terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Drones: agora, até norte-americanos são alvos

O drone modelo MQ-9 Reaper sobrevoa uma área de treinamento secreta.

Após vazamento, Casa Branca constrange-se — mas afirma que assassinatos extra-judiciais podem ser “legais, éticos e inteligentes”

Por João Novaes, do Opera Mundi

Na semana em que espera aprovar a nomeação de John Brennan para o cargo de novo diretor da CIA (Agência Central de Inteligência), a Casa Branca tem passado por uma verdadeira saia justa com a divulgação de uma série de notícias envolvendo suspeitas de violações de direitos humanos e utilização de ataques com drones (aviões militares não-tripulados).

Na noite desta terça-feira (05/02), o governo Obama não conseguiu explicar o conteúdo de uma matéria da rede norte-americana NBC, que exibiu um documento oficial do Departamento de Defesa. Nele o órgão procura justificar legalmente o uso de drones para matar cidadãos de nacionalidade norte-americana no exterior suspeitos de ligações com a rede terrorista Al Qaeda (leia a íntegra do documento aqui).

Também nesta terça, foi divulgado um relatório elaborado por uma ONG de direitos humanos que denunciou os EUA por coordenarem ações como prisões ilegais no exterior e extradições extrajudiciais contra 136 pessoas suspeitas de terrorismo, e que teriam contado com a cooperação de 54 países. Nesta quarta-feira (06/02), o Washington Post apurou que os EUA têm bases secretas de drones há dois anos na Arábia Saudita.

Todas essas notícias prometem atrapalhar a sabatina de Brennan no Senado, marcada para esta quinta-feira (07/02). Conselheiro de Obama para assuntos de contra-terrorismo, ele foi um dos principais entusiastas dos ataques com drones, e indicado pelo presidente no início de janeiro para ocupar o cargo.

Durante coletiva de imprensa diária realizada em Washington, o porta-voz da Presidência, Jay Carney, afirmou que “esses ataques [com drones] são legais, éticos e inteligentes”. Ele passou a maior parte da entrevista tendo de responder sobre os aviões. “Essa administração tem muito cuidado” ao decidir quem e quando ataca, enfatizou. “O presidente tem muito cuidado na hora de conduzir a guerra contra o terrorismo de acordo com a Constituição e as leis”.

De acordo com o documento, de 16 páginas, esse tipo de operação pode ser considerada legal se forem observadas três condições principais: 1) uma autoridade de alto-escalão e bem informada determinar que o alvo em questão represente uma ameaça iminente de ataque violento contra os EUA; 2) a captura do alvo se torne inviável, embora seu monitoramento ainda seja possível; 3) a operação seja realizada de forma consistente às leis de princípios de guerra.

O texto se estende sobre o conceito de “ataque iminente” e concede ao governo  que autorize a operação mesmo que não haja provas concretas de uma conspiração da Al Qaeda. O grupo “sempre efetuará tais ataques sempre e quando for possível para eles”, afirma o documento.

O informe divulgado pela NBC é um resumo derivado de um memorando legal datado de 2011, que foi entregue a alguns membros do Comitê de Justiça e Inteligência do Senado – a rede de TV não revelou como obteve acesso a ele.

O texto foi redigido meses antes do assassinato de Anwar al Aulaki, clérigo muçulmano nascido nos EUA e suspeito de pertencer à Al Qaeda. Aulaki foi morto em setembro de 2011 em decorrência de um ataque de drones no Iêmen. Na ocasião, além do clérigo, morreram seu filho, de 16 anos, e outras três pessoas de nacionalidade norte-americana.

Críticos à ação lembram que Aulaki era um cidadão norte-americano com direito ao devido processo legal, incluindo um pedido de prisão e um julgamento justo. Associações de direitos humanos afirmam que ele foi executado extrajudicialmente e entraram com ações na Justiça contra o governo pedindo esclarecimentos sobre os fundamentos jurídicos para tal operação.

O governo, no entanto, se recusou a tornar públicas qualquer informação relativa a execuções extrajudiciais, nem sequer confirmar sua existência.

Além disso, Carney não respondeu às perguntas se o filho de 16 anos de Aulaki também era um “perigo iminente” e se um presidente “que se opõe à tortura e a métodos de simulação de afogamento, não seria uma violação aos direitos humanos matar um cidadão norte-americano sem julgamento”.

