sexta-feira, 13 de junho de 2014

Protestos durante a Copa sofrem violenta repressão policial, mas resistência continua

Por Marcela Belchior

Durante um dia de protestos na abertura da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil, nesta quinta-feira, 12 de junho, manifestações foram marcadas pelo ataque das forças policiais, que agiram com truculência e reações desproporcionais, utilizando instrumentos de repressão, como bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, tiros de balas de borracha, além de detenções arbitrárias e falsas acusações. As resistências tendem a permanecerem presentes durante os jogos.

Uma repórter da Mídia Ninja, coletivo de jornalismo independente, foi presa em Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais) ao transmitir ao vivo o ato "Copa sem povo, tô na rua de novo”, e sofreu série de arbitrariedades por parte da Polícia Militar (PM). Segundo a Ninja, detida, Karinny Magalhães foi mantida por mais de uma hora no interior de uma viatura, conduzida em sigilo a um quartel, onde foi espancada por cinco policiais até perder a consciência. Em seguida, foi levada à delegacia, onde passou a noite, prestou depoimento e realizou exame de corpo de delito.

Ela é acusada de integrar um grupo que virou de ponta cabeça uma viatura da Polícia Civil durante protesto. No momento da ação, no entanto, Karinny estava filmando a manifestação, comprovando a falsa acusação. Outros 10 manifestantes também foram detidos.


No Rio de Janeiro, uma manifestação pacífica reuniu mais de 4 mil pessoas no bairro da Lapa. Ao final do ato, no entanto, manifestantes foram atacados pela PM, que utilizava, de maneira abusiva e violenta, spray de pimenta e bombas de ”efeito moral”. Pelo menos quatro manifestantes foram detidos para "averiguação”. Outro protesto, na Praia de Copacabana, nos arredores do FIFA Fan Fest, duas pessoas foram presas, acusadas de portar material explosivo.

Três integrantes do Mariachi, coletivo de midiativistas, sendo dois no Rio e outro em Belo Horizonte, foram presos por portarem máscaras de proteção para o nariz e um agasalho. Eles filmavam e fotografavam a ação da polícia.

Na avaliação de Mario Campagnani, integrante do Comitê Popular da Copa do Rio de Janeiro, a estratégia da polícia é gerar violência, criando justificativa para a repressão e criminalizando as manifestações diante da população. "Nós fazíamos um ato pacífico e a polícia começou a prender aleatoriamente. A polícia está trabalhando para criar esse confronto, está agindo de forma calculada”, afirmou, em entrevista à Adital.

Em São Paulo, cidade onde aconteceu a cerimônia de abertura do evento, houve protestos que resvalaram em confrontos entre a Tropa de Choque e manifestantes. Os atos se dividiram em quatro pontos da cidade e reuniram cerca de 730 pessoas. Em torno de 31 pessoas foram detidas e pelo menos dois manifestantes ficaram feridos.

O protesto concentrado na estação Tatuapé do metrô foi cercado e obstruído pelas tropas do batalhão de choque da PM. O metrô foi fechado para evitar a concentração de novos atos, impedindo a ida e vinda da população. A Favela do Moinho e a ocupação Copa do Povo seguiram com atividades culturais de críticas à organização da Copa.

"Nunca vi tanta polícia na rua. Acho que todo o efetivo estava em São Paulo para impedir qualquer manifestação”, comenta Tiago Almeida, integrante do Comitê Popular da Copa de São Paulo, em entrevista à Adital. "Os manifestantes insistiram e a polícia não deixou de jeito nenhum”, aponta.

Segundo ele, o comitê pretende manter-se nas ruas durante o Mundial, mas com estratégias diferentes, priorizando atos públicos de caráter mais lúdico, para denunciar as violações cometidas durante o processo de organização da Copa. "A gente percebeu que as pessoas estão deixando de ir às manifestações, até por medo da violência policial. Então, temos de nos reinventar”, indica Tiago. A ideia é manter a resistência popular, mas de maneira mais festiva.

Outras lutas também estavam nas ruas

Em Fortaleza, Estado do Ceará, uma manifestação dos trabalhadores da construção civil ocupou as ruas no início da manhã. À tarde, manifestantes e policiais entraram em confronto em frente à FIFA Fan Fest, na Praia de Iracema. O grupo de cerca de 200 pessoas realizava protesto em caminhada nos arredores contra as violações aos direitos humanos na organização do megaevento e pedindo a desmilitarização da polícia.

