Por André Lázaro*
A greve de professores das instituições federais de educação levanta o debate necessário sobre o que está em disputa neste momento na educação brasileira. Após seis anos sem qualquer paralisação por motivos salariais, a maioria das Universidades e boa parte dos Institutos Federais, além do Colégio Pedro II, estão em greve. Trata-se do esgotamento de um modelo antigo ou da crise de um novo modelo que mal se iniciou?
A educação tem merecido atenção crescente no debate público. A crítica feroz aos resultados atuais dos estudantes da educação básica, no entanto, nem sempre se recorda dos baixíssimos investimentos e péssimo acompanhamento da qualidade que orientaram a política da educação superior nos anos de 1990. Hoje ainda colhemos frutos desses equívocos: baixa qualidade da formação de professores, disputas de mercado entre as instituições privadas com redução de custos por meio da demissão de profissionais qualificados, instituições públicas que ignoram o compromisso com a educação básica.
Os investimentos públicos no ensino superior nos anos de 1990, sua expansão e interiorização, foram frutos dos esforços das universidades estaduais. A política que vigorou até o início dos anos 2.000 apostava no fortalecimento da iniciativa privada em educação, deixando as instituições federais à mingua. A partir do início da década passada o Governo Federal passou a investir na visão sistêmica da educação e tomou diversas iniciativas para fortalecer a educação superior, inclusive em sua articulação com a educação básica. Em destaque, a reestruturação das universidades federais pelo Reuni (Programa de Apoio a Planos de reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que significou mais recursos de investimento e de custeio e contratação de professores e técnicos, tanto para suprir as deficiências herdadas da década anterior quanto para sustentar a expansão em curso. Do mesmo modo, a rede de educação profissional e tecnológica, negligenciada na década de 1990, recebeu novos recursos de investimento e de custeio e contratação de pessoal. Em parceria com diversas instituições de educação superior, a Universidade Aberta do Brasil foi ampliada e a educação a distância chega a municípios bastante afastados das cidades universitárias. São iniciativas de grande porte que demandam sustentação de longo prazo e políticas de Estado para lhes darem o tempo de maturação necessário. Construir é mais demorado do que desmontar...
Por outro lado, o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) ganhou consistência e consequência: mesmo instituições federais foram advertidas quando seus resultados estavam aquém do necessário. E, pela primeira vez na história do país, foram fechadas vagas em cursos de baixo rendimento, tanto em pedagogia quanto em medicina e direito.
Hoje os estudantes no nível superior, pouco mais de 6,3 milhões, estão distribuídos entre instituições privadas, com 74,2% das matrículas, e instituições públicas, com 25,8%. As instituições públicas, no entanto, têm papel a cumprir: foram as que iniciaram ações afirmativas para inclusão da diversidade, são elas que seguem abrindo campi no interior do país, são elas que oferecem a maioria dos cursos de pós-graduação, que desenvolvem pesquisas e extensão universitárias.
A atual expansão da educação superior recoloca questões que já estavam à mesa, mas agora se tornam urgentes visto o papel estratégico que as Instituições passam a ter no modelo que se pretende fortalecer no país. A carreira que está em debate na greve precisa ser reformulada em valores e em estrutura. É preciso valorizar adequadamente a dedicação exclusiva, oferecer as adequadas condições para as pessoas que dedicam a vida a produzir conhecimento novo (pesquisa), formar as novas gerações (ensino) e a disseminar o conhecimento pela sociedade (extensão), além de levar esse conhecimento ao setor produtivo, numa via de mão dupla (inovação tecnológica). Isso não se faz sem professor ou sem os técnicos.
Portanto, a greve em curso deve ser lida no contexto do crescimento e da expansão, diferente de como se dava nos anos de 1990, quando havia um contexto de agonia e esfacelamento da rede federal frente ao fortalecimento do setor privado.
Após a década de 90, repleta de greves e impasses, as negociações caminhavam para consolidar um rumo e etapas a serem cumpridas. No entanto, mudanças de governo e o trágico falecimento do secretário do planejamento que conduzia as negociações, Duvanier Ferreira (cuja morte por negligência motivou a lei recente que criminaliza a exigência de cheque caução nos hospitais) trouxeram consequências inesperadas. Parece que se perdeu o rumo da prosa e o horizonte da carreira.
Vivemos um novo momento e a greve expressa exatamente essa tensão entre o novo e o velho. A greve atual, por mais forte que seja e mais ampla que possa se tornar, representa a necessidade de superar definitivamente tanto um desenho de carreira inadequado quanto um padrão de negociação burocratizado. A dedicação que se espera das Instituições Federais de educação superior não pode estar sujeita a variações anuais. A educação é investimento de longo prazo, inclusive – e talvez principalmente – para professores e pesquisadores que necessitam de tempo e condições para desenvolver o trabalho de ensino, pesquisa e extensão.
O país ainda está construindo as soluções que foram negadas na década de 90. Como todo percurso histórico, o atual tem suas tensões e contradições, mas tem também uma direção: dotar o Brasil de um parque de instituições capaz de produzir inteligência e inovação, ser inclusivo de sua diversidade étnico-racial, social e cultural e se distribuir por todo o território, visando à superação das históricas desigualdades regionais.
* Professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ e Coordenador Executivo do GEA-ES (Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior no Brasil) da Flacso-Brasil. Foi Diretor no MEC de 2004 a 2006 e Secretário de 2006 a 2010.
Fonte: FLACSO
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