Educação e sociedade: uma breve leitura das IES.
Eliana Vinhaes Barçante
(Docente Assistente UFRJ e UNESA)
Temos acompanhado a polêmica em torno da Educação Superior Pública e Privada. Muitos fóruns e especialistas têm se manifestado contundentemente sobre os atuais critérios de avaliação e os resultados adversos de determinadas opções.
Vários dilemas precisam ser enfrentados.
Uns alegam que um Doutor formado em Programas de Pós Graduação bem avaliados pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) não poderia ser reprovado em concurso para professor universitário. Como se o título fosse a garantia do exercício qualificado do magistério. Sabemos que muitos doutores não são bons professores.
Outros alegam que a formação acadêmica e profissional dos docentes do magistério superior exige, cada vez mais, que façam seus cursos de mestrado e doutorado. Argumento justo, desde que as Universidades assumam esta exigência de maneira compartilhada. De maneira geral, as Universidades Privadas querem os bônus da formação exemplar, mas não investem nos ônus de investir no aperfeiçoamento docente. Não oferecem carga horária para a pesquisa, mas cobram um desempenho que recai sobre os ombros dos docentes isoladamente.
Portanto, a busca da identidade docente anda em crise, uma vez que atender às demandas contemporâneas do profissionalismo exigido, muitas vezes, redunda em frustração. A grande questão é como se inserir neste segmento da educação. Há um grande esforço de atualização e aprimoramento científico e profissional para a garantia de sua inserção no mercado de trabalho docente. Sabe-se que cabe à Universidade formar pesquisadores docentes, que tenham a capacitação para enfrentar as exigências contemporâneas.
Muitas Universidades priorizam determinadas instâncias de profissionalização, em detrimento de outras. Senão vejamos, se a prioridade é a pesquisa, a docência é relegada a segundo plano, como atividade menor. Por outro lado ser um excelente pesquisador não garante que se seja um excelente professor.
Acusa-se o professor de História do curso Básico (Fundamental e Médio) de não fazer pesquisa. Entretanto, para o docente desempenhar suas atividades de pesquisa no Mestrado, ou Doutorado, a docência passa a ser tratada secundariamente. Os resultados desta opção se fazem sentir no comprometimento com a docência. Nem na sala de aula se faz pesquisa, o que seria desejável, pois é um espaço de construção do conhecimento.
Os alunos dos diversos cursos de graduação em História sentem o dilema de sua escolha profissional, uma vez que investir na pesquisa os afasta do magistério e vice versa.
Nesta medida, a formação na graduação precisa incorporar as exigências da atualidade. Precisaríamos, portanto, de cursos de graduação voltados para o Ensino e a Pesquisa em doses equilibradas.
Este é o desafio da carreira profissional do docente pesquisador.
Ao se formar na graduação, os jovens vão pleitear no mercado de trabalho as condições de sua sobrevivência e se deparam com uma competição desigual, que prioriza as melhores colocações aos professores mais qualificados, isto é, provenientes de instituições cuja avaliação da CAPES é de excelência. A frustração acaba afastando promissores docentes do exercício do magistério, se provenientes de Instituições consideradas de baixa qualificação.
Mas este dilema contém outra face: os docentes das IES são alvo de exigências cada vez mais perversas. As políticas de viés produtivista, que condicionam e regulam o trabalho docente submetendo-o à perspectiva mercadológica acabam dificultando o exercício da docência, mesmo na academia.
A corrida por publicações de artigos em revistas especializadas QUALIS desenvolve uma competição desenfreada entre pesquisadores, que mais serve à corrupção do que à qualidade e ao impacto de artigos publicados. Escolher o número de artigos como parâmetro para avaliar a produção acadêmica pasteuriza a qualidade e fragiliza a solidariedade na comunidade acadêmica.
E mais, afasta o docente universitário de sua função precípua, de formar outros docentes e pesquisadores de qualidade.
O sistema de avaliação condiciona a qualidade à quantidade e torna o docente refém do produtivismo compulsivo.
A carreira do docente universitário pressupõe ensino, pesquisa e extensão. A carga horária docente, portanto, deve estar distribuída entre estas atividades inerentes à profissão.
A hipertrofia da pesquisa e publicações exigidas, em detrimento do exercício da docência esvazia o processo educacional, desqualificando os mestres de sala de aula. A corrida por publicações afasta o investimento aprimorado das aulas, vistas por muitos como um fardo a ser enfrentado.
Investir na docência implica em associar produção - reprodução do conhecimento e formação de cidadãos críticos para o exercício profissional.
Como resolver tais dilemas, quando a Educação Superior se dissocia de sua grande função de formadora de profissionais qualificados e cidadãos que vão poder atuar para a melhoria da qualidade de vida da sociedade?
