Por Edilson Silva
A economia é o motor da história, afirmava Marx. Parte do núcleo central do legado que herdamos de sua ciência está assentado na dialética entre o desenvolvimento das forças produtivas das sociedades e as relações sociais de produção que estas sociedades realizam, cujas sínteses edificam e ao mesmo tempo se relacionam também dialeticamente com suas superestruturas ideológicas, suas consciências sociais. Marx viu na estrutura econômica das sociedades, nas necessárias relações sociais contraídas para a produção de seus bens e serviços, o elemento propulsor fundamental do processo civilizatório e das transformações culturais.
A economia é o motor da história, afirmava Marx. Parte do núcleo central do legado que herdamos de sua ciência está assentado na dialética entre o desenvolvimento das forças produtivas das sociedades e as relações sociais de produção que estas sociedades realizam, cujas sínteses edificam e ao mesmo tempo se relacionam também dialeticamente com suas superestruturas ideológicas, suas consciências sociais. Marx viu na estrutura econômica das sociedades, nas necessárias relações sociais contraídas para a produção de seus bens e serviços, o elemento propulsor fundamental do processo civilizatório e das transformações culturais.
O método do materialismo histórico e a apreensão da dialética da luta de classes desnudou as leis que conspiravam em desfavor da perpetuação do capitalismo como modo de produção, razão pela qual por diversas vezes perfilaram a ciência de Marx na direção de seu funeral definitivo. O último a tentar a faceta ousada e ter alguma audiência talvez tenha sido Francis Fukuyama, que ousou decretar o fim da história. Fukuyama e seus patrocinadores pretendiam congelar um mundo social presidido de forma vitalícia pela lógica dialética, portanto, do conhecimento mutante e crescente. Como se a espécie humana, por decreto ideológico, pudesse ter sua capacidade de abstração fossilizada, transformada numa espécie de tipo novo de sociedade de abelhas, produzindo seu "mel" de forma invariável, aceitando mutações apenas no processo de acumulação deste "mel", em formato cada vez mais concentrado.
E foi exatamente por não termos nossa capacidade de abstração fossilizada que a história, impulsionada pelos fatores e contradições descobertas pela genialidade e pelas pesquisas científicas de Marx, nos conduziu ao século XXI numa condição particularmente revolucionária. É fato que o desenvolvimento das forças produtivas, em sua face científico-tecnológica, trouxe-nos à internet e a todo um conjunto de ferramentas/aplicativos de comunicação, linguagem, interação, informação e processamento de todos esses conteúdos convertidos em dados matemáticos, informação numérica em formatos digitais. Criou-se assim uma espécie de novo ambiente societário. As dimensões de tempo, espaço, de fronteiras geográficas e culturais, de organização social, foram e estão sendo ressignificados permanentemente, numa velocidade superior à do próprio pensamento. Como sugeriu Phillipe Quéau[1], citando as teses de Leroi-Gourhan, as grandes etapas da civilização humana foram marcadas por abstrações radicais: o grito abstraiu-se na fala; a mão na ferramenta; o oral no escrito. O real estaria então se abstraindo no virtual neste exato momento. Uma revolução está um curso, uma revolução nas redes. Esta questão tem sido o tema de fartas discussões acadêmicas e publicações nos últimos 15 anos pelo menos.
Ao falarmos aqui de vestígios de pós-capitalismo não se trata, portanto, de anunciar a superação do capitalismo por conta da forte crise econômica e social que afeta suas economias centrais, combinada com uma grave crise ética e ambiental, permitindo-nos falar mesmo em crise civilizacional. Se fosse "só" isto, talvez ainda assim não pudéssemos falar de pós-capitalismo, mas em aprofundamento da barbárie humana no capitalismo e da imprescindível e heróica resistência política anti-capitalista, feita por comunistas, socialistas, sócio-ambientalistas, movimentos sociais, pelos povos em luta por suas soberanias e outros. Logo, não estamos nos circunscrevendo a uma perspectiva revolucionária bolchevique ou outras pelo estilo, em que sujeitos supostamente revolucionários em sua essência combatem, honesta e necessariamente, pela posse dos escombros de um mundo velho, do passado. O pós-capitalismo, seguindo as leis do materialismo histórico, só poderá ser anunciado por um sujeito social cujo interesse maior não é apossar-se deste mundo velho, mas sim de um mundo novo, que brota naturalmente e dialeticamente de sua atividade laboral. Esse sujeito, por excelência, tem que ser o mais qualificado, o mais produtivo, o mais criativo, precisa ser o que de mais elevado a cultura sob o capitalismo conseguiu produzir, de forma que ele próprio se torne portador, porta-voz, artífice e principal defensor deste novo mundo, do futuro.