Em Belo Horizonte, há registro de que 15 pessoas foram detidas. Cerca de 2 mil manifestantes, além de palavras de ordem contra a FIFA, gritavam pela desmilitarização da polícia e carregavam faixas contra a "mídia golpista”. Em Brasília, dois manifestantes foram presos acusados de "desobediência”. Organizado pelo Comitê Popular da Copa do Distrito Federal, o ato reuniu centenas de pessoas em manifestação artística e lúdica. A polícia, em contraponto, não cedeu espaço para o livre direito de manifestação, garantido pela Constituição Federal.

Em Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, cerca de 2 mil pessoas estiveram nas ruas. A marcha denunciava desapropriações, mortes nas construções dos estádios e demais arbitrariedades cometidas nos preparativos para a Copa do Mundo na cidade. Em Florianópolis (Estado de Santa Catarina) e Belém (Pará) também houve protestos contra os gastos excessivos com a Copa e as imposições da FIFA no país.

Jornalistas atingidos

Em São Paulo, durante o protesto, pelo menos quatro jornalistas ficaram feridos. Duas jornalistas estadunidenses foram atingidas por estilhaços de bombas de efeito moral arremessadas pela polícia, tendo ferimentos leves. Um assistente de câmera de uma emissora brasileira também foi atingido por estilhaços de bomba, ficando ferido no rosto, mas seguiu trabalhando na cobertura do evento, com curativos.

Um jornalista argentino sofreu uma pancada na perna enquanto tentava correr durante um confronto entre a força policial e manifestantes. Outro profissional da mídia de uma equipe de televisão francesa foi ferido com um disparo de bala de borracha. Na cidade de Belo Horizonte, um jornalista foi atingido na cabeça por um objeto ainda não identificado e teve traumatismo craniano leve. Ele não usava capacete. Foi encaminhado ao hospital e está em estado estável. Todos esses ferimentos foram causados por ações da polícia.




Fonte: Adital

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Vaias e xingamentos contra Dilma vieram da área VIP com ingressos a R$ 990 e cortesias para artistas globais



Vergonha!

Sabe de onde iniciaram as vaias e xingamentos contra a presidenta Dilma Rousseff (PT) no jogo Brasil e Croácia na abertura da Copa do Mundo na Arena Corinthians?

Da área VIP do estádio, composta basicamente por quem pagou R$ 990,00 nos ingressos e por “celebridades”, principalmente artistas da Rede Globo de Televisão e demais redes de TV.

A maioria desses artistas entraram de graça no estádio, com ingressos cortesias.

É esse tipo de gente que desrespeita uma senhora ao lado de sua filha, e que não aceita a redução das desigualdades sociais no Brasil nos últimos 10 anos.

As fotos são ilustrativas. O Blog do Tarso não está dizendo que estes artistas é que ofenderam a presidenta.

Em tempo: Juca Kfouri na ESPN informou que os trabalhadores presentes na Arena Corinthians disseram que não gostaram das ofensas contra Dilma vindas dos endinheirados.






quarta-feira, 11 de junho de 2014

Não teve Copa - Vladimir Safatle


Por Vladimir Safatle

A ideia parecia perfeita. Depois de 12 anos de continuidade com programas importantes de transferência de renda, que levaram 32 milhões de brasileiros à classe média, o Brasil estaria em condições de mostrar ao mundo sua nova imagem. Seria a consagração do país diante do cenário internacional.

Mostraríamos um Brasil alegre, orgulhoso de si mesmo, onde empreiteiras e trabalhadores cantam de mãos dadas o hino nacional e se veem como sócios em um novo e radiante momento de desenvolvimento. Publicitários estariam a postos para mobilizar afetos de superação entre um gole e outro de Coca-Cola. Só sorriso no ar.

Essa era a verdadeira função da Copa do Mundo: completar a narrativa política da transformação nacional apelando ao acolhimento do olhar estrangeiro.


Bem, o problema é que não teve Copa. Houve jogos, um campeão, estádios em Brasília, Cuiabá e Manaus, mas não houve Copa. Não apenas porque apareceu uma outra imagem do país: essa da nação que se estagnou em um ponto no qual o desenvolvimento não consegue se transformar mais em qualidade efetiva de vida. Ponto no qual operários são mortos em construção como algo que, nas palavras de Pelé, “é normal, pode acontecer”, quase como uma lei da natureza. Na verdade, não houve Copa do Mundo porque o povo brasileiro saiu do lugar.

Ele tinha um lugar previamente definido. Sua função era celebrar e aclamar. Com casas pintadas de verde e amarelo e, como se diz, com “alegria contagiante”, o povo brasileiro deveria abraçar seu novo lugar no mundo. Mas algo saiu definitivamente do lugar. O enorme aparato policial-militar montado para impedir que o povo saia da coreografia da felicidade imposta e a brutalidade governamental contra grevistas, como vemos mais uma vez em São Paulo, tudo está aí para não deixar negar. Não, o povo brasileiro não está feliz, pois se sente como alguém que teve sua paixão usada por outros.


