Por Marilson Santana
Aplaudi e aplaudo a existência de um Negro no Supremo Tribunal Federal. Sempre defendi as ações afirmativas. Está na minha história de vida tal defesa e não posso apagá-la mesmo que a borracha do inconsciente me assoprasse outras letras. O Ministro Joaquim Barbosa não foi escolhido pelo Ex-Presidente Lula só por isso, mas, principalmente, por sua competência e notório saber jurídico, atestado tanto acadêmico, quanto profissionalmente. A presença de um negro de origem popular na maior Corte Jurídica do País atinge, fortemente, também, as confortáveis posições de setores racistas de nosso mundo jurídico, acadêmico, político e social, posições estas contra as quais nós combatemos todos os dias. Setores aqueles, que observei e observo bem de perto, costumavam derramar piadas grosseiras e palavras de baixo calão contra ele só pelo fato de ser negro e ao mesmo tempo assumir uma posição de destaque no cenário jurídico e do poder judiciário brasileiro. Setores aqueles que hoje, de uma maneira enviesada e distorcida, aplaudem-no nas Ruas do Leblon ou do Plano Piloto, mas não o convidariam para tomar um café no bar da esquina se fosse o porteiro do prédio ou vizinho de porta e só pelo fato de ser ele negro. Na minha simplória significância no quadro de tais setores, rebati, oportunamente, e rebato sempre que posso esta “gentalha” racista e preconceituosa. Continuarei rebatendo sem piedade.
São ainda raros os negros nas nossas salas de aula de Direito e nos Tribunais, especialmente, negros originários das classes populares como o ilustre Ministro. Contudo, devemos protegê-lo e proteger a sua forte e guerreira imagem das capas de revistas manifestamente contrárias à adoção de cotas raciais na universidade e de jornais de São Paulo que aceitam dentre os seus colunistas pessoas assumidamente racistas, capazes de remontar argumentos neo-darwinistas para rebater as cotas. Certo jornal carioca que hoje o homenageia com “pompas e circunstâncias” abrigou em seus editoriais e por meio de seus articulistas uma campanha implacável contra as ações afirmativas e as mudanças sociais redistributivas nestes pais. Não se pode negar que ele foi escolhido por uma política de ação afirmativa do Governo Lula. Antes disso era um notável Procurador da República e professor de direito. E ponto. Impossível “embranquecer” este fato. O movimento negro foi importante nessa escolha ao pressionar o governo neste sentido, mas não opinou no nome. Até porque Joaquim Barbosa nunca foi quadro do movimento negro ou de qualquer movimento político e muito menos tinha uma atuação de esquerda dentro do Ministério Público. Como ele mesmo diz, foi um encontro ao acaso com Frei Beto e, como se sabe, o conhecimento de pessoas do meio jurídico em Brasília que pavimentou este caminho.
A imprensa brasileira, a quem o Excelentíssimo Ministro chamou outrora de “branca e conservadora”, todavia, esteve do lado dele o tempo inteiro neste julgamento da Ação 470. Continuo, como algumas vozes, na “livre cadeia de comunicação” das redes sociais, informando, “a contrario sensu” de muitos, ter ele se confundido e “derrapado” na bainha da toga por vários motivos em sua decisão. Motivos estes que basta um conhecimento jurídico mediano para saber muito bem deduzir que houve a busca de regras e teorias ex post facto. Ele mesmo fez a “mea culpa”, assumindo que, como foi membro do Ministério Público Federal, gosta de acusar. Juízes não acusam, Meritíssimo. Juízes julgam como é notório e óbvio. Esperei esse julgamento como meu sobrinho adolescente espera o jogo do Flamengo em decisão do campeonato brasileiro. Ou seja, não como advogado ou professor de direito, mas como cidadão . Claro que sou um jurista mediano e nem pretendo bancar, como uma grande amiga carinhosamente me acusou aqui, o legalista exegético ou dogmático de plantão. Ao contrário, o direito constitucional é o território onde a teoria jurídica pode se mostrar no seu explendor popular e se curvar para política sem nela se transformar. É o lugar em que o saber especializado do direito também se curva aos princípios sociais da democracia e da republica convertidos em direito.Ali vi até republicanismo, mas também o sofrimento de princípios constitucionais e direitos fundamentais caros ao processo democrático. O que fazer de um republicanismo sem democracia ? E não estou falando de neoconstitucionalismo não. Estou falando de um lugar em que se acredita num constitucionalismo mais próximo de uma neoinsurgência do direito, como prática social converdita em direito de baixo para cima da qual Joaquim poderia ser porta-voz. Mas infelizmente não foi.
