta e da procura, por exemplo. Como o gado errante tangido dos campos comunais para as fábricas, hoje da solidão física para as redes sociais, nada entendo disso. Sei apenas que me tornei prisioneiro de carcereiros invisíveis. A vetusta mão invisível de Adam Smith funciona hoje como a fantasmagoria de um processo kafkiano. Não cometi nenhum crime, o próprio poder digital e anônimo de nada me acusa, mas no fim do filme eu morro como um cão, como o anônimo esvaziado de humanidade da obra de Kafka.

O parágrafo acima traduz uma ironia atroz. Formei-me embalado pelo humanismo originário das Luzes do século 18. Formei-me acreditando no valor da liberdade humana, que decorreria das forças do progresso social, do desenvolvimento da democracia e das forças produtivas, e eis-me agora refletido no espelho de Kafka: o espelho que reflete um inseto chamado ser humano. Miro esse inseto, que sou eu, e vejo apenas a irrealidade do labirinto digital em que as forças invisíveis do mercado me aprisionam. Um dos deuses dessa revolução da ciência morreu há pouco e é hoje celebrado no mundo como um Deus, um Deus mais poderoso e idolatrado que o deus (minúsculo) de qualquer religião. O nome desse Deus — mortal quanto eu e você, tanto que morreu num frenesi típico do mercado voraz — é Steve Jobs. O sobrenome é arrepiante, mas sigamos.

Steve Jobs morreu, mas continua na rede, celebrado em imagens que o vendem e que ele vende. Ele posa como o gênio letal do mercado, mercadoria fundida na mercadoria, pois está sempre vendendo alguma coisa: vende a maçã paradisíaca, o Ipod, o Ipad, o Iphone,o Tephod, e outras siglas que me possuem e nos possuem. Mas o gado servil e ignaro, cego de ambição e desejo voraz de consumo, o idolatra como se fosse o bezerro de ouro da lenda bíblica.

O inseto se mira no espelho kafkiano e sabe que está completamente sozinho nesse mundo de forças onipresentes e invisíveis. Não tem um amigo. Não tem com quem compartilhar um sentido humano palpável de vida, de amor, de humanidade efetivamente compartilhada. Mas liga o computador, conecta-se na rede social e lá estão seus 900 amigos. Há quem tenha milhares. Os famosos têm tantos que acionam um dispositivo digital para limitar o número de amigos que invadem sua página para tagarelar nossa futilidade, nossa insignificância digital. Lá estão os sites de relacionamentos: milhões de solitários vorazes esfomeados diante de fantasias devoradoras. Estamos todos sozinhos, dolorosamente sozinhos como nunca o fomos na história da nossa atormentada condição solitária, e no entanto saltamos como crianças insanas celebrando a beleza das nossas vidas invejáveis.

A revolução digital, a mão invisível e impiedosa do mercado, reduziu-me à condição de inseto. Mas eu pelo menos sei que fui esmagado por essa operação diabólica. Nas situações mais cotidianas, posso a qualquer momento ser reduzido a nada enquanto me debato, inseto cego e impotente, dentro da prisão que é a minha casa. Uma simples troca de operadora de telefonia suprime magicamente minha existência. Alguém, o burocrata da revolução digital, acionou indevidamente um dispositivo que não sei o que é, onde está, como funciona, e de repente suprimem o número do meu telefone, meus vínculos precários com o mundo humano, minha humanidade virtual, única que o admirável mundo novo da revolução digital me concede. O que fazer para refazer meus elos com o mundo, ouvir uma voz humana através do fio? O fio de Ariadne que me resta, único que poderia libertar-me do labirinto digital, é a telefonista eletrônica, esse ser irreal e arrepiante. Como arrepiante, se é irreal? Ora, simplesmente porque tudo agora é irreal. Embora o mundo esteja cheio de mulheres lindas, gostosas e infelizes, tantas delas histericamente em busca de um homem que lhes dê prazer, o inseto, tão infeliz e solitário quanto elas, ama uma boneca inflável, como aquela do conto profético de Rubem Fonseca.

Mas o profeta supremo é Kafka. Ele intuiu de forma genial o mundo da irrealidade carcerária em que passaríamos a habitar. Como os carcereiros são agora invisíveis, a mão milagrosa do mercado foi convertida numa cadeia infinita de carcereiros que nos controla do berçário à UTI (U Teu Inferno, na minha tradução). O carcereiro é uma figura de mil faces, ou uma figura sem face, mas está investido do poder de nos acorrentar do útero ao túmulo. O nome genérico dessa figura sem face é a Dívida, a Conta imperiosa que estamos condenados a pagar aos poderes anônimos que nos dominam. Esse poder está em tudo e em tudo milagrosamente se transfigura.