Antes da matéria da NBC, um grupo de 11 senadores pediu a Obama por carta que se revelassem os motivos para a utilização de drones para abater alvos terroristas. Os senadores prometeram se opor às indicações do presidente para a CIA e o Pentágono caso os documentos não se tornassem públicos.

A ACLU (sigla em inglês da União Americana das Liberdades Civis) considerou, em comunicado, o memorando governamental sobre o uso de drones  como “profundamente preocupante”. A entidade justificou a sua preocupação com o fato de o governo ter a possibilidade  de matar uma pessoa “longe de um campo de batalha conhecido e sem qualquer  tipo de intervenção judicial, antes ou depois dos fatos”.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Assim a Folha de S.Paulo tenta silenciar seus críticos

Lino Bocchini, co-criador da “FAlha de S.Paulo” e um dos alvos do jornalão paulista. Ao contrário do “New York Times”, família Frias não suporta humor ou dissidências
Lino Bocchini, co-criador da “FAlha de S.Paulo” e um dos alvos do jornalão paulista.
Ao contrário do “New York Times”, família Frias não suporta humor ou dissidências


Incapaz de suportar paródia, jornal mantém processo contra irmãos Bocchini, da “FAlha de S.Paulo”. Julgamento vai a segunda instância, e confirma ameaças à liberdade de expressão

Por Renato Rovai, em seu blog

No próximo dia 20 será julgado, em segunda instância, o caso Falha de S.Paulo x Folha de S.Paulo

Trata-se de um julgamento de fundamental importância para a defesa da liberdade de expressão.

O site Falha de S.Paulo, criado pelos irmãos Mário e Lino Bocchini, era uma divertida paródia do jornal Folha de S.Paulo e brincava com os recorrentes erros da publicação da família Frias. Porém, Lino e Mário mexeram em um verdadeiro vespeiro. Uma vez parodiada, a Folha convocou ao ataque seus advogados

Com apenas um mês do site no ar, a Folha de S.Paulo entrou na Justiça e conseguiu censurá-lo. O juiz, em julgamento de primeira instância, determinou o congelamento da página por “concorrência desleal” e por provocar suposta “confusão” no leitor.

Pois bem, não vejo como o Falha de S.Paulo pode ser acusado de concorrência desleal contra o gigante Folha de S.Paulo. O Falha não tinha qualquer remuneração: assinantes, venda ou qualquer outra forma de obtenção de lucro. E muito menos pretendia concorrer com os Frias, uma vez que seus públicos são completamente distintos.

O mais interessante é que a ação movida pelo jornal sequer apresentava o argumento de “concorrência desleal”. A ação contra a Falha era baseada no suposto uso indevido da marca do periódico e na confusão que poderia gerar nos seus leitores.

Este caminho também está totalmente equivocado. FalhaFolha não se confundem. A brincadeira com o nome é simplesmente um recurso para que a paródia seja facilmente identificável com o seu alvo. O leitor jamais iria entrar no site Falha de S.Paulo e acreditar que está acessando o site da Folha. Um é uma paródia, com brincadeiras de uma ironia fina; o outro, pretende ser um site de notícias “sérias”.

Um dos casos concretos na jurisprudência apresentado pelo jornal na sua peça inicial refere-se a uma empresa que utilizou-se do nome Dall para a venda de computadores, causando assim confusão com a marca Dell entre os consumidores. Porém, neste caso, o intuito de ambas é o mesmo, a comercialização de produtos de informática. Algo completamente distinto do caso Folha x Falha, onde uma parte é uma empresa de comunicação com fins comerciais e, a outra, uma paródia sem qualquer finalidade comercial.

“O site não possuía sequer um banner comercial. A tese de confusão entre os sites é um desrespeito com o próprio leitor da Folha de S.Paulo. Não vejo como um leitor entraria em um site que, por exemplo, associa a figura do Otávio Frias com o personagem Darth Vaider, e acreditar que estava acessando o site da Folha”, afirma Lino Bocchini.

No campo dos exemplos, prefiro citar o que foi apresentado pelo relator especial da ONU, Frank La Rue, durante visita ao Brasil. La Rue citou o jornal norte-americano The New York Times, que já sofreu diversas sátiras semelhantes à Falha de S.Paulo, como a feita pelo site Not New York Times, e nunca acionou judicialmente aqueles que o criticavam.

