Por Adilson Luiz
É curioso como a maioria dos que ingressam na política partidária, após um contato inicial com a vida pública, adota como bibliografia básica dois títulos: “O Príncipe”, de Maquiavel, e “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, nessa ordem. O mais curioso é que a maioria se diz impressionada com a atualidade e perspicácia dos conceitos neles expostos, independentemente de contexto histórico, e mais preparada para enfrentar os desafios desse meio complexo.
Este padrão faz lembrar outro príncipe, o “Pequeno Príncipe”, de Saint Exupéry, que era o livro preferido e indispensável para dez entre dez misses.
A diferença é que enquanto o primeiro relaciona modelos de governo, recheados de argúcia e uma boa dose de crueldade, numa época em que a vida humana valia muito pouco nas mãos dos que faziam política: os nobres; o segundo fala de pureza e amizade. Sendo assim, o que a adoção de Maquiavel e Sun Tzu como mestres – todos associados a sistemas absolutistas – pode auxiliar na evolução de um modelo democrático? Formando novos predadores?
As obras de Maquiavel e Sun Tzu são interessantes documentos históricos, que serviram de conselho aos nobres de seus tempos e têm sido fonte de inúmeras analogias. Vários autores e conferencistas ainda se valem delas na área empresarial. Já a obra de Saint Exupéry é lembrada mais como manifesto utópico. São dois “príncipes” e duas medidas, mas lê-los é importante, como é importante ler qualquer livro, de qualquer autor, pois, quanto mais e mais diverso for o conhecimento adquirido, mais e melhor nosso discernimento estará instrumentado para raciocinar e concluir. Afinal, para enfrentar o “mal” é preciso conhecer seus princípios e métodos. Mas também é indispensável aprender e praticar o “bem”! Cristo, investido da forma e fraquezas humanas, sujeitou-se a tentações durante quarenta dias no deserto, para provar a força do espírito sobre a carne, antes de assumir efetivamente seu destino.
O que causa preocupação é que muitos desses novos políticos, que poderiam mudar o quadro atual, leem essa bibliografia sem auferir nenhuma elevação ou evolução espiritual, ou sensibilidade social. Em vez disso, buscam, nesses e em outros autores consagrados e mitos, justificativas para intentos pouco democráticos ou moralmente duvidosos, e mercadoria para abastecer seus “saquinhos de maldades”. Querem aplicar os pensamentos de forma literal e insofismável, ignorando contextos históricos, sem se importar que para isso tenham que passar por cima dos princípios morais e éticos que a civilização levou séculos para amadurecer. Assim, o povo continua valendo muito pouco nesse projeto...
Num dado trecho da obra de Maquiavel, um nobre ordena a um comandante, de sua inteira confiança e que prima pela obediência cega, que conquiste um território usando de todos os recursos necessários. Todos mesmo!
Obediente, fiel e seguindo a moral da época, o militar invade cidades, manda assassinar governantes e suas famílias, e impõe temor e terror ao povo. Preparado o caminho, o nobre entra triunfalmente em seus novos domínios e, num gesto magnânimo, buscando aproximação e respeito de seus novos súditos, manda executar seu fiel e obediente comandante!
Muito atual, não? E quase literal...
Essa formação estereotipada e mal interpretada, aliada a uma predisposição natural para o dolo e o sadismo, tem sido responsável pela “cultura” de muitos políticos, que começam suas carreiras com nobres ideais, para pouco tempo depois resumirem sua vida pública ao discurso vazio, à retórica rebuscada e à busca obstinada de prestígio e poder, ou da sombra de quem os têm, qual um autêntico vício.
A esperança de formação de um cidadão íntegro cede lugar ao cidadão “partido”, cujos princípios variam de acordo com a legenda em que se encontra, ou a legenda varia de acordo com seus projetos de momento.
Talvez fosse melhor que os políticos lessem “O Pequeno Príncipe”, de Saint Exupéry, e as misses, “O Príncipe”, de Maquiavel.
Ambos ficariam, seguramente, mais interessantes...
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