Mídia
e conservadores reabrem debate oportunista e vazio, com objetivos
eleitoreiros. Esquerda precisa preparar-se para propor segurança cidadã
Por Luís Fernando Vitagliano | imagem: Carlos Bassan
Uma
dentista assassinada por bandidos que atearam fogo em seu corpo por ter
somente 30 reais em sua conta bancária; um garoto assassinado com um
tiro a queima roupa na cabeça por não entregar sua mochila. A crueldade
dos crimes praticados por menores de idade chama a atenção midiática
nesses dois casos. Somados a isso, os índices divulgados na semana
passada só vêm comprovar o que a percepção da população já havia
expressado: o aumento significativo da criminalidade em São Paulo,
principalmente de assassinatos e latrocínios.
Voltou
à tona uma discussão – casuística e rasa – sobre a maioridade (ou menor
idade) penal. Com 18 anos uma pessoa está perdida o suficiente para
ingressar no sistema penitenciário brasileiro? As casas de menores são
instituições que não recuperam nem geram outras oportunidades para
jovens infratores. Fato. Mas, os criminosos e assassinos menores de
idade são minorias e casos à parte – tratar o todo pela exceção não
resolve, só piora o problema. Falar, portanto, de redução da maioridade
penal sem discutir recuperação penitenciária, ou as causas que levam às
praticas do menor infrator, ou medidas como aumento das penalidades para
quem usa menores como cúmplices é um debate viciado e oportunista.
Ainda mais quando se explora meia dúzia de casos expostos pela mídia.
Em vez
de aceitar esta armadilha, é mais útil examinar a consequência direta
do debate sobre a violência em São Paulo: as eleições. Já sabemos que o
desgaste natural, a falta de opções de renovação em seu partido e as
ultimas derrotas políticas colocaram o governador Geraldo Alckmin na
berlinda. Mas enganam-se aqueles que defendem que as eleições são apenas
propaganda e popularidade, desprovidas de conteúdo político. Alguns
temas que tomam a agenda de campanha são muito importantes para a
ascensão ou queda dos candidatos. E a crescente violência urbana no
Estado tornou-se o calcanhar de Aquiles do governo que já foi cobrado a
dar uma resposta urgente aos eleitores. A segurança pública será
certamente o tema mais explorado do debate paulista do próximo ano e
neste ponto há de se destacar que as esquerdas patinam.
São
Paulo é um caso especial de conservadorismo e desenvolvimento que tem
uma dinâmica única eleitoral. Os eleitores paulistas vivem uma
polarização própria: os tradicionalistas que querem manter a ordem e o
progresso e os inovadores que defendem políticas liberais. Vai-se do
“rouba mais faz” à defesa consequente dos direitos humanos – sendo que,
no interior do estado, as forças conservadoras são muito presentes.
Conformou-se um colégio eleitoral que majoritariamente apoiou o
“estupra, mas não mata”, ratificou a frase “bandido bom é bandido morto”
e aceita as recentes declarações do próprio governador em exercício
sobre uma ação criminosa da polícia: “esta vivo quem não reagiu”.
O mais
dramático é que as esquerdas não têm uma plataforma clara sobre o tema
específico da segurança pública. Não há uma proposta na agenda para além
da ausência de propostas. Desde a ditadura militar – quando se
denunciava o uso do tema segurança pública para perseguir, prender e
torturar –, a oposição de esquerda, não demonstra preocupação com as
instituições policiais. Além disso, a ideia de uma ruptura da ordem,
presente em várias concepções de esquerda, tem levado a não considerar
essas instituições como legítimas. Oposições ao exército e às forças da
ordem reforçam a noção de que essas instituições são repressivas e
opressivas, o que leva muitos militantes a desconsiderar a esfera da
segurança pública. Na base do silêncio e da resignação, frustrou-se a
possibilidade de construir uma proposta de segurança cidadã, baseada nos
direitos humanos. Isso impede o diálogo com parte importante das
frações médias da sociedade paulista.
A
ideia vulgar, hoje predominante, é que só os “humanos direitos” merecem
direitos humanos. Ou seja, tais direitos não se aplicam aos criminosos.
Promove-se um escândalo de capa de revista quando um cidadão de classe
média sofre violações físicas, mas não são dignas de nota as torturas e
violações de direitos praticadas constantemente em delegacias de polícia
e presídios. Parece haver carta branca contra aqueles que são
indiciados como criminosos. Nesse ambiente, as esquerdas tendem a se
opor às instituições policiais e a despreza a necessidades de reformar e
reorganizar o sistema com base nos direitos humanos. Isso pode servir
ao próprio governador, que procura identificar-se com os pontos de
vistas conservadores – e majoritários – sobre o tema.
Sem
uma plataforma séria, que responda às ondas crescentes de criminalidade
urbana com propostas práticas e efetivas de redução da violência, as
esquerdas vão perder espaço. Sem um sistema policial com respeito aos
direitos humanos, formação de policiais com capacidade de fazer cumprir
os direitos cidadãos e possibilidade de cumprir sua missão e garantir a
segurança da população, as esquerdas desperdiçarão a oportunidade de
renovar sua própria relação com instituições políticas que serviram a
ditadura em outra época, mas hoje devem servir a sociedade democrática
de direito baseada na cidadania.
–
Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor.
Fonte: Outras Palavras
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