sábado, 7 de dezembro de 2013

7 frases de Mandela que você provavelmente não verá na grande imprensa

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Como sempre acontece quando alguém famoso morre, o líder sul-africano ganhou manchetes elogiosas em veículos de todo o mundo nesta sexta-feira, como bem merece. Mas a maioria dos jornais, especialmente os brasileiros, fizeram de tudo para esconder quem realmente era Nelson Mandela: um líder revolucionário de esquerda, pró Cuba e Palestina, anti imperialismo e crítico das ações americanas e israelenses pelo mundo.
Afinal, se tem uma coisa que a grande imprensa faz bem é maquiar a realidade de acordo com seus interesses.
Vejamos as frases:
Sobre a invasão americana ao Iraque
“Se há um país no mundo que cometeu atrocidades inomináveis no mundo, é os Estados Unidos. Eles não se importam com seres humanos.” (fonte: CBSNews)
Sobre Israel
“Israel deveria desistir de todas as áreas que ganhou dos árabes em 1967, e em especial Israel deveria desistir completamente das Colinas de Golã, do Sul do Líbano e da Cisjordânia.” (fonte: JWeekly.com)
Sobre a invasão americana ao Iraque
“Tudo que o sr. Bush quer é o óleo iraquiano.” (fonte: CBSNews)
Sobre Fidel Castro e a revolução cubana
“Desde o princípio, a Revolução Cubana também foi uma fonte de inspiração para todas as pessoas amantes da liberdade. Nós admiramos os sacrifícios do povo cubano em manter sua independência e soberania em face à campanha imperialista orquestrada para destruir o ganho impressionante da Revolução Cubana. Vida longa à Revolução Cubana! Longa Vida ao camarada Fidel Castro.” (fonte: lanic.utexas.edu)
Sobre o ditador Muammar Kadafi
“É nosso dever apoiar nosso líder-irmão… principalmente levando-se em conta as sanções que não atingem apenas ele, mas também a população líbia em geral… nossos irmãos e irmãs africanos.” (fonte: The Final Call)
Sobre a preparação dos Estados Unidos para invadir o Iraque em 2002
“A atitude dos Estados Unidos é uma ameaça à paz mundial” (fonte: Newsweek)
Sobre o estado palestino
Arafat
“As Nações Unidas tomaram uma medida forte contra o apartheid e, ao longo dos anos, um consenso internacional foi construído, o que ajudou a acabar com esse sistema. Mas nós sabemos muito bem que nossa liberdade é incompleta sem que haja liberdade para os palestinos.” (fonte: CBSNews)

Fonte: O Escriba

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Homenageado ao morrer, Mandela já foi odiado por líderes ocidentais

Reino Unido, Estados Unidos e Israel estão entre os países que mantiveram apoio ao regime do apartheid quando grande parte do mundo já condenava o segregacionismo


Após recusar inicialmente o encontro, Mandela pousou com Thatcher, sua detratora, em Londres, em 1990 Foto: AFP
Após recusar inicialmente o encontro, Mandela pousou com Thatcher,
sua detratora, em Londres, em 1990
Foto: AFP

