Para professor da rede municipal, agitação entre profissionais da educação continua escalando em função do desprezo com que são tratadas suas demandas pelos governos e, por vezes, pelo próprio sindicato.
Por Silvio Pedrosa
Nas ruas do Rio de Janeiro, ainda é possível topar com muros, postes e portões onde se veem afixados adesivos com as inscrições ‘Fora Cabral, vá com Paes’ ou ‘Educação em greve’. São indícios do movimento grevista que tomou conta da capital fluminense nos últimos meses de agosto, setembro e outubro e que foi capaz de tensionar os poderes constituídos, enunciando com clareza sua pauta antiprivatista, antimeritocrática, em suma, seu caráter antineoliberal. Os adesivos, no entanto, não são capazes de transmitir a natureza completamente extraordinária que a greve atingiu, principalmente após a radicalização de fins de setembro, início de outubro.
Iniciado ainda no início de agosto, o movimento conseguiu atingir fortes níveis de mobilização das categorias envolvidas com o trabalho escolar (professores, inspetores, cozinheiros, etc.) – na educação municipal – e num dos seus primeiros atos teria sido capaz de impressionar a todos, colocando 15 mil pessoas nas ruas, não estivéssemos ainda todos tão impressionados com as jornadas de junho. Os atos dos educadores continuaram, intermitentes, durante mais alguns dias e o poder executivo, antes infenso a qualquer negociação com os trabalhadores, foi obrigado a ceder, reunindo-se com o representantes do sindicato da categoria, o SEPE.
Logo na primeira negociação, foi fechado um acordo prevendo aumentos salariais. O poder constituído cedia anéis para não perder os dedos: frente a uma forte mobilização, procurava manter intacta a ideologia neoliberal que anima o projeto educacional da prefeitura peemedebista. A pressão da cúpula sindical para que o acordo fosse fechado e a greve encerrada era o prenúncio do que viria pela frente, mas as categorias foram capazes de sustentar a greve contra a burocracia do sindicato durante duas semanas, quando o retorno sob ‘estado de greve’ foi acordado. Aguardava-se a proposta da prefeitura, a respeito da grande demanda dos trabalhadores: a aprovação de um plano de carreira, cargos e remuneração (PCCR) que garantisse condições melhores de trabalho (carga horária compatível com a boa preparação das aulas, maior valorização da qualificação profissional, entre outros pontos). Enquanto isso, o governo do estado, bem ao seu estilo, era insensível às demandas, respondendo na forma como parece conceber a resolução de todo e qualquer problema social e político: para responder à ocupação da sede da secretaria estadual de educação, enviou a polícia militar para espancar os ocupantes.
Após alguns dias da volta ao trabalho, entretanto, os grevistas da educação municipal foram surpreendidos por um PCCR radicalmente neoliberal. O poder executivo redigira um projeto que consolidava as modificações que vinham sendo operadas na educação do município. A situação de fato transformava-se em situação de jure. A radicalização da ofensiva neoliberal por parte da prefeitura provocaria, a partir desse momento, uma radicalização dos professores que, imediatamente, retornaram à greve e ocuparam o palácio Pedro Ernesto, sede da câmara municipal do município, onde seria votado o projeto e aonde a enorme base governista já havia sido articulada para tratorar qualquer oposição.
A desocupação violenta, operada pela tropa de choque, promovida pelo consórcio peemedebista empossado no estado e no município – e feita de forma completamente arbitrária, sem qualquer ordem legal – promoveria, no fim de setembro, um encontro pujante: os trabalhadores da educação expulsos das galerias da câmara seriam socorridos pelos ativistas do OcupaCâmara e por praticantes da tática black bloc.
Os movimentos autonomistas que, desde junho, vinham sacudindo vários pontos da cidade, deixando o poder constituído completamente de joelhos e explodindo o consenso da pacificação olímpica, compraram a briga dos professores que, por sua vez, organizaram-se num bloco de defesa dos black blocs. Ocorria ali um agenciamento inesperado e, por isso mesmo, potentíssimo: black profes eram o signo de que a pedagogia da multidão processava uma autoformação política, forjada na luta.
Os acontecimentos (no sentido forte do termo) se sucederam: a batalha da Cinelândia – quando ativistas e professores, durante dez horas, combateram a PM e a tropa de choque nas ruas do centro da cidade – , ocorrida no dia em que o estado de exceção ampliado do consenso olímpico se materializou com a votação do PCCR (feita com a câmara cercada e ao som das bombas da repressão), deu ensejo a uma gigantesca mobilização multitudinária organizada em defesa dos grevistas. A manifestação do 7 de outubro (7-O) colocou mais de 100 mil pessoas nas ruas e o sobressalto das elites foi patente. Frente a uma multidão que radicalizava o movimento de junho, extirpando os resíduos moralistas, governos e imprensa responderam como avestruzes: enfiaram a cabeça na terra. Não sem antes gritar contra o ‘vandalismo’ e a ‘baderna’, promovendo editoriais, respondidos, como num balé, com promessas de aplicação de maior rigor aos ‘vândalos’.
O 15 de outubro (Dia dos Professores) aparecia no horizonte como data promissora para mais uma demonstração da multidão. O que se confirmou: novamente dezenas de milhares de pessoas tomaram o centro da cidade. Mas, ali, o poder já havia mobilizado todos os seus tentáculos mais extremos. Invocara, inclusive, o próprio sindicato (recheados de membros da ‘esquerda partidária’) a abrir caminho para a repressão, sendo prontamente atendido: a greve selvagem, completamente à margem das vontades da cúpula de burocratas do sindicalismo, tensionava os limites de uma esquerda que, a despeito de se dizer ‘radical’, insiste em jogar o jogo nos limites do possível, imitando as práticas e o discurso pacificador do poder. Mais de 200 ativistas foram presos única e exclusivamente por estarem sentados na escadaria da câmara, numa imagem que evoca o que de pior produziram as ditaduras do cone sul. Mais de 70 deles foram enviados, ao arrepio do estado de direito, a presídios de segurança máxima, como o de Bangu, sob acusações como a de participar de organizações criminosas. Foram enquadrados numa lei criada para combater milicianos, justamente aqueles contra quem dão aguerrido combate, mirando seus prepostos nos poderes municipal e estadual.
Alguns dias depois, após pactuar, em reunião no STF, em Brasília, com os executivos, a cúpula do sindicato operou sórdido golpe (na assembleia da greve municipal, foram promovidas três votações, encerrando-as apenas quando a continuidade da greve foi derrotada) para encerrar as greves do estado e do município.
Os ventos de junho, entretanto, alteraram, em profundidade, a relação das trabalhadoras com o sindicato: na assembleia mais recente, ainda era grande o temor de que a selvageria daquelas pudesse promover o retorno à greve e não é incomum ouvir ou ler brados e desejos por uma nova organização, autônoma, para responder pelos trabalhadores. Num tempo em que os professores e demais educadores parecem ser o ‘combustível das chamas da nova revolta’, a greve de 2013 parece anunciar um novo horizonte das lutas do trabalho no Brasil.
Fonte: UniNômade
Bom texto. E realmente, como quem participou do processo, posso dizer que a direção do sindicato foi testada e não passou na prova necessária da luta
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