sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Sete Observações sobre Preconceito


Por Antonio Engelke

1 – Preconceito é uma construção subjetiva – crença, perspectiva, leitura da realidade –, não um dado da natureza. Dessa afirmação não se deve inferir, entretanto, que o preconceito derive exclusivamente da experiência pessoal do sujeito que o entretém. Crenças, perspectivas e leituras da realidade são construídas socialmente. Ninguém nasce preconceituoso, aprende a sê-lo. Seria então o caso de reformular nossa alegação inicial, e afirmar o caráter intersubjetivo do preconceito. Seja qual for o seu conteúdo, ele não sobrevive somente enquanto substância psíquica isolada.

2 – Preconceito não é um filtro que distorce a posteriori uma realidade apreendida objetivamente, mas parte integrante da própria moldura perceptiva dentro da qual o sujeito apreende aquilo que lhe parecerá então digno de desprezo. Dito de outro modo, não é que o sujeito preconceituoso deforme conscientemente suas opiniões, adicionando-lhes um excedente ilícito de significado; na verdade, tal excedente já é um dos elementos que conforma as opiniões que sustenta. Operação embebida em dogmatismo: o preconceituoso não sabe que crê, ao contrário, crê que sabe acerca do objeto de seu preconceito.

3 – Preconceito deriva de um desconhecimento que não se reconhece enquanto tal. O desconhecimento é também e sobretudo aquele do sujeito que desconhece, pois que o ignorante, por definição, ignora a extensão da própria ignorância. E é por não saber que não sabe que o preconceituoso insiste na ignorância da qual seu preconceito é expressão. Eis porque o argumento preconceituoso é usualmente tautológico ou baseado em evidência anedótica. Estando suas conclusões dadas nas premissas das quais parte, e ignorando sua incapacidade de questionar, que dirá suspender, as certezas que as condicionam, não resta ao preconceituoso senão fechar-se sobre suas falácias, narcisicamente convicto da justeza de suas convicções.

4 – Todo preconceito reproduz o antagonismo do qual é um sintoma. Antagonismo invariavelmente constituído por um núcleo fantasmático: o que o preconceituoso repudia não é o sujeito de carne e osso que tem diante de si, mas a imagem fantasiosa desse sujeito, sobre a qual irá projetar suas paranoias, fobias ou frustrações. Esta a razão pela qual a violência de um ato de preconceito incide não apenas sobre o sujeito tornado vítima, mas sobre o grupo mais amplo ao qual ele pertence.

5 – Preconceito é uma redução que tem na metonímia e no estereótipo seus principais operadores cognitivos. Os matizes, as nuances, as singularidades, as distinções, as complexidades, os paradoxos, as muitas e variadas formas que coexistem dentro de um determinado conjunto são reduzidas a uma só substância negativa, percebida e alardeada como se fosse a essência mesma de tal conjunto. Tendo conquistado aderência suficiente, o preconceito passa a organizar ou delimitar o terreno discursivo acerca do objeto sobre o qual incide, operando um fechamento que sinaliza a estigmatização da alteridade: a quase impossibilidade de pensar e falar sobre o objeto do preconceito fora dos termos de sua percepção preconceituosa.

6 – Daí a relação entre preconceito e senso comum. Visto que o senso comum jamais explicita a si próprio, os pressupostos que o informam permanecem abaixo do limiar de discussão pública. Esta a invisibilidade de que a mentalidade preconceituosa se alimenta: tudo se passa como se o preconceito fosse não um discurso e uma prática de subjugação, mas juízo auto-evidente amplamente compartilhado e por isso mesmo justificado. A desconstrução de preconceitos é sobretudo um trabalho de exposição, um esforço no sentido de escavar o senso comum, a crosta da convenção, a fim de lhe revelar as elisões, as sombras inconfessáveis.

7 – Preconceitos frequentemente possuem suportes institucionais, uma das razões de sua força. Quando publicamente interpelados, quando sua manifestação não encontra mais meios de passar desapercebida, tais suportes tornam evidente o hiato entre a lei e a justiça. Legislações que resultam da luta de grupos discriminados subtraem da discriminação seu respaldo normativo socialmente reconhecido. Inverte-se a mão do constrangimento: o preconceito não cessará de existir uma vez retirada a chancela do Direito, mas a injustiça cometida em seu nome não passará impune.


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