Não sei que crime cometi. Não cometi nenhum crime. Estou apenas tentando sobreviver ao naufrágio que consome tudo que conferiu sentido à minha existência, tudo que procurei realizar como ideal de humanidade livre reconciliada com o outro que se tornou minha própria irrealidade. Não cometi nenhum crime, repete desesperado o inseto espelhado na invisível prisão kafkiana. Mas a voz inaudível da revolução digital, a mão assassina da revolução que produz deuses como Steve Jobs simplesmente afirma que não há crime nenhum, que nada fiz ou preciso fazer. O que há, o que existe é o poder invisível da máquina indomável e onipresente produzida pela diabólica inteligência humana. Ela agora nos aprisiona e nos fiscaliza e pune do útero ao necrotério. E alguém tem que pagar a Conta, pois todos têm Dívida a pagar. Esta é a realidade tenebrosa da irrealidade digital que nos reduziu a insetos kafkianos: precisamos pagar nossa Dívida imposta por uma Culpa abstrata que para sempre me condena ao labirinto digital. Quero protestar, afirmar meu único e último direito humano, mas o operador invisível vai me deletar, vai me suprimir, vai me del... , vai me su...

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Fernando da Mota Lima é professor da UFPE.



sexta-feira, 20 de julho de 2012

A nova vida dos opositores cubanos na Espanha


Em Madri, cubanos que se exilaram na Espanha protestam contra o descaso e o abandono das autoridades
Em Madri, cubanos protesto e greve de fome em frente ao Ministério do Exterior espanhol

