Por Mauro Iasi, via Portal Boitempo Editorial
Martí me habló de la amistad
y creo en él cada día,
aunque la cruda economia
ha dado luz a otra verdad.
Silvio
Rodriguez
No
dia 26 de julho de 1953 acontecia o Assalto ao Quartel Moncada que dava início à
Revolução Cubana. Muito já se falou desta incrível experiência e muitas são as preocupações
que cercam o atual momento e as perspectivas desta Ilha revolucionária. Hoje quero
tratá-la de uma maneira diferente.
Evidente
que todos nos preocupamos com a situação atual e sabemos que as experiências históricas,
por mais valorosas que sejam, não dependem apenas da disposição moral e da decisão
política de resistir. Mas falemos um pouco disso, da disposição de seguir em frente,
da arte de resistir.
Silvio
Rodriguez, compositor cubano e um dos protagonistas do movimento chamado “Nova Trova”,
tem sido uma voz poética e lúcida desta resistência. Em uma música chamada “El Necio”,
Silvio diz:
“Dicen que me arrastarán por sobre rocas
cuando esta revolución se venga abajo,
que machacarán mis manos y mi boca,
que me arrancarán los ojos y el badajo.
Será que la necedad parió conmigo,
la necedad de lo que hoy resulta necio:
la necedad de asumir al enemigo,
la necedad de vivir sin tener précio.
Yo no sé lo que és el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios que será divino.
Yo me muero como vivi.”
Néscio,
como vocês sabem, é alguém estúpido, ignorante. Seremos, então, estúpidos por acreditar
naquilo que acreditamos? Logo no começo da mesma canção, Silvio nos conta do assédio
daqueles que nos prometem fazer-nos “únicos”, nos garantir um “lugarzinho em seus
altares” e para isso nos convidam ao arrependimento, tentam nos convencer a que
não percamos a oportunidade, diz o poeta cubano, “me vienen a convidar a que no
pierda, me vienen a convidar a indefinirme, me vienen a convidar tanta mierda”.
Ele
mesmo, na epígrafe que segue a letra no encarte do disco, explica que se trata de
uma canção de marketing, de preços e esclarece: “Y para que nadie se imagine que
soy santo, voy a poner el mio (précio, por ahora): El levantamiento del bloqueo
a Cuba y la entrega incondicional del território cubano que EEUU usa como base naval
en Guantánamo”.
Há
um fator, imponderável, que aqui se apresenta e que é inseparável da experiência
da Revolução Cubana: a dignidade. Em tempos como os nossos, de desilusão, de indignação
vazia, nada melhor que nos colocarmos diante de um exemplo de dignidade consciente,
humanamente intransigente, politicamente convicta. Em outra música que trata do
mesmo tema, “El Baile”, Silvio nos fala das armadilhas daqueles que querem nos convencer
a participar desta ordem injusta e sanguinária, nos oferecendo as benesses que cabem
aos que se rendem – “rondándonos, cercándonos para inmovilizarnos” – e nos alerta:
“No voy, no vas
al juego del disfraz,
corista tú y amor de este arlequín
romántico – al menos hasta el fin –,
imposmodernizable.”
Que
expressão mais precisa e feliz: “imposmodernizable”. O poeta arranca de seu peito
as notas que fazem voar as palavras. Suas trovas nasceram quando ainda era soldado
e por isso canta: “Te doy una canción como un disparo”.
Em
um programa de televisão ao ser entrevistado recebe uma pergunta: “Você se considera
um cantor oficialista?”. E Silvio responde: “Veja, se é da Revolução Cubana que
estão falando, da Revolução que comandou Fidel e que deram continuidade tanta gente
valiosa como foi Raul, Che, Camilo e toda esta gente, se é a isso que estão se referindo,
digo: como muita honra, muitíssima honra ser oficialista desta Revolução. Do que
eu não gostaria de ser ‘oficialista’ é daqueles que lançam bombas em Iraque ou Afeganistão
[…] que tentaram invadir Cuba […], isso sim, para mim seria uma desonra e uma vergonha
oficiar semelhantes ideias.”
Em
2012, por ocasião do 6º Congresso da UJC, tive o prazer de participar de um seminário
internacional com representantes de várias organizações de jovens de nossa América
Latina. Entre eles estava Hanói Sanches Rodrigues da UJC de Cuba e secretário-geral
da FMJD, uma federação mundial de jovens. Em seu depoimento no qual reafirmou a
firme decisão da juventude cubana em seguir lutando pela construção do socialismo
mesmo diante dos grandes problemas e desafios que se apresentam diante deles, lembrou
de tempos difíceis em Cuba, quando estudava e havia grandes cortes de luz e ele
e 18 companheiros seguiam estudando à luz de uma pequena lamparina.
Nosso
comandante, Che Guevara, nos dizia em suas reflexões sobre a economia e a construção
do socialismo o seguinte:
“O
socialismo econômico sem a moral comunista não me interessa”, dizia Che. “Lutamos
contra a miséria, mas ao mesmo tempo lutamos contra a alienação. Um dos objetivos
fundamentais do marxismo é fazer desaparecer o interesse individual e, também, as
motivações psicológicas. Marx se preocupava tanto com os fatos econômicos como sua
tradução na mente. Ele chamava isto de ‘fatos de consciência’. Se o comunismo descuida
dos fatos de consciência pode até se tornar um método de distribuição, mas deixa
de ser uma moral revolucionária.” (Entrevista com Jean Daniel, sob o título La profecia del Che, in Carlos Tablada Perez
– Ernesto Che Guevara, hombre y pensamiento: el pensamiento econômico del Che. Buenos
Aires, Antarca: 1987, p. 45.)
Para
nós esta concepção é que fundamenta o poema de Silvio Rodriguez que utilizamos como
epígrafe e que diz que “Martí nos hablo de la amistad e creo nel en cada dia, aunque
la crud economia ha parido otra verdad”. O próprio Che é que conclui que:
“Não
se trata de quantas gramas de carne se come ou quantas vezes por ano alguém pode
ir à praia, nem de quantas belezas que vem do exterior possam ser compradas com
os salários atuais. Trata-se, precisamente, que o indivíduo se sinta mais pleno,
com muito mais riqueza interior e com muito mais responsabilidade.”
Talvez
isso explique, talvez não, este elemento de humanidade que encontramos na Revolução
Cubana, esta firme e digna decisão de resistir. Não sabemos o que virá – “Yo no
sé lo que és el destino” –, mas saudamos o aniversário do Assalto ao Quartel Moncada,
abraçamos nossos camaradas cubanos e lhes agradecemos por ter mantido vivo nosso
sonho por todo este tempo.
Nós
somos como aqueles estudantes entorno de uma lamparina. Lá fora muitos são os que
estão aceitando o convite para o baile em que a corte nos espera para derramar nosso
sangue no altar do capital e depois festejar os índices de crescimento econômico.
Eu, por meu lado, trocaria de bom grado a pujança do crescimento capitalista brasileiro
pela dignidade de apenas um daqueles jovens cubanos.
Por
isso cantamos com Silvio:
“Que tiemble la injusticia cuando lloran
los que no tienen nada que perder.
Que tiemble la injusticia cuando llora
el aguerrido pueblo de Fidel
que tiemble la injusticia cuando llora
el aguerrido pueblo de Fidel.”
Mauro Iasi é professor-adjunto da Escola
de Serviço Social da UFRJ, presidente da Adufrj e pesquisador do Núcleo de Estudos
e Pesquisas Marxistas (Nepem).
Fonte: Sintese Cubana
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