Niall Farguson em Lima (2012): velho defensor da oligarquia financeira, ele apela agora para outros “argumentos”… |
Defensor de uma “austeridade” cada vez mais impopular e
insustentável, historiador Niall Ferguson rejeita ideias de Keynes
alegando sua homossexualidade.
Por Marcelo Mallet Siqueira Campos*
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Sobre o mesmo tema, em Outras Palavras:
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Por Álvaro Bianchi
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Niall Ferguson, historiador britânico e professor da Universidade de
Harvard, manifestou-se de modo extremamente infeliz em uma palestra na
Califórnia para um grupo de mais de 500 investidores, no início de maio.
Na opinião do historiador conservador, a teoria econômica de John
Maynard Keynes, o economista mais importante do século XX, deve ser
rejeitada pelo fato de Keynes ser gay e não ter tido filhos, o que faria
com que ele não se preocupasse com as gerações futuras. Em sua fala,
Ferguson, inclusive, afirmou que Keynes “preferia poesia a fazer sexo
com sua esposa bailarina”, fazendo referência à bailaria russa Lydia
Lopokova com quem o economista se casou.
Após rápida repercussão na internet, Ferguson publicou um pedido de
desculpas no sábado, dia 4, através do seu website, dizendo que não é
homofóbico, que havia esquecido que Lydia sofrera um aborto e que
pessoas que não têm filhos também se preocupam com o futuro.
Embora reconheça que falou algo estúpido e insensível, Ferguson
justifica que a declaração foi de improviso, no momento das perguntas
que sucederam sua palestra. Porém, foi justamente falando de improviso
que seus preconceitos vieram novamente à tona. Não teria sido a primeira
vez que Ferguson faz comentários deste tipo. Em seu livro The Pity of
War, publicado em 1999, ele sugere que Keynes posicionou-se contra a I
Guerra Mundial por razões sexuais, já que jovens garotos ingleses
estavam no front.
O argumento de Ferguson é duplamente desqualificável. Primeiro, por
questionar a teoria keynesiana pelo fato de seu autor ser homossexual e
não ter tido filhos. Segundo, por não ter compreendido sua teoria,
utilizando uma citação totalmente descontextualizada. A famosa frase de
Keynes, na qual Ferguson baseou-se para fazer suas declarações, “a longo
prazo estaremos todos mortos” é exaustivamente referida, porém, pouco
compreendida.
A sentença famosa está presente no Tratado da Reforma Monetária,
publicado em 1923, quando Keynes começou a rejeitar as ideias dos
economistas clássicos relacionadas ao fato de que os mercados se ajustam
e entram em equilíbrio. Ampliando-se o resgate do excerto no original,
Keynes afirmava que “este longo prazo é um guia enganoso para a
atualidade. A longo prazo todos estaremos mortos. Os economistas
estabeleceram para si mesmos uma tarefa demasiado fácil e demasiado
inútil se, em épocas tempestuosas, só nos conseguem dizer que depois da
tempestade, o mar volta a ficar calmo.”
Keynes jamais afirmou que o longo prazo não importa. O ponto central é
que não devemos sacrificar o presente com desemprego em massa,
aguardando que o mercado corrija o desemprego no momento em que os
trabalhadores aceitem salários menores.
Sua preocupação com o futuro é ressaltada em As Consequências
Econômicas da Paz, obra publicada em 1919, na qual Keynes criticava o
Tratado de Versalhes, que submeteu a Alemanha a condições humilhantes ao
ter que pagar as reparações de guerra, criando as condições que abriram
espaço para a ascensão do nazismo. Nesta obra, Keynes apresenta as
consequências do desemprego (ignoradas por seus críticos, inclusive, o
célebre historiador de Harvard). Nas palavras de Keynes: “Nem sempre as
pessoas aceitam morrer de fome em silêncio: algumas são dominadas pela
letargia e o desespero, mas outros temperamentos inflamam-se, possuídos
pela instabilidade nervosa da histeria, podendo destruir o que resta da
organização social, e submergindo a civilização com suas tentativas de
satisfazer desesperadamente as necessidades individuais. É contra esse
perigo que todos os nossos recursos, nossa coragem e idealismo devem
cooperar.”
Inicialmente, a posição de Keynes em relação ao tratado de paz não
foi bem recebida pelos britânicos. No entanto, a história mostrou que
ele tinha razão, com a Alemanha mergulhando no caos, numa situação que
culminou na II Guerra Mundial. Ferguson, obviamente, associou esta
posição ao homossexualismo em seu referido livro de 1999, sugerindo que
Keynes defendia a Alemanha por ter se apaixonado por um negociador
alemão durante as negociações do armistício.
Além de preconceituosos e simplistas, os argumentos de Fergunson são
também mal intencionados e buscam incidir sobre os dilemas
contemporâneos das economias europeias. A maior contribuição teórica de
Keynes foi a publicação em 1936 da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da
Moeda, obra que revolucionou a teoria econômica. Nela, desenvolve-se a
base teórica para intervenção estatal na economia nos momentos de crise.
Quando a economia entra em crise, a confiança dos empresários é
abalada, afetando os investimentos e gerando desemprego. É nestes
momentos que deve entrar em cena a ação do Estado. Os economistas
keynesianos, portanto, defendem que em momentos de crise os governos
devem conduzir déficits orçamentários até que o estado de confiança da
economia seja restaurado e as empresas voltem a contratar. Este é
justamente o ponto em discussão nas economias centrais atualmente – e
parece ser o real motivo da fala de Ferguson, um defensor das políticas
de “austeridade”.
Cabe ainda lembrar que Keynes participou da conferência de Bretton
Woods, que reconfigurou o sistema financeiro mundial pós-guerra. Sua
preocupação era justamente evitar o erro cometido no Tratado de
Versalhes. O sistema que emergiu em Bretton Woods visava manter a
sanidade da economia mundial, evitando que os eventos insanos da Segunda
Guerra Mundial voltassem a ocorrer. Sim, Keynes preocupava-se com o
futuro da humanidade.
Improvável, mas recorrente, muitos acadêmicos de renome baseiam suas
opiniões em interpretações de segunda mão sobre Keynes. Desconhecem suas
obras originais e manifestam interpretações equivocadas. Niall
Ferguson, além de expressar preconceito inaceitável, rejeita uma teoria
de valor inestimável para tempos de crise e depressão. Não surpreende,
porém, a rejeição a priori da teoria do economista que mais se preocupou
com o desemprego ser manifestada por este historiador, fã do General
Pinochet e de Margaret Thatcher.
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*Marcelo Mallet Siqueira Campos é professor do IFRS e doutorando em Economia PPGE-UFRGS
Fonte: Outras Palavras
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