terça-feira, 3 de junho de 2014

Viva a República?


A renúncia do rei espanhol abre debate sobre mudanças profundas na Espanha.


Por Raphael Tsavkko Garcia

Aos 76 anos, o rei da Espanha Juan Carlos abdicou. Foram 38 anos de reina­do marcado por polêmicas em uma rela­ção de amor e ódio com a população es­panhola e envolto em suspeitas de mal­versação de dinheiro público e nublado pelo passado de apoio ao ditador Fran­cisco Franco.



Juan Carlos foi pupilo do ditador e es­colhido por este para sucedê-lo. Teve pa­pel central no processo de transição para a democracia no fim dos anos 1970, ain­da que para muitos este papel tenha si­do o de servir como legitimador de forte aparato de repressão a sindicatos e orga­nizações populares durante os anos pos­teriores e contra os movimentos nacio­nalistas e separatistas da Catalunha, País Basco e Galiza.

A partir de 2011-12, auge da crise eu­ropeia, o rei se viu envolto em polêmicas pessoais e familiares – como a acusação de corrupção contra seu genro, Iñaki Ur­dangarín – e manifestações foram orga­nizadas exigindo a sua renúncia.

Por fim, tomou sua decisão e abre mão de seu poder (mais simbólico que de fa­to) entregando-o a seu filho, que será chamado de Felipe VI. Suas palavras fo­ram as de um homem cansado e dispos­to a abdicar para que uma nova geração assuma as rédeas do país – ou ao menos que uma nova geração possa simbolizar o país.


Mas analistas de imediato apontaram outras possíveis razões para a abdicação. Desde os problemas de saúde recorren­tes de Juan Carlos, passando pela inca­pacidade da Casa Real de fazê-lo voltar a ser um símbolo de unidade da Espa­nha após diversos casos em que sua ima­gem foi abalada até, por fim, o puro cál­culo político.

Este último ponto é o que suscita mais debates. Acalorados. De um lado temos a Espanha que acabou de sair de umas eleições europeias que podem ter decre­tado o fim do bipartidarismo entre PP e PSOE com a ascensão do Podemos e o fortalecimento de outras forças à esquer­da e à direita, de outro a necessidade de retomar a credibilidade não apenas das instituições, mas também dos dois prin­cipais partidos, ambos fortemente mo­narquistas – o PSOE, dito socialista, foi o primeiro a declarar seu apoio à monar­quia após a renúncia do rei.

No cálculo entraria a possibilidade do carisma de Felipe poder funcionar como um fator de união na Espanha, papel de­sempenhado por seu pai durante a tran­sição, baseado na juventude e suposta in­tegridade do novo rei.


Além disso, tanto a abdicação do rei, quanto a coroação de um novo exigiriam debates e a formulação de novas leis es­pecíficas nas Cortes espanholas, o que forçaria uma mudança brusca nos de­bates correntes (centrados no pessimis­mo da crise e na desconfiança do público com as instituições), e na união dos dois principais partidos para a rápida aprova­ção de tais leis.

Se por um lado é fato que o PP pos­sui maioria absoluta, seria necessária a participação do PSOE nos debates e vo­tações para garantir a legitimidade do processo. Seria uma forma de, então, mudar o tom do debate político, neu­tralizando o resultado das eleições eu­ropeias, forçando uma aproximação en­tre as duas principais forças políticas, que pese as diferenças ideológicas no papel, atuam de forma semelhante na política diária.

A abdicação do rei, portanto, viria não apenas como uma esperada decisão pes­soal devido a seu esgotamento físico e mental, nem pela intenção de colocar um “sangue novo” na arena política, mas também de buscar mudar o foco dos de­bates políticos.


A resposta imediata da população, po­rém, foi a de ir às ruas se manifestar. Milhares se reuniram em Madri e em dezenas de cidades por toda a Espanha com bandeiras republicanas, aos gritos de “República Ya” (dentre outros gri­tos nem sempre publicáveis), e exigin­do o fim da monarquia e a instauração da República Espanhola.

A Esquerda Unida, terceira força na­cional, chegou a anunciar que já prepa­ra um esboço de um programa de tran­sição, enquanto outros partidos se ani­mam a debater um possível futuro sem a monarquia.

Por sua vez, partidos nacionalistas, em particular os de esquerda basca e ca­talã, esperam que com uma república haja a possibilidade de um maior diá­logo e respeito ao seu direito a decidir seu futuro e a sair da Espanha. Apenas o tempo e a capacidade de mobilização de partidos e das ruas definirão o futuro da monarquia espanhola.




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