A escolha da “Folha de São Paulo” , órgão da imprensa oficial da oposição não só ao Partido dos Trabalhadores como aos movimentos sociais, que ele fez para dar a primeira entrevista pós-julgamento é sintomática. No mínimo, é algo a se compreender com cuidado. Dar entrevistas à “imprensa branca e conservadora” – friso que são palavras dele- no meio de um processo eleitoral, com um processo jurídico em andamento, para o qual se terminou de conceder a relatoria, não é o que se espera de um magistrado imparcial que promete um julgamento supostamente técnico? É? Uma coisa é se dirigir aos destinatários dos direitos fundamentais no Brasil, outra coisa é se alimentar da flama de uma opinião pública mobilizada por uma disputa contagiante, porque local, como é a da eleição municipal. O risco da vingança privada se reinstalar tal como exceção ou linchamento não era tão pequeno. O julgamento político do PT foi feito nas urnas. Isso não quer dizer que não se deva condenar o sistema eleitoral brasileiro, colonizado mais pelo sistema do mercado do que pelo sistema burocrático. Isso não quer dizer também que tal partido não tenha errado no processo político recente do país, desconsiderando até mesmo algumas expectativas de sua própria base partidária, forjada nas lutas sindicais e do movimentos populares. Mas quando o judiciário se usa da fúria da política vestida com a estátua cega da justiça a catar resto de dogmática para produzir condenação, pode-se cometer excessos. O Supremo Tribunal Federal não é um Tribunal Penal, mas Constitucional. Estava em jogo não só quadrilhas e corruptos do mercado, infestados na coisa pública, mas a possibilidade de se estabelecer um marco institucional definitivo provocador de uma reforma política radical no país. Nada disso foi tratado. O tema de financiamento público de campanha sequer foi lembrado com destaque. A isonomia de tratamento com o mensalão tucano vai ser “destratada” agora ou recebida com o clima de paz, harmonia e o “dia do domingo” tocado na guitarra de um Ministro no dia de posse do mencionado Ministro Negro. Azeredo pode ser condenado, mas num clima de tranquilidade, sem eleição ou qualquer movimento do tipo.
Por outro lado, ele- Nosso Ministro Negro Presidente- ter afirmado voto em Lula e Dilma nada tem a ver com julgamento de direito de uma Corte Constitucional .Só desviou o foco da discussão naquele momento. Quando algumas pesquisas já demonstravam, expresso ou implicitamente, que o “suposto mensalão” não iria influenciar o futuro das eleições municipais de 2012, ficou fácil dar entrevista aliviando a barra, não?. Nessas condições, ninguém “é besta para tirar onda de herói” e agora pouco importa, no jogo político, se Dirceu foi condenado ou não. Suponho que, enquanto Ministro da Casa Civil, este não queria o nosso Ministro Negro na Corte Suprema. Sua ida para o STF, como se disse acima, se deveu a um quadro de articulação da Igreja e a um advogado que compunha o atual “esquadrão” de defesa dos réus. Senti um cheiro de vingança e raiva naquela posição tão raivosa contra o ex-dirigente petista. Mas tudo isso faz parte do passado e é matéria para psicanalistas e não para análise política. Afinal, até ontem, era outro o interesse no capítulo da novela “Avenida Brasil”, hoje já tem gente achando a vingança da Nina ou Carminha uma chatice desbotada. O caso do goleiro Bruno do Flamengo nem de longe desperta o interesse da nossa nação para o direito. O interesse popular no direito se arrefeceu depois das eleições…Por que será?
Torço para que a sua Presidência da Casa seja exitosa. Torço mesmo. E prometo não torrá-los mais na paciência com longas postagens por um tempo, entretanto, convido a todos também para observar este poder judiciário de baixo para cima e de cima para baixo sem racismo e sem preconceitos de qualquer natureza. Ele – o primeiro Ministro do Supremo Negro na história deste país- não deve ser o principal alvo, talvez seja mesmo uma vítima dessa situação toda. A proteção da “orelha grande” está em outro lugar. Mas nisso ninguém toca, nem sequer dá um peteleco. A fonte da “Cachoeira” continua a céu aberto e sabemos que ela não nasce no cerrado de Goiás. Nasce numa floresta com Tucanos e jararacas perto de uma fazenda já quase no Pantanal. O nosso Ministro Presidente já quis cutucar o cão com vara curta na época do julgamento de um Habeas Corpus que levantou polemica sobre o uso de algemas, mas recuou. Viu que o liberalismo do outro não funcionava sempre. No julgamento do mensalão,estavam do mesmo lado, ainda que sem querer. Quando o lobisomem apareceu atrás da moita, viram os dois que faziam parte da mesma fauna de juristas e o susto foi grande.
Espero sinceramente que ele- “O Senhor Presidente , – não fique incensado com as benesses do Diário Oficial da Casa Grande. Conheci filhos de faxineiros e lavadeiras que não tiveram a mesma sorte. Não se pode esquecer, contudo, que foi um trabalhador tão criticado por não ter um dedo em uma das mãos que o indicou. Foi aquele primeiro a reconhecê-lo para tal destino. Faça, Eminente Ministro, da casa do STF um quilombo de resistência, capaz de expulsar os porta-vozes dos Senhores de Engenho e não um albergue disfarçado e enganoso para quem sempre foi contra o abolicionismo.
Abolicionismo posto aqui em todos os sentidos. A essa altura tenho até saudades de Rui Barbosa que defendia o quilombo do Leblon contra as investidas da monarquia, mas passou para história do senso comum como quem rasgou e queimou os arquivos da escravidão. A história pode ser recontada. É uma questão de tempo.
*[N.E.] Texto publicado originalmente como postagem no Facebook. Publicado sem alterações com autorização do autor.
Fonte: Revista Pittacos
Estamos todos preocupados com a composição deste STF. O julgamento, que acompanhei pachorrentamente me demonstrou que estamos muito longe da justiça. Não primaram pelo garantismo. Lamento profundamente que a maior instância da Justiça do país não seja justa. Indícios e ilações não comprovam culpa. O golpe político está em curso e não vamos fingir que não estamos entendendo!
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