Sinal dos tempos. 

No chamado “país do futebol” pela primeira vez uma Copa do Mundo não trará dividendos políticos, mas mostrará uma população consciente da tentativa de espoliar seus sonhos. População cuja revolta pode explodir a qualquer momento, da forma mais inesperada possível, mesmo que seja governada por pessoas que nada mais tem a oferecer a não ser a polícia.


Algo mudou de maneira profunda, mas os publicitários, estrategistas e políticos não perceberam. Não há grande evento que consiga esconder o desencanto de um povo.

Por isso, nada mais honesto do que dizer: não teve Copa. E quem mais ganhou com isso foi o Brasil.

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Texto do filósofo Vladimir Safatle

Retirado do perfil no Facebook do Dep. Federal Chico Alencar

terça-feira, 10 de junho de 2014

Manifestações nas ruas, as eleições em 2014 e a política do Bem X Mal



Por Sérgio Botton Barcellos,

Os movimentos sociais estão mobilizados e na resistência faz muito tempo, como os Movimentos pelo transporte, Movimento dos atingidos pelos grandes empreendimentos (Vale do Rio Doce, Belo Monte etc.) e Comitês Populares da Copa do Mundo, Movimentos Feministas, Movimento GLBT’s, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento dos Sem Emprego, Comissões Pastorais, Movimento Estudantil e uma grande variedade de outros movimentos.

Os dois últimos governos Lula e o governo Dilma representam uma construção histórica e anos de luta de uma significativa parcela da classe trabalhadora no Brasil, protagonistas em algumas mudanças muito bem avaliadas na vida imediata do povo brasileiro, como, por exemplo, as políticas de redistribuição de renda e o ensino superior. Contudo, não é por isso que não podemos questionar se as ações do governo desestabilizam ou mantém os aparatos de Estado que produzem desigualdade e injustiça social no Brasil. E por isso parece importante questionar: Qual Copa estamos tendo e quais olimpíadas teremos em 2016? Lembrando que a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil não passaram por plebiscito ou referendo popular.

As grandes manifestações estão reiniciando e parece que não vão parar mesmo com a forte repressão policial, pelo menos até o final da Copa do Mundo. Observar e estar atento nas ruas é importante, até para disputar os rumos desse processo histórico. Paulo Freire já dizia algo do tipo “a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”.


Nem todo mundo está indo para a rua por conta dos gastos da Copa, mas por uma série de motivos, desde @s “coxinhas” oportunistas, até grupos como o MTST e categorias em greve, como professores, vigilantes, rodoviários e demais grupos que lutam por mais dignidade no trabalho e os povos indígenas que tentam, de maneira legítima, chamar a atenção internacional sobre a violação dos seus Direitos Humanos. Esses grupos vão querer ocupar a cena da Copa do Mundo 2014. Lembrando que essa apropriação ocorreu em outras copas do mundo, como foi, por exemplo, em 1978 com a ação das mães da Praça de Maio na Copa da Argentina.

Entretanto, só pautar os gastos da Copa nas manifestações parece ser inócuo e não traz muitos avanços para questões de fundo e problemas que nos perseguem há muito tempo. Para começo de conversa, quando se fala em gastos públicos no Brasil, o debate poderia incluir uma revisão da nossa Dívida Pública, que o atual governo insiste em continuar pagando e que consome entre 45-50% do PIB para bancos e especuladores, e questionar porque não se faz uma auditoria dessa dívida. O Equador fez uma auditoria e averiguaram diversas irregularidades, chegando a anular 70% da sua dívida.

Outro ponto é que essas manifestações também são uma resposta à negligência com as políticas relacionadas à juventude e aos direitos sociais básicos, como a questão das reformas urbana e agrária, da mobilidade e a falta de planejamento diante do atual momento demográfico do país, com a maior população em faixa etária jovem da história. Desde junho do ano passado quem vai para as ruas em grande parte são jovens.

Contudo, se observa muitos discursos e ações políticas na mídia, na blogsfera e nas redes sociais que atuam na produção de um discurso as vésperas das eleições e da Copa do Mundo, que coloca de um lado, o governo Dilma (desconsiderando o amplo leque ideológico de alianças) como “esquerda”, e, por outro, Aécio (PSDB), Eduardo Campos (PSB) e os manifestantes nas ruas do Brasil (sobretudo os Black Blocs) como a “direita” ou “quem não quer o bem do Brasil”. Esta visão, que nasce no seio governista, começou mais forte, aqui e ali, em especial desde junho de 2013, pois foi à forma dicotômica e maniqueísta que encontraram para politizar sua base social sobre as manifestações ocasionadas pela precária mobilidade da população, a falta de um projeto de reforma urbana e agrária, gentrificação das cidades sede de megaeventos e a reação sobre a desmedida violência policial no Brasil.