Longe de encontrar uma nação próspera, os dissidentes foram atingidos com força total pela crise que afeta o país europeu
Por Salim Lamrani*, no Opera Mundi
Em 2010 e 2011, todos os chamados presos “políticos” cubanos foram libertados após a mediação da Igreja Católica Cubana e do governo espanhol. A maioria deles optou por se estabelecer na Espanha com suas respectivas famílias e começar uma nova vida. Mas o sonhado Eldorado europeu não existe em uma Península Ibérica atingida por uma grave crise econômica. Alguns querem até voltar para Cuba.
A pedido do Vaticano e do governo espanhol de José Luis Rodríguez Zapatero, a Igreja Católica cubana, liderada pelo cardeal Jaime Ortega, fez uma mediação com as autoridades de Havana que resultou, em 2010 e 2011, na libertação de 127 presos, entre os quais 52 eram considerados “políticos” pela Anistia Internacional.  Segundo esta organização de defesa dos direitos humanos, atualmente não há nenhum preso de consciência em Cuba.  A Igreja Católica Cubana compartilha esse ponto de vista.
Alguns setores acusaram o governo cubano, a Igreja Católica e o governo de Zapatero de forçar essas pessoas ao exílio. Vários meios de comunicação ocidentais repetiram esta versão.  O Partido Popular espanhol (direita) denunciou “o desterro” dos opositores cubanos.
No entanto, esta versão dificilmente resiste à análise. Na realidade, das 127 pessoas libertadas no âmbito do acordo entre Havana, o Vaticano e Madri, 12 optaram por permanecer em Cuba. Laura Pollán, então porta-voz do grupo opositor “As Damas de Branco” e crítica ferrenha do governo cubano, foi clara a respeito: “Ninguém obrigou qualquer preso a sair do país. Quem disser o contrário estará mentindo”. Da mesma forma, vários dissidentes disseram que em nenhum momento as autoridades cubanas pediram que deixassem o país como condição para a sua libertação.
Fernando Ravsberg, correspondente da BBC em Havana, também negou essa alegação. Vários opositores que decidiram deixar o país confessaram a ele que “poderiam ter permanecido na ilha se quisessem. Garantem que em nenhum momento a ida para o exterior foi imposta a eles como condição para serem libertados”.
A dura realidade espanhola
Longe de encontrar uma nação próspera, os dissidentes cubanos foram atingidos com força total pela crise econômica que afeta a Espanha. A maior parte deles está sem trabalho, sem recursos e às vezes até mesmo sem teto, sendo acolhidos pelos abrigos da Cruz Vermelha. De acordo com a imprensa ibérica, “passado um ano de sua chegada, os exilados perderam o apoio do governo e os recursos estão se esgotando, pois a imensa maioria não conseguiu emprego estável”.
O novo governo espanhol de direita decidiu eliminar a ajuda concedida aos dissidentes cubanos um ano após a sua chegada e se recusou a estendê-la por 12 meses, como antes estava previsto, por razões econômicas.  Na realidade, a Espanha gastou em média dois mil euros por mês por pessoa, ou seja, mais de 18 milhões de euros para cobrir as necessidades dos 115 opositores acompanhados de 648 familiares durante um ano. O custo foi considerado muito alto em um país com cinco milhões de desempregados, isto é, em torno de 25% da população ativa.
No entanto, o PP não hesitou em usá-los em sua guerra política contra Havana e levou quatro deles a Bruxelas para testemunhar e defender a necessidade de manter a Posição Comum da União Europeia em relação a Cuba (que limita as relações políticas, diplomáticas e culturais). Porém, mostrou-se pouco grato ao suspender o apoio, deixando assim os opositores cubanos com a amarga sensação de que haviam sido usados.  Desde sua chegada à Espanha, eles não haviam deixado de expressar apoio ao PP e de criticar ao PSOE de Zapatero, que contribuiu para a sua libertação.
Então, os dissidentes cubanos decidiram recorrer a uma greve de fome para protestar contra esta decisão e expressar o seu “total abandono”. “É a única alternativa que nos resta”, declarou um deles, instalado em uma barraca em frente ao Ministério do Exterior espanhol.
Longe de serem atendidos pelas autoridades espanholas, os grevistas foram “brutalmente” desalojados e forçados a deixar a praça.  Dawuimis Santana denunciou a violência policial de que foram vítimas: “eles foram arrastados pelo chão, bateram em seu rosto, no braço, um deles teve o nariz quebrado”. Quatro deles foram detidos. A polícia geralmente se mostra severa com manifestantes de todo tipo, e com os opositores cubanos não foi diferente. Alguns observadores notaram que o PP, sempre tão disposto a sair em defesa dos dissidentes cubanos e a denunciar a “opressão” de que eram vítimas na ilha, desta vez foi discreta em relação à atuação da polícia municipal de Madri contra eles.
José Manuel García Margallo, ministro do Exterior espanhol, reconheceu que o caso dos cubanos não era “simples” e que eles se encontravam “em uma situação difícil”. Mas rejeitou qualquer ideia de estender o auxílio financeiro por causa da crise econômica que varre o país. Comprometeu-se a no máximo a acelerar o processo de validação dos diplomas universitários.
Às vezes, o sofrimento enfrentado pelos opositores cubanos na Espanha assume contornos trágicos. Albert Santiago du Bouchet, instalado nas Ilhas Canárias desde a sua libertação, se suicidou em 4 de abril de 2012 porque não suportava que as autoridades espanholas o tivessem abandonado à própria sorte, eliminando a ajuda financeira mensal que lhe concediam.  O governo espanhol rejeitou qualquer “ligação direta” entre o suicídio e a decisão de suspender a ajuda financeira. No entanto, sua família e vários amigos afirmaram que a situação financeira precária foi a principal causa da tragédia.
Retornar à Cuba?
Contra todas as probabilidades, vários dissidentes manifestaram a sua intenção de voltar para Cuba, na falta de poder viajar aos Estados Unidos, acusando a Espanha de abandono.  “É melhor ficar em Cuba do que aqui nas ruas”, disse Ismara Sánchez.  “Estou na rua desde 31 de março, porque não consigo pagar uma moradia”, queixou-se Idalmis Núñez. “Arrastamos nossas famílias para longe de casa e agora não temos como alimentá-las. Pela primeira vez na minha vida eu tenho peso na consciência. Tenho medo”, admitiu outro opositor.  “As crianças não têm comida, não têm leite. E não podem ir à escola porque não têm dinheiro para o transporte”, manifestou o opositor Bermúdez.
Da mesma forma, Orlando Fundora e sua esposa tiveram de enfrentar condições tão difíceis que até sentiram saudade de sua terra natal. Em uma entrevista à BBC, Fundora confessou algo inesperado: “Comíamos melhor em Cuba”.
Na verdade, a decisão de voltar para Cuba não é tão surpreendente. Apesar dos recursos limitados da nação caribenha, das dificuldades e vicissitudes cotidianas geradas pelo estado de sítio econômico que os EUA impõem ao país desde 1960, que afeta todas as categorias da população e é o principal obstáculo ao desenvolvimento da nação, o governo de Havana construiu um sistema de proteção social relativamente eficaz, que atende às necessidades básicas da população.
Dessa forma, apesar dos pesares, 85% dos cubanos são donos de sua casa. Também se beneficiam do acesso gratuito à educação, à saúde e às atividades culturais. O cartão de racionamento permite que recebam todo mês, além do salário, uma alimentação de base suficiente para duas semanas. Assim, ninguém fica abandonado à própria sorte e o Estado se responsabiliza pelas categorias mais vulneráveis da sociedade. Por isso, apesar dos limites no âmbito dos recursos naturais, em Cuba não existem pessoas sem teto nem crianças desabrigadas. Além disso, em relação à infância, segundo a Unicef, Cuba é o único país do Terceiro Mundo onde não há desnutrição infantil.
Em última análise, a Europa não tem sido o Eldorado prometido aos opositores cubanos. Eles tiveram de enfrentar a brutal realidade econômica da Península Ibérica e descobriram que os mais vulneráveis eram rapidamente abandonados à própria sorte. Também puderam finalmente perceber que sua Ilha não é a ante-sala do inferno, apesar dos problemas cotidianos, e que o sistema de proteção social se responsabiliza pela proteção dos mais fracos.

* Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latinoamericanos pela Univerdade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor encarregado de cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu libro mais recente é Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba (“Estado de sítio. As sanções econômicas dos Estados Unidos contra Cuba”, em tradução livre), Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade. Contato: Salim.Lamrani@univ-mlv.fr 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Por que a Espanha vai ferver


Madri, 11/7: milhares de mineiros chegam à capital e são recebidos por uma multidão, em protesto contra medidas do governo
Cresce onda de protestos contra corte radical de direitos, imposto pela “troika”. Sindicatos e M-15 convocam manifestação nacional quinta-feira
Por Pep Valenzuela, correspondente em Barcelona
O presidente do governo espanhol anunciou no Parlamento, nesta quarta-feira (11/7), um pacote de cortes do gasto público, que será sacramentada hoje (13/7), numa reunião de governo presidida pelo chefe do Estado, o rei Juan Carlos. As medidas são um verdadeiro golpe de Estado sob comando da chamada troika (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu), que continua impondo aos europeus cortes de direitos, mesmo depois de estas políticas agravarem a crise numa série de países.
Cabe avaliar duas questões especiais. A primeira é submissão total, e assumida, do governo espanhol à troika. A própria mídia tradicional de mais prestígio (os diários El País e La Vanguardia, por exemplo), fala de “intervenção” na economia espanhola. Enric Juliana, colunista do segundo jornal citado, a fazer paralelo com o “18 Brumário de Luis Bonaparte”, e fala do “12 de Maio de Mariano (nome do presidente Rajoy) Bonaparte”.
De fato, o próprio presidente Rajoy afirmou, na sessão de apresentação da nova política, que ela não é o que ele pretendia, mas que “não haveria nenhuma outra opção”. Foi a ponto de relatar sua relação constrangedora com as autoridades europeias em Bruxelas. “Cheguei lá e me falaram: ‘olha, mas o déficit da Espanha não era só de até o 6%’? E aí, eu ia dizer o que?”. Isso mesmo, limita-se a receber ordens. A economia está sob intervenção, sem disfarce algum.
A segunda questão é que, mesmo reconhecendo a “intervenção”, as políticas em curso dão continuidade às praticadas até 2003 pelo governo de José Maria Aznar, no qual Rajoy foi ministro. Já àquela época, o Partido Popular adotou as teses mais duras do receituário neoliberal. Ou seja deixar tudo nas mãos “invisíveis” do mercado, eliminar a política e a possibilidade de definição consciente sobre os rumos do país.
O pacote a ser aplicado hoje tem como medida mais visível o aumento do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA, equivalente ao ICMS brasileiro). Ou seja o tributo mais indireto, que menos incide sobre os ricos (pois entesouram a maior parte de sua riqueza) e mais castiga os setores populares (cuja renda é praticamente toda consumida a cada mês). Além disso, o governo vai eliminar o abono de Natal pago a milhões de servidores públicos e limitar direitos adquiridos como uma quota de dias de “livre disposição” para assuntos próprios.
Os servidores públicos já sofreram dois cortes anteriores de salários – o primeiro deles, com o presidente Zapatero, do Partido “Socialista”. Mas não serão os únicos atingidos. Haverá corte do seguro-desemprego, nova contra-reforma das aposentadorias (para torná-la mais difícil e precária), redução dos subsídios pagos a pessoas incapacitadas.
Outras medidas, também anunciadas ontem, provocam re-centralização do poder e limitação da democracia real. Anuncia-se uma redução de 30% do número de vereadores nos municípios, redução de empresas públicas locais, mais controle das contas das prefeituras por servidores da administração central. Isso no contexto de transferência de competências das prefeituras para as Diputaciones (um tipo de órgão administrativo eleito indiretamente, intermediário entre as prefeituras e os governos regionais). Ou seja, as prefeituras vão perder boa parte da atual capacidade de autogoverno. Com, isso a cidadania perde possibilidade de exercício efetivo e direto da democracia.
Ao mesmo tempo, serão reduzidas em 20% as subvenções para partidos políticos e sindicatos, o que significará limitar a ação dos mesmos e sua autonomia em relação aos governos.
O governo central vem culpando aos governos autônomos (semelhantes aos Estados brasileiros) por boa parte do déficit. Cobra deles maiores recortes e redução de gastos, o que apronfunda mais ainda a reconcentração de poder e a perda de espaços de democracia. Nada faz, enquanto isso, para conter a imensa transferência de recursos para a oligarquia financeira, que exige taxas de juros cada vez mais elevadas do Estado espanhol.
Mas os credores são impiedosos e nunca se satisfazem. Ontem, menos de 24 horas após o anúncio do pacote, exigiram, para rolar os títulos da dívida espanhola, taxas ainda mais altas. Tudo isso num contexto, segundo a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, de crescente deterioração da economia mundial e redução das previsões de crescimento para 2012.
A resposta popular não demorou. No mesmo dia em que o presidente Rajoy anunciava o pacote, mineiros em protesto enchiam as ruas centrais da capital, recebidos calorosamente pela população. Centenas de servidores públicos protestavam nas portas do Parlamento, onde falava o presidente do governo. Na quinta-feira houve passeatas e protestos em muitas cidades. Uma grande jornada de luta está marcada para a próxima quinta-feira (19 de julho), em dezenas de cidades. Somam-se para convocá-la setores que normalmente não estão juntos: Sindicatos majoritários (Comisiones Obreras e Unión General de los Trabajadores), centrais e sindicatos alternativos, setores do 15M, que articularam no ano passado o movimento dosindignados.
A indignação social não pára de crescer. Ninguém poderia imaginar, há apenas dois anos, que o país chegaria onde está. Direito econômicos e sociais que fizeram parte da vida quotidiana, durante décadas, hoje estão sendo liquidados. Falamos sem dúvida de uma regressão civilizatória. Há muito para se fazer. E, como escreveu há dias Rafael Poch, outro colunista de La Vanguardia, espalha-se na Europa a sensação de que Agora, somos todos gregos!

