quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Política externa brasileira: uma resposta a Demétrio Magnolli

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Fátima Mello, da Rede pela Integração dos Povos, sustenta: país e América do Sul tornaram-se protagonistas globais, em uma década; só elites não veem, cegas de preconceito e rancor 

Por Fátima Mello


Demétrio Magnoli,


Li com atenção e espanto seu artigo publicado no Globo de 31/1/2013 “Lula e a falência da ` Doutrina Garcia’”. Sou membro de uma organização da sociedade civil brasileira – FASE – e de uma rede – Rede Brasileira Pela Integração dos Povos/REBRIP – cuja atuação nacional, regional e global se orienta pela defesa dos direitos humanos, da sustentabilidade, da redução das desigualdades dentro e entre países. É com este olhar que atuamos sobre a política externa brasileira. E é por isso que tanto me surpreende sua avaliação.
 
Em primeiro lugar sua referência a um suposto “fracasso estrondoso da política externa – e da crise regional que se avizinha” não coincide com os fatos. Antes da era Lula o Brasil entrava pela porta dos fundos do sistema internacional; hoje entra como protagonista nos principais fóruns de negociação global. Antes de 2003, a região encontrava-se imersa em uma profunda crise, resultante do receituário do Consenso de Washington — que acirrava o que era e continua sendo a pior enfermidade entre nós, as desigualdades. As urnas de diversos países da região deram um basta e inauguraram um novo ciclo político, que com contradições e fortes condicionamentos externos, tenta se aproximar das demandas populares por inclusão social. A região estava prestes a se tornar oficialmente um protetorado dos EUA, se as negociações da ALCA não tivessem sido esvaziadas pela política externa brasileira em concertação com países vizinhos.

O que o Sr. chama de uma suposta Doutrina Garcia prefiro definir como diretrizes de política externa definidas e compartilhadas por todo o governo. Em 2003 o Itamaraty formulou duas propostas cruciais para o enfrentamento das assimetrias de poder entre países: propôs a criação do G20, na reunião ministerial da OMC em Cancun, e apresentou a proposta de negociação em três trilhos da ALCA, o que efetivamente esvaziou a desmedida ambição dos EUA. Ambas propostas tiveram o mérito de sintonizar a comunidade internacional com a necessidade de inclusão de novos atores no processo decisório, sinalizando que o mundo de fato estava entrando numa era multipolar. O que o Sr. chama de “fracasso estrondoso da política externa” colocou o Brasil como membro dos BRICS, do G20 financeiro, do IBAS, dos BASIC nas negociações de mudanças climáticas; na região, a inclusão da Venezuela no Mercosul resulta em um peso econômico infinitamente maior ao bloco. Além disso, apesar do ódio que a elite tem contra Chavez, o fato é que hoje a Venezuela é o país menos desigual na região.

A necessidade de uma doutrina a que se refere o ex-presidente Lula me parece referida à urgência de construirmos uma identidade e projeto regionais que auxiliem a transição de uma posição até então submissa e periférica para outra, constituída pela articulação de interesses econômicos e políticos comuns e por aproximações culturais e simbólicas que nos unem como povos que têm uma história compartilhada.

A suposta “crise regional que se avizinha” ou ainda a “desintegração da América Latina” supostamente evidenciada na Aliança do Pacífico também não sobrevive aos fatos. Como assinalou José Luís Fiori, “este ‘cisma do Pacífico’ tem mais importância ideológica do que econômica dentro da América do Sul, e seria quase insignificante politicamente se não fosse pelo fato de se tratar de uma pequena fatia do projeto Obama de criação da “Trans-Pacific Economic Partnership” (TPP), peça central da sua política de reafirmação do poder econômico e militar norte-americano, na região do Pacífico.”

Apesar de apoiar as diretrizes gerais da política externa brasileira dos últimos dez anos, como integrante de movimentos sociais que lutam por justiça e sustentabilidade, temos muitas críticas e propostas, pois não há dúvida que muitos são os problemas e contradições envolvendo, por exemplo, as iniciativas de cooperação e investimentos internacionais do Brasil, bem como a insustentabilidade ambiental na qual se ancora a ação externa do país. O problema é que o viés claramente marcado pelo ódio de classe e ideologicamente preconceituoso de críticas como a sua nos impedem de realizar um debate de qualidade.


Atenciosamente,


Fátima Mello


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