terça-feira, 22 de julho de 2014

O sonho Americano agora é nosso!



Por Emma Toska


A ninguém terá surpreendido artigo publicado no New York Times em Abril passado revelando que os Americanos finalmente acordaram, beliscaram-se e descobriram que o “sonho americano” fora só sonho mesmo; que os ricos ficam cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres (e ainda têm que dividir seu quinhão com a classe média) e isso se chama capitalismo. Bem, essa parte não é seguro que entenderam, mas ao que parece o gigante de lá também acordou.

Enquanto isso, com essa confusão de gigante acordando para lá e para cá, alguns têm se dado conta de que parece que o sonho americano está no Brasil. Não se sabe bem como entrou no país: se disfarçado entre bugigangas eletrônicas, se na bagagem repatriada de algum imigrante ilegal ou enfiado no pacote de algum cosmético importado de lá por um terço do que se paga aqui – e nesse caso não se explica como escapou da alfândega ou de ser surrupiado no caminho, Deus sabe por quem. O fato é que parece mesmo que tem andado por aí o sonho americano – essa fantasia fantástica do sucesso e prosperidade acessíveis a qualquer um que trabalhe duro. Bem, essa parte do “trabalhar duro” teve que ser ligeiramente adaptada. Combina mais com o frio, labuta, seriedade, dureza mesmo. Aqui a coisa vai melhor com a malemolência, a ginga, a alegria e a malandragem. Mas com jeitinho todo mundo poderá ter seu lugar ao sol. Entenda-se bem, não “ao sol” significando “de sol a sol” – que isso nem combina bem com sonho – mas as luzes! Sim senhor, todo mundo pode ser atriz, modelo, cantor ou… Jogador de futebol. Cantor de Funk Carioca, claro, que fatura alto, ostenta e nem precisa saber cantar. E por acaso ser atriz, modelo ou jogador do Barcelona exige muito? É preciso saber alguma coisa especial… Ler, escrever bem, por exemplo? De jeito nenhum. Estrelas não aprendem, estrelas nascem. E sonho tem que ser completo, senão é delírio de otário, como o dos Americanos. Fama, sucesso, prosperidade tem que vir fácil, porque se incluir estudar ou pegar no pesado, não é sonho, é pesadelo. Exemplos não faltam. Veja-se o MC Guime que é brother do Neymar Junior, que é praticamente noivo da Bruna Marquezine, que é atriz da Globo, que escolheu para tema da sua ultima novela, o que? O “País do Futebol” de MC Guime e Emicida! Tudo a ver. Tudo se encaixa.

E quem andar por aí vai logo notar as pegadas do sonho americano brasileiro. Vai encontrar muitos como aquele rapazinho de 19 anos, um preto do subúrbio, claro, cheio de talento para ator, modelo, cantor, embora já passado um pouco para o futebol, pena! Se tudo der errado volta para a escola. Isso me garantiu. Está seguro que não tem erro. O sonho é real, tem que se acreditar, isso quem garante é o próprio Neymar, no vídeoclip dos MCs. E o que mais impressiona são os números do sonho; alucinantes: um simples boné que eu calculei não valer mais do que uns 30 reais, me disseram custar centenas de verdinhas nacionais (verdinhas… por assim dizer). A etiqueta da marca está por ali escondida, quem conhece sabe, me informou. O tênis, a camiseta, a bermuda, tudo pode valer centenas, até milhares de reais. O conceito é ostentar. Ter para ostentar, ostentar para adquirir mais. Tudo muito factível. Acreditar no impossível, essa é a manha. Qualquer um pode nascer jogador de futebol. É verdade que tem as famosas peneiras dos clubes, como me informou aquele outro de 14 anos, que já se prepara para essa fase.