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Há 145 anos Marx lançava O Capital e entrava para História

As mais de 2500 páginas modelariam boa parte do pensamento político do século XX.



O Capital (Das Kapital), principal obra de Karl Marx, é publicado no dia 17 de julho de 1867. Desde então, a economia e a filosofia marxista foi objeto de estudos e polêmicas. Com base nelas foram fundados sindicatos e organizações, feitas revoluções e erigidos Estados.
São mais de 2500 páginas escritas ao longo de 15 anos. Marx conseguiu escrever na íntegra apenas o primeiro volume. Os outros dois tomos foram concluídos após sua morte graças a fragmentos, bilhetes e anotações deixadas ao amigo Friedrich Engels.
A obra desvendou as engrenagens do capitalismo. Muitos consideram-na o marco do pensamento socialista marxista. Nela são expostos conceitos econômicos complexos, como a mais-valia, capital constante e capital variável. Há ainda a análise sobre salário, força de trabalho, teoria da alienação, acumulação primitiva, ou seja, todos os aspectos do modo de produção capitalista, inclusive uma crítica sobre a teoria do valor-trabalho de Adam Smith e outras teorias dos economistas clássicos.
Preocupa-se amplamente com a questão da circulação do dinheiro, dos valores de troca e de usufruto, das taxas de lucro e forças de produtividade. Ele falava de "engolir de todos os povos pela rede do mercado mundial" e da necessidade de eliminar as relações que escravizam as pessoas.
O ideólogo da classe operária nunca vira uma fábrica por dentro. Para a sua obra de três volumes, pesquisou exaustivamente na biblioteca do Museu Britânico, em Londres. Lá, segundo suas próprias palavras,  "juntou-se enorme quantidade de material" sobre o tema.
Marx levou tempo até chegar à sua obra máxima. Cada vez mais preocupado com os problemas econômicos, publica Miséria da Filosofia, em 1847, em resposta ao livro do autor anarquista Proudhon A Filosofia da Miséria. Já demonstrava preocupação em erigir a economia política como ciência.
Em 1859 publicou Contribuição para a Crítica da Economia Política, que já continha dois capítulos: A mercadoria e A moeda, retomados em O Capital. Os seus textos eram escritos em cadernos de rascunho conhecidos como Grundrisse. A pequena Formações Econômicas Pré-capitalistas é uma das obras derivadas desse volumoso trabalho que se desdobraria nos Livros 1 a 3 de O Capital e no Livro 4, em que comenta teorias de outros autores.
Entre as várias opções de caminhos para expor suas ideias, Marx pensou publicar antes o Livro 4 e em unir o conteúdo do Livro 4 ao Livro 1. Decidiu, por fim, expor toda sua teoria primeiro para depois mostrar a de outros autores. Em O Capital, construiu um gigantesco complexo filosófico com os seus conhecimentos de Ciências Econômicas, História e Sociologia, mesclados com os frutos de sua atuação política. Suas conclusões foram apoiadas por numerosas notas de rodapé e citações de referência.
A ideia central era a convicção da derrocada da sociedade capitalista, à qual se seguiria a vitória do socialismo e depois do comunismo, libertando a classe trabalhadora da exploração dos capitalistas.
Com a publicação de O Capital, conquistou reconhecimento universal e, ao lado de Engels, foi elevado à categoria de herói do socialismo científico, para muitos um dogma irrefutável.
A bíblia do proletariado nunca se tornou realmente popular. É de leitura difícil. Críticos neo-marxistas consideram-na superada pelos acontecimentos reais e pela evolução da economia em âmbito global. Esses críticos acreditam que o desenvolvimento transcorreu, sob muitos aspectos, de forma diferente da que Marx esperava. Comparam a realidade de hoje com as teorias de Marx e sua validade em relação ao desenvolvimento real. Acreditam que exatamente assim é que se mantêm fieis ao espírito crítico de Karl Marx.