A abstração do real no virtual, ao se tornar uma prática social de massas, pode estar inaugurando condições objetivas para que ventos tão ou mais fortes que os da Revolução Francesa empurrem a humanidade para um outro patamar civilizatório. É disto que se trata.
Assim como na passagem da Idade Média para a Idade Moderna a Europa viu surgir os embriões do que viria a ser o modo de produção capitalista – a então nascente classe burguesa, gestada e desenvolvida nos burgos, apresentando ao mundo o que viria a ser um novo projeto civilizatório para a humanidade, há hoje fortes indícios de que a nova configuração societária que experimentamos começa a revelar por onde poderão brotar "novos burgos" (cidades-mundo digitais, territórios informacionais) e os sujeitos revolucionários do nosso tempo. Uma nova classe, produtiva e transformadora, baseada em um novo e revolucionário modo de produção, estaria sendo adubada e surgindo de dentro das entranhas da sociedade capitalista pós-industrial e neoliberal, imitando a burguesia que outrora rompeu de forma revolucionaria o ventre do feudalismo.
Este novo sujeito revolucionário – se é que pode ser tratado no singular, se localizaria em um não-lugar, se levarmos em consideração a velha demarcação geográfica, do real não abstraído no virtual. Esse novo lócus produtivo de mais-valia seria uma aldeia global digitalizada e articulada pela internet, uma nova infraestrutura para alicerçar uma nova estrutura econômica e sua necessária e também nova superestrutura ideológica, organizado por movimentos/paradigma como o P2P (peer-to-peer), que consiste, grosso modo, em pesquisa e produção de valor-trabalho, valor de uso, baseado na incorporação de informação e conhecimento, de forma colaborativa e aberta, horizontal, gerando produtos/conteúdos commons, com ganhos de escala e produtividade sem competição possível por parte das mais avançadas experiências produtivas do capitalismo, tudo isto sem copyrigth, mas com copyleft, softwares livres e open source – ou seja, sem patentes, sem apropriação privada, não sendo, portanto, mercadoria capitalista, como explica e ensina a economia política de impressionante conteúdo e leitura obrigatória de Michel Balwens[2]. Isso é factível unindo um colaborador/trabalhador/commoner que pode estar no interior do Piauí com outros que podem estar na periferia de Istambul ou no centro de Tóquio e milhões de outros espalhados pelo planeta Terra, para a produção de bens e serviços que atendam às suas necessidades comuns.
O feudalismo viu brotar de dentro de si o pós-feudalismo, e este o capitalismo comercial, industrial, e este passou pelo Taylorismo, pelo Fordismo, pelo Toyotismo, pela sua financeirização e pelas tentativas também de virtualização. O pós-capitalismo está em gestação, e o colaboracionismo solidário ou individualismo colaborativo das redes sociais – que difere de economia solidária, pois esta não reúne condições de competição com a produção capitalista e mesmo nesta modalidade ainda orienta-se estruturalmente no interior do mercado -, parece fazer as vezes do capitalismo embrionário de outrora. A seta irresistivelmente propulsora das "linhas de produção" no interior destes novos burgos não seria o lucro – no sentido da sua realização no fechamento do ciclo do mercado capitalista.
