terça-feira, 24 de abril de 2012

A Frente Parlamentar do futebol-negócio


Enfraquecida após queda de Ricardo Teixeira, “Bancada da Bola” busca reeguer-se. Clubes ainda sustentam farra dos cartolas. Torcedores devem mobilizar-se
Por Irlan Simões
Com a queda de Ricardo Texeira, muito tem se especulado sobre os rumos da chamada “Bancada da Bola”, a Frente Parlamentar do futebol-negócio instaurada no coração do aparato estatal brasileiro. Por longos anos alimentados pelo grande chefe da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a cartolada do Congresso já vinha sinalizando perda de espaço no campo da política futebolística.
Como já comentei aqui na coluna, a Bancada da Bola, até pouco tempo antes da renúncia de Teixeira, se tratava um “mero grupo de cartolas decadentes que sentiu enfim a queda de sua influência nos rumos do jogo”. Organizados em torno de poucas federações que fizeram frente à sucessão quase golpista de José Maria Marín, a Bancada sentiu seu espaço ocupado pela nova configuração do futebol-negócio no Brasil, agora dominado por grandes empresas que já não precisavam dos seus serviços.
Ricardo Teixeira, durante um bom tempo, alimentou o bolso e o poder de determinados atores políticos, situados em diversos partidos da colorida composição política brasileira, em troca de favores e proteção. Num momento em que o futebol passava a gerar debates de alcance nacional, Teixeira necessitou de blindagem, principalmente a partir do ano de 1998.
Foi naquele período que a CBF transformou-se em alvo de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), que buscavam investigar irregularidades nos contratos da Confederação. Ali, mais precisamente em 2001, a Bancada da Bola foi crucial em tornar o processo inválido, e durante os anos seguintes passou a desfrutar de grande prestígio ao lado do cartola.
Falência da democracia representativa
É sempre interessante ressaltar o que significam as Frentes Parlamentares, essas estruturas suprapartidárias e fluidas do poder. Principalmente no Brasil, um país que possui nada menos que 29 partidos em atividade. Longe de representarem o espectro ideológico estampado nos seus nomes, os partidos brasileiros são hoje uma espécie de corretores de candidaturas. Sem programa político, são construídos com base em candidaturas oportunistas, de programas fantasmas e à mercê dos interesses políticos dos seus caciques.
Mesmo um liberal honesto jamais afirmaria que existe democracia representativa séria no Brasil. As Frentes Parlamentares se consolidam exatamente a partir de um vácuo oriundo dessa despolitização dos partidos. Concentram então os parlamentares que constroem a sua carreira em torno de pautas específicas que abarcam os seus interesses.
As mais famosas hoje são a Bancada Ruralista, defensora dos interesses do agronegócio, e a Bancada Evangélica, que não para de crescer. A Bancada da Bola compõe, no entanto, a mais curiosa delas.
Composta por um plantel partidário que inclui principalmente PMDB, PTB e PR, a Bancada jamais se pautou pelo “bem do esporte nacional”, como gostam de declarar seus integrantes. Os cartolas-parlamentares nasceram e se mantêm, principalmente, pelo financiamento direto da CBF, ou indireto, através dos parceiros comerciais da Confederação.
O Estado como balcão de negócios
Como afirmou Marx, ainda no longínquo século 19, mas tão atual como nunca: “O Estado é mero balcão de negócios da classe dominante”. É de conhecimento geral o caso de empresários da saúde, do transporte, da educação e até do terceiro setor financiando candidatos, majoritariamente os eleitos. O futebol não fica pra trás.
A Confederação Brasileira de Futebol é uma entidade de direito privado, mesmo que se configure na forma de associação, tendo sua base composta pelos clubes e federações estaduais. Essa correia de transmissão de poder e influência, reduzida a 47 eleitores, sempre foi o que permitiu a concentração de poder e o favorecimento político.
Nas federações estaduais, alguns dirigentes já acumulam mais de 20 anos no cargo, dividindo o tempo com um mandato de senador, como é o caso de Leomar Quintanilha, da Federação Tocantinense de Futebol. Enquanto o futebol no estado passa por dificuldades, Quintanilha declara um patrimônio de mais de 2 milhões de reais à Justiça Eleitoral.
Há então duas formas de garantir essa influência: financiando candidatos diretamente com verba da Federação, para que os mesmos representem os interesses desta nos Poderes Legislativo e Executivo; ou articular indiretamente a doação das empresas parceiras das entidades. Garantindo a influência sobre o grupo de cartolas-parlamentares dos específicos estados, num só movimento está alinhada a Federação local e os clubes pequenos e grandes que atuam na região.
O mapa da rede dos cartolas-parlamentares
O auge dessa relação foi sem dúvida o final da década de 90. Foi lá que nomes como Eurico Miranda foram eleitos, acumulando a função de parlamentar e dirigente de clube. Não foram poucos os casos em questão. Na Bahia, Paulo Carneiro e Marcelo Guimarães — presidentes do Vitória e do Bahia, respectivamente — seguiram o mesmo caminho. Em Sergipe, ainda hoje, há casos de acumulo de posições.
