sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Rumo a uma nova Cruzada?

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Autoria do atentado de Paris é suspeita. Mas ele certamente serve aos que pretendem atiçar as novas guerras “civilizatórias” do Ocidente.


Por Manlio Dinucci, no Il Manifesto | Tradução: Antonio Martins | Imagem: Guido Reni, Arcângelo Miguel (1636)

Movem-se e disparam como verdadeiros comandos. Nada de rajadas, para não desperdiçar munição. Apenas um ou dois disparos em cada vítima, como o policial já ferido e liquidado no chão, com um só tiro, pelo assassino que passa a seu lado, volta ao carro e, antes de subir, recolhe com toda calma um tênis – que poderia servir de prova, por meio de análise do DNA.

No entanto, quando estes mesmos indivíduos, depois de darem mostra de uma preparação digna de um comando de forças especiais, mudam de veículo, “esquecem” no primeiro auto – segundo a versão da polícia – um documento de identidade. E assim, assinam oficialmente o atentado. Em poucas horas, o mundo inteiro conhecerá seus nomes e suas biografias: “dois delinquentes de pouca envergadura, radicalizados, conhecidos pela polícia e serviços de inteligência franceses”.

Diante dos fatos que estão sendo definidos como “o 11 de Setembro da França”, não é possível deixar de recordar o sucedido no 11 de Setembro norte-americano, quando – apenas algumas horas após o atentado contra as Torres Gêmeas – circularam os nomes e biografias das pessoas designadas como autores do atentado e integrantes da Al Qaeda. Também nos Estados Unidos, quando o presidente Kennedy foi assassinato, o suposto assassino foi descoberto de imediato. E algo idêntico ocorreu na Itália, no massacre da Piazza Fontana. É perfeitamente legítima, portanto, a suspeita de que, por trás do atentado ocorrido na França, possa estar o longo braço dos serviços secretos.

Os dois supostos autores da matança de Paris, se são precisas suas biografias, pertencem ao mundo subterrâneo criado pelos serviços secretos ocidentais – inclusive os da França –, que em 2011 financiaram, treinaram e armaram, na Líbia, diversos grupos islâmicos, pouco antes qualificados de terroristas.

Entre estes grupos, encontravam-se precisamente os primeiros núcleos do futuro Emirado Islâmico (ISIS). Segundo uma investigação do New York Times publicada em março de 2013, os serviços secretos ocidentais ofereceram-lhes armamento através de uma rede organizada pela CIA. Depois de haverem participado da derrubada de Muamar Kadhafi, foram enviados à Síria, para tentar derrocar o presidente Assad e posteriormente para atacar o Iraque, no momento exato em que o governo de Al-Maliki afastava-se do Ocidente e se aproximava de Pequim e Moscou.

O Emirado Islâmico, nascido em 2013, recebe financiamento da Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Turquia, países que além disso facilitam – junto com a Jordânia – o trânsito do grupo através de seus territórios. E não se deve esquecer que os países mencionados são, todos, aliados muito próximos dos Estados Unidos e demais potências ocidentais, incluindo a França. Isso não significa que a massa dos membros dos grupos islamitas, que frequentemente provêm de distintos países ocidentais, tenham consciência desta cumplicidade. De qualquer maneira, é altamente provável que se escondam, atrás dos terroristas, agentes secretos ocidentais e árabes, especialmente treinados na realização deste tipo de operações.

Enquanto se esperam novos elementos capazes de esclarecer a verdadeira origem do massacre perpetrado na França, parece lógico perguntarmos: Quem se beneficia com tudo isso?

A resposta pode ser deduzida do que declarou Nicolas Sarkozy, o mesmo que – quando presidente da França – foi um dos principais artífices do respaldo aos grupos islâmicos que participara na guerra de agressão à Líbia. Sarmkozy qualificou o atentado de Paris como uma “guerra declarada contra a civilização, que tem a responsabilidade de se defender”.

Busca-se assim convencer a opinião pública de que o Ocidente está em guerra contra aqueles que querem destruir a “civilização”. Implica que o Ocidente representa a “civilização” e, por isso, precisa defender-se, ampliando suas forças militares e enviando-as a todos os lugares onde surja esta “ameaça”.

Trata-se, assim, de converter a dor das massas pelas vítimas do massacre em mobilização a favor da guerra. O Davi, coberto em Florença com um véu negro, em sinal de luto, está chamado agora a empunhar a espada na nova Santa Cruzada.

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