Longe de encontrar uma nação próspera, os dissidentes foram atingidos com força total pela crise que afeta o país europeu
Por Salim Lamrani*, no Opera Mundi
Em 2010 e 2011, todos os chamados presos “políticos” cubanos foram libertados após a mediação da Igreja Católica Cubana e do governo espanhol. A maioria deles optou por se estabelecer na Espanha com suas respectivas famílias e começar uma nova vida. Mas o sonhado Eldorado europeu não existe em uma Península Ibérica atingida por uma grave crise econômica. Alguns querem até voltar para Cuba.
A pedido do Vaticano e do governo espanhol de José Luis Rodríguez Zapatero, a Igreja Católica cubana, liderada pelo cardeal Jaime Ortega, fez uma mediação com as autoridades de Havana que resultou, em 2010 e 2011, na libertação de 127 presos, entre os quais 52 eram considerados “políticos” pela Anistia Internacional. Segundo esta organização de defesa dos direitos humanos, atualmente não há nenhum preso de consciência em Cuba. A Igreja Católica Cubana compartilha esse ponto de vista.
Alguns setores acusaram o governo cubano, a Igreja Católica e o governo de Zapatero de forçar essas pessoas ao exílio. Vários meios de comunicação ocidentais repetiram esta versão. O Partido Popular espanhol (direita) denunciou “o desterro” dos opositores cubanos.
No entanto, esta versão dificilmente resiste à análise. Na realidade, das 127 pessoas libertadas no âmbito do acordo entre Havana, o Vaticano e Madri, 12 optaram por permanecer em Cuba. Laura Pollán, então porta-voz do grupo opositor “As Damas de Branco” e crítica ferrenha do governo cubano, foi clara a respeito: “Ninguém obrigou qualquer preso a sair do país. Quem disser o contrário estará mentindo”. Da mesma forma, vários dissidentes disseram que em nenhum momento as autoridades cubanas pediram que deixassem o país como condição para a sua libertação.
Fernando Ravsberg, correspondente da BBC em Havana, também negou essa alegação. Vários opositores que decidiram deixar o país confessaram a ele que “poderiam ter permanecido na ilha se quisessem. Garantem que em nenhum momento a ida para o exterior foi imposta a eles como condição para serem libertados”.
A dura realidade espanhola
Longe de encontrar uma nação próspera, os dissidentes cubanos foram atingidos com força total pela crise econômica que afeta a Espanha. A maior parte deles está sem trabalho, sem recursos e às vezes até mesmo sem teto, sendo acolhidos pelos abrigos da Cruz Vermelha. De acordo com a imprensa ibérica, “passado um ano de sua chegada, os exilados perderam o apoio do governo e os recursos estão se esgotando, pois a imensa maioria não conseguiu emprego estável”.
O novo governo espanhol de direita decidiu eliminar a ajuda concedida aos dissidentes cubanos um ano após a sua chegada e se recusou a estendê-la por 12 meses, como antes estava previsto, por razões econômicas. Na realidade, a Espanha gastou em média dois mil euros por mês por pessoa, ou seja, mais de 18 milhões de euros para cobrir as necessidades dos 115 opositores acompanhados de 648 familiares durante um ano. O custo foi considerado muito alto em um país com cinco milhões de desempregados, isto é, em torno de 25% da população ativa.
No entanto, o PP não hesitou em usá-los em sua guerra política contra Havana e levou quatro deles a Bruxelas para testemunhar e defender a necessidade de manter a Posição Comum da União Europeia em relação a Cuba (que limita as relações políticas, diplomáticas e culturais). Porém, mostrou-se pouco grato ao suspender o apoio, deixando assim os opositores cubanos com a amarga sensação de que haviam sido usados. Desde sua chegada à Espanha, eles não haviam deixado de expressar apoio ao PP e de criticar ao PSOE de Zapatero, que contribuiu para a sua libertação.
Então, os dissidentes cubanos decidiram recorrer a uma greve de fome para protestar contra esta decisão e expressar o seu “total abandono”. “É a única alternativa que nos resta”, declarou um deles, instalado em uma barraca em frente ao Ministério do Exterior espanhol.