Da mesma forma que o capitalismo, em séculos, forjou sua ética, seu espírito, sua naturalização na ampla consciência social, também os vestígios de pós-capitalismo vão pavimentando a subjetividade de seu novo modo de produção.
A mão invisível do mercado, como Adam Smith revolucionariamente a percebeu em "A origem da riqueza das nações", vai se apequenando no universo do mercado capitalista. Inversamente, esta mesma mão invisível se agiganta com a força avassaladora de sempre (talvez maior), em favor de práticas colaborativas e de solidariedade nos processos de produção e distribuição dos bens e serviços. Este novo universo/modo societário/produtivo não aceitaria e já não se submeteria à fraude da obsolescência planejada e da escassez artificial de bens e serviços – um crime sócio-ambiental sem o qual o capitalismo não sobrevive na atualidade. Neste universo ainda embrionário, a sociedade e seus indivíduos livremente associados, querem e podem administrar não a fraude da escassez, mas a abundância daquilo que necessitam. De cada um conforme suas potencialidades, para cada um conforme suas necessidades.
A ética protestante, que na pena de Weber engendrou um espírito ao capitalismo, produzindo tipos ideais para a consolidação de uma nova ordem social, harmonizando no ambiente mundano o individualismo com teologia da prosperidade, gerando uma lógica amplamente aceitável e defensável de racionalismo econômico, parece estar em franca rota de colisão com o que de forma razoável se espera de futuro para a humanidade. Uma outra ética vai se forjando: info-ética; ciber-ética; ética-hacker; ética da era digital. Não por uma opção de natureza subjetiva, por que seja do bem contra o mal, mas porque é visivelmente melhor e o bom senso da racionalidade econômica assim o exige. O individualismo predatório e a concorrência, combustíveis da economia de mercado, são incompatíveis com a nova e revolucionária racionalidade econômica, que ao mesmo tempo não pode dispensar o colaboracionismo, a coletividade, o espírito solidário, como elementos de ganho de qualidade e produtividade. O individualismo e a concorrência predatórios e a apropriação privada do conhecimento e da mais-valia daí derivada vão se tornando visivelmente antieconômicos e antiéticos.
Porém, assim como outrora o feudalismo e as corporações de ofício reduziram-se a agentes obsoletos e nocivos ao desenvolvimento da sociedade, e assim como os Luddistas voltaram-se contra as máquinas na Revolução Industrial, também hoje pode-se perceber o parasitismo e os efeitos nocivos da lógica da economia de mercado a se sobrepor sobre os interesses do desenvolvimento social e ambientalmente sustentável da sociedade, contra os interesses do avanço do processo civilizatório.
Os maiores exemplos desta realidade parecem ter aparecido com as recentes tentativas do Congresso dos Estados Unidos em aprovar legislações que ficaram conhecidas como SOPA (Stop On-line Piracy Act – Pare com a pirataria on-line) e PIPA (Protect IP Act – Ato pela proteção da Propriedade Intelectual), assim como o ACTA – Acordo Comercial Anticontrafação (em inglês Anti-Counterfeiting Trade Agreement), uma espécie de ALCA no universo digital.
Estas medidas, se aprovadas, funcionarão como uma espécie de marretada na grande rede mundial de computadores – no melhor estilo luddista -, buscando quebrar esta máquina diabólica que insiste em denunciar a obsolescência do capitalismo neoliberal e senil no universo digital. Os movimentos sociais virtuais, como o Anonymous, assim como outros integrantes deste espaço, como os Partidos Piratas em todo o mundo, unidos a outros atores se mobilizaram e estes projetos estão em compasso de espera. É muito improvável que os neo-luddistas consigam parar a roda da história, como pretendia Fukuyama, quebrando a internet naquilo que ela tem de mais revolucionária: a liberdade, a democracia e a privacidade de seus usuários. Contudo, é ainda mais provável que os neo-luddistas não desistam sem forte resistência, pois se trata de sua sobrevivência enquanto classe, como provou a prisão recente do dono do site de compartilhamentos MegaUploud. É o reavivamento de uma luta de classes em uma dimensão histórica de primeira magnitude, em que acontece um enfrentamento entre dois mundos, o capitalismo e o pós-capitalismo, e que ainda parece estar imperceptível em toda a sua grandeza para as tradicionais esquerdas do mundo.