Alguns membros do governo, governistas e outros “istas”, ao criticarem e colocarem todos “no mesmo saco”, como os manifestantes que vão às ruas protestar – os indígenas, a galera do “Não vai ter Copa”, “Copa para quem?”, Coxinhas de direita, os Black Blocs, categorias de trabalhadores e outros -, pejorativamente tentam desqualificar e reprimir seus supostos opositores. Da mesma forma, muitos “oposicionistas” fazem isso com a coisa dos “PTralhas”, “CorruPTos”, “comunistas” e seus reclames pela perda pequena e gradual dos privilégios elitistas que tinham antes.

Esses grupos ao fazerem isso e ao não realizarem a autocrítica sobre a sua ação política e a falta de diálogo com esses grupos sociais, não apenas estabelecem uma retórica contraditória, mas também estimulam a repetição e a banalização de uma atitude autoritária, o que, sob o reino do cinismo, como indica Safatle (2008), tende a gerar uma inércia na forma de agir, pois o sujeito se automatiza e reflete de uma forma banal sobre o seu próprio ato.

Isso se cristaliza na superexposição de algumas lutas pela mídia e pelas redes sociais, quase com caráter “sagrado”, e na desqualificação e criminalização cotidiana de outras lutas, criando estereótipos a partir de temas que acabam sendo pouco aprofundados, como por exemplo, a questão da violência policial e do dito vandalismo: quem o produz de fato, quem tem o poder oficial de exercê-lo, como o faz e com quais objetivos. O sistema elabora muitas armadilhas para a gente se confundir ou para nos ocuparmos fazendo coisas que até parecem interessantes, mas que não vão ao “X da questão”. Em relação a isso, Noam Chomsky em um dos seus escritos abordou as estratégias de manipulação das informações e da mídia.


A visão e o estímulo a uma leitura da realidade de forma dual e maniqueísta entre esquerda e direita no atual estágio do capitalismo, parecem estimular uma cultura política rasa e estática na compreensão da realidade em relação às manifestações ou a eleição presidencial. Esse tipo de postura favorece uma visão idealizada na qual quem parece não estar concordando com tudo que a “esquerda” está fazendo, necessariamente está fazendo o jogo da “direita” que tem um modelo elitista e anti-social de governar. O estímulo à formação desse tipo de cultura política é bastante influente e se entrelaça com discursos de democracia, fazendo com que diretrizes conservadoras, autoritárias e excludentes se reconfigurem e se apresentem com um revestimento e um viés popular e democratizante (Zizek, 2013).

Além dos grandes meios de comunicação, as redes sociais estão sendo um território fértil para esse tipo de disputa, que gradualmente estimulam uma visão muito, mas muito restrita e uma cultura política aparente e banal, que rememora em certa medida as peripécias e a forma de fazer política de Luís Bonaparte relatadas em 18 Brumário de Karl Marx (aliás, os “bolados e políticos de facebook” com suas postagens e eventos me fazem lembrar dos dezembristas).

O poder social e econômico que rege as relações políticas nos governos, não é só garantido por aparatos repressivos do Estado como a nossa polícia repressora e defensora das elites, mas é garantido pela formação de hegemonia cultural a partir do controle do sistema educacional, das instituições religiosas e dos meios de comunicação. Essas instituições influenciam na formação e condicionamento de um conjunto de pressupostos, normas, crenças, valores e atitudes políticas inerentes e presentes em uma sociedade, quase espontâneas, formando blocos de poder na sociedade.

Essa cultura política que se engendra em um conjunto de ações e relações, como as que levam a essa visão dual de Bem x Mal na disputa eleitoral e na formação de opinião sobre quem poderá gerar as transformações e a igualdade social no Brasil, além de ocorrer na disputa eleitoral, passam pelos organismos sociais e políticos; por exemplo, a escola, partidos, igreja, meios de comunicação, movimentos sociais, família etc. Nesse sentido, o que temos enquanto sociedade e democracia representativa, que elege os representantes pelo voto obrigatório, perpassa também a relação de cada pessoa com a política no dia a dia, a partir dos mecanismos de coerção e de consenso para o questionamento ou a manutenção da dominação de grupos restritos sobre a sociedade e as suas instituições. E nós, a todo o momento, mesmo achando que não, interagimos com isso, seja no off ou on line.