Após a morte de Nelson Mandela ser anunciada na noite de quarta-feira, líderes mundiais se apressaram para prestar homenagem ao ex-presidente sul-africano e ressaltar a importância de seu legado para o mundo. Mas Mandela nem sempre foi um aclamado herói mundial.
Durante muitos anos, mesmo quando a oposição ao regime do apartheid já era generalizada, líderes ocidentais continuaram considerando Mandela um terrorista. 
Em 1987, a então premiê britânica Margaret Thatcher disse: "O CNA - Congresso Nacional Africano, partido de Mandela - é uma típica organização terrorista...Qualquer um que pense que ele vá governar a África do Sul está vivendo na terra do faz de contas". 
Entre congressistas britânicos, a opinião sobre Mandela era ainda pior. "Quanto tempo mais a premiê vai permitir ser chutada no rosto por este terrorista negro?", questionou o parlamentar conservador Terry Dicks após Mandela recusar um encontro com Thatcher em Londres, em 1990. Seu colega de partido, Teddy Taylor, foi ainda mais enfático em seu repúdio: "Nelson Mandela deveria ser baleado". 
Nos Estados Unidos, a opinião sobre Mandela também não era favorável entre os governantes dos anos 80. Durante o seu governo, o presidente americano Ronald Reagan colocou o CNA na lista de organizações terroristas. Em 1981, ele disse que o regime sul-africano - baseado no segregacionismo entre brancos e negros - era "essencial para o mundo livre". 
Em 1985, o então congressista Dick Cheney, que depois viria a ser vice-presidente de George Bush, votou contra uma moção pedindo para que Mandela fosse solto. Em 2004, Cheney defendeu seu posicionamento ao afirmar que Mandela "tinha uma dedicação de longa data ao comunismo e a saudar terroristas". 
Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos apoiaram o regime do apartheid, enquanto a União Soviética ajudou a financiar a oposição liderada pelo Congresso Nacional Africano. Em 1990, uma matéria do jornal The New York Times revelou que a agência de espionagem americana CIA ajudou o governo sul-africano a prender Mandela em 1962. 
Apenas em 2008, Mandela e o CNA deixaram a lista americana de organizações e terroristas em observação. Até então, Mandela precisava de uma permissão especial para viajar ao país. 
Outro país que se manteve ligado ao regime segregacionista sul-africano foi Israel. Durante muitos anos, o governo israelense manteve laços econômicos e relações estratégicas com o regime do apartheid. Apenas em 1987, quando se encontrava como único país desenvolvido ainda a apoiar a minoria branca, Israel denunciou o apartheid. Nesta sexta-feira, o governo israelense lamentou a morte de Mandela afirmando que o "mundo perdeu um grande líder que mudou o curso da história" e que ele foi um "apaixonado defensor da democracia". 
Em entrevista ao jornalista Larry King em 2000, o próprio Mandela reconheceu essa contradição. "Eu era chamado de terrorista ontem, mas quando saí da cadeia, muitas pessoas me abraçaram, incluindo meus inimigos (...) hoje sou admirado por essas pessoas que diziam que eu era terrorista".

Fonte: Terra

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

“A Mídia e a Meritocracia Cassiana”