Em 1848 Marx escreveu que um espectro rondava a Europa, o espectro do comunismo. Marx, mais que genial, enxergou bem além de seu tempo. Neste início de século XXI, um espectro ronda o planeta Terra: o espectro do commons. Commoners de todo o mundo, uni-vos!
Edilson Silva é Secretário Geral Nacional do PSOL e Presidente do PSOL-PE
BAUWENS, Michel. A economia política da produção entre pares. Disponível:
http://www.p2pfoundation.net/index.php/A_Economia_Política_da_Produção_entre_Pares
Disponível aqui: http://culturaderede.pbwiki.com/ficons/type_pdf.gifP2P sobre a ECONOMIA POLITICA da producao colaborativa.pdf
[1] QUÉAU, Philippe. Cibercultura e info-ética. In: MORIN, Edgar (Org.). A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p.463
[2] BAUWENS, Michel. A economia política da produção entre pares. Disponível:
http://www.p2pfoundation.net/index.php/A_Economia_Política_da_Produção_entre_Pares
Disponível aqui: P2P sobre a ECONOMIA POLITICA da producao colaborativa.pdf
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/mundo/batalha-de-ideias/26052-as-digitais-de-marx-nos-vest%C3%ADgios-do-p%C3%B3s-capitalismo.html
E foi exatamente por não termos nossa capacidade de abstração fossilizada que a história, impulsionada pelos fatores e contradições descobertas pela genialidade e pelas pesquisas científicas de Marx, nos conduziu ao século XXI numa condição particularmente revolucionária. É fato que o desenvolvimento das forças produtivas, em sua face científico-tecnológica, trouxe-nos à internet e a todo um conjunto de ferramentas/aplicativos de comunicação, linguagem, interação, informação e processamento de todos esses conteúdos convertidos em dados matemáticos, informação numérica em formatos digitais. Criou-se assim uma espécie de novo ambiente societário. As dimensões de tempo, espaço, de fronteiras geográficas e culturais, de organização social, foram e estão sendo ressignificados permanentemente, numa velocidade superior à do próprio pensamento. Como sugeriu Phillipe Quéau[1], citando as teses de Leroi-Gourhan, as grandes etapas da civilização humana foram marcadas por abstrações radicais: o grito abstraiu-se na fala; a mão na ferramenta; o oral no escrito. O real estaria então se abstraindo no virtual neste exato momento. Uma revolução está um curso, uma revolução nas redes. Esta questão tem sido o tema de fartas discussões acadêmicas e publicações nos últimos 15 anos pelo menos.
Ao falarmos aqui de vestígios de pós-capitalismo não se trata, portanto, de anunciar a superação do capitalismo por conta da forte crise econômica e social que afeta suas economias centrais, combinada com uma grave crise ética e ambiental, permitindo-nos falar mesmo em crise civilizacional. Se fosse "só" isto, talvez ainda assim não pudéssemos falar de pós-capitalismo, mas em aprofundamento da barbárie humana no capitalismo e da imprescindível e heróica resistência política anti-capitalista, feita por comunistas, socialistas, sócio-ambientalistas, movimentos sociais, pelos povos em luta por suas soberanias e outros. Logo, não estamos nos circunscrevendo a uma perspectiva revolucionária bolchevique ou outras pelo estilo, em que sujeitos supostamente revolucionários em sua essência combatem, honesta e necessariamente, pela posse dos escombros de um mundo velho, do passado. O pós-capitalismo, seguindo as leis do materialismo histórico, só poderá ser anunciado por um sujeito social cujo interesse maior não é apossar-se deste mundo velho, mas sim de um mundo novo, que brota naturalmente e dialeticamente de sua atividade laboral. Esse sujeito, por excelência, tem que ser o mais qualificado, o mais produtivo, o mais criativo, precisa ser o que de mais elevado a cultura sob o capitalismo conseguiu produzir, de forma que ele próprio se torne portador, porta-voz, artífice e principal defensor deste novo mundo, do futuro.