Se limitarmos a nossa cultura e formação política a uma visão sectária e maniqueísta tenderemos a fazer parte do jogo que dizemos não fazer parte. Sejamos francos, atualmente qual dos (as) candidatos (as) que estão liderando as pesquisas para presidente oferecem uma discussão sobre uma transformação de sistema social, econômico e político, ou aborda efetivamente aspectos utópicos para um Brasil com igualdade e justiça social? É importante rememorarmos que os (as) candidatos (as) a cargos eletivos ao executivo e legislativo são sujeitos, como nós, que representam nesse tempo e espaço uma forma de ser e estar em nossa sociedade.

Lembrando que mesmo que nos façamos de desentendidos, por exemplo, com as cenas de barbárie como os linchamentos, os casos de justiça com as próprias mãos recentes e os constantes abusos de autoridade das polícias no Brasil (os que são denunciados e noticiados) são componentes, em alguma medida, de uma cultura política dicotômica e maniqueísta sobre a sociedade que vivemos. Entretanto, na hora que acontece algo assim, todo mundo quer “lavar as mãos” perante a opinião pública e eximir-se do estímulo a essa política cotidiana.

O aparente é denso. Vivemos em sociedade e por mais que o sistema tenha inculcado em nossas mentes o individualismo e o consumismo nas relações humanas, coexistimos e convivemos em sociedade, onde somos todos responsáveis de alguma maneira pela vida que temos em conjunto, tanto pelos nossos atos, como nossas omissões. Assumir isso pode ser um primeiro ou um dos passos para outra forma de viver diferente desta. Além de rotular manifestantes ou eleger alguém, algumas questões podem ser necessárias e possíveis de ser pensadas, como: Qual o Estado e a democracia que queremos? Estado e democracia para quê e para quem?

(*)Sérgio Botton Barcellos é pesquisador. Doutor em Ciências Sociais pelo CPDA/UFRRJ.




segunda-feira, 9 de junho de 2014

MTST, o novo protagonista

Na capital paulista, o MTST reúne mais de 20 mil manifestantes



Há cinco anos, Wilson Barbosa saiu de Oeiras, Piauí, para trabalhar em São Paulo. Na época, o então faxineiro pagava 350 reais para alugar a casa onde morava com a esposa e dois filhos no extremo da zona leste. Hoje, com 30 anos, trabalha como porteiro de um prédio e recebe um salário maior. Mesmo assim, não consegue mais pagar a locação de um imóvel. “Eu ganho 1.015 reais como porteiro, e 600 vão para o aluguel. Tenho de pagar uma pessoa para olhar um filho, aí são mais 200 reais. Além disso, tem a van para ir à escola. Assim fica difícil, mesmo com a ajuda da minha esposa, que trabalha em uma lanchonete.”

Espremido pelo aumento do custo de vida, Barbosa soube da ocupação de um terreno abandonado na zona leste da cidade pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Lá, ergueu um barraco e agora tenta conseguir um lugar para morar. O piauiense é um dos milhares de cidadãos que tiveram contato com o movimento pela primeira vez no último ano. Nas ocupações, a reportagem de CartaCapital conversou com dezenas de desalojados em situações parecidas.


Com a adesão de desafortunados como Barbosa, o MTST fez as maiores manifestações na cidade desde junho do ano passado. Durante os rolezinhos, quando jovens eram impedidos de entrar em shoppings, eles protestaram diante dos centros de compra. Também interditaram ruas dezenas de vezes e realizaram marchas com mais de 20 mil militantes. E o Plano Diretor de São Paulo, a lei que regula como e para onde a cidade deve crescer, só caminha graças aos persistentes protestos do grupo em frente à Câmara de Vereadores. Além disso, milhares de famílias ocuparam cinco terrenos na periferia.

O movimento atribui o fôlego e a atenção sem precedentes a dois motivos: um diálogo constante com a população e o agravamento dos problemas urbanos. “Boa parte dos movimentos populares e organizações de esquerda deixou de fazer o trabalho pela base. E isso é o feijão com arroz, o que precisa ser feito para acumular força”, diz Guilherme Boulos, coordenador do movimento. “O crescimento econômico na década de 2000, na era ‘lulista’, trouxe um efeito colateral perverso: a especulação imobiliária.” Para Boulos, isso ocorreu pelo crescimento ter se baseado no crédito e em estímulos às empresas de construção civil, com o Minha Casa Minha Vida, e pesada, com o Programa de Aceleração do Crescimento. “Por não haver controle desse mercado, a consequência é o aumento da especulação, do valor dos aluguéis e a expulsão de moradores para lugares cada vez mais distantes.”