“É o mais lógico”, disse o relator. “É interessante esse uso da ironia que vocês fizeram usando as palavras folha e falha. Uma das formas de manifestação mais combatidas hoje em dia, e que deve ser defendida, é o jornalismo irônico”, defendeu La Rue.

Apesar da tentativa de manipulação dos fatos pelos advogados da Folha de S.Paulo, o pano de fundo do julgamento passa longe de questões como concorrência desleal, uso indevido de marca ou confusão no público leitor. Trata-se de uma disputa judicial onde a questão central é a liberdade de expressão. O direito à paródia e à sátira como forma de crítica, não importando o quão poderoso seja o seu alvo.

Leia a análise de Lino Bochini sobre os possíveis desdobramentos do caso:

Esse julgamento é importante porque, segundo o próprio juiz de primeira instância, trata-se de um caso inédito na Justiça brasileira. A disputa que está posta, é um suposto desejo da Folha de defender sua marca e, de nossa parte, a defesa da liberdade de expressão. A jurisprudência que se abrirá para um lado é importantíssima. Em caso de vitória da Folha, outras empresas que quiserem censurar blogueiros ou qualquer conteúdo na internet ganhará uma nova arma. Bastará usar o mesmo argumento vago de “uso indevido da marca” e pronto. A boa notícia é que, no caso de vitória nossa, a jurisprudência que se abre é a favor da coletividade. Ou seja, se outra empresa quiser censurar alguém por via judicial, terá mais dificuldades.

Essa questão coletiva é um dos motivos que tornou o caso tão visado. O outro é o que nos motivou a criar a falha: seu jornalismo extremamente partidário, travestido de imparcial. Isso não é contra lei. Mas denunciar a hipocrisia do jornal, que tem lado e claras preferências políticas, também é permitido. E é esse direito que queremos ter assegurado.


domingo, 10 de fevereiro de 2013

Mali: palco da mais nova agressão imperialista

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Soldado da legião estrangeira francesa se mascara, em Niono, Mali

Por Hugo R C Souza

O palco da primeira agressão imperialista no ano de 2013 é o Mali, república africana que se soma assim ao Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria e outros países transformados em fronts das guerras movidas pelas potências capitalistas sob a bandeira não hasteada da repartilha do mundo, tendo em vista a profunda crise estrutural que corrói inexoravelmente o grande capital monopolista.

A bandeira que se hasteia para fazer sombra aos reais motivos das "intervenções" imperialistas mundo afora é a do combate ao "terrorismo" ou a do combate ao tráfico de drogas — ou ambas, como no caso do Mali.

A potência que assume o protagonismo da invasão da vez, a França, desembarca apressadamente suas tropas naquela nação não para libertar o povo, derrubar tiranos, defender a "democracia" ou patranhas do tipo, invariavelmente evocadas pela "comunidade internacional" para justificar suas investidas colonialistas, mas sim como que reivindicando algum "direito" sobre o Mali pelo fato de no passado, em tempos de um outro processo de partilha do mundo, na primeira metade do século XX, Paris ter exercido o papel de metrópole do atual território malinês, hoje semicolônia e no passado parte do Sudão Francês.

Quando do início da invasão, havia-se passado apenas três meses desde que a França assinara um "acordo" com a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) para encabeçar uma missão europeia que daria "apenas" treinamento com apoio logístico a uma intervenção no Mali promovida pelo bloco militar da Cedeao.

Mas o "socialista" François Hollande não resistiu e mandou invadir, deixando cair a máscara muito mal costurada do homem de "esquerda" que colocava na cara sempre que criticava, apenas por questões eleitoreiras, o belicismo de Nicolas Sarkozy. No dia 15 de janeiro, apenas quatro dias após o início da invasão, Hollande anunciou que iria triplicar o número de soldados franceses no Mali. 

Na Somália, franceses dão com os burros n’água
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Camponês decidido a defender sua casa
Não é a primeira vez que a França volta com seu exército atirando em suas "ex-colônias" africanas depois do muito mal designado processo de "descolonização" do continente. Já foi assim no Gabão, na República Centro-Africana, na Costa do Marfim e na República do Congo.