Fonte: Opera Mundi

terça-feira, 17 de julho de 2012

‘Mudança de regime’ na Síria: a verdadeira história





Os sírios que exigem reformas ditas democráticas não são maioria significativa no país, como eram na Tunísia ou no Egito



François-Alexandre Roy,
do Asia Times Online 



Quem assista às televisões e leia os jornais da mídia ocidental, só conhecerá a narrativa, repetida diariamente, segundo a qual a Síria estaria envolvida num levante democrático que seria extensão da Primavera Árabe. A verdadeira história é absolutamente outra. 

Os sírios que exigem reformas ditas democráticas não são maioria significativa no país, como eram na Tunísia ou no Egito. Além disso, nem todos os ‘combatentes da liberdade’, entre os quais o Exército Sírio Livre, são sírios. 

EUA e al-Qaeda: dessa vez, são aliados 

Houve muitas notícias segundo as quais as forças da ‘oposição síria’ seriam um cadinho de diferentes ideologias, de curdos separatistas a membros da al-Qaeda. Sabe-se que há soldados da Al-Qaeda entre as forças de oposição na Síria, como há também mercenários vindos diretamente da “Revolução Líbia” – outro bom exemplo de golpe de estado tratado como se fosse parte de alguma Primavera Árabe, pela imprensa-empresa ocidental. 

No início no levante na Síria, Ayman Al-Zawahiri, líder máximo da al-Qaeda, convocou diretamente combatentes da al-Qaeda e mercenários sunitas, para juntar-se às forças de oposição na Síria. Assim sendo, é bem evidentemente claro que EUA, al-Qaeda, países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estão hoje todos do mesmo lado, aliados, no conflito sírio – tentando um golpe de estado na Síria, sem qualquer preocupação com o futuro da Síria, depois de derrubado o governo de Bashar al-Assad. 

O jogo da Turquia 

O Conselho Nacional Sírio e o Exército Sírio Livre tampouco estão integrados, e nem sempre lutam do mesmo lado. Contudo, além de derrubar o estado policial de Assad, lhes caberia traçar algum plano coerente para o futuro da Síria pós-revolucionária. Mas o Conselho Nacional Sírio e o Exército Sírio Livre têm um importante traço comum: ambos são pesadamente apoiados pela Turquia, que conta com vir a ocupar lugar de mais destaque na região. 

Abdulbaset Sieda, o presidente sírio-curdo do Conselho Nacional Sírio, foi acusado por outros grupos curdos de só representar a agenda do governo turco – inimigos de muito tempo das populações curdas na região. O quartel-general e os campos de treinamento do Exército Sírio Livre são localizados na província de Hatay, sul da Turquia; foram ali instalados por forças especiais do Qatar. Através da Turquia, o Exército Sírio Livre também recebe armas (que foram usadas na Líbia); e, da OTAN, recebe equipamento de tecnologia avançada, para comunicações. 

Já há algum tempo, a Turquia trabalha para ampliar seu espaço de ação e influência no Oriente Médio. Com uma ‘revolução democrática’ acontecendo junto à sua fronteira leste, os turcos logo procuraram estimular a revolta, na esperança de vir a construir laços fortes com quem vier a governar a Síria, seja governo democrático ou ditador novo. Bom meio pelo qual a Turquia pode começar a construir laços com o futuro governo na Síria é apoiar a causa da ‘mudança de regime’ desde o início, inscrevendo-se entre as forças que tenham ajudado a derrubar Assad. 

Dia 22/6, a força aérea síria abateu um jato de combate F-4 turco, que, como diz a Síria, invadiu águas territoriais sírias. Além de reforço na presença militar turca na fronteira leste com a Síria, nada mais resultará desse incidente, porque a Turquia errou ao invadir águas territoriais sírias. 

Mas, ao derrubar o Phantom turco, o exército sírio mostrou que suas capacidades de defesa antiaérea estão instaladas e operantes. É o que basta para tornar impraticável qualquer coisa semelhante à tal “zona aérea de exclusão” que abriu caminho para o golpe contra a Líbia. É possível que muitos ainda insistam em outras explicações para o “incidente” com o F-4 turco; nenhum jornal ou noticiário de televisão ocidental noticiará o fato: os turcos foram apanhados em operação de espionagem, tentando recolher informação sobre as defesas antiaéreas sírias; é sinal claro de que há planos para outros tipos de agressão à Síria. 

A empresa-imprensa ocidental 

O modo como a empresa-imprensa ocidental apresenta os eventos que se desenrolam na Síria é o melhor indicador de que há um golpe em curso contra a Síria, chamado sempre “mudança de regime”. O ‘analista’, o ‘comentarista’ ou o ‘jornalista’ sempre só vê metade do fato, e sempre a metade que mais ajude a justificar e promover a agenda de ‘mudança de regime’ da grotesca coalizão de forças que,hoje, estão atacando a Síria: EUA e Turquia (dentro da OTAN), aliados da al-Qaeda e do Conselho de Cooperação do Golfo. 

