Morte de palestino em prisão israelense e greve de fome de
centenas de prisioneiros que sofrem maus tratos podem tornar
insuportável a vida sob ocupação — e desencadear nova revolta
Por Ruth Michaelson | Fotos: Eloïse Bollack e Matthew J. Bell, na Vice
De acordo com a mídia de Israel, a Terceira Intifada Palestina já
está bem encaminhada. O que não significa que esteja mesmo, claro — a
imprensa de Israel está atualmente no meio de um ciclone de paranoia, e
os meios de comunicação têm alimentado essa preocupação em particular
desde dezembro passado. Mas isso pode significar que estamos perto. O
Mondoweiss, um site que promete fornecer notícias “de uma perspectiva
judia progressista”, citou o comandante do exército israelense Yaniv
Alaluf no começo do ano: “Não estamos mais à beira da Terceira Intifada —
ela já está aqui”.
Depois da morte de Arafat Jaradat, de trinta anos, na prisão
israelense de Megiddo no dia 23 de fevereiro, especulações sobre quando a
Terceira Intifada vai chegar e provar que a mídia de Israel estava
certa atingiram o pico. Uma autópsia revelou que Jaradat não morreu de
ataque cardíaco como informaram oficiais da prisão, mas que mostrava
sinais de “tortura extrema”, incluindo alguns hematomas de formato
suspeito, marcas de chicote e costelas quebradas. As forças de Israel
afirmam que as costelas quebradas são sinais da tentativa de
ressuscitação, mas vai ser bem mais difícil explicar de onde vieram os
ossos quebrados no pescoço, espinha, braços e pernas do prisioneiro.
A morte de Jaradat veio num momento em que a questão do tratamento
recebido por prisioneiros palestinos está dominando o discurso da mídia,
e seu falecimento já aumentou os protestos contra o tratamento de
prisioneiros em greve de fome parcial de longo período. Até agora, esses
protestos têm acontecido em Hebron, Belém, Jenin, Nablus, Jayyous, Beit
Ummar, Tulkarm e na prisão Ofer, próxima de Ramallah. Na terça-feira
seguinte, um garoto foi baleado num protesto em Belém e acabou morrendo.
Os direitos dos prisioneiros são uma questão chave entre os palestinos,
o que não é surpresa, considerando que 40% da população masculina já
passou alguma parte da vida numa prisão israelense.
Enterro de Arafat Jaradat, foto de Matthew J. Bell. |
O enterro de Jaradat em sua cidade natal, Sa’ir, reuniu milhares de
pessoas, incluindo representantes de todos os maiores partidos
políticos, do Hamas ao PFLP. A cidade é um reduto do Fatah e o braço
armado do partido, a Brigada de Mártires Al Aqsa (BMA), se mostrou
fortemente no evento, realizando salva de tiros e anunciando que
pretende vingar Jaradat. Combine isso ao aumento dos protestos e das
informações da inteligência espalhadas pela segurança interna de Israel e
dá para entender por que a mídia está em pânico com a Terceira
Intifada. Mas seria realmente isso?
O primeiro problema aqui é a falta de liderança — aparentemente não
há nenhuma. O BMA pode prometer vingança, mas sendo o braço armado do
Fatah, estão fortemente conectados à Autoridade Palestina, que tem
tentado arduamente parecer mais “estadista” do que revolucionária. Como
resultado, se uma intifada irromper, é mais provável que a AP esteja no
lado oposto.
No Ramallah Café, ponto de encontro onde os intelectuais de Ramallah
param para fumar narguilé e ler os jornais, um cliente se disse
ex-membro da BMA e ficou feliz em papaguear sobre a situação da AP.
Chamando o líder da AP de “senhor presidente”, ele disse que a AP vai
defender essa “revolução de prisioneiros”, que para ele já tinha
começado. Evasivo quanto ao por que ele mesmo não se juntava à
revolução, ele disse que a AP vai apoiar os manifestantes, mesmo que ela
tenha passado a sexta anterior entre eles e as forças de defesa
israelenses para conter os protestos em Hebron.
Foto por Eloïse Bollack. |
Na segunda, dia 15 de fevereiro, membros da Autoridade Palestina
recusaram-se a participar de atividades similares de “controle de
multidão”, talvez apenas porque isso poderia ter começado uma revolta em
grande escala contra a polícia da AP ou mesmo contra a própria AP.
