Nos telejornais, uma Polícia mantenedora da ordem e da paz; nas ruas,
tiros com balas de borracha, gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral,
detenções, porrada.
Camila Petroni e Gustavo Menon,
Damos
o pontapé inicial em nosso texto fazendo um trocadilho com o título do
documentário irlandês, de 2002, dirigido por Kim Bartleyle Donnacha
O'Briain, que retrata a derrubada sofrida por Hugo Chávez na Venezuela,
em abril do mesmo ano. Em A revolução não será televisionada,
os diretores abordam o caráter golpista dos grandes canais televisivos
venezuelanos, que aliados à burguesia do país, efetivamente,
protagonizaram um verdadeiro Golpe de Estado em Caracas. Nenhum título
para o nosso texto caberia melhor, no momento - lembrando que corremos o
risco de sermos acusados de vândalos pelo uso da palavra “pontapé”,
acima.
Algumas manifestações populares foram
organizadas, em São Paulo (e Brasil afora), quando estabelecido para o
início de junho de 2013 o aumento das passagens de ônibus, metrô e trem,
de R$ 3,00 para R$ 3,20. O governo alega que o valor não subiu acima da
inflação acumulada desde o ajuste feito no início de 2011 (medido pelo
IBGE, o IPCA – base da inflação oficial -, aponta o acúmulo de 15, 5%.
Seguindo o índice, a passagem ficaria em torno de R$ 3,46). Ainda assim,
como trazia um manifestante em seu cartaz, em um dos atos nas ruas da
cidade: “R$ 3,00 é um roubo, R$ 3,20 é um estupro”. Além dos R$ 0,20
arrancados dos bolsos da população, até quando iríamos suportar as
situações precárias nas quais vivemos, isso somente no âmbito do
“transporte público” (sem contar os outros milhares de pontos que devem
ser ultrapassados, mudados, melhorados)? Quem passa pelos lados da
Avenida Paulista esbarra como uma frase, cravada a picho, em uma das
entradas dos infinitos túneis paulistanos: “Todo vagão tem um pouco de
navio negreiro”. Alguém duvida? Extremamente reflexiva, em vários
aspectos.
Os atos contra o aumento das passagens
organizados, principalmente, pelo Movimento Passe Livre tiveram início
no dia 06 de junho. Nas ruas, 4 mil pessoas; na TV, 2 mil, no máximo
(algumas publicações da mídia impressa – também com acesso virtual -
acusaram 500 participantes, quase 8 vezes menos). Nas ruas, eram
sujeitos lutando por condições de vida melhores, tentando superar as
catracas, enfrentando o monstro capital. Na TV, eram vândalos, sem
causa, sem lenço, sem documento, sem R$ 0,20 a mais para gastar em cada
viagem de ônibus, metrô ou trem. Nos telejornais, uma Polícia
mantenedora da ordem e da paz; nas ruas, tiros com balas de borracha,
gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, detenções, porrada. Choque(s)
por toda a parte.
No sétimo dia do mês, nada de
descanso (não somos deuses, afinal), mas povo nas ruas, de novo, em
massa, percorrendo quilômetros da cidade atrás de dignidade. Novos
trajetos, novas vias paralisadas, mais de 5 mil pessoas estacionaram a
pauliceia. Desconfortável para uns, necessário para outros. Na mídia
televisiva (bem como na maior parte da mídia impressa), metade disso foi
anunciado. E a história se repetiu (“como farsa”): PM heróica, poucos
milhares de rebeldes soltos por aí e cidadãos-de-bem querendo ir e vir
pelas ruas interditadas com pessoas e fogueiras. “Pelo segundo dia
seguido, um protesto contra o aumento das passagens de transporte
público provocou muita confusão em São Paulo”, é como o âncora de um
telejornal de influente emissora abre a matéria sobre a manifestação
ocorrida no dia. Continuando, o repórter enviado de helicóptero, aos
céus do local onde ocorria a manifestação, pra ver tudo com o
distanciamento físico e ideológico recorrentes, afirma que “A Polícia
teve que soltar bombas”. Também: “A manifestação de ontem (06 de junho),
assustou os moradores da cidade”; seguido de termos como “violência”
(da parte dos manifestantes), “vandalismo” e uma série de
desqualificações bem aproveitadas no curto espaço de tempo dos 4 minutos
médios de uma matéria jornalística. Mencionavam, enfaticamente, os
valores dos prejuízos dos vidros de estações de metrôs quebrados, da
depredação do carro para sorteio em um Shopping, mas não citavam o rombo
que R$ 0,20 centavos por viagem de transporte público causarão ao bolso
do estudante, do trabalhador e do sobrevivente de um sistema quase
desumano. Também ninguém mencionou, em telereportagens da mass media,
a beleza do coro popular convidando as pessoas a juntarem-se, cada vez
mais, contra “o aumento” - e contra a exploração, contra a opressão,
contra os abusos do capitalismo.