A abstração do real no virtual, ao se tornar uma prática social de massas, pode estar inaugurando condições objetivas para que ventos tão ou mais fortes que os da Revolução Francesa empurrem a humanidade para um outro patamar civilizatório. É disto que se trata.
Assim como na passagem da Idade Média para a Idade Moderna a Europa viu surgir os embriões do que viria a ser o modo de produção capitalista – a então nascente classe burguesa, gestada e desenvolvida nos burgos, apresentando ao mundo o que viria a ser um novo projeto civilizatório para a humanidade, há hoje fortes indícios de que a nova configuração societária que experimentamos começa a revelar por onde poderão brotar "novos burgos" (cidades-mundo digitais, territórios informacionais) e os sujeitos revolucionários do nosso tempo. Uma nova classe, produtiva e transformadora, baseada em um novo e revolucionário modo de produção, estaria sendo adubada e surgindo de dentro das entranhas da sociedade capitalista pós-industrial e neoliberal, imitando a burguesia que outrora rompeu de forma revolucionaria o ventre do feudalismo.
Este novo sujeito revolucionário – se é que pode ser tratado no singular, se localizaria em um não-lugar, se levarmos em consideração a velha demarcação geográfica, do real não abstraído no virtual. Esse novo lócus produtivo de mais-valia seria uma aldeia global digitalizada e articulada pela internet, uma nova infraestrutura para alicerçar uma nova estrutura econômica e sua necessária e também nova superestrutura ideológica, organizado por movimentos/paradigma como o P2P (peer-to-peer), que consiste, grosso modo, em pesquisa e produção de valor-trabalho, valor de uso, baseado na incorporação de informação e conhecimento, de forma colaborativa e aberta, horizontal, gerando produtos/conteúdos commons, com ganhos de escala e produtividade sem competição possível por parte das mais avançadas experiências produtivas do capitalismo, tudo isto sem copyrigth, mas com copyleft, softwares livres e open source – ou seja, sem patentes, sem apropriação privada, não sendo, portanto, mercadoria capitalista, como explica e ensina a economia política de impressionante conteúdo e leitura obrigatória de Michel Balwens[2]. Isso é factível unindo um colaborador/trabalhador/commoner que pode estar no interior do Piauí com outros que podem estar na periferia de Istambul ou no centro de Tóquio e milhões de outros espalhados pelo planeta Terra, para a produção de bens e serviços que atendam às suas necessidades comuns.
O feudalismo viu brotar de dentro de si o pós-feudalismo, e este o capitalismo comercial, industrial, e este passou pelo Taylorismo, pelo Fordismo, pelo Toyotismo, pela sua financeirização e pelas tentativas também de virtualização. O pós-capitalismo está em gestação, e o colaboracionismo solidário ou individualismo colaborativo das redes sociais – que difere de economia solidária, pois esta não reúne condições de competição com a produção capitalista e mesmo nesta modalidade ainda orienta-se estruturalmente no interior do mercado -, parece fazer as vezes do capitalismo embrionário de outrora. A seta irresistivelmente propulsora das "linhas de produção" no interior destes novos burgos não seria o lucro – no sentido da sua realização no fechamento do ciclo do mercado capitalista.
Da mesma forma que o capitalismo, em séculos, forjou sua ética, seu espírito, sua naturalização na ampla consciência social, também os vestígios de pós-capitalismo vão pavimentando a subjetividade de seu novo modo de produção.
A mão invisível do mercado, como Adam Smith revolucionariamente a percebeu em "A origem da riqueza das nações", vai se apequenando no universo do mercado capitalista. Inversamente, esta mesma mão invisível se agiganta com a força avassaladora de sempre (talvez maior), em favor de práticas colaborativas e de solidariedade nos processos de produção e distribuição dos bens e serviços. Este novo universo/modo societário/produtivo não aceitaria e já não se submeteria à fraude da obsolescência planejada e da escassez artificial de bens e serviços – um crime sócio-ambiental sem o qual o capitalismo não sobrevive na atualidade. Neste universo ainda embrionário, a sociedade e seus indivíduos livremente associados, querem e podem administrar não a fraude da escassez, mas a abundância daquilo que necessitam. De cada um conforme suas potencialidades, para cada um conforme suas necessidades.
