sexta-feira, 27 de abril de 2012

Aumento da tarifa do transporte urbano: protestos e subsídios

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Por Leonardo M. de Mesentier

O sistema de transporte é fundamental para o dinamismo das cidades, porque a vantagem da vida urbana decorre da possibilidade de contato entre atividades e pessoas. Essa possibilidade de contato permite o desenvolvimento da divisão social do trabalho; permite também que as empresas encontrem trabalhadores para contratar e mercado para seus produtos; que as famílias tenham acesso a bens e serviços variados; e apresenta como resultado mais geral efeitos de produtividade e bem estar.
Como não é possível colocar todas as atividades juntas no mesmo lugar, o limite físico para proximidade é compensado pelo sistema de transporte. Assim, os processos de circulação nas cidades, à semelhança da circulação sanguínea, são os responsáveis pela vascularização do tecido urbano. A vitalidade da cidade depende dessa circulação; depende, portanto, do sistema de transporte.
Para o conjunto da cidade, quanto mais rápidos e baratos os deslocamentos, maiores e mais fáceis serão as interações entre as atividades produtivas, famílias e pessoas. É inquestionável que se numa cidade, onde o deslocamento no transito se faz a 20km/h, se conseguisse elevar essa velocidade para 40km/h, haveria uma enorme economia em combustível, de mão de obra e uma redução no tempo real de produção de todos os produtos, com reflexos positivos na produtividade geral das empresas e no bem estar das famílias naquela cidade.
Consequentemente, um sistema de transporte mais eficiente e mais barato leva a uma maior produtividade urbana e maiores efeitos de bem estar na cidade. Assim, um sistema de transporte barato e eficiente é essencial. Considerando que a maior parte e a parte mais dinâmica da economia do país estão nas metrópoles e grandes cidades, então a questão dos transportes é decisiva também para o país.
Dentro do sistema de transporte urbano, o sistema de transporte coletivo público ocupa um lugar de destaque. Na medida em que, com o crescimento das cidades, os deslocamentos a longas distâncias tornaram-se uma imposição da vida urbana, o sistema de transporte coletivo público tornou-se essencial: se todos se deslocassem usando automóveis as metrópoles e grandes cidades se tornariam inviáveis de tão lentas.
Todas as reflexões contemporâneas apontam a expansão do sistema de transportes coletivos públicos como um caminho para as cidades, seja pelos benefícios à produtividade urbana, seja por razões ambientais, seja pelos ganhos de bem estar coletivos que podem ser alcançados, como redução dos desgastes nos deslocamentos diários, favorecimento da sociabilidade urbana e tantos outros que podem ser proporcionados pelo sistema de transporte coletivo público.
Transporte insatisfatório e tarifas caras além de inibir os deslocamentos dos usuários do transporte coletivo público, induz as camadas de maior renda a usar o transporte particular, o automóvel. O resultado é o aumento dos congestionamentos de trânsito. Mas o congestionamento também piora o deslocamento dos ônibus e do transporte de carga nas cidades, com perda geral de capacidade de circulação, queda da produtividade urbana, piora nas condições de bem estar nas cidades e maior dano ao meio ambiente.
Há uma inquestionável contradição entre o interesse das empresas concessionárias de transporte público em obter lucro máximo e reduzir custos com a qualidade dos serviços e, por outro lado, o interesse das cidades em menores tarifas na melhor qualidade possível do transporte coletivo público.
Como os transportes coletivos públicos são concessões de serviços públicos e não se submetem as situações de concorrência, como as outras mercadorias, a qualidade do serviço prestado é fiscalizada e os preços dos transportes coletivos públicos são preços administrados pelo Poder Público; quer dizer, para que haja aumento de preços esse aumento tem que ser aprovado pelos órgãos de regulação do Estado.
A perspectiva então deveria ser a de que a interferência das diferentes esferas do Poder Público se desse no sentido de um controle de preços e melhoria da qualidade do serviço, para o benéfico das cidades. O que, no entanto, não vem acontecendo.
