Blogueiros sofrem implacável perseguição judicial do diretor de jornalismo da maior emissora do país
Pedro Rafael,
de Brasília (DF)
Um dos espaços mais fortes de contraponto à hegemonia dos grandes meios
de comunicação são os blogs de jornalistas e ativistas espalhados pela
internet. A velocidade da rede e a capacidade de disseminação de
informações têm provocado reações que revelam o verdadeiro compromisso
dos empresários da mídia com a liberdade de expressão.
Na
mais recente investida contra blogueiros, na semana passada, o diretor
de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, venceu em segunda instância o
processo que move contra Rodrigo Vianna, repórter da TV Record e dono do
blog Escrevinhador, que chega a ter mais de 30 mil acessos diretos por
dia. O blogueiro, que foi repórter da Globo e saiu justamente por
discordar da cobertura parcial da emissora nas eleições presidenciais de
2006 – em favorecimento à candidatura do PSDB – pode ser obrigado a
pagar uma salgada indenização apenas porque exerceu o “sagrado” direito
constitucional da livre opinião. O problema é que foi contra a Globo.
Vianna
publicou em seu blog que o jornalismo da emissora comandada por Kamel
era algo “pornográfico”, em alusão a uma infeliz coincidência: um ator
pornô dos anos 1980 também usava o mesmo nome do manda chuva do
jornalismo da Globo. Ao se apropriar da informação como metáfora, para
produzir uma crítica, o jornalista atingiu o alvo.
“O
que me interessava era a homonímia entre o ator pornô e o diretor da
Globo, e não dizer que um era o outro, como afirma meu acusador.
Tratou-se do exercício da liberdade de opinião, ou seja, usar uma
metáfora para criticar o jornalismo pornográfico que a Globo pratica. Aí
não pode, porque metáfora só quem pode fazer é o Arnaldo Jabor, que
escreveu um livro chamado Pornopolítica. Eu recorri ao Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro e perdi. O que eu vou fazer agora é recorrer
aos tribunais em Brasília e seguir protestando, mostrando a hipocrisia
dos caras que falam em liberdade de expressão, mas só para eles. É como
os liberais do século XIX, que reivindicavam o liberalismo para serem
donos de escravos porque abolir a escravidão, na visão de alguns desses
liberais, atentava contra a propriedade privada, que eram os próprios
escravos”, desfere o escrevinhador.
Rodrigo
Vianna não é o único. Outros blogueiros bastante conhecidos como Luiz
Carlos Azenha – também ex-repórter da TV Globo, Luiz Nassif, Cloaca News
e Paulo Henrique Amorim colecionam no currículo ações criminais
impetradas pelo diretor da vênus platinada. “Então, não pode fazer
política, não pode brincar, criticar através do humor. Nem os militares
fizeram isso com o Pasquim. É incrível como um sujeito como o Ali Kamel,
que controla os noticiários da principal emissora de TV do país, que
acaba influenciando outros veículos das Organizações Globo, quer
processar um blogueiro como eu. É porque eles estão dando muita
importância para a blogosfera”, desabafa Vianna.
“A
mídia não aceita ser questionada. E as brincadeiras que a Globo faz com
a Dilma no Zorra Total, por exemplo? Eles são ótimos para defender a
liberdade deles, dos monopólios. Quando a brincadeira é com eles, não
gostam e revelam um DNA fascista muito forte. Outro caso diz respeito ao
jornal Folha de S. Paulo. Quando a turma fez uma crítica, como foi o
blog Falha de S. Paulo, o jornal reagiu com ação judicial para tirar o
site do ar”, aponta o jornalista Altamiro Borges, do Blog do Miro e
presidente do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Miro é um dos organizadores do Encontro Nacional de Blogueiros
Progressistas, que já teve três edições.
Desvendando o jogo
Já
faz um tempo que a liberdade de expressão na internet tem incomodado os
maiores conglomerados de mídia do país. Em 2006, durante as eleições
presidenciais, o acirramento da disputa produziu um dos episódios mais
constrangedores do jornalismo contemporâneo. Às vésperas do primeiro
turno, com todas as indicações que o então presidente Lula confirmaria a
vitória sem a necessidade de novas eleições, nasce um escândalo que
daria sobrevida para a candidatura do PSDB, na figura de Geraldo
Alckmin. Operação da Polícia Federal, duas semanas antes, tinha
desbaratado a tentativa de duas pessoas ligadas ao PT em comprar, com R$
1,7 milhão, um suposto dossiê contra José Serra e outros tucanos
graúdos.
A denúncia não teve o efeito prático
desejado. Faltava a bala de prata para sensibilizar o eleitorado. Foi aí
que surgiu Edmílson Pereira Bruno, o delegado da PF que havia comandado
a operação contra os “aloprados” – alcunha que teria sido dita por Lula
ao se referir às figuras que tentaram adquirir o dossiê e acabaram
prejudicando o próprio presidente. Bruno convidou quatro jornalistas
para uma conversa reservada e repassou os CDs com as fotos do montante
do dinheiro que havia sido flagrado nas mãos dos compradores do tal
dossiê. A conversa foi inteiramente gravada e nela se pôde ouvir os
apelos excitantes do delegado para que as imagens fossem parar na edição
do Jornal Nacional (JN) do mesmo dia, 29 de setembro. Dito e feito. Os
jornais do dia seguinte estamparam a manchete com as fotos e o JN
dedicou quase toda sua edição para mostrar as imagens da montanha de
dinheiro. O uso político das fotos ficou ainda mais evidenciado pelo
fato das matérias, todas elas, omitirem a conversa com o delegado, em
que ele claramente condiciona a divulgação dos fotos para atingir a
candidatura petista. Os próprios jornais difundiram a informação
mentirosa de que as fotos teriam sido roubadas, quando, na verdade,
tinham sido repassadas a eles pelo mesmo delegado.
