É o momento das forças de esquerda unificarem a luta, incidirem sobre o
debate político ideológico e pressionarem o PT a tomar alguma posição
Por Luiz Felipe Albuquerque
- Filho, você vai no ato amanhã?
- Claro, mãe. Por quê?
- Olha, realmente não sei nada de política, mas peço que não, porque acho que vai rolar um Golpe de Estado.
Parece absurdo, mas esse diálogo – que de fato ocorreu com um amigo – é sintomático.
No
meio da manifestação desta segunda-feira (17), em São Paulo, começou a
se falar sobre uma suposta ocupação do Congresso Nacional.
Foi preocupante.
- Sabe como se chama isso?
Disse um companheiro de organização.
- Golpe de Estado.
Felizmente, como sabemos, não foi o que ocorreu. Mas esse momento de tensão nos leva a algumas reflexões.
Logo
após a manifestação da última quinta-feira, a linha editorial dos
principais meios de comunicação mudou de tom radicalmente.
Se
na quinta pela manhã eles inescrupulosamente pediam à Polícia Militar
agir com violência, na sexta as principais manchetes repudiavam a ação
dos PMs. Se não pode vencê-los, junte-se a eles, e busque cooptá-los.
A
mudança de discurso é significativa. Representa um oportunismo da
direita para criar um clima de instabilidade nacional. Agora, as
manchetes centralizam suas forças principalmente sobre o governo
federal.
A preocupação com os megaeventos
esportivos, o distanciamento do PT com as massas e sua incapacidade de
diálogo, a suposta popularidade da presidência em queda, as vaias na
abertura da Copa das Confederações.
A pauta
política está dada. Agora, a direita busca a pauta econômica para
concretizar seu discurso e desestabilizar o governo. E com isso, começam
a retomar a questão da inflação.
O editorial da
Folha desta segunda diz que, com exceção dos beneficiados do novo
programa federal Minha Casa Melhor, “todos os outros brasileiros, em
contraste, veem sua capacidade de consumo estreitar-se de forma
acelerada, sob o golpe duplo do aumento da inflação (que já corrói os
salários) e dos juros (que deve onerar as compras a prazo)”.
A
história nos ensina que as contraofensivas se realizam com mais sucesso
se for respaldada de um artefato sólido, ao entrelaçar elementos
políticos aos econômicos.
E é o que estão
buscando. “Dilma Rousseff resvalará para o autoengano, porém, se
desconsiderar que as vaias vieram na semana em que se espalharam pelo
país protestos contra altas de preços (tarifas de transportes) e contra o
que alguns percebem como mau emprego de verbas públicas (nos eventos
esportivos, entre outros)”.
E já atestam como
fato dado que no ano pré-eleitoral, “são fortes os sinais de que se
rompe a bolha de otimismo que levou Dilma ao Planalto”.
“O
que aflige os brasileiros é a perda de poder aquisitivo, com a
inflação, e a incapacidade do Estado de apresentar soluções concretas
para a crise nas áreas vitais de saúde, educação, segurança e
transportes. Mais consumo e mais futebol não resolvem nada disso”,
termina o editorial.
Mentira. Os espasmos
inflacionários que a tese dominante tanto aposta evolui pouco perto do
estardalhaço. A última nota técnica do Dieese (abril), mostra que entre
março de 2012 a março de 2013, o IPCA evoluiu 6,59%, enquanto os preços
dos alimentos, 13.49%.
Se não fosse o problema do
subgrupo alimento, que ocorre devido a problemas sazonais e estruturais
da agricultura brasileira (como bem coloca Gerson Teixeira em seu
artigo O agronegócio é ‘negócio’ para o Brasil?), o IPCA teria sido de
5.07%, segundo simulação feita pelo Ministério da Fazenda. A meta
central de inflação dentro do intervalo de tolerância é de 6,5%.
Tentam
misturar as coisas, confundir e influenciar sobre um movimento ainda
bem descentralizado. Soma-se a isso o fato da grande maioria (a
redundância aqui é proposital) dos que participaram das manifestações
não serem organizados e, ainda, rechaçarem violentamente partidos
políticos e não terem uma compreensão clara sobre a necessidade
organizativa.
Ao longo da marcha, bandeiras do
PSTU foram tomadas por algumas pessoas. A Juventude do PT foi ameaçada
por outro grupo e teria apanhado, não fossem outras organizações que
estavam por perto e apaziguaram a situação. Boa parte do clima era de
ódio com a política, com políticos e com partidos.
O
momento é delicado. É necessário que a esquerda tenha isso em mente e,
se ainda é possível, também coloca uma responsabilidade e necessidade do
PT deixar de ser bundão, ser mais protagonista, polarizar o debate e
politizar as massas.
E é o momento das forças de
esquerda unificarem a luta, incidirem sobre o debate político ideológico
e pressionarem o PT a tomar alguma posição. Sempre reforçando a pauta
central: diminuição dos preços do transporte público, e não ampliando
como a direta pretende.
A direita, longe de ser
boba, está se aproveitando. E para capitalizar essa gente para servir a
ela como massa de manobra, não é preciso muito devido o grau de
despolitização que o período neoliberal nos deixou.
Sem
dúvida, as políticas sociais dos governos petistas melhoraram a vida do
povo em muito, mas apenas no âmbito do consumo. Sem nunca se
preocuparem com o processo de politização da classe trabalhadora. O que
nada garante que num momento de polarização do debate e uma ofensiva da
direita, as massas saiam às ruas em defesa desse governo ou partido.
Se
outrora o trabalho de base pelo PT era uma das prioridades, há muito
ele foi abandonado. E esse vazio político deixado tem que ser preenchido
e aproveitado por essa aliança de forças dentro da esquerda.
Ainda
resta um dilema ao PT: ou o maior partido político que ainda se diz de
esquerda vai para a ofensiva, ou corre um sério risco de dar um tiro no
próprio pé.
Enfim, de fato, não acredito que as
angústias de Golpe de Estado estejam colocados por hora, mas sem dúvida é
um importante momento de reflexão para ocasiões futuras.
Luiz Felipe Albuquerque é do setor de comunicação do MST.
Fonte: Brasil de Fato
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