Os Black Blocs não são um movimento ou um grupo organizado aos moldes tradicionais de coletivos e partidos, são uma ideia, um método. São indivíduos que podem ter algum tipo de organização primitiva (normalmente via redes sociais) e se juntam durante manifestações para servir como escudo para o movimento social. É possível que grupos adotem a tática Black Bloc, mas não há um “grupo” Black Bloc.
Como já escrevi antes, são uma arma defensiva útil e necessária em tempos de imensa brutalidade policial. Não à toa, foram elogiados pelos professores do Rio em greve e são visto com os salvadores por muitos que se encontraram diante da violência policial e veem neles um alento, uma proteção. Não faltam histórias na internet sobre quem dizia até mesmo temê-los, mas que, na hora do aperto, do quase sufocamento com o gás da PM ou quando na direção das balas da polícia, foram salvos por eles.
A função dos Black Blocs não é a de fazer a revolução, mas a de proteger o movimento social. E usam para este fim as “armas” que podem.
Ideologia
É um equívoco acreditar que a tática Black Bloc serve para derrubar o Estado. Ela é fruto de raiva e de necessidade. Não é organizada, e nem sempre é ideológica no sentido de ter um direcionamento anarquista ou marxista. É apenas uma forma que uma parcela da população encontrou de deixar fluir sua raiva contra o Estado e defender manifestações legítimas no processo.
Este aparente vazio ideológico, porém, não deve ser compreendido como alienação ou mesmo como algo que serve de massa de manobra. Não serve. Os integrantes podem não ter um direcionamento ideológico claro, mas sabem quem são seus inimigos.
E, claro, não podemos falar deste esvaziamento ideológico como um fenômeno uniforme entre os Black Blocs, que reúnem desde anarquistas autênticos, passando por estudantes, professores e mesmo moradores de favela e um ocasional desocupado.
Não é um grupo uniforme, até porque não é, enfim, um grupo. Formam-se grupos extremamente diversos durante manifestações (convocados via redes sociais ou espontâneos) com o intuito de autodefesa que adotam a tática de violência revolucionária (tática Black Bloc) e, passado algum tempo, extravasam a raiva nos símbolos mais claros da opressão a que muitos ali são submetidos, notadamente bancos, bens públicos e um ocasional Clube Militar.
A autodefesa popular não pode jamais ser vista como “antipolítica” ou “apolítica”, muito menos “despolitizada”, assim como o repúdio por parte de alguns elementos que formam as linhas Black Blocs dos partidos tradicionais não é antipolítica. O repúdio às instituições carcomidas do Estado e críticas localizadas à atuação partidária (em especial do PT, PMDB e PSDB, todos que se declaram falsamente de esquerda) não podem ser encaradas com uma crítica generalizada à política. Nada poderia ser mais incorreto e distante da realidade.
É inegável, porém, que grupos podem se apropriar deste discurso e o transformar naquilo que muitos temem, num discurso esvaziado e de tons fascistas, mas estes grupos não estão nas ruas (estiveram em algum momento em junho, mas já voltaram para suas casas, para seus grupelhos de galinhas verdes e similares), não representam a maioria daqueles que saem para a luta.
Um grupo não pode ser responsabilizado pela apropriação que outro faz de suas teses, ideias e pensamentos (e ações), assim como o pensamento Black Bloc não pode ser responsabilizado pelo fascismo que uns buscam impor à ideologia.
Ponto importante presente em análises honestas sobre os Black Blocs é o problema da perpetuação do caráter difuso destes, e na possibilidade da violência se tornar um fim em si mesma, da revolta e raiva presentes representarem a totalidade da “alternativa” apresentada pelos grupos que utilizam a tática Black Bloc.
Por outro lado, não é pertinente a crítica de que os Black Blocs, compreendidos por muitos como um grupo, não levariam propostas aos fóruns legítimos, como os fóruns grevistas da SEPE, sindicato dos professores do Rio. Ora, tal afirmação demonstra um profundo desconhecimento do que é a tática Black Bloc e do que ela representa.
Protagonismo
Ao meu ver não é papel dos Black Blocs se preocupar em primeiro lugar com marketing pessoal, senão agir em defesa daqueles que vão às ruas (também é válida a discussão sobre ações ofensivas e defensivas). Até porque, repito, não são um grupo.
