Em “Carnificina”, Roman Polanski observa o confronto entre dois casais burgueses, que passam de civilizados a bárbaros em 1h20
Por Bruno Carmelo, Discurso-Imagem
Este novo projeto do diretor Roman Polanski deixou alguns espectadores perplexos. Por que adaptar uma peça de teatro? E por que adaptar sem alterar praticamente nada do texto ou da forma, mantendo a teatralidade? Os mais otimistas disseram que o diretor de cinema, que também já dirigiu óperas e peças de teatro, queria homenagear esta outra arte, ou então que Polanski sempre gostou de embates entre pessoas em lugares fechados.
Já os mais pessimistas falaram numa espécie de preguiça do diretor, falta de inspiração ou simplesmente na impossibilidade de circular em outros países além da Polônia, Suíça e França (restrição legal desde a sua condenação por estupro), razão pela qual ele teria limitado sua filmagem à produção mais simples possível. O fato é que Carnage se passa quase integralmente na sala de estar de um apartamento de classe média-alta, com um ambiente nova-iorquino recriado em estúdio na periferia parisiense.
O mote do filme é simples: dois casais se encontram numa tarde, para discutir, após o filho de um ter agredido o filho do outro. A primeira cena mostra precisamente esta briga, filmada de longe, sem sons nem justificativas, apenas a ação entre os garotos. A narração passa logo ao casal formado pelos pais, um deles formado por figuras empresariais pragmáticas, outro por moralistas de esquerda, que decidem, pelo menos no início, resolver de modo civilizado o conflito dos filhos.

Carnage é uma comédia mordaz, interpretada por um elenco de alto nível, e por isso o elemento principal do projeto – o ritmo dos diálogos – é executado com alta qualidade. A segunda metade, quando eles vomitam, gritam, choram e se batem, o potencial cômico é dos mais interessantes (“Eu estou contente que meu filho tenha quebrado a cara do viadinho do seu filho, e você pode enfiar seus direitos humanos no cu!”, grita Kate Winslet). A grande questão neste filme é de fato a participação de Polanski como autor e como “criador” de um projeto.
Ora, é verdade que o filme não é um “teatro filmado” no sentido original do termo: a câmera não está fixa, diante da cena, observando o conjunto como observaria um espectador teatral. Mas o diretor também não adapta o texto, preferindo apenas decupá-lo, ou seja, escolher os ângulos de câmera, a posição dela, a profundidade de campo etc. O teatro não poderia se aproximar tanto dos atores, adotar a cada momento o ponto de vista de um personagem diferente, então por esta simples razão o filme não poderia ser completamente teatral.

O que Carnage produz, além da comicidade do seu conteúdo, é uma provocação da própria noção de autor no cinema. No festival de Veneza, onde o filme foi exibido, falou-se em “filme menor”, retórica bastante interessante para dizer que o filme não é ruim, e que ele não é comparado com nada além dos outros filmes do realizador. Com o “filme menor”, a figura do diretor torna-se uma medida de valor em si. Disseram também, de maneira mais positiva, que Polanski teria escolhido “os ângulos mais cinematográficos”, mas o que raio seria um enquadramento ou um ângulo mais ou menos cinematográfico? Como se estabelece tal hierarquia?
Por fim, para os desprazeres dos críticos autorais, este é um “filme de Polanski” em que a importância do realizador é mínima. Ele consegue ótimas interpretações de seus atores, o que não é de se desprezar, mas centenas de outros cineastas talentosos poderiam ter obtido exatamente o mesmo efeito das atuações e da imagem. Os grandes “autores” deste filme são acima de tudo Yasmina Reza, a dramaturga da peça original, “O Deus da Carnificina”, e os atores, que se apropriam dos personagens e criam caricaturas deliciosas da burguesia politicamente correta. Desta vez o grande Polanski, preso em sua peça teatral, em seu apartamento cênico e em seus deslocamentos limitados por ordem legal, limita-se a observar, como faria um espectador comum.
——-
Carnage (2011)
Filme franco-polonês dirigido por Roman Polanski.
Com Kate Winslet, Jodie Foster, Christoph Waltz, John C. Reilly.
Filme franco-polonês dirigido por Roman Polanski.
Com Kate Winslet, Jodie Foster, Christoph Waltz, John C. Reilly.
Fonte: www.outraspalavras.net
Nenhum comentário:
Postar um comentário