O deputado estadual Fábio Mittidieri, ao mesmo tempo conselheiro e patrocinador do Confiança, financiava a Torcida Jovem do clube e tinha parte da diretoria da Federação Sergipana de Futebol. O atual líder da bancada da bola é o deputado federal baiano José Rocha. Ligado ao PR, Rocha é conselheiro do Vitória e conhecido por injetar recursos na torcida Os Imbatíveis, que já fez diversas homenagens a ele. Em períodos de eleição, sempre se utiliza do espaço físico do Barradão, estádio do Vitória, para se promover politicamente.
Foi na forma de contribuição direta, mas devidamente mediada, que José Rocha e Ricardo Teixeira acabaram mostrando como se dá a relação entre a CBF o cartola-parlamentar. Uma matéria da Folha de São Paulo, ainda em 2008, apontou que um político da pequena Cocos, no oeste baiano, recebeu uma gorda doação da CBF. Se tratava de Alexnaldo Correia Moreira, apadrinhado de Rocha.
O caso de Alexnaldo, candidato a prefeito por uma pequena cidade, é um exemplo entre os demais beneficiados de origem curiosa pela CBF. Outros nomes do interior mineiro, pernambucano e até piauiense (estado onde o futebol está praticamente falido), receberam doações da entidade. Acontece que, com a proximidade da Copa do Mundo e a instauração das mais diversas Comissões que fiscalizarão as contas dos Megaeventos Esportivos, a grana da CBF estaria em cheque. A partir de 2010, a CBF não mais investiria em doações. Deixaria isso a cargo dos seus parceiros comerciais.
No seu blog, o jornalista Rica Perrone apontou a doação da Fratelli Vita — de propriedade da Ambev, uma das parceiras da CBF — para parlamentares ligados à bancada da bola. Entre eles estava o próprio José Rocha, assim como Darcísio Perondi, do PMDB gaúcho. Darcísio é irmão do ex-vice-presidente da CBF Emídio Perondi. A mesma Fratelli Vita investiu em outros 40 candidatos. Curiosamente, uma turma que hoje compõe a comissão que discute a Lei Geral da Copa. O maior agraciado foi Cândido Vacarezza, do PT, líder do governo na Câmara e articulador do nome de Vincente Cândido para relator da Lei Geral da Copa.
Os dirigentes das Federações Estaduais, em grande parte, são aparatados pelos clubes, ou realmente fazem parte dos seus conselhos diretivos. O próprio José Rocha é dirigente do Vitória, assim como outros tantos componentes da Bancada da Bola. Não foi à toa que a mobilização para a criação da Timemania foi tão rápida.
A loteria esportiva que destina verbas diretamente para os clubes não impôs qualquer condição aos dirigentes beneficiados. Excetuando a obrigação da publicação de um balanço financeiro cumprido de forma bem suspeita, os cartolas não continuam não devendo nada a ninguém.
A decadência da Bancada
Com a chegada da “nova direção do futebol nacional”, Ricardo Teixeira deixou de dar atenção a esta turma. Ou ao menos já não era tão carente de sua proteção. A Copa do Mundo teve grande participação nesse processo. Foi o marco da aproximação do Governo Federal com a CBF, apesar de Teixeira ter caído antes de que os jogos começassem. Ter conseguido a bênção da Fifa para a realização do maior evento esportivo do mundo colocou os dois lados numa relação de dependência.
O fluxo das decisões passaria por outro caminho, agora. Não foi à toa que o primeiro dos grandes problemas enfrentados pela presidente Dilma Rousseff tratou-se exatamente da batalha que envolvia o Ministério dos Esportes, então ocupado por Orlando Silva, o Comitê Organizador Local da Copa do Mundo e a CBF. A queda de braço resultou na demissão do ministro e de Teixeira. O saldo ainda pode ser pior.
Sem o teto de vidro do ex-presidente da CBF, a bancada da bola, que já alegava carência, se enfraqueceu. No entanto, busca novas formas de reeguer-se. O primeiro passo tem sido o fortalecimento de um bloco opositor na Confederação. Hoje se reúnem basicamente na tentativa de frear o crescimento do poder da Federação Paulista, capitaneada por Marco Del Nero. Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Paraná formam as principais federações desse bloco.
A possibilidade da abertura de uma nova CPI da CBF está dada. Caso os atuais dirigentes, ainda ligados a Teixeira, não façam os movimentos esperados pelos atuais cartolas-parlamentares, a CPI pode vir em forma de retaliação. O que fica de lição, no fim da história, é que a pirâmide da sustentação da farra dos cartolas ainda tem como base os clubes, entidades básicas do futebol nacional. Esses, como nunca, estão centralizados na mão de poucos dirigentes, respaldados por estatutos que pouco garantem a gestão democrática dos mesmos.
E como é o torcedor quem sustenta esses clubes centralizados, elitizados e burocráticos, caso não se mobilizem, verão a história se repetir para sempre como tragédia.
Irlan Simões é estudante de Comunicação Social e torcedor do Esporte Clube Vitória. Acha que o futebol deve ser jogador pela ala esquerda


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