Não há erro algum no emprego da tática. A grande questão, no entanto, é a falta de cobertura dada por partidos de esquerda a quem vai para a linha de frente defendê-los. Como já discuti algumas vezes, me parece ser apenas o ranço de algumas correntes marxistas que necessitam sempre estar à frente, sempre ser vanguarda.
Não é produtiva a briga de egos entre grupos que se veem na vanguarda e se sentem acuadosfrente a perda de protagonismo para os Black Blocs. Um sentimento até mesmo burro, visto que partido/movimento social é diferente de Black Bloc, e não eles não disputam entre si o(s) mesmo(s) espaço(s). Na verdade, caberia aos partidos se aproximar dos Black Blocs, buscando canalizar a raiva dos grupos que adotam esta tática, buscando direcionar e mesmo facilitar a politização de muitos dos adeptos.
Em suma, cabe aos movimentos organizados, aos partidos e movimentos sociais compreender a tática Black Bloc e, ao invés de subirem em pedestais ideológicos e lamberem as feridas da vanguarda perdida, buscar abrir um canal de diálogo com aqueles mais afeitos a isto, criando táticas conjuntas e buscando aprimorar a autodefesa popular.
Esquerda e falsa vanguarda
O que temos hoje são Black Blocs numa ponta, e partidos/movimentos em outra, empedernidos, incapazes do diálogo e da compreensão. Ora, temos uma infinidade de grupos e tendências de esquerda que sequer conseguem sentar numa mesa e dialogar, que o diga quando surge algo mais radicalizado e absolutamente fora de suas órbitas de controle (ou mesmo compreensão).
Ou seja, o grande problema aqui sequer é a incapacidade de partidos dialogarem com os adeptos do Black Bloc, mas a incapacidade da esquerda conversar entre si.
A SEPE, sindicato dos professores em greve no Rio, foi a única organização capaz de compreender até o momento o que são e como agem os Black Blocs. A SEPE abriu diálogo, homenageou e foi defendida pelos Black Blocs.
Setores do PSOL e o PSTU preferem permanecer na posição de falsa vanguarda, enquanto o PT, parte do Estado repressor e aliado de primeira grandeza dos políticos responsáveis pela repressão no Rio, permanece na pura e boçal criminalização (não só dos Black Blocs, mas de todo o movimento social e grevista).
Por mais que “queimar lixos” não contribua para nenhuma revolução, é um primeiro passo para a radicalização do movimento social. Mais produtivo buscar dialogar e entender que simplesmente criminalizar – e nisso realizar o trabalho da mídia, do PT, do PMDB e do PSDB.
E a mídia?
Se dependermos da Globo (ou da Record, ou de qualquer outro veículo da grande mídia) para nos informar sobre as ações Black Blocs, sem dúvida a imagem será negativa, mas a imagem dos professores em greve ou de qualquer movimento social organizado é igualmente negativa pelo prisma da grande mídia, salvo em ocasiões específicas onde apoiar um movimento social ou uma pauta possa ser interessante no ataque a inimigos selecionados em momentos bem específicos.
O que vemos são professores agradecendo aos Black Blocs por sua proteção.
São milhares de pessoas que saem às ruas vendo que os Black Blocs funcionam como uma linha de defesa – ainda que fraca – frente à violência e brutalidade policiais. Como foi dito no Twitter (infelizmente me escapa a autoria), quantas pessoas foram mortas pela polícia e quantas pelos Black Blocs? Ou seja, se estamos falando em “violência”, em “assustar” e mesmo em afastar pessoas de manifestações, creio que a mera presença da PM seja mais “eficaz” que a dos Black Blocs.
Quantos conhecem pessoas que foram agredidas pelos Black Blocs? Aliás, as manifestações pelo país, em especial no Rio, onde a ação Black Bloc vem se mostrando mais intensa, não param de crescer e se radicalizar de diferentes maneiras. Logo, nem a violência repressiva da PM e nem a resposta Black Bloc tem tido “sucesso”, se tomarmos o prisma liquidacionista de setores fanatizados do PT e da mídia, que objetiva enfraquecer as mobilizações. Cai por terra mais uma mentira dita aos quatro ventos.
