Quem são jovens embrutecidos que agrediram nordestino em Niterói?
Por que aumenta violência contra moradores de rua? Como enfrentar
ameaça?
Por Mauro Santayana, em seu blog
Em sua cruzada contra o totalitarismo, Arthur Koestler disse que é
possível explicar o racismo e identificar a origem da brutalidade dos
torturadores e dos genocidas. Mas é necessário combatê-los, isolá-los,
impedir que nos agridam e matem. Em alguns casos, podemos até mesmo
curá-los. Mas isso não significa que devamos perdoá-los
.
A aceitação das ideias alheias, que é o sumo das sociedades
democráticas, tem limites e eles se encontram na intolerância dos
fanáticos e extremistas.
Na verdade, dois são os vetores da brutalidade: o medo e a loucura.
Os grandes assassinos são movidos pela paranoia, e a paranoia oscila
entre o ilusório sentimento de absoluta potência e a frustração da
impotência. É dessa forma que Adorno, em Mínima moralia, diz que o fascista é um masoquista, que só a mentira transforma em sádico, em agente da repressão.
Quem são esses jovens embrutecidos que agrediram
um nordestino junto à Estação das Barcas, em Niterói — e foram contidos
pelas pessoas que ali se encontravam? São trastes humanos, ainda que
sejam trabalhadores e estudantes, tenham família e amigos. O que os faz
reunir-se, armar-se, sair às ruas, a fim de agredir e — quando podem —
matar outras pessoas?
Individualmente, apesar de suas artes marciais, seus socos ingleses,
seus punhais e correntes de aço, são apenas seres acoelhados, agachados
atrás de si mesmos, que só crescem quando se agrupam e se multiplicam,
em suas patas, seus punhos, suas armas.
Eles não nasceram com garras, nem tendo a cruz suástica e outros
símbolos riscados na pele. Foram crianças iguais às outras, que
encontraram pela frente uma sociedade brutalizada pelo egoísmo.
Não é difícil que tenham sentido no lar o eco de uma civilização
corrompida pela competição e destruída, em sua alma, sob o capitalismo
sem freios. Às vezes nos esquecemos que só um por cento dos homens
controla toda a riqueza do mundo.
Tampouco nasceram assim os que matam os moradores de rua, movidos
pelo mesmo medo e pela mesma ideia de que é preciso manter as cidades
“limpas”. Nestes últimos meses, tem aumentado o número de moradores de
rua assassinados em todo o país — mas mais intensamente em São Paulo, no
Rio, em Belo Horizonte, em Goiânia.
De acordo com as estatísticas, 195 deles foram mortos em 2012 e nos
primeiros meses deste ano. A imprensa internacional está debitando o
massacre à conveniência de “sanear” as maiores cidades, antes do afluxo
de visitantes que se esperam para a Jornada Mundial da Juventude, neste
ano, e para a Copa do Mundo, no ano que vem.
É bom lembrar que a matança de crianças na Candelária foi atribuída a
uma “caixinha” de comerciantes da região, interessados em varrer as
ruas desses bichos “incômodos e sujos”, que são os meninos pobres.
Há historiadores e antropólogos que amenizam o mal-estar
contemporâneo diante dessa realidade, com a afirmação de que, desde as
cavernas, o homem é naturalmente predador. Ocorre que, contra essa
perturbadora condição de bichos que somos, prevaleceu o sentimento de
solidariedade que nos tornou humanos, e foi possível sobreviver às
catástrofes naturais, como os terremotos e as pestes, e às guerras
continuadas. Mas, dentro da ideia dialética de que a quantidade altera a
qualidade, chegamos a um ponto insuportável.
Há dois caminhos na luta contra essa nova barbárie. Um é o da fé
religiosa, outro o da razão materialista. A fé — um acordo entre o homem
primitivo e o mistério da vida, a que ele deu o nome de Deus — tem sido
o principal suporte da espécie, sempre e quando ela não se perde no
fanatismo.
A razão se encontra com a fé no exercício do humanismo. Mas há sempre
razão na fé, como há fé na lógica do ateu. As duas posturas são de
autodefesa da sociedade humana e se realizam na coerente ação política.
Como disse Tomás de Aquino, a filosofia das coisas humanas só se
concretiza com a prática da política.
Há novos pensadores, sobretudo na velha França, que buscam recuperar o
humanismo de Marx, o do jovem filósofo dos Manuscritos econômicos e
filosóficos, de 1844, e as suas reflexões sobre a alienação. O trabalho
de Marx correspondeu à necessidade de defesa dos trabalhadores contra o
liberalismo do século 19, e a desapiedada exploração dos pobres pelas
oligarquias burguesas, substitutas do velho feudalismo.
Retornar a Marx é buscar novas e mais eficazes respostas contra o
neoliberalismo de nossos dias. É ainda possível a aliança entre o
humanismo cristão e os pensadores agnósticos, fundada em uma constatação
fácil, a de que é preciso salvar o homem de si mesmo. É urgente
salvá-lo do barbarismo reencontrado na estupidez do egoísmo neoliberal.
Isso faria do planeta o seguro espaço da vida. O retorno esperado à
Teologia da Libertação é uma das vias de acesso à Terra Prometida.
O filósofo francês Dany-Robert Dufour, em um de seus ensaios,
pergunta que homem emergirá do ultraliberalismo de hoje. Não é
necessária a pergunta: ele já está aí, no corpo volumoso adquirido nas
academias e nutrido de anabolizantes; na cabeça reduzida pelas mensagens
de uma cultura castradora, fundada no efêmero e no inútil; na pele
usada como o anúncio de cada um, mediante as tatuagens; na ilusão da
fama e da eternidade, nas postagens arrogantes no Facebook; no ódio ao
outro, celebrado no culto à morte.
Essa visão nublada do mundo está contaminando grande parte de nossa
juventude, nas escolas e universidades. É preciso que as escolas deixem o
tecnicismo que as reduz, e voltem ao módulo ético, para fazer dos
homens, homens, e deles afastar os instintos dos predadores.
É preciso reagir. Os alemães dos anos 20 e 30 não reagiram, quando
grupos de nazistas atacavam os judeus e os comunistas. Os democratas
europeus não reagiram contra as chantagens de Hitler no caso do Sarre,
da anexação da Áustria, do ultimato de Munique. Dezenas de milhões
pagaram, com o sofrimento e a vida, essa acovardada tolerância.
Fonte: Outras Palavras
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