Desta feita, Paris conta com amplo apoio dos países que integram o seu bloco de poder no cenário do rufar dos tambores da repartilha imperialista do mundo — e da consequente guerra mundial que se anuncia. Grã-Bretanha, Dinamarca e, claro, os ianques já se apresentaram, e a ONU já avalizou a invasão.

Quem também avalizou a invasão, e contribuiu com ela, foi a gerência títere da semicolônia Argélia, que autorizou os aviões europeus utilizados na agressão a utilizar "sem restrições" o seu espaço aéreo e decidiu fechar a fronteira com o Mali. Logo um campo de produção de gás argelino foi tomado por guerrilheiros armados e dezenas de estrangeiros foram feitos reféns, em uma ação de retaliação pela invasão francesa do Mali. O exército da Argélia agiu com truculência, e o resultado foi de 73 mortos, entre reféns e sequestradores.

E assim começa 2013 no âmbito da geopolítica, a política do imperialismo: com um empurrão no processo de recolonização do continente africano pelas grandes potências. Mas não sem encontrar uma resistência tenaz dos diferentes povos daquela parte do mundo.

Ao mesmo tempo em que iniciava a invasão do Mali, a França atacava em outro ponto da África, na Somália, onde Paris tentou resgatar um espião flagrado e capturado pela luta armada local em 2009. Apesar de todo o aparato militar empregado na operação, e apesar da ajuda recebida dos ianques, os militares franceses foram rechaçados e tiveram que amargar o fracasso da iniciativa, com dois soldados mortos, e sem conseguir levar o seu "agente secreto" de volta para casa.

Efeito dominó

Para a maioria das pessoas, o conflito do Mali começou agora, com a aparição do país nos noticiários graças à invasão francesa. Porém, a coisa remonta à guerra da Líbia, também liderada pela França, entre as potências imperialistas que patrocinaram e executaram a invasão do país para deposição de Khadafi.

A morte de Khadafi, em outubro de 2011, e consequente desmantelamento de seu regime, trouxe várias mudanças para todo o norte da África. Os países vizinhos da Líbia, principalmente os mais obres, como o Mali, tinham em Khadafi um patrocinador para várias políticas, já que a velha raposa do deserto gostava de posar como grande liderança africana. O auxílio líbio ia desde vacinas até a construção dos edifícios onde funcionavam os ministérios malineses.

Porém, a maior contribuição de Khadafi para a relativa estabilidade da região talvez tenha sido o bom trânsito que desfrutava com as inúmeras tribos, muitas nômades e indomáveis, que povoam a região. Sua morte desestabilizou o frágil equilíbrio. A parte dos tuaregues que habita o Mali se insurgiu contra o Estado malinês e reivindica um país para si. Em parte equipados com despojos da guerra da Líbia, onde muitos deles lutaram, principalmente ao lado de Khadafi, empreenderam sua guerra de libertação, chegando a controlar vasta região do norte do país.

Para completar, em março de 2012, um golpe militar derrubou o presidente Toure, contribuindo para a ruína do já frágil Estado malinês.

O "socialismo" à francesa

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Caixa de munição (selo ianque) supostamente usada por 'rebeldes'
Após a eleição de Francois Hollande, em abril de 2012, as forças políticas oportunistas se rejubilaram, como se essa fosse a prova da viabilidade do socialismo até mesmo em um país imperialista pela via das eleições.

As primeiras medidas pirotécnicas de seu governo: redução do próprio salário de presidente (bem como de todos os outros trabalhadores e aposentados), elevação dos impostos sobre os mais ricos, etc., fizeram os militantes de internet divulgarem aos borbotões imagens de Hollande como símbolo da moralidade e de quem tem coragem de "cortar na própria carne", como se isso fosse socialismo.

As medidas antipovo e antitrabalhistas subsequentes, no entanto, logo se sobrepuseram e mostraram a verdadeira face do "socialismo" à francesa.

A invasão e ocupação do Mali por suas tropas é definitivamente a demonstração de que seu governo em nada difere do anterior, de Sarkozy, que comandou a invasão da Líbia. 

A imprensa dos monopólios da França exalta a coragem de Hollande de colocar novamente a França em condição de protagonismo mundial. Pois é, em época de repartilha do mundo pelas potências imperialistas, protagonismo é ficar com a maior parte do butim.