A renúncia do rei espanhol abre debate sobre mudanças profundas na Espanha.
Por Raphael Tsavkko Garcia
Aos 76 anos, o rei da Espanha Juan Carlos abdicou. Foram 38 anos de reinado marcado por polêmicas em uma relação de amor e ódio com a população espanhola e envolto em suspeitas de malversação de dinheiro público e nublado pelo passado de apoio ao ditador Francisco Franco.
Juan Carlos foi pupilo do ditador e escolhido por este para sucedê-lo. Teve papel central no processo de transição para a democracia no fim dos anos 1970, ainda que para muitos este papel tenha sido o de servir como legitimador de forte aparato de repressão a sindicatos e organizações populares durante os anos posteriores e contra os movimentos nacionalistas e separatistas da Catalunha, País Basco e Galiza.
A partir de 2011-12, auge da crise europeia, o rei se viu envolto em polêmicas pessoais e familiares – como a acusação de corrupção contra seu genro, Iñaki Urdangarín – e manifestações foram organizadas exigindo a sua renúncia.
Por fim, tomou sua decisão e abre mão de seu poder (mais simbólico que de fato) entregando-o a seu filho, que será chamado de Felipe VI. Suas palavras foram as de um homem cansado e disposto a abdicar para que uma nova geração assuma as rédeas do país – ou ao menos que uma nova geração possa simbolizar o país.
Mas analistas de imediato apontaram outras possíveis razões para a abdicação. Desde os problemas de saúde recorrentes de Juan Carlos, passando pela incapacidade da Casa Real de fazê-lo voltar a ser um símbolo de unidade da Espanha após diversos casos em que sua imagem foi abalada até, por fim, o puro cálculo político.
Este último ponto é o que suscita mais debates. Acalorados. De um lado temos a Espanha que acabou de sair de umas eleições europeias que podem ter decretado o fim do bipartidarismo entre PP e PSOE com a ascensão do Podemos e o fortalecimento de outras forças à esquerda e à direita, de outro a necessidade de retomar a credibilidade não apenas das instituições, mas também dos dois principais partidos, ambos fortemente monarquistas – o PSOE, dito socialista, foi o primeiro a declarar seu apoio à monarquia após a renúncia do rei.
No cálculo entraria a possibilidade do carisma de Felipe poder funcionar como um fator de união na Espanha, papel desempenhado por seu pai durante a transição, baseado na juventude e suposta integridade do novo rei.
Além disso, tanto a abdicação do rei, quanto a coroação de um novo exigiriam debates e a formulação de novas leis específicas nas Cortes espanholas, o que forçaria uma mudança brusca nos debates correntes (centrados no pessimismo da crise e na desconfiança do público com as instituições), e na união dos dois principais partidos para a rápida aprovação de tais leis.
Se por um lado é fato que o PP possui maioria absoluta, seria necessária a participação do PSOE nos debates e votações para garantir a legitimidade do processo. Seria uma forma de, então, mudar o tom do debate político, neutralizando o resultado das eleições europeias, forçando uma aproximação entre as duas principais forças políticas, que pese as diferenças ideológicas no papel, atuam de forma semelhante na política diária.
A abdicação do rei, portanto, viria não apenas como uma esperada decisão pessoal devido a seu esgotamento físico e mental, nem pela intenção de colocar um “sangue novo” na arena política, mas também de buscar mudar o foco dos debates políticos.
A resposta imediata da população, porém, foi a de ir às ruas se manifestar. Milhares se reuniram em Madri e em dezenas de cidades por toda a Espanha com bandeiras republicanas, aos gritos de “República Ya” (dentre outros gritos nem sempre publicáveis), e exigindo o fim da monarquia e a instauração da República Espanhola.
A Esquerda Unida, terceira força nacional, chegou a anunciar que já prepara um esboço de um programa de transição, enquanto outros partidos se animam a debater um possível futuro sem a monarquia.
Por sua vez, partidos nacionalistas, em particular os de esquerda basca e catalã, esperam que com uma república haja a possibilidade de um maior diálogo e respeito ao seu direito a decidir seu futuro e a sair da Espanha. Apenas o tempo e a capacidade de mobilização de partidos e das ruas definirão o futuro da monarquia espanhola.
Fonte: Brasil de Fato
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