sábado, 25 de janeiro de 2014

Ucrânia: que posição?

Estátua de Lênin derrubada nos protestos de Kiev


A questão que me foi colocada, como no tempo da “revolução laranja” em 2004, é a de saber se não é necessário “tomar posição por um campo contra o outro”, seja a favor dos opositores unanimemente apoiados no Ocidente, seja por aqueles que resistem às ingerências ocidentais, que estão acontecendo neste momento: o poder legal contra os tumultuadores que procuram “derrubar o regime” com o encorajamento de Bruxelas e de Washington, porque é bem disto que se trata e a primeira violência não é a do poder, manifestamente confuso e incapaz de se defender!
 
Como na época, não vejo razão alguma para “escolher um campo”, no caso, um clã da oligarquia industrial e financeira contra um outro, os grupos dominantes no Leste, mais próximos da Rússia, contra outros grupos implantados no Oeste, sustentados pelos Estados Unidos e pela União Europeia (UE), e vice-versa. Não tenho interesse em nenhum deles.

Portanto, é nem-nem? Uma pena, mas a resposta é essa, sim: nem-nem. Mas não com equidistância nem indiferença quanto ao que está em jogo entre atores com os quais não nos identificamos, sejam eles “decididores” (Kiev, Moscou, Bruxelas, Washington) ou manifestantes manipulados por esses mesmos decididores ou por aventureiros fascistas.

 
Há no debate ucraniano, tal como nos é apresentado, simplificado ao máximo (“pró-russos” contra “pró-europeus”), não somente uma caricatura (os pró-russos não são anti-europeus, e entre Yanoukovitch e Putin não existe esse grande amor), mas sobretudo uma grande ausência: o povo ucraniano, os trabalhadores, os camponeses, submetidos ao capitalismo de choque, à destruição sistemática de todas as suas conquistas sociais, aos poderes mafiosos de todo tipo.

 
Creio que nossa visão ocidental, inclusive a da “esquerda”, da Ucrânia, seja muito tributária de preconceitos anticomunistas e anti-russos. Mas isto não é tudo: não viajamos ou não nos encontramos geralmente senão com ucranianos do oeste (a grande maioria dos emigrados vem do oeste) ou de Kiev, que são elites ocidentalizadas. É esta parte do país e da população que sentimos mais próximas de nós, que nos lembra um pouco nossa imagem.
 
Mesmo os militantes de esquerda gostam de encontrar, em Moscou, em Kiev, pessoas que se parecem com eles, falem a mesma língua. No leste, é mais o russo, mais o operário, mais o soviético, portanto, menos compreensível para o intelectual ocidental. E o intelectual ucraniano que ele vai encontrar procurará, por sua vez, falar como se fala em Paris ou em Londres. Isto é verdade tanto para os militantes como para os homens de negócio: na “vila global” fala-se “globish”, é o espírito da “jet society.”

 
A salvação por meio da Europa? Muitos jovens em Kiev e em outros lugares, inclusive no leste, acreditam firmemente nisso e não compreendem que ainda haja necessidade de vistos. Se lhes oferecemos passagem livre, belos apartamentos chiques e gordos salários, toda a Ucrânia se esvaziaria. Como também a África.
 
O problema mal compreendido de Kiev é que “não se pode acolher toda a miséria do mundo”, mesmo ucraniana. Ademais, vejam nossas dificuldades com os gregos, os portugueses!
 
Os defensores da escolha europeia, em Bruxelas ou em Kiev, aparentemente não mediram as consequências desastrosas que uma adesão à União Europeia teria para as profissões locais, os empregos e o nível de vida. De toda maneira, ainda que não esteja na ordem do dia, mas antes de estar já os privaria de seu mercado natural na Rússia e no resto da União Soviética.

 
Não tenho condições de julgar os eventuais resultados de uma união aduaneira da Bielorrússia-Rússia-Cazaquistão-Ucrânia, que por certo tem a vantagem de se basear em uma comunidade secular com ligações econômicas, tecnológicas, humanas, pelo menos a leste e ao sul. Estariam eles desejosos de se reencontrar na periferia de Bruxelas? Muitos já lá estão explorados ao máximo nos canteiros de construção, nas estufas da Andaluzia, nas redes de prostituição – milhões de ucranianos tomaram o caminho do exílio após o fim da União Soviética, o que significou, para eles, mais que na própria Rússia, uma catástrofe. Penso que o “desejo de Europa” que se vê expresso em Maidan é sobretudo o fruto de fantasmas e sem dúvida de interesses de uma nova burguesia, de uma juventude muito excitada pelo nosso “look”, mas também pela ação tentacular das fundações e mídias financiadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, a fim de promover a ideologia ocidentalista, o livre comercio, o consumismo, a “russofobia”.
 
