Por José Paz Rodrigues
Um dos momentos mais extraordinários que houve no mundo para o desenvolvimento de uma educação renovadora, e para o renascer da cultura do povo, com um entusiasmo desbordante e uma grande paixão de jovens e docentes, que se envolveram em todas as atividades, foi o período de governo da Unidade Popular de Salvador Allende no Chile. Infelizmente durou pouco tempo e terminou com um golpe de estado fascista, patrocinado polo sanguinário Pinochet, com a ajuda dos EUA.
Um dos momentos mais extraordinários que houve no mundo para o desenvolvimento de uma educação renovadora, e para o renascer da cultura do povo, com um entusiasmo desbordante e uma grande paixão de jovens e docentes, que se envolveram em todas as atividades, foi o período de governo da Unidade Popular de Salvador Allende no Chile. Infelizmente durou pouco tempo e terminou com um golpe de estado fascista, patrocinado polo sanguinário Pinochet, com a ajuda dos EUA.
Salvador Allende que foi, para mim, um dos políticos mais dignos, presidiu ao governo chileno de 4 de novembro de 1970 a 11 de setembro de 1973. Para ele, que era médico, o prioritário era a educação e culturização do povo, para além da sua saúde. Durante os três anos do seu mandato, com uma grande efervescência dos cidadãos (muitos dos quais o chamavam com carinho e admiração, “Companheiro Presidente”), desenvolveu-se no Chile um programa educativo-cultural fantástico, que a mim muito me lembra o dos três ou quatro primeiros anos da nossa República dos anos trinta. Uma nova lei de reforma educativa modelar levou-se para a frente em todo o país, estendendo a escolaridade a todas as camadas sociais. E um “Trem da cultura popular”, parecido ao das nossas “Missões Pedagógicas”, percorreu o Chile de Norte a Sul. No comboio iam estudantes universitários todos entusiasmados, para alfabetizar, dinamizar com música, cantigas, cinema, pintura mural, livros e conta-contos, os cidadãos das vilas e aldeias mais afastadas.
Produto deste fantástico programa nascera no Chile o movimento da nova canção (Jara, Violeta Parra, Quilapayun, Inti-Illimani) e do novo cinema (Littin, Soto, Solás, Francia, Guzmán). O filme que hoje serve de nosso comentário, desenvolve a sua ação no último ano do governo democrático chileno, poucos meses antes do golpe. Um diretor dum colégio privado de elite na capital chilena, chamado Gerardo Whelan (no filme oculto sob o nome de Padre McEnroe), quer derrubar as desigualdades sociais, admitindo de forma gratuita no seu estabelecimento rapazes filhos de famílias de trabalhadores e com problemas económicos. Não só para desenvolver uma educação igualitária, como também para conseguir nos alunos valores de solidariedade, tolerância e respeito. Um pouco na linha da política do governo do momento. Não deve admirar, pois, que a sua escola fosse uma das primeiras ocupadas polos militares e o seu diretor expulso de imediato.
Ficha Técnica do Filme:Título original: MachucaDiretor: Andrés Wood (Chile-Espanha, 2004, 120 min., a cores).Fotografia: Miguel J. Littin.Intérpretes: Matias Quer, Ariel Mateluna, Manuela Martelli, Ernesto Malbrán e Federico Luppi, entre outros.Filme premiado nos festivais de: Cannes, Vancouver, Portland e Philadelphia.Argumento: Ambientado em 1973 em Santiago de Chile, durante o governo de Allende, o filme conta a história de dous amigos, um de família abastada burguesa, e outro (Pedro Machuca) de família pobre, o que, entre outros rapazes da sua classe social, é integrado num estabelecimento para estudantes de classe alta, o Saint Patrick, uma escola católica situada no setor Oriental da capital. O projeto de integração social é encabeçado polo diretor do estabelecimento, o padre McEnroe, que ao implementar estas medidas dividiu os pais, especialmente inimizando os de mais poder económico, contrários ao seu experimento. As suas medidas levaram à sua expulsão depois do golpe pinochetiano. O filme está baseado em factos reais e, em parte, é autobiográfico do diretor, que num estabelecimento similar, sendo estudante, viveu ao vivo algo similar naquela altura.
Análise do Filme:O diretor do estabelecimento, padre McEnroe, (na realidade padre Gerardo Whelan), está a favor de uma educação igualitária. É um idealista e um sonhador, como costumam ser os bons mestres. No seu estabelecimento privado religioso tenta fazer realidade o sonho de integrar nas aulas elitistas rapazes de famílias de escassos recursos, procedentes de povoados marginais. Com o firme objetivo de que aprendam a respeitar-se mutuamente. O caminho não há de resultar fácil, pois vão ficar claros os preconceitos instalados nas mentes de pais, mães, alunos e docentes. A sociedade em geral boicotará a formosa e nobre ideia do diretor da escola. Dificuldades que vão ver-se incrementadas polo clima de aberto enfrentamento social que nesses momentos vive a sociedade chilena. Mas também há motivos para a esperança.Uma formosa amizade surge entre os dous rapazes protagonistas. A cumplicidade entre ambos e o apoio mútuo, tanto como no conhecimento das suas diferenças e a possibilidade de medrar e enriquecer-se com elas, animam-nos a continuar a sonhar com que um outro mundo é possível. Paralelamente também surge o despertar dos adolescentes aos primeiros amores. E vemos a problemática dos rapazes que, por falta de meios, não podem escolarizar-se. Problema que é maior no caso das raparigas, como a protagonista do filme (Silvana), amiga do Gonçalo e do Pedro. É interessante o debate em assembleia dos pais dos rapazes e poder refletir que as escolas não são entes abstratos e neutrais, pois vivem em contextos sociais reais e os problemas quotidianos de todo o tipo repercutem no ensino diário dos estabelecimentos educativos e no labor de docentes e diretores. Algo que acontece em muitas das nossas escolas atuais, com alunos filhos de emigrantes, procedentes de variadas nacionalidades: senegaleses, equatorianos, brasileiros, venezuelanos, colombianos, marroquinos...
Temas para Refletir:Debater porque é tão difícil aceitar as pessoas diferentes nas aulas dos estabelecimentos educativos. O mesmo, porque docentes e diretores, que querem desenvolver modelos didáticos inovadores, se encontram com tantas dificuldades para os levar à prática.Analisar de que maneira os contextos sociais, com todos os seus problemas e dinâmicas sociais, influenciam na educação, no funcionamento das escolas, nas relações humanas entre alunos, docentes e pais, e no labor docente do dia-a-dia. Procurar, para além do caso do Chile, outros em outros países do planeta. Tanto históricos como atuais.Analisar a atitude do diretor da escola que aparece no filme. E como posteriormente, depois de ser expulso, até a sua morte, trabalhou com cidadãos chilenos moradores em bairros marginais. Que é a melhor maneira de pôr em prática o evangelho de Jesus.
José Paz Rodrigues é Didata e pedagogo tagoreano. Autor, igualmente, da coluna de opinião Dizer e Fazer.
Fonte: Diário da Liberdade
Link para download via torrent: Machuca
Link da Legenda: Machuca PT-BR
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