Outro grande dilema é a ampliação de universidades privadas no mercado. O furor privatista, a mercantilização do ensino, a disputa de sentido de projeto político distanciam o segmento público, do privado. A formação de grandes grupos educacionais (nacionais e transnacionais) surge através de fusões e aquisições. A financeirização destes grupos impõe padrões de produtividade e metas de lucratividade que envolvem rotineiramente demissões e desqualificação do trabalho docente. Os projetos pedagógicos surgem à revelia dos docentes, gerando a depreciação da qualidade de ensino e a restrição da função social da universidade.
No passado, o processo de mercantilização consistia na venda de uma mercadoria, a educação. Hoje se expande sua dimensão, quando a ação pedagógica vira mercadoria. A padronização do projeto atual aprisiona os docentes que não programam mais suas aulas com autonomia e ficam à mercê de aulas produzidas fora do contexto professor aluno. E mais preocupante trata-se do controle ideológico da formação e da descaracterização do conhecimento científico, pressupondo sua neutralidade.
Trata-se da destruição do sentido do trabalho decente, pois mutila o trabalho pedagógico retirando-lhe sua dimensão criadora, epistemológica, política, transformadora e sócio afetiva em nome de aulas padronizadas do mercado, aulas por atacado. (Tiradentes: 2009)
Vários setores da sociedade passam pela formação de fusões, acomodação do mercado, reconfiguração das relações de concorrência, precarização e intensificação do trabalho.
A Educação Superior passa a admitir modelos de gestão contemporânea. Se os dilemas da sociedade já preocupam os cidadãos conscientes, introduzir este dilema nas atividades pedagógicas implica no desprezo à natureza de nosso trabalho.
Educar não é da natureza de fabricar sapatos ou carros.
Toyotismo, qualidade total, meritocracia, competitividade são questões discutidas na Sociologia do Trabalho. Se aplicados à educação e saúde os danos à sociedade poderão ser irreparáveis. Destrói-se a função contra hegemônica da Universidade. Formam-se quadros para o neoliberalismo.
Segundo a pesquisadora, as IES privadas contam com uma base de apoio na Frente parlamentar em Defesa das IES Privadas, com 214 congressistas aprovando demandas desta natureza. Para a universalização da produção da mercadoria educação surgem as aulas padronizadas e a EAD, como instrumentos da produção em escala. (Tiradentes: 2009)
Para concluir, alertamos para a desqualificação da docência, enquanto espaço pedagógico de transformação, construído por seus participantes no cotidiano dos embates da própria sociedade.
Educação e Sociedade são parte de um processo contraditório e expressam a dinâmica viva da luta por superar uma sociedade desigual e injusta.
Na atualidade as IES passam por vários dilemas, tanto as públicas, como as privadas. Estejamos atentos a este processo que precisa ser enfrentado urgentemente.
Referências:
TIRADENTES, Aparecida. Financeirização e Educação Superior: estratégia da mercantilização. Revista SINPRO, nº7, jun 2011-07-30
_____. Política Educacional para a Universidade Microondas: gestão universitária, trabalho docente e qualidade da formação sob efeito do mercado educador. IX Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul. Florianópolis 25-7 Nov. 2009
BREDA, Tadeu; KLEIN, Tatiane. Os novos docentes da USP. Revista ADUSP, nº48 postado por Denílson Botelho 23/02/2001
FICO, Carlos. A Carreira do professor de História, in Revista de História 6/07/2011.
Fico satisfeita com a divulgação, geradora reflexão.
ResponderExcluirEstas inquietações permeiam o universo de docentes íntegros, competentes e que estão comprometidos com a Educação.
Há muitos deles, ainda que dispersos num universo não tão qualificado.
ResponderExcluirHá muitas questões a serem enfrentadas nas Universidades Públicas e Privadas. Ambas apresentam problemas, que demandam atenção e busca de soluções democráticas. Mas, vamos caminhando...
São as velhas dicotomias cobertas com novas roupagens! O ensino e a pesquisa não deveriam ser/estar dissociados, porque se retroalimentam um do outro. Porém, os modelos contemporâneos de gestão, como citados acima, direcionam suas baterias para outro foco: o controle de cima para baixo através de parâmetros quantitativos, muitas vezes burláveis - no bom e no mau sentido - e maquiáveis. Escola boa é escola que tem alunos, ponto. O aluno fica porque está sendo "bem atendido", do contrário se evadiria. Notas, frequências, avaliações, conteúdos cada vez mais distanciados da produção criativa do professor (aquele da sala de aula que está, muitas vezes, apartado do aperfeiçoamento acadêmico), sendo cobrados ou padronizados por fontes externas, ou seja, sem qualquer possibilidade de adequação. A educação brasileira permanece enjaulada nos seus velhos e novos dilemas, sem solução à vista.
ResponderExcluirMaria Clara