Dois estudos indispensáveis revelam: políticas de corte de
direitos sociais e serviços públicos já atingem maior parte do planeta,
interessam a um pequeno grupo e ameaçam democracia
Por Antonio Martins
Três dados muito eloquentes sobre o fracasso das políticas
de ”austeridade fiscal” estão sendo divulgados no início desta semana.
Em Portugal, tornaram-se públicos os planos do governo para reduzir em 10% o valor das aposentadorias. Na Espanha, missão do FMI, em visita ao país sugeriu
o que chamou de “ambicioso pacto social”: os trabalhadores na ativa
aceitariam cortar seus salários, também em 10%, para tornar a produção
nacional “mais competitiva”. Ataques aos direitos sociais vêm se
sucedendo pelo menos desde 2011, no Velho Continente, mas a cada dia
parecem mais inúteis — ou, o que é mais provável, visam outros
objetivos, que não os declarados. Números divulgados hoje revelam
que a economia italiana viveu, entre abril e junho, o oitavo trimestre
seguido de recessão, algo nunca antes visto na história daquele país…
Engana-se, porém, quem julga que a obsessão por tais políticas é
característica apenas da Europa.
Em março deste ano, duas organizações internacionais voltadas ao exame crítico das políticas econômicas (Initiative for Policy Dialogue e South Center) publicaram conjuntamente o relatório A Era da Austeridade [The Age of Austerity]. Ele pode ser lido aqui e revela que:
a) Houve uma mudança drástica, por volta de 2010, nas políticas
adotadas pela maior parte dos governos em relação à crise financeira
aberta em 2008. Numa primeira fase, adotou-se, corretamente, ações para
ampliar o investimento público. Mas há três anos, elas vêm sendo
revertidas. Em sua grande maioria, os Estados continuam a usar recursos
públicos para salvar instituições financeiras amaçadas. Mas reverteram as as
políticas de criação de empregos e a expansão de serviços públicos.
Isso foi possível porque, até o momento, foi possível vender às
sociedades a ideia de que aposentadorias dignas, ou serviços de Saúde
eficientes, são “gorduras” a ser cortadas — mas os ganhos da oligarquia
financeira, não! China, principalmente e a maior parte da América do
Sul, em menor escala, são exceções à regra.
b) Oitenta por cento da população do planeta, ou 5,8 bilhões de habitantes já vivem sob
políticas de “austeridade”. E elas são mais fortes entre os países em
desenvolvimento (onde, em média, a relação entre investimento público e
PIB caiu 3,7 pontos percentais) do que entre os “desenvolvidos” (queda
de 2,2 pontos).
Que explica a adoção de políticas que reduzem os negócios e, à
primeira vista, os próprios lucros dos capitalistas? É algo a ser
examinado com atenção, mas ao menos dois elementos devem ser levados em
conta:
> Construiu-se nos últimos anos, a partir de argumentos
ideológicos, uma fraude teórica. Difundiu-se a ideia de que a elevação
dos investimentos públicos gera déficits; e que, segundo modelos
estatísticos indesmentíveis, estes reduzem a produção de riquezas.
Trata-se de um argumento já desmascarado pelos fatos, conforme demonstra nosso colaborador Álvaro Bianchi.
> Esta manipulação interessa, objetivamente, a uma subclasse social: a aristocracia financeira, o 1% (ou
menos da população) que extrai sua riqueza dos rendimentos pagos pelo
Estado, na forma de juros. Quem a analisa é o filósofo Patrick Viveret, aqui.
Embora reduzidíssimo, este grupo tem imenso poder sobre os governos, o
mundo político em geral e a mídia. A ele importa que os Estados gastem
cada menos com serviços públicos (e mais consigo mesmo…). A ele
interessa, sobretudo, esvaziar a democracia, para que as atuais
políticas sejam irreversíveis.
Fonte: Outras Palavras
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