São Paulo é onde esse problema é mais agudo no País e, consequentemente, em que mais se concentram as ações do movimento. Dados da Fundação João Pinheiro, conveniada ao Ministério das Cidades, revelam que a cidade tem o maior déficit habitacional do País, de 700 mil unidades. A situação paulistana tem se tornado ainda mais crítica nos últimos anos. Segundo o Secovi-SP, sindicato patronal do setor imobiliário, o preço do aluguel em Itaquera, zona leste, subiu 140% nos últimos cinco anos. Naquela região, o movimento fez sua ação mais chamativa onde Barbosa levantou seu barraco, a ocupação Copa do Povo, localizada a 4 quilômetros do estádio-sede da abertura da Copa do Mundo.

O movimento critica os impactos gerados pela Copa, as remoções, os estímulos às construtoras e as consequências das obras. As ações do MTST não usam o slogan Não Vai Ter Copa, mas sim Copa Sem Povo, Tô na Rua de Novo. O Mundial fez crescer a especulação urbana e a segregação na cidade. Seria, portanto, um momento para lutar por direitos dos trabalhadores.

A ideia de batizar a ocupação com um nome relacionado ao evento foi bem-sucedida. Hoje são 5 mil famílias no lugar, em sua maioria recém-chegadas ao movimento. O local é organizado seguindo regras de um regimento interno votado pelos moradores. Os banheiros e as cozinhas são coletivos, o uso de drogas e bebidas em locais abertos é proibido e brigas ou qualquer tipo de preconceito podem levar à expulsão. O comércio não é autorizado, o que faz vendedores de cachorro-quente e bebidas se instalarem ao redor da ocupação.


Os barracos da ocupação não devem se transformar em moradias permanentes, como aconteceu em antigas ocupações da periferia paulistana, onde as edificações resultaram em bairros precários e desordenados. Para o movimento, a ocupação do terreno com lonas pretas é um meio para obter moradia de qualidade no futuro e outros serviços, e não um fim em si mesmo.

O movimento visto em Itaquera é fruto de um trabalho iniciado há 17 anos dentro do MST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. O movimento rural organizou uma ocupação urbana em Campinas e a batizou com o nome de um militante morto no massacre de Eldorado dos Carajás, Oziel Alves Pereira. No auge da mobilização, mais de 30 mil militantes moravam no local.

Zezito Alves, o Zito, teve contato com o movimento quando ocupou um terreno abandonado em Itapevi e buscou o auxílio dos acampados em Campinas. Hoje, com 42 anos, o ajudante de obras é um dos militantes mais antigos. Zito diz que a breve ocupação de um terreno da Volkswagen em São Bernardo do Campo, em 2003, foi o momento mais importante do movimento. No mesmo ano em que Lula assumia a Presidência, o MTST crescia e ganhava uma organização com características próprias. “Independente de quem for o partido no poder, nós vamos pra cima. E a gente sabe que o MST e outros movimentos têm um vínculo forte com o PT, apesar de não serem partidários”, diz Zito. “Com o PT no poder, a habitação não avançou muito, mas foi mais fácil dialogar. Somos críticos do programa Minha Casa Minha Vida, porque ele não resolve nossos problemas. Foi importante lançar esse programa? Foi. Mas precisamos de muitos mais ganhos para a população carente.”


Nesse período, o MTST não participou de eleições ou apoiou candidatos abertamente. Seus militantes também não integram conselhos e órgãos onde movimentos petistas ligados à moradia atuam. Apesar disso, o MTST está aberto ao diálogo. Este ano, já se encontraram com a presidenta Dilma Rousseff, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad. “Quando você tem milhares em um movimento com uma luta concreta por um direito social, você precisa dar uma resposta para essas demandas, e é inevitável que você tenha de negociar”, justifica Boulos. “A diferença é se você negocia ajoelhado ou se dialoga de pé. Se vai por dentro da institucionalidade, você dialoga dentro da lógica do favor. Se você dialoga por fora, marchando e fazendo luta, você dialoga de igual para igual.”

À frente das negociações com agentes públicos, Boulos tornou-se o nome mais conhecido do MTST. Filho de Marcos Boulos, professor da USP, e formado em Filosofia pela mesma universidade, entrou para o movimento em 2002 e foi viver com os sem-teto. Boulos, porém, não gosta de falar do lado franciscano da sua história de vida. “A imprensa brasileira tem uma irresistível tendência à fofoca. Com raras exceções, boa parte do que se publica nos principais jornais poderia caber nas páginas da Carasou da Contigo! Dessa forma, escondem-se as pautas e as razões fundamentais de um processo como o que estamos fazendo. Nós não queremos corroborar com isso.”