Longe de serem atendidos pelas autoridades espanholas, os grevistas foram “brutalmente” desalojados e forçados a deixar a praça. Dawuimis Santana denunciou a violência policial de que foram vítimas: “eles foram arrastados pelo chão, bateram em seu rosto, no braço, um deles teve o nariz quebrado”. Quatro deles foram detidos. A polícia geralmente se mostra severa com manifestantes de todo tipo, e com os opositores cubanos não foi diferente. Alguns observadores notaram que o PP, sempre tão disposto a sair em defesa dos dissidentes cubanos e a denunciar a “opressão” de que eram vítimas na ilha, desta vez foi discreta em relação à atuação da polícia municipal de Madri contra eles.
José Manuel García Margallo, ministro do Exterior espanhol, reconheceu que o caso dos cubanos não era “simples” e que eles se encontravam “em uma situação difícil”. Mas rejeitou qualquer ideia de estender o auxílio financeiro por causa da crise econômica que varre o país. Comprometeu-se a no máximo a acelerar o processo de validação dos diplomas universitários.
Às vezes, o sofrimento enfrentado pelos opositores cubanos na Espanha assume contornos trágicos. Albert Santiago du Bouchet, instalado nas Ilhas Canárias desde a sua libertação, se suicidou em 4 de abril de 2012 porque não suportava que as autoridades espanholas o tivessem abandonado à própria sorte, eliminando a ajuda financeira mensal que lhe concediam. O governo espanhol rejeitou qualquer “ligação direta” entre o suicídio e a decisão de suspender a ajuda financeira. No entanto, sua família e vários amigos afirmaram que a situação financeira precária foi a principal causa da tragédia.
Retornar à Cuba?
Contra todas as probabilidades, vários dissidentes manifestaram a sua intenção de voltar para Cuba, na falta de poder viajar aos Estados Unidos, acusando a Espanha de abandono. “É melhor ficar em Cuba do que aqui nas ruas”, disse Ismara Sánchez. “Estou na rua desde 31 de março, porque não consigo pagar uma moradia”, queixou-se Idalmis Núñez. “Arrastamos nossas famílias para longe de casa e agora não temos como alimentá-las. Pela primeira vez na minha vida eu tenho peso na consciência. Tenho medo”, admitiu outro opositor. “As crianças não têm comida, não têm leite. E não podem ir à escola porque não têm dinheiro para o transporte”, manifestou o opositor Bermúdez.
Da mesma forma, Orlando Fundora e sua esposa tiveram de enfrentar condições tão difíceis que até sentiram saudade de sua terra natal. Em uma entrevista à BBC, Fundora confessou algo inesperado: “Comíamos melhor em Cuba”.
Na verdade, a decisão de voltar para Cuba não é tão surpreendente. Apesar dos recursos limitados da nação caribenha, das dificuldades e vicissitudes cotidianas geradas pelo estado de sítio econômico que os EUA impõem ao país desde 1960, que afeta todas as categorias da população e é o principal obstáculo ao desenvolvimento da nação, o governo de Havana construiu um sistema de proteção social relativamente eficaz, que atende às necessidades básicas da população.
Dessa forma, apesar dos pesares, 85% dos cubanos são donos de sua casa. Também se beneficiam do acesso gratuito à educação, à saúde e às atividades culturais. O cartão de racionamento permite que recebam todo mês, além do salário, uma alimentação de base suficiente para duas semanas. Assim, ninguém fica abandonado à própria sorte e o Estado se responsabiliza pelas categorias mais vulneráveis da sociedade. Por isso, apesar dos limites no âmbito dos recursos naturais, em Cuba não existem pessoas sem teto nem crianças desabrigadas. Além disso, em relação à infância, segundo a Unicef, Cuba é o único país do Terceiro Mundo onde não há desnutrição infantil.
Em última análise, a Europa não tem sido o Eldorado prometido aos opositores cubanos. Eles tiveram de enfrentar a brutal realidade econômica da Península Ibérica e descobriram que os mais vulneráveis eram rapidamente abandonados à própria sorte. Também puderam finalmente perceber que sua Ilha não é a ante-sala do inferno, apesar dos problemas cotidianos, e que o sistema de proteção social se responsabiliza pela proteção dos mais fracos.
* Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latinoamericanos pela Univerdade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor encarregado de cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu libro mais recente é Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba (“Estado de sítio. As sanções econômicas dos Estados Unidos contra Cuba”, em tradução livre), Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade. Contato: Salim.Lamrani@univ-mlv.fr
Fonte: Outras Palavras
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