Por Diogo Belloni
Físicos do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês) detectaram, no dia 4 de julho, uma partícula subatômica que se comporta como o bóson de Higgs. Para entendermos o que tal descoberta – se confirmada – significa, precisamos, primeiramente, entender um pouco da concepção científica acerca da natureza que adotamos atualmente.
Espaço, tempo, matéria… tudo teve origem no Big Bang, uma explosão incomensuravelmente enorme que aconteceu há 13,7 bilhões de anos. O Universo era, então, extremamente quente e denso, mas apenas alguns momentos depois, quando começou a esfriar, as condições eram perfeitas para dar lugar aos blocos de construção da matéria – em particular, os quarks e os elétrons de que todos somos feitos.
Alguns milionésimos de segundos depois, os quarks se agregaram a fim de produzir prótons e neutrons, que, por sua vez, foram agrupados em núcleos após três minutos. Então, como o Universo continuou a se expandir e esfriar, as coisas começaram a acontecer mais lentamente. Levou 380.000 anos para que os elétrons estivessem presos em órbitas ao redor do núcleo, formando os primeiros átomos. Estes eram principalmente hélio e hidrogênio, que são os elementos mais abundantes no Universo. Após mais 1,6 milhão de anos, a gravidade começou a assumir o controle – por exemplo, nuvens de gás começaram a formar estrelas e galáxias. Desde então, os átomos mais pesados, como carbono, oxigêio e ferro, de que todos somos feitos, têm sido continuamente “cozinhados” no coração das estrelas, até que essas cheguem a um final espetacular, como uma supernova[1].
As teorias e descobertas de milhares de físicos ao longo do século passado resultaram em uma visão notável acerca da estrutura fundamental da matéria: tudo o que é encontrado no Universo origina-se de 12 blocos básicos de construção chamados de partículas fundamentais, regidos por quatro interações fundamentais. Nossa melhor compreensão de como essas 12 partículas e três das interações estão relacionadas umas com as outras é enquadrada no Modelo Padrão de partículas e interações. Desenvolvido na década de 1970, o Modelo Padrão se estabeleceu como uma teoria física bem testada, e conseguiu explicar uma série de resultados através de muitas experiências de diversos físicos.
O Big Bang
Também na década de 1970, os físicos perceberam que há laços muito estreitos entre duas das quatro interações fundamentais – a saber, a interação fraca e a interação eletromagnética. As duas interações podem ser descritas a partir da mesma teoria, que constitui a base do Modelo Padrão. Tal “unificação” implica que eletricidade, magnetismo, luz e alguns tipos de radioatividade sejam manifestações de uma única interação chamada interação eletrofraca. Mas, para que essa unificação seja coerente matematicamente, é necessário que as partículas associadas a essas interações não tenham massa. Sabemos por experiências que isso não é verdade, daí os físicos Peter Higgs, Robert e François Englert Brout chegaram a uma solução para resolver este enigma. Eles sugeriram que todas as partículas não tinham massa imediatamente após oBig Bang. Como o Universo esfriou e a temperatura caiu abaixo de um valor crítico, um campo de força invisível chamado de “campo de Higgs” foi formado em conjunto com o associado “bóson de Higgs”. O campo prevalece em todo o Cosmos: qualquer partícula que interage com tal campo ganha massa através do bóson de Higgs. Quanto mais elas interagem, mais pesadas tornam-se, enquanto que as partículas que não interagem são deixadas absolutamente sem massa. Esta ideia forneceu uma solução satisfatória e ajustou-se bem com as teorias estabelecidas e fenômenos. O problema é que ninguém jamais observou o bóson de Higgs em um experimento, para confirmar a teoria.
Marx e Engels, no século 19, desenvolveram um método filosófico de interpretação do objeto estudado a partir da dialética de Hegel e do materialismo de Feuerbach. Esse método dialético converteu-se no método dialético de conhecimento da natureza, consistente em considerar os fenômenos da natureza como sujeitos condicionados perpetuamente a mudanças e o desenvolvimento da própria natureza como processo equivalente ao desenvolvimento das contradições existentes nela mesma. “Toda a natureza, desde suas partículas mais minúsculas até seus corpos mais gigantescos, desde o grão de areia até o Sol, desde o protozoário até o homem, se acha em estado perene de nascimento e morte, em fluxo constante, sujeita a incessantes mudanças e movimentos”[2]. A História da Ciência demonstra claramente que a maneira de entender a natureza não é estática. Logo, através da gênese e morte de fenômenos e teorias, percebemos que processos de desenvolvimento são progressivos, transitando do inferior ao superior.
O fato de tal partícula existir torna verídico o Modelo Padrão, uma vez que essa partícula seria a responsável pela massa no Universo. Porém, há partículas, como já dissemos, que não possuem massa, ou seja, há matéria que não possui massa[3]. Ora, como poderia uma partícula, que é responsável apenas por fornecer massa a outras partículas, ser responsável também por aquelas que não possuem massa? Tal argumento destrói qualquer tentativa de explicar, metafisicamente, a origem da matéria a partir do bóson de Higgs. Trata-se, pois, de uma constatação do materialismo. Da mesma forma, o fato de o bóson de Higgs não existir garante a mutabilidade do desenvolvimento do conhecimento da natureza, pois isso deixará o campo aberto para os físicos desenvolverem uma teoria completamente nova para explicar a origem da massa das partículas. Logo, caso o bóson de Higgs não seja encontrado, veremos de perto a dialética materialista, uma vez que os paradigmas seriam destroçados e a nossa compreensão da natureza teria que ser repensada.
Portanto, no que tange à descoberta (ou não) do bóson de Higgs, podemos afirmar, com certeza, que se trata da constatação de que o materialismo dialético é o método mais adequado para entendermos os princípios fundamentais da natureza, pois, como disse Lênin, “o mundo forma uma unidade por si mesmo e não foi criado por Deus nem por nenhum homem, mas foi, é e será eternamente um fogo que se acende e se apaga de acordo com as leis [da dialética]”[4].
Diogo Belloni, estudante de astronomia na UFRJ e militante da UJR
¹ENGELS, F. Dialética da Natureza.
²Matéria é tudo que existe no Universo.
³LÊNIN, V. I. Cadernos Filosóficos.
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