“Estamos muito desapontados com a AP depois que eles voltaram do
exílio”, disse o manifestante Abu Ashraf, recebendo os jornalistas em
sua casa para que se abrigassem do gás lacrimogêneo na última
sexta-feira. “Não esperávamos que eles fossem se tornar uma folha de
parreira para a ocupação.”
O “senhor presidente” também tentou rebater o pedido do
primeiro-ministro israelense para que ele acalmasse os protestos na
Cisjordânia, dizendo: “Israel quer o caos, mas não seremos arrastados
para isso” — fazendo parecer que ele está se levantando contra Israel e
que é capaz de sufocar a ira palestina. Até o presente momento, há
poucas evidências de que ele seja capaz de qualquer uma dessas coisas.
Para assegurar que Abbas e o resto da AP, particularmente a força
policial, permaneçam do seu lado, Israel liberou receitas fiscais que
tinha confiscado do AP em novembro, na esteira da proposta da ONU de um
Estado Palestino.
Com isso em mente, parece mais possível que a Terceira Intifada venha
de outro lugar que não a Cisjordânia. Não é segredo que localidades
como Jeni, Hebron e Nablus não são grandes centros de apoio tanto da AP
quanto de Israel, especialmente entre quem vive nos campos de refugiados
que não são controlados pela AP. Protestos regulares e enfrentamentos
têm acontecido do lado de fora da prisão Ofer, nas proximidades de
Ramallah, engrossados principalmente por estudantes da Universidade
Birzeit, mas outros se centraram em conhecidos pontos anti-AP,
especialmente Hebron, que fica próxima da cidade natal de Jaradat,
Sa’ir. No entanto, estes coincidiram inicialmente com protestos
planejados para exigir a reabertura do assentamento judeu Shehuda Street
para palestinos, então, embora as manifestações continuem, resta saber
se vão durar no longo prazo.
Foto por Eloïse Bollack. |
Até agora, aqueles envolvidos em protestos e confrontos usaram
métodos não-violentos de resistência, popularizados na Primeira
Intifada. No entanto, mesmo se grupos armados de resistência escolherem
este momento para começar algo mais próximo da Segunda Intifada, que foi
mais violenta, vão acabar enfrentando o problema da escassez de
armamentos. A AP tem tido muito sucesso em reprimir o tráfico de armas,
num esforço para fazer a Cisjordânia parecer menos um foco de
resistência e mais um lugar onde o Obama possa se sentir confortável
para passear durante sua visita no próximo mês.
Também foi sugerido que qualquer intifada que aconteça na Cisjordânia
provavelmente resultará num ataque aos assentamentos. Mas fora um
ataque dos colonos aos palestinos em Qusra sábado passado, não houve
mais nenhum confronto informado entre palestinos e colonos até agora,
então as manifestações permanecem centradas contra as forças de defesa
israelenses pelos direitos dos prisioneiros palestinos.
Essencialmente, falta outro elemento para que essa situação se torne
uma intifada completa. Não há dúvida de que a situação dos prisioneiros é
digna de protestos, mas seria necessário que a raiva dos palestinos
contra a economia vacilante se espalhasse para arrastar mais pessoas
para as ruas, e a situação financeira ainda não afundou até esse ponto.
Alguns protestos menores contra os Protocolos de Paris, que governam a
economia palestina, aconteceram no verão, mas não há sinal de que eles
voltem a acontecer tão cedo. Comerciantes de Nablus e Ramallah estão
enfrentando a situação com bom humor, ao invés de escreverem cartazes e
saírem às ruas.
Você provavelmente já adivinhou, por ler literalmente qualquer
história recente na mídia, que a situação na Cisjordânia não é muito
agradável, e as pessoas têm mesmo o direito de estar com raiva. No
momento, essa raiva está sendo ventilada pela indignação com o
tratamento dos prisioneiros e vai ser preciso mais que isso para
transformar esses protestos isolados em uma intifada, principalmente se a
AP tiver qualquer coisa a ver com isso.
Quando perguntei se esses protestos eram o começo de algo mais
significativo, um quitandeiro da praça central de Ramallah coçou o
queixo e disse: “Estamos cansados. Isso é tudo”. Então, esse é o começo
da Terceira Intifada? Resposta curta: não. Resposta longa: ainda não.
Fonte: Outras Palavras
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