Pretender “analisar ou mesmo apoiar” a atual contestação (como a “revolução laranja” há dez anos) sem mencionar, ou minimizando essas intervenções externas, revela cegueira ou manipulação intelectual. Ora, constato que esta acontece nas mídias de todo dia, sem surpresa, mas também dentro dos meios “de esquerda”, que de fato participam dessa espécie de ideologia colonial, reivindicando valores da Europa.
 
Mais grave ainda é a ocultação ou a minimização de um fenômeno qualificado “amavelmente” de “nacionalista e que é de fato neofascista, ou, claramente nazista. Esse fenômeno se localiza (mas não unicamente) no partido SVOBODA, seu chefe Oleg Tiagnibog e a região correspondente à antiga “Galícia Oriental” polonesa. Quantas vezes vi, ouvi, li, citações desse partido e de seu chefe como “opositores” sem qualquer outra especificação.

 
Fala-se mesmo de jovens simpáticos “voluntários da autodefesa” vindos de Lviv (LWOW, LEMBERG) em Kiev, sendo que se trata de comandos sustentados pela extrema direita nessa região, que é seu bastião.
 
Pesada é a responsabilidade dos que – políticos, jornalistas – jogam esse jogo, em favor de correntes xenófobas, russofóbicas, antissemitas, racistas, celebrando a memória do colaboracionismo nazista e da WASSEN SS, da qual a Galícia, e não toda a Ucrânia, foi a pátria. Os burocratas de Bruxelas brincam com fogo.
 
Pareceria que a raiva da Rússia tornou-se o cimento de nossa ideologia midiática, literalmente histérica nesse plano.
 
Penso igualmente nos “especialistas em Ucrânia” em Paris, que são cúmplices dos “historiadores militantes”, herdeiros da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, aliados aos nazistas e posteriormente convertidos ao “mundo livre”, durante a guerra fria, hoje ideólogos do nacionalismo na Ucrânia... E quase todos originários da mesma região galega.
 
Importa também saber (quantas vezes se deve repetir?!) se a Ucrânia divide-se histórica, cultural e politicamente entre o leste e o oeste e que não tem sentido opor uma parte contra a outra numa guerra civil, o que talvez esteja no cálculo de alguns. Ao forçar essa ruptura, como o fazem os ocidentais e seus soldados de plantão, chegará o momento em que a União Europeia e a OTAN ganharão seu pedaço, mas no qual também a Rússia pegará o seu.

 
Não será o primeiro país em que se terá feito deliberadamente explodir um “choque de civilizações”, neste caso as distâncias entre lusófonos e ucranianófonos, entre cultura industrial e urbana do leste e agrícola rural do oeste, entre igreja ortodoxa majoritária a leste e catolicismo uniate (unida ao Vaticano) influente no oeste. Não se deve ignorar também que a escolha europeia será também militar: a OTAN entrará em cena e assim se porá a questão da base russa de Sebástopol, da Criméia, majoritariamente russa e estrategicamente crucial para a presença no mar Negro. Uma das metas visadas é evidentemente o desembarque de tropas estadunidenses no sul da Ucrânia. É de duvidar-se que Putin lhes estenda um tapete vermelho.
 
Nada disso legitima “a política do poder estabelecido”, largamente responsável pela crise social que favorece a extrema-direita e as sereias enganadoras da União Europeia e da OTAN. Poder impotente, na realidade defensor de uma oligarquia, e não da pátria, como se proclama.

 
Em tais situações, a escolha de um lado contra o outro seria absurda, mas é importante ser lúcido, procurar compreender, detectar os feridos.
 
Infelizmente para os ucranianos, os tempos de confusões e convulsões ainda vão durar. E “a Europa sonhada não existe senão em sonhos”.
 
 
Jean-Marie Chauvier é jornalista belga e autor do livro ‘URSS, une société en mouvement’ (Editions de l’Aube, La Tour d’Aigues, 1988).

Traduzido por Plinio Arruda Sampaio, diretor do Correio da Cidadania.




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