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Por Wallace Faustino da Rocha Rodrigues
Dizem que fim de ano é tempo de festa, de alegria, harmonia, de superação. Pode ser verdade que este espírito iluminado pela bondade, existente no fundo de cada ser humano, aflore com toda a força nesta época. Mas é fato comum percebermos na grande mídia, às vésperas do Natal, notícias sobre vestibulares e, principalmente, sobre os mais concorridos programas de ingresso no ensino superior. Drama para milhões de brasileiros e um grande teste para os nervos. Mais do que nunca, a alegria, a harmonia e a superação são bem vindos. Por motivos óbvios, uma atenção maior é dada à Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), o vestibular da USP (Universidade de São Paulo), cuja prova é realizada, em 2013, no dia 24 de novembro. Porém, um incômodo se faz presente na maneira como o tema é abordado pela mídia.
Cássia Lima, 17 anos, moradora de um bairro de classe média baixa na Zona Norte de São Paulo, ganhou destaque recentemente no G1 (“Pela Fuvest, aluna encara 3 h de transporte e 11 h de estudos por dia”) por fazer um esforço colossal na tentativa de realizar o seu sonho: estudar engenharia química na USP. Horas de ônibus e metrô até o colégio preparatório, horas diárias sentada no banco da escola, novamente, horas de ônibus e metrô para o retorno e outras horas mais com os estudos em casa. Vive para isso e valoriza seu esforço com a idéia de que muitos gostariam de estar em seu lugar. Seu diferencial está no fato de ser bolsista em uma das escolas mais tradicionais e caras da capital paulista, com mensalidades astronômicas, e possuidora de um dos maiores índices de aprovação na Fuvest, além de boas colocações no Enem – a regra é simples, quanto maior o índice de sucesso nos exames de seleção, maior tende a ser o prestígio e o valor do curso. Cássia não tem dinheiro para pagar a mensalidade da escola, sendo filha de uma professora da rede pública e de um segurança noturno. O que está em jogo é a consciência quanto à impossibilidade (!) de se chegar à USP por meio de um colégio público, como aquele freqüentado pela nossa heroína durante o ensino fundamental ou aquele em que sua mãe leciona.
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Enfim, Cássia é tratada, então, como uma lutadora. Brasileira, cheia de possibilidades, uma vez que, em uma escala matemática de anseios humanos, tem vontade suficiente para crescer, para ser alguém (!), e sair do problemático local em que vive, deixando para trás o seu igualmente problemático passado na escola pública da rede municipal de São Paulo, distanciando-se da probabilidade de se tornar, também, uma professora de escola pública, como sua mãe, pois almeja algo melhor, “acima”. Cássia, segundo os nossos jornalistas, é superior, é uma heroína. O discurso incute a idéia de que qualquer pessoa que tenha a mesma “força de vontade” de Cássia conseguiria superar tantas dificuldades, seja na periferia paulistana, na carioca, na recifense etc. “Destaque-se, seja o melhor em sua escola pública e poderá deixá-la para trás, sem sequer precisar voltar o rosto”.
A forma como a notícia aborda o cotidiano de Cássia é, em minha opinião, extremamente problemática. Isso porque temos milhões de Cássias pelo Brasil. Não se trata de fazer uma abordagem das dificuldades do ensino básico público, nem mesmo de perceber problemas como o transporte público. Longe de insinuar a necessidade de se ter um Estado onipresente, presente em todas as instâncias sociais. Mas se trata de permitir ver o outro ângulo da questão, que não seja a da existência de heróis em nossa sociedade. Isso, de um modo geral, a grande mídia não consegue (ou não quer) fazer. Valorizar personalidades individuais como a de Cássia, e toda a sua história de superação, implica colocar outros valores em segundo plano. Aliás, valorizar algo, necessariamente, é fazer sombra em aspectos diversos a estarem diretamente relacionados a este algo valorizado.
A-Meritocracia
Tomar casos como os das Cássias como paradigmáticos não é discutir educação. Sabemos que é um direito constitucional o acesso de todos à educação pública e de qualidade. Certo ou errado, entendemos direito, neste caso, como um fim a ser atingido independentemente das possibilidades de cada um para realizá-lo. Focando na matéria sobre Cássia, a educação tende a ser vista como uma aquisição superior, acima dos mortais, quase um milagre, algo possível somente para privilegiados, escolhidos por uma espécie de Providência Divina e que, portanto, estaria longe do alcance de seres humanos normais – pois Cássias não são “mortais”. Logo, a educação deixa de ser algo comum, tornando-se um universo possível de ser atingido somente por super-poderes. Neste caso, se se pensar na USP, com todo o respaldo que possui no universo acadêmico, isso é elevado à enésima potência. Inconscientemente, forma-se uma perigosa lógica do direito como mérito, como algo superior.
Outro problema surge a partir disso: os discursos criados no interior do ambiente da educação elitizada. Para ser mais específico, aqueles que estão em determinados colégios, providos de uma formação classificada como privilegiada para encarar competitivamente uma Fuvest, como o colégio em que Cássia é bolsista, tendem a ter uma consciência de exclusivismo quanto à possibilidade de se alcançar a USP, o Páramo Empíreo do Ensino Superior do Brasil. Ou seja, a competição pela vaga não inclui as escolas públicas, mas sim colégios exclusivos. Algo do tipo: “somente nós podemos chegar lá, onde todos gostariam de estar”. Mais do que nunca, Cássia desponta como uma semideusa, com poderes de deus entre os de seu meio, Brasilândia, na Zona Norte de São Paulo, mas que, frente aos seus privilegiados colegas/competidores, do Colégio Bandeirantes, da Zona Sul, mostra-se apenas como humana.
Como a própria matéria relata, a quadrada sala de aula possui um revestimento acústico que, real e simbolicamente, isola seus alunos do universo exterior. Não há nada para fora de suas paredes com o que se preocupar. Aliás, a única preocupação que se deve ter, neste caso, é a aprovação na Fuvest. Portanto, concentre-se. Isso, processado na mente dos leitores de matérias jornalísticas como esta, adquire uma lógica impressionante a ponto de impedir concatenar idéias e elaborar problematizações acerca do tema, como, por exemplo, a atuação do poder público mencionada em parágrafos anteriores. Estes alunos, restritos a alguns metros quadrados de um ambiente próprio, autônomo, são vistos unicamente pela lente da Fuvest e da desejada possibilidade de aprovação. Novamente, para os que estão dentro e fora, é um privilégio.
Bem, Cássia conseguiu perfurar a barreira e penetrar na sala de aula para poucos. Sua capacidade é louvável e deve ser vista com muita estima. Mas, e se ela não passar? Devemos ter pena. O esforço de três anos – desde a sua matrícula no Colégio Bandeirantes – é jogado no lixo. Pena, pena, pena. Quando o herói falha, resta apenas o lamento por sua missão não cumprida. O extremo da personalização, neste caso, tende a gerar pena, um sentimento que pode funcionar como uma espécie de barreira à capacidade de perceber algumas insatisfações. Insatisfação quanto ao sistema de transporte público, para que Cássia se canse menos em sua trajetória; insatisfação quanto à ineficiência do ensino público básico, que não é capaz de proporcionar reais condições para a sua competitividade na Fuvest; e insatisfação até mesmo com o vestibular da Fuvest, por ser tão competitivo.
Cássia, neste caso, pode ser considerada como um exemplo da maneira como a grande mídia aborda problemas candentes na sociedade. O artifício midiático da personalização é assaz comum, valendo-se justamente da idéia de meritocracia. Por conseguinte, veladamente, encontram-se em casos como este posições a enaltecerem ações classificadas como de inserção social, cujo critério é absolutamente econômico. Nos olhares da mídia, a atitude do Colégio Bandeirantes, classificada como bondosa, na verdade, seria uma espécie de microcosmos de políticas públicas com o objetivo de inserção social a pautarem-se puramente na lógica de mercado, referendando ameritocracia cassiana. O importante é o mérito e juntamente com ele há toda uma construção idealizada quanto a fatos modelares como os de Cássia: a menina esforçada que, pelas próprias capacidades, conseguiu galgar dificuldades sociais já naturalizadas, que não devem ser superadas senão pela própria meritocracia.
Por fim, a pouca envergadura do olhar da grande mídia para fatos cotidianos, por exemplo, para as milhões de Cássias – não as semideusas, mas as puramente humanas, incapazes por motivos diversos de percorrer a mesma trajetória –, pode impedir que se veja com clareza uma série de outras questões. Mais, tende-se a promover a valorização de fatos que deveriam ser tomados como corriqueiros, normais, como o acesso a uma educação de qualidade. Isso somente acentua o caminho da desigualdade dentro do próprio Brasil, mas uma desigualdade reconhecida pelos próprios brasileiros – não mais somente pela OCDE, OMC, OMS etc – e, pior, legitimada por eles mesmos. Enquanto essa desigualdade existir, o que resta é se apegar às Cássias.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

As ruas não pertencem mais à esquerda na França


Aquele período recente onde as ruas, os protestos e a insubordinação eram propriedade quase exclusiva da esquerda é agora uma fábula do passado
Por Eduardo Febbro, da Carta Maior. Tradução Marco Aurélio Weissheimer
“Onde estarão?, pergunta a elegia…” (Borges). Não estão. Aquele período de um passado recente onde as ruas, os protestos e a insubordinação eram propriedade quase exclusiva da esquerda é agora uma fábula do passado. Esses cenários urbanos pertencem à direita. Desde o ano passado são forças conservadoras que, em nome de diversos valores, ocupam as ruas que antes pertenciam à esquerda. As bandeiras vermelhas, os retratos do Che, os cânticos e os slogans anticapitalistas, os rostos e as mãos marcadas pelos rastros do trabalho ingrato foram desaparecendo das ruas de Paris. A esquerda não se mobiliza mais. Os novos proprietários das ruas são movimentos de direita agrupados em torno de múltiplos grupos que protestam com a obstinação e o estilo com que, certa vez, a esquerda soube fazer.
“Recuperemos a rua”, convoca em sua página na internet o Novo Partido Anticapitalista (NPA). Mas a rua está deserta. Nas colunas do jornal Le Monde, o cientista político francês Gaël Brustier sintetiza: “frente a uma esquerda cravada no solo, que não chega a ter influência na sociedade, o protesto passou para a direita”.
Desde que o presidente socialista François Hollande foi eleito em maio do ano passado, os grupos contestatórios da direita e da extrema-direita surgiram ao ritmo de leis votadas pela maioria socialista. A rapidez e a força com que estes movimentos ganharam as ruas surpreenderam não só a maioria governante como aos próprios partidos de direita, pouco habituados a fazer da rua seu território de reivindicação. Entre moderados e radicais, cerca de dez grupos nasceram no lado da oposição à tíbia e insossa socialdemocracia que governa a França. O mais importante deles, a “Manif pour Tous” (Manifestação para Todos), nasceu em agosto do ano passado. Criado por uma militante católica, Frigide Barjot, este movimento surgiu em oposição à lei da ministra da Justiça, Christiane Taubira, que legalizou o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo.
Ao lado dele, cresceu um ramo dissidente, Le Printempos Français (A Primavera Francesa), igualmente oposta à lei da ministra. Entre novembro de 2013 e maio de 2013, ambos os grupos, aos quais se somaram a extrema-direita e pequenos grupos de ultra-católicos como Civitas, mobilizaram dezenas de milhares de pessoas. A partir dessas duas locomotivas reacionárias, foi se plasmando uma sólida frente de protestos em forma de uma galáxia dispersa que, a cada ocasião, apareceu no cenário político sem que os partidos afins a suas ideias tenham antecipado sua irrupção, ou, posteriormente, tenham aproveitado seu impacto. O ex-ministro Laurent Wauquiez, hoje deputado do partido de direita UMP, reconhece que “os manifestantes já não estão submetidos a nosso partido porque tem o sentimento de que não defendemos as suas reivindicações”.
Neste contexto, é legítimo assinalar que cada um destes movimentos que ocupam a rua defende interesses setoriais. A Manif Pour Tous e Le Printemps Français se apresentaram como defensores dos valores da família. Os “pigeons” estão formados por empresários do setor de alta tecnologia contrários a um projeto fiscal do governo; os “poussins” se levantaram contra a reforma do estatuto dos empresários autônomos; os “dindons” são das escolas contra a reforma dos horários escolares; os “moutons” contra o aumento da tributação para os independentes; os “dodos” se opuseram a uma mudança do regime dos taxis; as “cigognes” saíram às ruas para exigir uma mudança no estatuto das parteiras, enquanto que os “bonnets rouges” (gorros vermelhos) protestaram de maneira estrondosa contra um imposto ecológico, a “ecotaxa”, na região da Bretanha.
Este último movimento obrigou o governo a retroceder. O movimento dos “gorros vermelhos” é formado por agricultores e empresários da Bretanha. Seu nome remete a uma luta que ocorreu em 1675 na Baixa Bretanha contra o Rei de França que pretendia aplicar um novo imposto nessas regiões.
Ainda que todos sonhem com uma convergência final, estes grupos atuam de maneira local e setorial e, tirando seu engajamento contra os socialistas, não compartilham outra base. Uma ideia obsessiva os acompanha: provocar a renúncia do presidente François Hollande, a quem julgam débil, hesitante e sem legitimidade. Cada um deles é igualmente objeto da mesma recuperação: a extrema direita se junta a suas marchas e reivindicações e termina contaminando as premissas originais desses grupos. No entanto, de forma repetida e eficaz, estas queixas setoriais terminam por criar uma espécie de galáxia de resistência cidadã cujo cenário é a rua. Desfilam, em muitos casos, copiando a metodologia e o estilo das históricas manifestações da esquerda dos anos 60.
O cientista político Roland Cayrol observa que embora “não haja um corpo comum, os núcleos de contestação vão se agregando”. Esta adição e sua radicalidade deixam os partidos da direita, principalmente a UMP fundada pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy, quase sem voz nem voto. A radicalidade das ações e a rua como cenário não pertencem à cultura política desse partido em geral, nem da direita francesa em particular. Liberais, católicos, extrema-direita, ultra-católicos, conservadores tradicionalistas, operários, artesãos, burgueses ou simples estudantes, a composição social destes novos atores da revolta é mista e rompe com as ideias de um aglomerado. A união global, por agora, não vai além de ações pontuais nas ruas.
Em uma ampla coluna de reflexão publicada no Le Monde, o sociólogo Serge Guérin e o geógrafo Christophe Guilluy estimam que “o que explode aos nossos olhos não é somente um modelo econômico, mas também nossas representações das classes sociais”. Os autores apontam a “emergência de uma contra sociedade que não acredita mais nos modelos antigos”. A análise é mais do que pertinente. No entanto, essa “contra sociedade” não se move mais para a esquerda e sim para a direita. A historiadora Chantal Delsol afirma que “a esquerda perdeu o povo”. A esquerda no governo ficou sonolenta e a esquerda militante e das ruas se diverte com jogos de videogames enquanto o povo de direita e de extrema-direita toma as ruas. Uma nascente revolução ao contrário perfeitamente encarnada no slogan declarado por seus integrantes: “um maio de 68 ao contrário”.
Uma densa maré conservadora mais radical que os próprios partidos que defendem suas ideias e sem opositores visíveis. Raramente há uma “contra-manifestação da esquerda. Sua ausência nas ruas se expande para o campo das ideias. As palavras e os valores vergonhosos são moeda corrente: negação do direito aos homossexuais, racismo, racismo biológico, antissemitismo, anti-islamismo, impugnação do direitos das mulheres, extremismos. Tudo isso circula como um bando de pássaros em pleno voo. E a esquerda, ou o que alguma vez foi esquerda, dorme o sono terno de suas mitologias enquanto a realidade inunda seus territórios.

domingo, 1 de dezembro de 2013

As fronteiras entre esquerda e direita na Europa

Em entrevista à Carta Maior, o sociólogo francês Gaël Brustier fala da crise da esquerda europeia e das dificuldades que ela enfrenta hoje.



Por Eduardo Febbro

A esquerda europeia se dilui. A socialdemocracia do Velho Continente ziguezagueia entre suas propostas ideais e uma ação política hiper-realista que não se separa dos cânones liberais quando tem que governar. Consensual, tíbia, moralista, apegada a suas conquistas do século passado, incapaz de oferecer uma visão alternativa que mobilize a sociedade, a socialdemocracia está em crise. As esquerdas da Europa são uma sombra do que já representaram em décadas passadas. Alguns analistas atribuem a ela até uma espécie de “prolofobia”.
 
Nos últimos 20 anos, a socialdemocracia europeia foi perdendo seus tradicionais bastiões operários e populares ao mesmo tempo em que ganhava o coração dos novos burgueses urbanos. Essa transformação da sociologia de seu eleitorado também transformou a esquerda e a relação de força dentro do jogo eleitoral: os operários e as classes populares votam à direita, os “novos modernos” na socialdemocracia.

O resultado é uma indiferenciação cada vez maior entre ambos os setores. A socialdemocracia pode ser tão adepta da globalização, dos ajustes fiscais e liberal como a direita. A ortodoxia financeira não lhe é indiferente. Em troca, as classes populares, ano após ano, abandonam suas fileiras. “Mas o povo existe!”, diz o sociólogo e cientista político francês Gaël Brustier em seu livro “Busca-se o povo desesperadamente”. Esse analista político escreveu vários livros sobre as transformações políticas atuais, especialmente sobre o futuro incerto da esquerda e a direitização das sociedades europeias. Em um de seus últimos livros, “La guerre culturelle aura bien lieu” (A guerra cultura vai acontecer) Brustier define o combate que a esquerda deve travar para mudar esse imaginário coletivo onde a direita se instalou comodamente na Europa hoje em dia.


Sua análise sobre o presente das esquerdas europeias não faz concessões. As reflexões de Gaël Brustier se inspiram muito nas do filósofo italiano Antonio Gramsci. Este pensador imperdível da esquerda foi um dos fundadores do Partido Comunista italiano. Gramsci foi preso pelo ditador fascista Benito Mussolini e morreu em 1937 quando saiu da cadeia. Nesta entrevista à Carta Maior, Gaël Brustier analisa a crise da socialdemocracia europeia, sua penosa falta de iniciativas e sua indefinição.


A divisão histórica entre a esquerda e a direita herdada da Revolução Francesa de 1789 parece estar chegando ao fim de um ciclo na Europa.


Com efeito. Essa divisão está sendo reconfigurada e reformada mediante outras diferenças. O conteúdo da esquerda de 2013 não é o mesmo do da esquerda de 1981, nem do de 1936. A direita também evoluiu. As diferenças entre esquerda e direita estão então em plena evolução, determinadas por sua vez pelas evoluções econômicas, pela desindustrialização e pela ruptura do esquema de classes sociais que atinge uma grande parte da população.


O Partido Socialista francês é hoje um partido de gente que vive nas grandes metrópoles, favoráveis à globalização. A direita, junto com a extrema direita, conseguiu conquistar os setores operários que durante muito tempo foram eleitores cativos da esquerda. Nos anos 80 ocorreram dois fenômenos: a ruptura do laço entre o voto classista, o voto operário, em favor da esquerda; e, paralelamente, a adesão de certa tecnoestrutura da esquerda às receitas liberais, à liberalização dos mercados internacionais. Esse setor da esquerda está convencido que é preciso desregulamentar e conduzir a França para o combate da globalização liberal. Estes dois fenômenos  conjugados definem a situação atual.


Se tivéssemos que tornar visível a linha que separa hoje a esquerda da direita, por onde ela passa?


É muito complicado. Mas podemos dizer que a linha de fratura passa pela sociologia dos dois campos. Certa burguesia de negócios permaneceu à direita enquanto que muitos operários e empregados passaram da esquerda para a direita. Por outro lado, muitos jovens com diplomas, que trabalham no mundo das ideias, na imprensa, na comunicação, que estão conectados com a mundialização, toda essa gente conforma a sociologia da esquerda. A fratura entre esquerda e direita já não passa tanto pelas questões econômicas. Hoje, fundamentalmente, no que diz respeito às questões econômicas as políticas que a socialdemocracia aplica na Europa não são tão diferentes das políticas aplicadas pelo bloco conservador. No parlamento europeu, por exemplo, os blocos da direita, o PPE, e da socialdemocracia, PSE, estão ligados pelo consenso europeu.


Por acaso, a Europa matou a esquerda então?


O problema da esquerda europeia reside em que sempre se remeteu a um plano ideal para justificar a Europa real. Quando se construiu o mercado único a esquerda disse: na próxima etapa vamos construir a Europa social”. Mas essa Europa social nunca se tornou realidade. A esquerda disse também que as instituições europeias eram bastante oligárquicas e prometeu que, no futuro, construiria uma Europa democrática. Isso tampouco virou realidade. Em suma, a vocação de uma Europa ideal sempre serviu para justificar a existência da Europa real. Hoje chegamos ao fim dessa contradição.