Basta analisar o modo como a empresa-imprensa ocidental está cobrindo os desenvolvimentos do conflito na Síria, para ter certeza de que o que está em andamento na Síria nada tem a ver com Primavera Árabe e já é guerra civil provocada e ‘arrastada’ para dentro do território sírio. Absolutamente nenhum jornal, jornalista, especialista ou autoridade entrevistada nos veículos de mídia faz qualquer referência ao povo sírio ou a demandas dos próprios sírios. Todas as ‘matérias’ e ‘noticiários’ são carregados de imagens de bombardeios e matanças, sempre imediatamente declaradas ações criminosas do regime Assad. Mas sem qualquer tipo de prova. 

O mais recente massacre, acontecido em Houla, é bom exemplo do tipo de ação de guerra operado por jornais e jornalistas, contra a Síria: sem qualquer tipo de confirmação ou prova, as imagens que chegaram ao ocidente foram imediatamente identificadas como efeito da ação das forças de Assad. A BBC chegou a exibir imagem de centenas de cadáveres envolvidos em mortalhas brancas, identificados como vítimas do massacre em Houla. Não. Era foto feita no Iraque, em 2003, pelo fotógrafo Marco di Lauro... 

À guisa de legenda, em letras convenientemente microscópicas, a BBC notificava que “Essa imagem – que não pôde ser verificada – parece mostrar cadáveres de crianças mortas no massacre de Houla, à espera de serem enterrados.” A história espalhou-se pelo mundo, como argumento que comprovaria a crueldade do regime sírio, induzindo a opinião pública a aprovar alguma espécie de intervenção militar, para finalidades ‘humanitárias’, contra a Síria. 

Pouco depois, o autor da fotografia manifestou-se, o ‘jornalismo’ foi denunciado como fraude, e afinal noticiou-se que os reais autores do massacre haviam sido membros do Exército Sírio Livre fantasiados de shabiha (grupos de mercenários); e os mortos eram manifestantes sírios pró-Assad, cujas manifestações não recebem qualquer atenção dos ‘jornalistas’, jornais, comentaristas de televisão e colunistas e receberam tratamento diferente: a correção não foi tão amplamente divulgada quanto a notícia errada (ou propositalmente falsificada). 

E onde se veem, no ‘jornalismo’ das empresas de imprensa ocidental, imagens dos protestos pacíficos? Não há notícias, porque não há qualquer tipo de levante democrático ou Primavera Árabe na Síria, como dizem as empresas de imprensa no ocidente. O que há na Síria é guerra civil, na qual os ‘rebeldes’ são ‘importados’, não representam qualquer tipo de maioria da população e não estão absolutamente unidos sob qualquer tipo de plataforma política; absolutamente não se sabe por que, afinal, tanto lutam para derrubar o regime de Assad. 

Mais provas disso se veem nos confrontos sectários que irromperam no norte do Líbano. Toda e qualquer prova da guerra civil na Síria é censurada pelas empresas de imprensa ocidentais, porque não ajudariam a promover a causa do golpe contra Assad (‘mudança de regime’). A opinião pública tem de ser convencida de que o golpe não é golpe; que há “boas razões” para uma ‘mudança de regime’. 

Se o regime de Assad for afinal derrubado, será má notícia para o Irã e para o Hezbollah. O Irã estará cercado por “postos avançados” dos EUA em estados hospedeiros, a partir dos quais os EUA poderão, afinal, começar a atacar o regime iraniano: é o sonho, há vários anos, do complexo militar-midiático-industrial representado no Congresso dos EUA pelos neoconservadores dos dois principais partidos.

Mas, se houver ataque militar pelos exércitos dos EUA/OTAN para ‘libertar’ o povo sírio, como ‘libertaram’ o povo líbio ao preço de destruir a Líbia, acontecerá na Síria o que não aconteceu nem na Líbia, pelo menos até agora: guerra civil sem prazo para acabar, mais sangrenta do que se viu até agora. E que permanecerá absolutamente ocultada pelos jornais, ‘jornalistas’ e empresas de mídia do ocidente.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Nova onda de violência policial em São Paulo