As pautas variam entre as demandas locais e mudanças mais amplas na política urbana. Com o Plano Diretor, a ocupação Nova Palestina, na estrada do M’Boi Mirim, pode ser destinada à moradia graças à mudança em seu zoneamento. No caso da Copa do Povo, o MTST reivindica a desapropriação do milionário terreno, da Viver Incorporadora, por causa da milionária dívida desta com a prefeitura.


Nacionalmente, o grupo pede a ampliação das faixas de renda atendidas pelo programa Minha Casa Minha Vida, para famílias com renda igual ou inferior a seis salários mínimos. Também luta pela expansão da modalidade Entidades do programa habitacional. Nela, em vez de o dinheiro ir do governo à empreiteira, o dinheiro é destinado ao movimento social ou outra entidade, responsável por decidir como será a construção e estabelecer quem ganhará a moradia dentro das normas do programa.

Em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, o MTST mantém um empreendimento do programa onde são construídos apartamentos com mais de 60 metros quadrados, muito acima dos 39,6 metros quadrados do padrão mínimo do programa federal. O movimento alega que esse modelo gera eficiência maior, pois diminuir o lucro das empresas permitiria a construção de moradias maiores e melhores.

Ao menos 380 famílias receberão as chaves de casa até o fim do ano em Taboão. Manter mobilizada a militância que consegue uma moradia é um dos desafios do MTST. Ao contrário dos assentamentos rurais, onde casa e trabalho se confundem, nada impede que um integrante deixe o movimento após conseguir uma casa. Para Boulos, a educação é um antídoto contra a desmobilização. “Naturalmente, boa parte vai querer só a sua reivindicação e depois vai parar. E é legítimo. Agora, o movimento tem uma proposta para além da moradia, e uma parte dos manifestantes se convence dela. Lenin dizia que uma greve vale mais do que cem livros, do ponto de vista da formação do operário. Uma ocupação vale mais que cem livros para um trabalhador que participa delas.”

Por ora, a perda de militantes não parece ser um problema no caldeirão das grandes cidades, os sem-teto elevam-se na fervura. Se há um movimento capaz de chamar a atenção durante a Copa, este é o MTST.

*Entrevista publicada originalmente na edição 802 de CartaCapital com o título "Os novos protagonistas"




domingo, 8 de junho de 2014

Qual a “culpa” do PT?




Não sou petista e tenho fortes críticas aos governos Lula e Dilma.

Por Elaine Tavares*

Tendo votado no PT em 2002 e esperando que o governo avançasse em, pelo menos, algumas questões estruturais, acabei sendo uma das lideranças sindicais de esquerda ( à época estava na coordenação do SINTUFSC), que, logo em seguida da posse – três meses depois – já denunciava o grande golpe dado nos trabalhadores públicos com a contra-reforma da Previdência. Assim, deixando claro aos provocadores de plantão, tenho, desde então, observado com olhar crítico a ação governamental petista, e não posso deixar de dizer que muito me incomoda essa enxurrada de bobagens – obviamente eleitoreiras - que tem sido ditas nas redes sociais sobres os males do nosso país.

As pessoas estão morrendo nos hospitais. Não é "culpa" do PT. Também, mas não só. Desde sempre, nos sucessivos governos da República, e antes, do Império, que a saúde das populações empobrecidas está entregue às moscas. Os hospitais sempre estiveram lotados e sem condições de atendimento, porque os municípios – governados pelos mais diferentes partidos - administram mal a política de saúde, com postos sem médico e precariamente equipados. A educação vai mal. É verdade! Mas, quando não foi? Desde quando que os pequeninos das comunidades rurais, ou das áreas urbanas empobrecidas tiveram condições reais de estudar? Em qual governo isso se deu?

As grandes cidades se enchem com as chuvas? Obviamente. Desde o início do processo de desenvolvimento urbano que a organização das cidades não respeita o leito dos rios, córregos e ribeirões. Mas, quantos foram os governo que sucessivamente passaram, apostando nessa lógica insana do crescimento a qualquer preço, sem levar em consideração a realidade da natureza?

O PT tem a sua cota de responsabilidade, é claro. Esperava-se que por vir de raízes populares tivesse outra forma de lidar com os problemas. Mas, não aconteceu. Apesar de ao longo dos governos de Lula e Dilma terem crescido as políticas sociais voltadas aos empobrecidos, o governo petista não tocou nos grandes nós estruturais. Muita gente saiu da miséria absoluta, e isso é coisa louvável. As políticas de distribuição de renda, ainda que ínfimas, em alguns lugares e para algumas famílias significam a linha entre a vida e a morte. Mas, ainda são políticas compensatórias que raramente emancipam.

