Foto: Reflections on a Revolution |
Por Muftah (editorial), em 1/6/2013 | Tradução: Coletivo VilaVudu
Os protestos na Turquia entram hoje no 5º dia, com manifestantes
tomando as ruas de várias cidades pelo país. Os protestos, que
inicialmente visavam a impedir a destruição do Parque Gezi em Istanbul,
transformaram-se, por causa da agressão policial, e incluem já
manifestações mais amplas, de oposição ao governo da Turquia.
Mashallah News oferece bom balanço do desenvolvimento dos protestos, até agora:
“Em Istanbul, apenas 1,5% da área urbana é ocupada por espaços
verdes; na Parque Geziestão nove acres desse total. Na 2ª-feira,
chegaram equipes da empresa construtora, e começaram a derrubar árvores,
para construir um shopping center. Na 2ª-feira havia ali cerca de 50
pessoas; na 5ª-feira à noite já eram 10 mil, apesar de a Polícia ter
usado sprays de pimenta e gás lacrimogêneo para dispersar os
manifestantes. Na 6ª-feira, a agressão policial aumentou: a Polícia usou
canhões de água e força excessiva, na tentativa de evacuar a praça e
impedir que prosseguissem os discursos, cantos, palavras-de-ordem e a
montagem de acampamentos.”
Em discurso muito aguardado, hoje, 1/6, o primeiro-ministro Recep
Tayyip Erdogan respondeu ao crescente movimento de protesto.
Reproduzindo as mesmas estratégias várias vezes tentadas e sempre
fracassadas, de outros ditadores regionais (muitos dos quais já
despachados do poder), o primeiro-ministro minimizou o significado das
manifestações, rejeitou as demandas dos manifestantes e atribuiu a
“agitação” a “outras forças”. EA World View assim resumiu o discurso de Erdogan:
“O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan (…) falando hoje sobre a
agressão policial a manifestantes, usou tom desafiador – e disse, dos
que se manifestam contra o redesenvolvimento da Praça Gezi, que “há
jogadas, aqui (…) Ninguém tem o direito de protestar contra a lei e a
democracia.”
Erdogan disse que a Polícia cometeu erros no uso de sprays de pimenta
e gás lacrimogêneo contra os manifestantes, e que o Ministério do
Interior investigará tudo isso. Mas que a Praça Taksim – onde os
manifestantes permaneceram acampados por quatro dias, antes de serem
atacados pela Polícia, na 6ª-feira – não pode ser usada como ‘paraíso
seguro’ para manifestações. E insistiu que “organizações ilegais”
estariam provocando “cidadãos ingênuos”.
O primeiro-ministro, invocando história e ideologia, disse que
manterá os planos para converter o espaço verde do Parque Gezi em um
supermercado, que será construído como réplica das tendas militares da
era otomana.
Erdogan disse que os que se opõe a “projetos de transformação urbana” querem que “nosso povo viva em favelas”.
Falando em termos mais amplos, Erdogan insistiu que seu governo
reflete a vontade do povo e a oposição deve manifestar-se pelas urnas,
nas eleições, não nas ruas. Mas mostrou-se cheio de confiança de que
vencerá qualquer desafio: “Não tentem competir conosco. Se reunirem 200
mil pessoas, posso pôr um milhão, nas ruas.”
Como era de esperar, o discurso de Erdogan não fez esfriar os
protestos, que prosseguem, com grande número de manifestantes nas ruas.
Embora essas manifestações talvez pareçam irrupções isoladas de
descontentamento, outros recentes atos de públicos de protestos sugerem
outra coisa.
Em dezembro de 2012, houve manifestações contra a demolição de Ince
Pastanesi, uma confeitaria histórica em Istanbul. Depois de quase 70
anos de atividade, a loja, como o Parque Gezi, foi programada para ser
demolida, também para ser substituída por um shopping center.
Apesar das repetidas manifestações públicas no local, que pediam que a
prefeitura poupasse a loja, nada conseguiu impedir que o prédio fosse
demolido.
Dia 7 de abril de 2013, manifestantes reuniram-se para protestar
contra a demolição do histórico Teatro Emek, em Istambul, também
demolido para dar lugar a um shopping center. Na ocasião, como agora, a Polícia respondeu com violência:
“A Polícia usou canhões d’água e gás lacrimogêneo, dia 7 de abril,
para dispersar milhares de manifestantes, entre os quis o diretor
grego-francês de cinema, Costa-Gavras, e vários atores, que haviam
viajado a Istambul para defender o icônico Cinema Emek e protestar
contra a demolição daquele prédio histórico.
A Polícia já havia bloqueado o acesso à rua lateral onde se localiza o
cinema, obrigando os manifestantes a permanecer na avenida İstiklal, no
coração do bairro onde se concentram vários cinemas e teatros em
Istanbul. Depois de um alerta, de que a manifestação não tinha
autorização para se realizar, a Polícia passou a bombardear a multidão
com jatos d’água e, segundo testemunhas, com granadas de gás
lacrimogêneo.
O crítico de cinema Berke Göl e três outros manifestantes foram detidos, como noticiou o jornal Radikal. Um dos mais conhecidos e respeitados diretores do cinema turco, Erden Kıral, teria desmaiado durante o ataque da Polícia.
Um grupo de 200 manifestantes permanece acampado à frente do prédio
da Polícia de Beyoğlu, exigindo a imediata soltura dos que permanecem
detidos, segundo o jornal Radikal.