Na terça-feira,
dia 11 de junho, uma ótima notícia (não para os telejornais): o
movimento se fortalecera, cerca de 12 mil pessoas estavam nas ruas (o
número apontado pela PM foi de 5 mil) - este é o ponto no qual devemos
lembrar da Turquia, que passa por um quadro inspirador de luta popular,
desde o dia 31 de maio, que enfrenta o Estado a favor da liberdade
(começou na defesa do parque Gezi, que seria destruído). O número de
mortos durante os protestos turcos é de 4 pessoas, até o dia 12 de
junho, infelizmente, mas erra quem aposta no fim do movimento, mais
forte a cada dia. Vale destacar a forte participação de jovens e
estudantes no seio do movimento.
Na América
Latina, estudantes chilenos preparam para hoje (13 de junho) um protesto
contra o governo e a favor do ensino superior público. No país de
Allende e Neruda, cabe salientar que o ensino superior é totalmente
privado. O movimento estudantil informou, por meio de comunicado, que
ocorrerão manifestações em Santiago, a capital do Chile, e nas
principais cidades do país.
Voltando às terras
tupiniquins, o ato do dia 11, supramencionado, foi extremamente violento
e, aqui, mais uma bifurcação: nos telejornais, a violência foi maior e
iniciada por parte dos manifestantes. Na vida real, de carne , osso e
olhos ardentes, o povo sofreu na mão de repressão. E a TV reforçando que
oito policiais saíram feridos. Pra não sermos injustos, é importante
colocarmos que houve telejornalistas e apresentadores de jornais que,
apesar de criticarem o “vandalismo”, apontaram o quanto o sistema de
transportes públicos da cidade é precário. Uma cena desse dia de
protesto foi bastante marcante: manifestantes, parados na faixa de
pedestres, são atropelados por um motorista de carro (que fugiu). O fato
foi mostrado, em alguns telejornais, com as imagens desfocadas (em
outros, mantiveram-se claras). A pulga atrás da orelha perdura...
A
mídia, como sabemos através de experiências cotidianas e inúmeros
estudos elucidativos, possui influência imensurável na formação da
consciência dos seres sociais, debate o qual não aprofundaremos. Mas,
brevemente, queremos (re)lembrar o quanto as mudanças reais seriam mais
fáceis de ocorrer se a mídia com maior acesso às pessoas fosse popular,
transparente, democrática e livre.
“Um cenário de
pós-guerra” se configurou na cidade, colocou uma repórter, sem precisar
concluir de que lado está a imprensa hegemônica nessa conjuntura de
conflitos. A propósito, estamos saturados de números cortados, de
manifestantes ocultados. Estamos fartos de informações errôneas chegarem
a nós. Até quando as representações televisivas serão tortas? A
televisão não será revolucionada? O que nos conforta é saber que as
experiências concretas estão sendo vivenciadas por um número cada vez
maior de pessoas, ultimamente, na célebre e velha luta de classes.
Com
o otimismo da vontade gramsciano, destacamos algumas vitórias
populares, ocorridas mesmo sem o apoio da mídia televisiva: algumas
cidades como Porto Alegre, Taboão da Serra, Goiânia, Aracajú e Teresina
não terão o valor das passagens aumentado. Congelar o valor em São Paulo
e Rio de Janeiro são os próximos passos. Outra vitória que podemos
considerar são os vídeos feitos por manifestantes ou cinegrafistas
diversos, disponibilizados na internet, que mostram vários, senão todos
os lados dos protestos.
Camila Petroni, historiadora, assistente editorial e mestranda em História Social pela PUC-SP.
Gustavo Menon, mestre em ciências sociais pela PUC-SP e docente na Faculdade de Ciências de Guarulhos (FACIG).
Fonte: Brasil de Fato
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