No
caso do JN, o uso político pôde ser constatado porque, na mesma noite
em que se exibiram as fotos sem a contextualização de como foram
obtidas, ocorreu a tragédia com o avião da Gol, em que morreram 154
passageiros no impressionante choque aéreo com o jato executivo Legacy,
comandado por dois pilotos norte-americanos. Nada sobre o acidente foi
informado, mesmo com a notícia repercutindo no mundo inteiro ainda
durante a edição ao vivo do jornal.
Toda a ação
orquestrada pela mídia nesse fatídico dia 29 de setembro de 2006 foi
depois denunciada em reportagem da revista Carta Capital, assinada pelo
jornalista Raimundo Rodrigues Pereira. Ocorre que a matéria, por sua
vez, foi incrivelmente espalhada através de sites e correntes de emails
pela internet e gerou uma onda de indignação que ecoou na redação da TV
Globo. “Foi naquele momento das eleições que eu percebi o papel da
internet”, relata Rodrigo Vianna, à época repórter da Globo em São
Paulo. “Primeiro, porque as informações que foram colocadas por um
colega de TV Globo na época, o Luiz Carlos Azenha, serviram de base para
uma matéria da revista Carta Capital”. Azenha havia transcrito para o
seu blog, o Viomundo, a íntegra da conversa com o delegado da Polícia
Federal que vazou fotos da apreensão do dinheiro no escândalo dos
aloprados.
“Os jornalistas que participaram da
conversa com o delegado fizeram de conta que o encontro nunca existiu. A
matéria da Carta teve uma repercussão muito grande na internet, nos
blogs, tanto que a Globo teve que responder. O Ali Kamel admitiu que
teriam que responder. Nem tanto por causa da revista, mas principalmente
pela repercussão na rede. Foi aí que eu percebi que a Globo tem medo da
força internet”, calcula. Foi em decorrência desse episódio que Rodrigo
Vianna se desligou da emissora. Meses mais tarde, o próprio Luiz Carlos
Azenha também desembarcaria do grupo de comandados de Kamel.
Atualmente, ambos são repórteres da TV Record e mantêm, de forma
autônoma, alguns dos blogs mais prestigiados da internet quando o
assunto é política, jornalismo e temas da conjuntura, batendo a casa dos
milhões de acesso/mês.
Mídia que incomoda
De
lá para cá, o debate público, especialmente nos períodos eleitorais,
tem ficado um pouco menos desigual. “Quando há a centralidade do modelo
eleitoral, como tem sido no Brasil, a luta de classes se exacerba e as
contradições ficam mais visíveis, aí a mídia alternativa cumpre um papel
mais relevante e incomoda”, avalia Miro Borges, do Centro de Estudos da
Mídia Alternativa Barão de Itararé. Três episódios recentes estão entre
os mais emblemáticos: a história da bolinha de papel é o campeão de
preferência na internet. “Não fosse a mídia alternativa, a bolinha de
papel teria virado um míssil na cabeça do Serra”, brinca Miro, em
referência a bolinha de papel que atingiu a cabeça do tucano durante uma
atividade de campanha no Rio de Janeiro. Ele alegou que tinha sido
atingido por um objeto pesado e duro e criou toda uma cena, comprada
pela maioria dos meios de comunicação, inclusive e novamente, o Jornal
Nacional. A história virou piada.
Outro episódio
foi a guinada conservadora da campanha de José Serra durante o segundo
turno das eleições. Começou-se a espalhar um boato de que Dilma Rousseff
seria defensora do aborto. Uma das porta-vozes do discurso
obscurantista foi a própria esposa do candidato, Mônica Serra. “Até que
uma aluna dela, através do facebook, escreveu uma mensagem dizendo
estranhar a postura da Mônica Serra porque ela já tinha confessado ter
feito aborto para as alunas, durante uma aula de dança. Aí eles tiveram
que calar a boca e encerrar esse assunto imediatamente porque ficava
evidente que era pura hipocrisia eleitoreira”, conta Miro.
Não
à toa, também nessa época, José Serra cunhou a expressão blogueiros
sujos, ao discursar para militares de pijama durante uma reunião na sede
do Clube Militar, no Rio. Uma historia menos conhecida foi o clipe que a
Globo preparou, em 2010, para comemorar o seu aniversário de 45 anos.
“Por pura coincidência, justamente nos seus 45 anos de fundação, a Globo
usou o mesmo refrão da campanha do Serra, o tal do ‘Queremos Mais’,
utilizando, claro, atores globais e nas mesmas cores da campanha tucano.
O clipe terminava com um número 45 gigante na tela”, ironiza Miro
Borges. No dia seguinte, a blogosfera não deu sossego e a Globo, após
uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que confirmou se
tratar de propaganda irregular, acabou tendo que tirar o clipe do ar em
menos de 48 horas.
Fonte: Brasil de Fato
Quero o povo na rua. Os canalhas no olho da rua. vamos nesta.
ResponderExcluir