Desde junho, quando PM praticou chacina brutal na Zona Leste, clima de terror alastrou-se pelas periferias, estimulado por silêncio dos jornais
Por Guilherme Boulos e Guilherme Simões*
Nas últimas semanas, a Polícia Militar tem sitiado vários bairros periféricos da Região Metropolitana de São Paulo. Numa suposta reação a ataques do crime organizado, policiais tomam comunidades, fecham ruas e abordam de forma indiscriminada e frequentemente agressiva os moradores. Como costuma ocorrer em casos como este, a “reação” é inteiramente desproporcional à ação. Além de desorientada.
Desde o início de junho, quando a ROTA protagonizou uma brutal chacina na Zona Leste, executando seis pessoas que estariam em uma “reunião do PCC”, o clima de terror alastrou-se pelas periferias. Segundo a própria PM, cerca de 100 mil pessoas foram abordadas entre os dias 24 e 30 de junho. Neste mesmo período, cerca de 400 pessoas foram presas. Mas estes números são apenas a face pública da situação.
Momentos como este, em que a polícia – estimulada pela maior parte da imprensa e pelo sentimento fascista de um setor da classe média – coloca-se como vítima, que precisa reagir em nome da lei e do Estado de Direito, são extremamente perigosos. Abre-se então a temporada de caça aos “criminosos”, identificados sem muita restrição aos pobres, moradores da periferia, negros e, preferencialmente, jovens. Julgamentos sumários, extermínios e acertos de contas são feitos em nome da lei e da ordem.
Crimes de Maio de 2006
Há seis anos o mesmo estado de São Paulo vivenciou uma situação análoga. O resultado foi a maior chacina, ainda que descentralizada, de que se tem notícia nas últimas décadas no Brasil. Entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, 493 pessoas, em sua maioria jovens da periferia, foram mortos pela PM. À época, associaram-se tais mortes a uma reação da PM aos ataques e os mortos a criminosos do PCC. Os relatos daquele maio sangrento foram recuperados e podem ser acessados por todos através do Movimento das Mães de Maio, organização de mulheres que perderam seus filhos na suposta reação ao crime organizado.
Esta Cruzada contra o “crime” de 2006 naturalmente não reduziu os índices de criminalidade no estado. Não era esse seu objetivo. É mais do que sabido que o combate ao crime organizado passa, antes de tudo, por enfrentar suas profundas ramificações dentro do próprio Estado e, em particular, da polícia. O que a chacina de 2006 representou foi uma oportunidade privilegiada de criminalização da pobreza, de extermínio sádico e de mostrar aos trabalhadores mais pobres qual deve ser o seu lugar nesta sociedade.
Pesadelo revivido
As últimas semanas nos fizeram reviver este pesadelo. Toques de recolher, prisões e mortes obscuras estão novamente sendo naturalizados pelo governo e imprensa sob o argumento do combate ao crime. Não nos parece natural que a PM imponha toques de recolher no Capão Redondo, Jardim São Luiz e Grajaú ou em regiões de Guarulhos, como ocorreu dias atrás.
No Capão Redondo, depois da morte de um policial que estava de folga, pelo menos 8 pessoas foram executadas por um grupo encapuzado. Após um destes extermínios, o do copeiro Eleandro Cavalcante de Abreu, de 21 anos, um ônibus foi incendiado em protesto. Entre 17 e 28 de junho já foram 21 assassinatos no bairro. Moradores do bairro Jd. São Bento Novo afirmam que a polícia baleou três jovens que não tinham sequer passagem pela polícia. No Jardim São Luiz, 6 jovens foram executados em situação semelhante.
O hospital do M’Boi Mirim, na mesma região, atendia cerca de 6 feridos por bala nos dias que seguiram os ataques. A média desse tipo de atendimento era de 2 por semana, segundo funcionários do hospital.
No Grajaú, também na zona sul, após ataque a uma base da PM, a quinta feira dia 27 foi de bastante temor para os moradores. Helicópteros e ostensiva presença da Força Tática impunham toque de recolher como forma de retaliação. Moradores do bairro dos Pimentas, em Guarulhos, afirmam que além do toque de recolher, cerca de 13 pessoas foram executadas nos últimos dias. No último dia 2 de julho, a Rota executou dois jovens em Sapopemba, zona leste da capital. Apenas entre os dias 17 e 28 de junho, 127 pessoas foram assassinadas, o que é 53% mais do que o mesmo período do ano passado.
Estas são apenas algumas das denúncias que conseguimos levantar. O próprio jornal Folha de S. Paulo publicou, no dia 5 de junho, que os homicídios cometidos por policiais da ROTA aumentaram 45% nos cinco primeiros meses deste ano em relação a 2001 e 104% em relação a 2010. Ou seja, antes mesmo dos ataques a bases da PM, que teriam provocado a “reação”, a polícia já estava num ataque crescente.
Todos sabem que a imensa maioria da população que vive na periferia não faz parte do crime organizado. Muito diferente disso, somos trabalhadores formais, informais, desempregados e quase sempre super-explorados. Em troca, direitos básicos nos são negados cotidianamente. Nossa pobreza é tratada como crime a ser punido e reprimido. A única face do Estado de Direito que se apresenta nas periferias é a polícia.
O governador Geraldo Alckimin foi à imprensa para dizer que quem enfrentar o Estado vai perder. Sua secretária de Justiça, Eloísa Arruda, já havia dito na ocasião do massacre do Pinheirinho que, para ela, a legalidade está acima dos direitos humanos. A senha foi dada. Enquanto isso, a chacina continua a céu aberto…


Membros da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos