O Secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, prendeu, pela sexta vez, o “apontador” do jogo do bicho que recolhia os palpites na esquina de sua casa. Prendeu-o sob o velho argumento que de que se tratava de contravenção.
O jogo do bicho é considerado contravenção há décadas.
O que não impediu, por exemplo, do bicheiro Aniz Abraão David , o Anysio da Beija-Flor, adquirir, por R$ 5 milhões, o apartamento onde morava o doutor Roberto Marinho, um magnífico triplex na Avenida Atlântica.
Ou comparecer como estrela ao recente lançamento do livro do Boni, da Globo. Oportunidade em que Anysio bateu um papo descontraido com o prefeito Eduardo Paes e com o “rei” Roberto Carlos. Mas voltando ao caso do Beltrame, o secretário levou o rapaz pessoalmente ao distrito, lavrou-se o flagrante e acabaram saindo quase juntos da delegacia.
A pena para quem recolhe palpites para o bicho é tão ridícula que nenhum delegado perde tempo em abrir o xadrez para colocar lá dentro um reles “apontador”.
Beltrame, assim como todas autoridades do Rio, parece ter se impressionado com a “Operação Dedo de Deus”, que transformou o Anysio, presidente de honra da Beija-Flor, entre outros, em foragido.
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A “Dedo de Deus” mostrou que os resultados do bicho, hoje, são manipulados, e que o jogo continua a movimentar milhões de reais, saídos literalmente do esgoto. Isso apesar da jogatina oficial, realizada sob os auspícios da Caixa Federal.
É hábito. Ou vicio, como queiram. As pessoas se acostumaram com a contravenção. Talvez porque encontrem um “apontador” sempre à mão.
O episódio do bicheiro detido pelo secretário Beltrame me fez lembrar os bons velhos tempos em que o bicho vivia em total harmonia com o chamado aparelho policial.
Mais do que isso. O jogo funcionava como uma espécie de parceiro na manutenção da paz. Uma espécie de UPP extra-legal.
Na região de Madureira, por exemplo, quando a Secretaria de Segurança não repassava a verba da gasolina para movimentar a esquálida frota da delegacia, quem emprestava era o Natal. Ou Natalino José de Oliveira, o “chefão” do bicho, presidente eterno da Escola de Samba da Portela.
E o delegado não era qualquer um. Era o famoso Sivuca, o Gary Cooper de Madureira, Vaz Lobo e adjacências, e que acabaria virando deputado.
Lembro de uma conversa com Natal, no ultimo andar do predinho onde morava, bem no centro de Madureira, já naquela época (anos 70) com movimento de cidade grande.
Ele chamava o local de jardim de inverno por causa das samambaias, mas valia a pena conhecê-lo pela originalidade da decoração.
No alto, rodeando toda a parede, caricaturas de animais. Natal explicou que, se fosse dentista, mandaria pintar dentaduras. Como não era, mandou pintar os 25 bichos do jogo, do avestruz à vaca.
Explicou também que em Madureira, não acontecia estupro ou crime violento fazia um tempão. A razão: a presença de seus “apontadores”.
Eram mais de 200 homens agindo na chamada “contravenção”, mas de ouvidos abertos para tudo – mas tudo mesmo – que acontecia região.
E o que menos Natal queria que ocorresse eram crimes
O raciocínio é simples: quanto mais violência, mais polícia. E polícia desconhecida, e não o sempre bem informado delegado Sivuca.
Natal e Sivuca se reuniam a cada pertubadora nuvem negra que prenunciasse problema. E decidiam juntos quem iria
tomar as providências cabíveis. Se a polícia ou o pessoal do “chefão”.
A intimidade era tão grande que a “casa de apostas” , onde Natal fazia o páreo a páreo, ficava parede com parede com a delegacia de Sivuca.
Tinha instalações completas, desde guichês, a sanitários, passando por um bar e pelas mesas pintadas de verde onde os apostadores podiam estudar os programas tomando uma cervejinha.Claro que um potente rádio emissor trazia todas as informações diretamente do Hipódromo da Gávea.
Dizem alguns especialistas que foi em Madureira, graças a Natal, que o samba e o bicho deram-se as mãos para nunca mais largar, via a gloriosa Portela.
Eu não garanto. O que eu me lembro de ter anotado no meu caderninho de repórter foi a palavra “decadência”.
Já naqueles idos dos anos 70 era visível que o poderoso chefão Natalino José de Oliveira, por não admitir o traficante na Portela,estava perdendo a guerra para o pessoal das drogas. Lástima…
A piscina, no último andar do prédio estava coberta de húmus… A principal televisão da casa não tinha tubo. “Os homens levaram o estômago dela para consertar”, disse Natal.
Enfim, guardadas as proporções, uma história muito parecida com a de Don Corleone, o “Poderoso Chefão”, que tentou resistir ao narcotráfico, filme que, por coincidência, estava sendo lançado na época.
O narcotráfico, muito mais lucrativo, passaria como um trator, levando apontadores e bicheiros de roldão, sem distinguir quem era o quê .
Apenas selecionando com rigor aqueles que continuariam sendo “colunáveis” …Um Anysio, um Luizinho Drumond, e o jamais assaz louvado, doutor Castor de Andrade.
Surpresa, para mim, é que, apesar de tudo, o bicho resiste.
Fonte: www.cartacapital.com.br
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