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O sonho americano tem também arrebatado um batalhão de atrizes e modelos em potencial – já que sendo a vaidade o único traço distintivo da identidade nacional (aparte o futebol) – não são muitas as que parecem sonhar com o corpicho de uma jogadora de futebol, mesmo famosa e endinheirada. Além disso, futebol de mulher só empolga mesmo Sueco e Americano que não entendem muito da arte. No mais é igual fazer sexo com outra mulher, sempre vai ficar faltando um… je ne sais quoi muito essencial (com o perdão dos que apreciam). Mas fato é que encontrei por aí até gente adulta e diplomada tomada pela obsessão do descobrimento. Na modalidade brasileira de sonho americano existe este ingrediente peculiar da descoberta. É como se uma nação inteira vivesse alucinadamente procurando por uma câmera escondida, um olheiro disfarçado, um caça talentos, um Headhunter. Ninguém liga para o fato de que esses profissionais da caça não miram gente desempregada, despossuída, desocupada ou desiludida, como frequentemente acontece ser o caso. Esse elemento da descoberta é tão peculiar entre nós que quase poderíamos chamar nossa modalidade de sonho americano, “sonho brasileiro”. Mas isso seria plagio, pirataria, ou no mínimo uma cópia desautorizada do sonho dos outros. Não que copiar seja exatamente um drama aqui. Por exemplo, quem pode negar que o Love Theme de “O Poderoso Chefão” não se encaixoubeautifully na introdução do “comando de voz” de MC Smith? E mesmo que não seja humanamente possível entender a letra da musica do MC (e agradecendo aos céus não ter que encarar sua versão handwriting ), ainda é a mesma música que encantou gerações, aprimorada pelo artificioso talento das quebradas. E quem poderá afirmar que não é a beleza da composição interpretada no português tosco e ininteligível do MC que seduz o coraçãozinho dos adolescentes inebriados pela fantasia do luxo, riqueza e fama repentinos?

Haverá quem critique o sonho americano brasileiro assim retratado. Mas lá no fundo, todos tem telhado de vidro. Ou pelo menos o têm aqueles que ficam mumificados diante da TV esperando do pequeno deus Neymar… um milagre em forma de gol. Todos arrebatados por alguma modalidade de sonho americano. A mim confesso que tudo isso provoca sentimentos confusos. Não serei estilingue só desta vez, mas eu sei que seria mesmo tudo muito cômico se não fosse trágico demais. A modalidade brasileira de sonho americano não tem nada de engraçado. A piada é esvaziada pela triste certeza da auto ilusão. Porque só os anjos devem saber a combinação da loteria que leva um Neymar, dentre tantos outros possíveis, ao rico Barcelona; que faz o plágio do MC cair no gosto da multidão, ou transforma em celebridade os olhos miúdos e sem beleza da Marquezine. Aos outros, o que sobra mesmo é o caminho da escola, pelo menos assim acreditavam os antigos. Mas a escola também parece que não andar lá muito bem das pernas. A biblioteca da universidade está em greve há quase quatro meses. Quatro meses em greve! Nem dá mesmo para acreditar… Qualquer ilusão é mais tangível do que esse realismo fantástico.

O que parece é que sempre haverá Copa. E ter Copa parece ser o de menos. Pior de tudo é o Neymar. O sonho impossível da riqueza fácil em um país onde o fosso da desigualdade social é agora preenchido pela chama do consumo patológico e a ilusão de mobilidade. É o nosso sonho americano. Patrocinado pela brutalidade do dia-a-dia sem graça, sem glória e sem esperança. Pelo menos isso foi o que nos cantaram os filósofos e poetas “das quebradas”. Por falar nisso, não deixe ao menos de prestigiá-los aqui.


Um comentário:

  1. Esse assunto é delicado,mas resumindo,acredito que uma classe que foi sempre menosprezada,hoje em dia tem a possibilidade de adquirir algumas coisas que antes não podiam,então fazem questão de tacar na cara,de realmente ostentar,mesmo sem saber que parcelar um tênis em 10 vezes,é ilusão e não poder de compra ...

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