No fim das contas, “assustar” ou mesmo não ser do agrado da “população em geral” não é definidor de moralidade, utilidade ou viabilidade, pois precisamos compreender por qual prisma essa “população em geral” tem acesso à informação.
Vejam, por exemplo o discurso da mídia sobre protestos na França, com carros queimados. Vandalismo? Não. Apenas manifestações.
Quem está nas ruas lutando sabe do papel dos Black Blocs. E a mídia encontraria qualquer outra desculpa para deslegitimar e esconder as manifestações de professores em greve ou de quaisquer outros grupos sociais em luta nas ruas. Os Black Blocs são apenas a desculpa do momento. Em junho, antes da violência generalizada contra jornalistas obrigar a grande mídia a alterar seu discurso, não eram as reivindicações dos manifestantes a pauta, e sim a violência da PM, que era glorificada.
Além disso é preciso também ter em mente o papel desinformador e mesmo criminosos de quem fica em casa gritando contra o “PIG”, mas fazendo coro a ele durante manifestações, criminalizando professores, Black Blocs e movimentos sociais que se insurgem contra os governos a que estes fanáticos são simpáticos.
Violência Black Bloc versus Violência Estatal
Uma discussão válida, porém, é o papel defensivo versus o ofensivo dos Black Blocs (já declarei minha posição contrária a ações ofensivas enquanto em manifestações, ainda que não descarteo uso da violência revolucionária em casos e momentos específicos), mas jamais culpar a autodefesa popular pela ação policial. E digo ação e não reação por um simples motivo: na ampla maioria das vezes, a PM começa com provocações e violência, respondida pelos Black blocs. A mera presença de pessoas nas ruas é uma provocação para a PM e para o Estado.
Logo, declarar que os Black Blocs “servem” ao Estado na legitimação da violência é descambar para o debate do ovo e da galinha. Um falso debate. E um debate que serve aos propósitos do opressor, pois pinta um quadro em que, sem os Black Blocs, tudo seriam flores e não haveria violência. Os protestos de junho comprovam que este declaração é pura mentira: bastava cruzar uma linha imaginária que a violência policial começava; bastava encarar um PM e a violência começava; bastava ficar parado, que um P2 estratégico lançava um molotov contra seus próprios companheiros… e a violência começava.
Qualquer um que tenha mínima história junto aos movimentos sociais e não esteja no processo de penhora ideológica por este ou aquele partido sabe perfeitamente que a violência estatal é uma constante, independe de “provocação”.
Esta tese quase marilenachauiana de “provocação Black Bloc” não procede. Na verdade é uma falácia tremenda. A PM bate, não importa a presença de resistência organizada.
Conclusão
A principal linha auxiliar da direita no país, hoje, chama-se Partido dos Trabalhadores, cuja maioria de eleitos vota junto com Paes e Cabral, cujos representantes eleitos são responsáveis por violações (caso da Bahia, do Rio Grande do Sul), oferecem a Força Nacional para a repressão a movimentos populares, cuja direção está ligada carnalmente ao PMDB e outros partidos da mesma espécie e, ainda, cuja militância em peso silencia ou mesmo aplaude ações violentas da PM contra a população.
Culpar os Black Blocs por responderem à violência que invariavelmente viria por parte do Estado é culpar a vítima pela agressão sofrida. Temos, sim, é de cobrar uma posição dos partidos estabelecidos, em especial da esquerda, em relação à violência policial. E não apenas uma posição, mas maneiras de se organizar a população para a autodefesa.
Qual o projeto de setores do PSOL, do PSTU, do PCO, dentre outros, para a defesa daqueles que saem às ruas para reivindicar seus direitos frente à violência do Estado? Atacar os Black Blocs não é uma resposta válida.
Sim, os Black Blocs precisam de direcionamento, precisam de maior organização, mas não podem, jamais, ser culpados pela violência do Estado. Cabe aos partidos que se enxergam como vanguarda descerem de seus pedestais e aceitarem o trabalho de politizar as massas, de direcionar e canalizar raivas e anseios.
O Estado é repressor e chegou a hora de alguém se levantar contra isto. E qualquer um que aplauda a repressão, que defenda o uso da Lei de Segurança Nacional, não passa de um fascista.
Fonte: Amálgama
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