A socialdemocracia pretende mudar a Europa ao mesmo tempo em que adere ao marco consensual europeu. Observemos o que ocorreu com o presidente francês François Hollande. Antes de ser eleito, Hollande prometeu que iria renegociar o famoso pacto fiscal europeu firmado pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy e pela chanceler alemã Angela Merkel, pacto conhecido como Merkozy. Mas ele não cumpriu sua promessa impedindo que a política econômica europeia tomasse outra direção. Em resumo, as esquerdas europeias perderam a batalha ideológica. A Europa funcionou durante muito tempo como um mito de substituição.


Esta situação deixa um esquema muito claro: se usam os ideais para ganhar uma eleição, mas se governa exclusivamente com as realidades financeiras. Isso faz parte do consenso europeu.


O problema reside em saber quem é capaz de romper esse consenso. O Partido Socialista francês é, por exemplo, o mais poderoso da Europa: tem a presidência, as regiões mais importantes, as duas câmaras do Parlamento. Mas isso não ocorre com os demais partidos socialdemocratas da Europa. Por isso não podem nem aceitar, nem aplicar um projeto socialdemocrata alternativo. A esquerda europeia poderia começar a propor um plano radicalmente distinto ao da direita. Mas não faz isso.


A esquerda europeia dá todos os sinais de estar no patíbulo: é incapaz de operar uma verdadeira mutação e também de propor uma alternativa.


A esquerda não morreu, ela é um gigante ferido. Até os sindicatos, que sempre foram o sustentáculo da esquerda, estão debilitados. Depois de um século de socialismo a esquerda se tornou incapaz de imprimir na sociedade uma verdadeira visão mobilizadora, um projeto claramente identificável. A socialdemocracia está em crise. A esquerda radical também está em crise porque nem substitui a socialdemocracia nem consegue desempenhar um papel de contraponto eficaz aos desvios dos socialdemocratas. Por paradoxal que seja, hoje é muito mais simples ser de direita que de esquerda. A direita navega sobre as ondas do pânico moral, sobre o medo da decadência. É muito simples. Mas é óbvio também que, à esquerda, não houve um trabalho crítico sobre a ideologia dominante.


É preciso não se enganar mais: a esquerda faz parte hoje da ideologia dominante e não consegue transmitir um imaginário alternativo. Essa é sua grande dificuldade. Se observamos o que ocorre na França, os protestos mais fortes não vêm das esquerda, mas sim da direita.


Esta crise e estas novas fronteiras que você descreve são próprias da esquerda europeia. Elas não se aplicam tanto às esquerdas latino-americanas.


Certamente. As esquerdas latino-americanas são muito diferentes das esquerdas europeias. Em primeiro lugar, as esquerdas da América Latina assumiram e formaram um projeto geopolítico. Há 15 anos, ninguém pensaria que a América Latina teria a autonomia que alcançou hoje. É uma grande conquista. Os Estados Unidos já não podem dar ordens com tanta facilidade como antes, nem tampouco considerar que a América Latina é seu quintal. Kirchner na Argentina, Chávez na Venezuela, Correa no Equador, Morales na Bolívia ou Lula no Brasil ganharam espaços enormes, imprimiram a afirmação de uma autonomia enorme em relação aos Estados Unidos. Esses presidentes tiveram uma visão geopolítica e um programa de ação social.

 
A situação das esquerdas europeias não é comparável a isso. As esquerdas latino-americanas impuseram suas agendas, conquistaram eleitores, desenvolveram sua visão de mundo. Esse esquema funciona porque essa esquerda é capaz de mobilizar a sociedade. Comparadas com as da Europa, as esquerdas latino-americanas são muito mais dinâmicas.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer




Fonte: Carta Maior