sábado, 11 de maio de 2013

Para além da maioridade penal


Mídia e conservadores reabrem debate oportunista e vazio, com objetivos eleitoreiros. Esquerda precisa preparar-se para propor segurança cidadã

Por Luís Fernando Vitagliano | imagem: Carlos Bassan

Uma dentista assassinada por bandidos que atearam fogo em seu corpo por ter somente 30 reais em sua conta bancária; um garoto assassinado com um tiro a queima roupa na cabeça por não entregar sua mochila. A crueldade dos crimes praticados por menores de idade chama a atenção midiática nesses dois casos. Somados a isso, os índices divulgados na semana passada só vêm comprovar o que a percepção da população já havia expressado: o aumento significativo da criminalidade em São Paulo, principalmente de assassinatos e latrocínios.

Voltou à tona uma discussão – casuística e rasa – sobre a maioridade (ou menor idade) penal. Com 18 anos uma pessoa está perdida o suficiente para ingressar no sistema penitenciário brasileiro? As casas de menores são instituições que não recuperam nem geram outras oportunidades para jovens infratores. Fato. Mas, os criminosos e assassinos menores de idade são minorias e casos à parte – tratar o todo pela exceção não resolve, só piora o problema. Falar, portanto, de redução da maioridade penal sem discutir recuperação penitenciária, ou as causas que levam às praticas do menor infrator, ou medidas como aumento das penalidades para quem usa menores como cúmplices é um debate viciado e oportunista. Ainda mais quando se explora meia dúzia de casos expostos pela mídia.

Em vez de aceitar esta armadilha, é mais útil examinar a consequência direta do debate sobre a violência em São Paulo: as eleições. Já sabemos que o desgaste natural, a falta de opções de renovação em seu partido e as ultimas derrotas políticas colocaram o governador Geraldo Alckmin na berlinda. Mas enganam-se aqueles que defendem que as eleições são apenas propaganda e popularidade, desprovidas de conteúdo político. Alguns temas que tomam a agenda de campanha são muito importantes para a ascensão ou queda dos candidatos. E a crescente violência urbana no Estado tornou-se o calcanhar de Aquiles do governo que já foi cobrado a dar uma resposta urgente aos eleitores. A segurança pública será certamente o tema mais explorado do debate paulista do próximo ano e neste ponto há de se destacar que as esquerdas patinam.

São Paulo é um caso especial de conservadorismo e desenvolvimento que tem uma dinâmica única eleitoral. Os eleitores paulistas vivem uma polarização própria: os tradicionalistas que querem manter a ordem e o progresso e os inovadores que defendem políticas liberais. Vai-se do “rouba mais faz” à defesa consequente dos direitos humanos – sendo que, no interior do estado, as forças conservadoras são muito presentes. Conformou-se um colégio eleitoral que majoritariamente apoiou o “estupra, mas não mata”, ratificou a frase “bandido bom é bandido morto” e aceita as recentes declarações do próprio governador em exercício sobre uma ação criminosa da polícia: “esta vivo quem não reagiu”.

O mais dramático é que as esquerdas não têm uma plataforma clara sobre o tema específico da segurança pública. Não há uma proposta na agenda para além da ausência de propostas. Desde a ditadura militar – quando se denunciava o uso do tema segurança pública para perseguir, prender e torturar –, a oposição de esquerda, não demonstra preocupação com as instituições policiais. Além disso, a ideia de uma ruptura da ordem, presente em várias concepções de esquerda, tem levado a não considerar essas instituições como legítimas. Oposições ao exército e às forças da ordem reforçam a noção de que essas instituições são repressivas e opressivas, o que leva muitos militantes a desconsiderar a esfera da segurança pública. Na base do silêncio e da resignação, frustrou-se a possibilidade de construir uma proposta de segurança cidadã, baseada nos direitos humanos. Isso impede o diálogo com parte importante das frações médias da sociedade paulista.

A ideia vulgar, hoje predominante, é que só os “humanos direitos” merecem direitos humanos. Ou seja, tais direitos não se aplicam aos criminosos. Promove-se um escândalo de capa de revista quando um cidadão de classe média sofre violações físicas, mas não são dignas de nota as torturas e violações de direitos praticadas constantemente em delegacias de polícia e presídios. Parece haver carta branca contra aqueles que são indiciados como criminosos. Nesse ambiente, as esquerdas tendem a se opor às instituições policiais e a despreza a necessidades de reformar e reorganizar o sistema com base nos direitos humanos. Isso pode servir ao próprio governador, que procura identificar-se com os pontos de vistas conservadores – e majoritários – sobre o tema.

Sem uma plataforma séria, que responda às ondas crescentes de criminalidade urbana com propostas práticas e efetivas de redução da violência, as esquerdas vão perder espaço. Sem um sistema policial com respeito aos direitos humanos, formação de policiais com capacidade de fazer cumprir os direitos cidadãos e possibilidade de cumprir sua missão e garantir a segurança da população, as esquerdas desperdiçarão a oportunidade de renovar sua própria relação com instituições políticas que serviram a ditadura em outra época, mas hoje devem servir a sociedade democrática de direito baseada na cidadania.

Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor.



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