Milhares de jovens no interior desse país agora podem cursar a universidade. É um fato. Os governos petistas criaram universidades em lugares inauditos, inimagináveis. E propiciaram que outras tantas faculdades privadas surgissem nas cidades mais longínquas. Como negar a importância disso? O ensino não tem muita qualidade, os empresários da educação enchem seus bolsos, mas alguns jovens que jamais teriam oportunidade de cursar o terceiro grau, o estão fazendo. Precariamente, é certo, mas há os que se superam e vão adiante. Sempre fiz a crítica às políticas de engordamento do bolso privado e sigo fazendo. Mas, já me emocionei com famílias amigas que foram ver a formatura de seus filhos, coisa impensável até alguns anos atrás em uma cidade como Cristalina, interior de Goiás, ou João Pinheiro, interior de Minas. Também é importante a consolidação da política de cotas, que trouxe os negros e os índios para dentro dos muros das universidades, obrigando uma das instituições mais fechadas do país a se confrontar com a cara real das gentes brasileiras.

Só que as coisas boas – poucas, porque permeadas de complexidades - que se podem apontar no governo petista não são suficientes se realmente queremos um mundo diferente. Precisamos de um estado que enfrente o modo de vida capitalista. Precisamos de governantes que balancem as estruturas, que sejam capazes de mudar as coisas, na sua raiz. Então, se alguma "culpa" o PT tem é a de não ter pego o bonde da história, aquele que produziria a mudança, coisa que poderia ter feito, tamanha a popularidade de Lula no primeiro mandato. Em vez disso, o governo se manteve nos limites da "governabilidade", adoçando os lábios da pobreza, enquanto segue alimentando com manjares a voracidade dos capitalistas, dos grandes empresários, dos donos de terra. Comporta-se como os demais, embora permita uma certa distribuição de renda via políticas públicas.

Por isso não acho justo atribuir ao PT a "culpa" pelos males do país. Esses problemas estruturais estão aí desde a colônia e temos de seguir fazendo frente a eles, com críticas e propostas. Por conta disso sinto-me muito confortável para criticar as políticas governamentais sem correr o risco de me assentar do lado direito da "assembleia", que seria o lugar dos conservadores dos reacionários. Não o sou. Por outro lado, não consigo permanecer impávida diante da crítica daqueles que durante toda uma vida chuparam o sangue dos brasileiros e que agora querem fazer crer aos incautos e desinformados que todos os males - que eles mesmos ajudaram a aprofundar – são de única responsabilidade do governo que aí está. Não reconheço essa crítica e não aceito.

Essa semana, durante o Encontro Nacional de Economia Política (ENEP), uma economista, defendendo as políticas do governo petista, dizia: "prefiro apoiar esse governo, que consegue implementar pequenos avanços, porque nele posso ter mais chance de arrancar coisas melhores". Fiquei a pensar e cheguei a conclusão de que não concordo. Um governo do PSDB, do DEM, ou do PP não me servem, porque eles estão claramente comprometidos com a elite e não são capazes de fazer qualquer concessão à maioria. Mas o governo petista, bem como o de seus aliados, PMDB e PC do B, também está ajoelhado diante da elite, sem coragem de dar passos mais ousados. Teve a chance. Não o fez. Logo, não pode representar nada além disso que já está aí. E, como disse, até fez algumas coisas boas, mas absolutamente insuficientes no sentido de uma mudança real de paradigmas.

Assim que ainda estamos diante do desafio de encontrar outro caminho, que, creio, certamente não passa pela via eleitoral. Como bem definiu o economista Marcelo Carcanholo, também no XIX ENEP, não podemos ter como horizonte administrar o estado capitalista dependente, porque ele seguirá exigindo o que o sistema determina. E, nesse espectro, o governante tem pouca margem de manobra. Passinhos de formiga. É o caso do governo atual.

Então, nesses dias que antecedem a Copa e as jogadas eleitorais, é hora de refletir sobre o mundo que queremos, ancorados nas nossas utopias. É esse lá-na-frente, ainda não chegado, mas possível, que precisa servir de bússola para nossa ação. Mas, a crítica, necessária, deve ser, sobretudo, honesta. Nesse sentido, todo meu repúdio aos vilões do amor, que desde a chegada das caravelas estão se banqueteando com as riquezas alheias. A eles, nenhuma concessão.

*Elaine Tavares é jornalista.