Entre as razões que explicam essa incapacidade generalizada do Poder Público de enfrentamento da questão do sistema de transportes, não pode ser descartada da consideração a capacidade que as empresas de transporte tem de exercer pressão sobre o sistema político. Ainda que concessionárias de serviços públicos não possam fazer doações de campanha, as empresas que são donas das empresas concessionárias podem fazer essas doações eleitorais. Em muitos casos, estão nessa situação bancos e grandes empreiteiras de obras públicas, que são importantes doadoras de campanha. Os “doadores eleitorais” tem significativa capacidade de pressão sobre todo o sistema político e, consequentemente, sobre a fiscalização e os preços administrados pelo Estado.
Deste modo, no caso brasileiro, as tarifas dos transportes coletivo público tem aumentado, expressivamente, acima da inflação e os preços dos transportes elevam os indicadores de inflação o que pressiona os preços dos transportes, constituindo um circulo vicioso que se realimenta.
No Rio de Janeiro, após a privatização, barcas, metrô e trens tiveram reajustes nos preços das passagens que, além de compensar a inflação, adicionaram ao valor da tarifa aumentos superiores a 150% acima da inflação; e os ônibus acompanharam para manter a relação entre as tarifas dos diferentes modais de transporte. Para ilustrar vale dizer que alguns cálculos indicam que, com o mais recente aumento, o valor da tarifa adotado para as barcas entre o Rio de Janeiro e Niterói, torna o custo de deslocamento nas barcas mais caro que um passeio em cruzeiro marítimo, seja considerando o custo por quilometro ou por tempo de deslocamento.
As consequências sociais desses sucessivos aumentos vão desde o aumento da população vivendo em condições de rua – pois para uma parte dos cidadãos, o peso da tarifa no orçamento familiar torna inviável o deslocamento diário, ficando restrito aos fins de semana o retorno para casa e ao convívio com a família – até o aumento dos protestos dos movimentos sociais em relação aos custos das tarifas e a qualidade dos serviços oferecidos.
No último ano há noticias de protestos contra aumento de tarifas de transporte em São Paulo e Rio de Janeiro, mas também em Belo Horizonte, Vitória, Florianópolis, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa, Natal, Fortaleza, Teresina, São Luis, Belém, Manaus, Macapá, Boa Vista, Rio Branco, Porto Velho, Goiânia, Corumbá, Campo Grande, Tocantins; e ainda Joinvile, Uberlândia, Passo Fundo, Sete Lagoas, Timon e possivelmente mais outras.
Fica mais fácil ainda compreender essa insatisfação quando se considera que a maior causa de perda do poder de compra dos salários tem sido o aumento do preço das tarifas urbanas. Na proporção em que as tarifas aumentam mais que os salários, as dificuldades ao deslocamento alcançam uma parcela cada vez maior dos trabalhadores, a insatisfação social com os transportes aumenta e ganha relevância política. A solução encontrada pelo Poder Público para enfrentar a combinação de serviços ruins com os sucessivos aumentos das tarifas, tem sido a geração de diferentes formas de subsídios ao sistema de transporte: do vale transporte ao bilhete único.
O subsidio é uma de redistribuição de riqueza onde o Estado atua como árbitro, deslocando a riqueza de um setor da economia para outro, dizendo quem vai ganhar e quem vai perder. No caso dos transportes, o Estado, através de impostos, coleta renda de todas as famílias e empresas para o subsídio que viabiliza o preço da tarifa e a demanda efetiva dos serviços oferecidos pelas empresas de transporte garantindo, portanto, o volume e a taxa de lucro dessas empresas.
Um liberal honesto diria que o subsídio é o pior veneno da economia, porque o subsídio distorce os mecanismos de mercado que impulsionam as empresas na busca por eficiência. Para os liberais os subsídios retiram recursos das empresas eficientes para alimentar as incompetentes. Um republicano sincero diria que o subsídio é um absurdo porque significa usar dinheiro público para financiar o lucro privado de uma empresa específica.
De ponto de vista de um ou de outro, o que se pode dizer é que o sistema formado por preços administrados, subsídios às tarifas dos transportes coletivos públicos e doações privadas para campanhas eleitorais pode se tornar um saco sem fundo, capaz gerar imprevisíveis distorções e danos à economia das metrópoles e grandes cidades brasileiras.



Retirado do blog “A cidade e o mundo”:


Leonardo Mesentier é arquiteto, doutor em Planejamento Urbano e Regional com diversos artigos publicados em livros e periódicos científicos sobre desenvolvimento urbano e patrimônio histórico-cultural.

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