A Fundação Istanbul para Artes e Cultura (İKSV) lançou declaração em
que condena o uso de “força excessiva” pela Polícia. “Condenamos a
agressão a amantes do cinema que nada fizeram além de tentar protejer a
memória cultural de Istanbul”, dizia a declaração.”
Embora essas ações pareçam rejeitar alguma “modernização” ou expor
alguma vontade de reviver “velhos tempos”, parece haver aí um conjunto
de motivações mais profundas. Como escreveu um blogueiro turco:
“Como se lê nos relatos de Elif Ince, do jornal Radikal, que
escreve sobre os eventos no Parque, o movimento #OccupyGezi é um levante
urbano contra a elite conservadora turca e suas políticas neoliberais.
Um dos manifestantes explica a Ince que a demolição da confeitaria
Inci Pastanesi nunca foi assunto de bolos e docinhos; que os
manifestantes que protestaram contra o fechamento do cinema Emek Theater
não estavam preocupados apenas com preservar prédios históricos. E que a
solidariedade no Parque Gezi Parki não é questão apenas de defender
árvores.
Os manifestantes estão acampados no parque porque a cidade é do povo e
deve ser governada pelo povo, não pelas decisões e caprichos de um
líder político e seus discípulos no governo.’”
Mais uma vez, esse desejo de ser ouvido sobre o próprio ambiente em que se vive é também apenas parte da história. Esforços para modificar hábitos e práticas sociais e culturais também estão despertando resposta desafiadora de muitos turcos. Poucos dias antes do início das manifestações no Parque Gezi, dia 25 de maio, casais turcos manifestaram-se contra os esforços para proibir manifestações públicas de afeto nos trem do metrô. O jornal Huffington Post comentou:
“Dúzias de casais participaram de um ‘beijaço’ numa estação do metrô
em Ancara, capital da Turquia, para protestar depois que autoridades do
metrô advertiram um casal que se beijava em público.”
A mídia turca noticiou que, no início da semana, autoridades do metrô
da cidade divulgaram documento em que pedem que os passageiros “ajam de
acordo com regras morais”, depois que câmeras de vigilância interna
filmaram um casal que se beijava.”
A questão levou um deputado da oposição a questionar o partido
governante, que é partido islamista, e que, como temem os secularistas,
trabalha para expandir a influência do Islã na vida dos turcos, única
explicação para que autoridades do metrô tenham sido liberadas para
difundir regras sobre “comportamentos morais” (…).
E há também a questão da recente proibição, na Turquia, de bebidas
alcoólicas. Dia 24 de maio, o Parlamento turco aprovou lei que cria
várias restrições à venda, divulgação e consumo de bebidas alcoólicas.
Um jornalista turco descreveu as novas proibições como forma de pressão
contra os cidadãos, as quais, essencialmente, restringem a liberdade de
as pessoas agirem livremente em espaços públicos:
“Na Turquia, enfrentamos um processo de engenharia social ideologicamente motivado, extremamente conservador e socialmente opressivo, que é parte da agenda islamista para o governo do AKP. Esse projeto não tem qualquer legitimidade democrática, porque é violação clara de direitos e das liberdades dos turcos.
Outra prova de que o movimento geral é esse é o que disse o
primeiro-ministro Erdogan na convenção de seu partido no Parlamento, dia
28 de maio, ao reagir contra os que diziam que as proibições de bebidas
alcoólicas estão relacionadas à agenda dos islamistas. Erdogan disse
que “não faz diferença de que religião se trate: a religião estipula não
o que é errado, mas o que é certo. Se se trata de estipulação certa, os
senhores se oporão a uma lei certa, por ter sido inspirada por
pensamento religioso? Será que, para os senhores, uma lei escrita por
meia dúzia de bêbados poderia ser válida? Como se admitirá que nossas
convicções sejam apresentadas como algo a ser rejeitado?”
Erdogan portanto, declarou abertamente que a proibição de bebidas
alcoólicas é, sim, exigência religiosa, e que deseja reformatar a vida
em espaços públicos, nos termos do que a religião determina. E avançou:
declarou “anti-religião” qualquer um que se oponha à proibição de
bebidas alcoólicas alegando direitos e liberdades individuais.
O alívio que alguns sentiram ao ouvir Erdogan dizer, no mesmo
discurso, que “os arranjos que se fazem agora não implicam qualquer
interferência no modo de vida de pessoa alguma” durou pouco. Na
sequência, Erdogan acrescentou que “se você quer beber, leve sua bebida
alcoólica e beba-a em casa. Beba o que quiser beber. Nada temos contra
isso.”
Com essas palavras, o primeiro-ministro turco disse a segmento
considerável da população: não continuem a fazer o que sempre fizeram
nos espaços públicos. Basta isso, como grave exemplo de pressão, que
ultrapasa em muito o conteúdo e o contexto das leis já aprovadas sobre
bebidas alcoólicas.”
Não se trata, pois, só de “destruição de árvores”, de os turcos
perderem “bolos e docinhos” ou de desejarem preservar prédios
históricos, mas da sensção, que se vai generalizando, de que a vida
pública na Turquia está sendo limitada e modelada para atender às
exigências de um tipo de perspectiva ideológica. Isso, afinal, parece
estar motivando os protestos no Parque Gezi e outras manifestações
públicas de desafio ao governo de Erdogan, que já surgem por todo o
país. Essas mostras públicas de descontentamento, que se veem no vídeo
(em http://vimeo.com/67441445), da noite de ontem, 31 de maio, não dão sinais de estar arrefecendo.
—–
Traduzido do inglês, em http://muftah.org/protests-in- turkey-part-of-a-growing- cycle-of-discontent/ [com fotos excelentes]
Fonte: Uninômade
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