A ética protestante, que na pena de Weber engendrou um espírito ao capitalismo, produzindo tipos ideais para a consolidação de uma nova ordem social, harmonizando no ambiente mundano o individualismo com teologia da prosperidade, gerando uma lógica amplamente aceitável e defensável de racionalismo econômico, parece estar em franca rota de colisão com o que de forma razoável se espera de futuro para a humanidade. Uma outra ética vai se forjando: info-ética; ciber-ética; ética-hacker; ética da era digital. Não por uma opção de natureza subjetiva, por que seja do bem contra o mal, mas porque é visivelmente melhor e o bom senso da racionalidade econômica assim o exige. O individualismo predatório e a concorrência, combustíveis da economia de mercado, são incompatíveis com a nova e revolucionária racionalidade econômica, que ao mesmo tempo não pode dispensar o colaboracionismo, a coletividade, o espírito solidário, como elementos de ganho de qualidade e produtividade. O individualismo e a concorrência predatórios e a apropriação privada do conhecimento e da mais-valia daí derivada vão se tornando visivelmente antieconômicos e antiéticos.
Porém, assim como outrora o feudalismo e as corporações de ofício reduziram-se a agentes obsoletos e nocivos ao desenvolvimento da sociedade, e assim como os Luddistas voltaram-se contra as máquinas na Revolução Industrial, também hoje pode-se perceber o parasitismo e os efeitos nocivos da lógica da economia de mercado a se sobrepor sobre os interesses do desenvolvimento social e ambientalmente sustentável da sociedade, contra os interesses do avanço do processo civilizatório.
Os maiores exemplos desta realidade parecem ter aparecido com as recentes tentativas do Congresso dos Estados Unidos em aprovar legislações que ficaram conhecidas como SOPA (Stop On-line Piracy Act – Pare com a pirataria on-line) e PIPA (Protect IP Act – Ato pela proteção da Propriedade Intelectual), assim como o ACTA – Acordo Comercial Anticontrafação (em inglês Anti-Counterfeiting Trade Agreement), uma espécie de ALCA no universo digital.
Estas medidas, se aprovadas, funcionarão como uma espécie de marretada na grande rede mundial de computadores – no melhor estilo luddista -, buscando quebrar esta máquina diabólica que insiste em denunciar a obsolescência do capitalismo neoliberal e senil no universo digital. Os movimentos sociais virtuais, como o Anonymous, assim como outros integrantes deste espaço, como os Partidos Piratas em todo o mundo, unidos a outros atores se mobilizaram e estes projetos estão em compasso de espera. É muito improvável que os neo-luddistas consigam parar a roda da história, como pretendia Fukuyama, quebrando a internet naquilo que ela tem de mais revolucionária: a liberdade, a democracia e a privacidade de seus usuários. Contudo, é ainda mais provável que os neo-luddistas não desistam sem forte resistência, pois se trata de sua sobrevivência enquanto classe, como provou a prisão recente do dono do site de compartilhamentos MegaUploud. É o reavivamento de uma luta de classes em uma dimensão histórica de primeira magnitude, em que acontece um enfrentamento entre dois mundos, o capitalismo e o pós-capitalismo, e que ainda parece estar imperceptível em toda a sua grandeza para as tradicionais esquerdas do mundo.
Em 1848 Marx escreveu que um espectro rondava a Europa, o espectro do comunismo. Marx, mais que genial, enxergou bem além de seu tempo. Neste início de século XXI, um espectro ronda o planeta Terra: o espectro do commons. Commoners de todo o mundo, uni-vos!
Edilson Silva é Secretário Geral Nacional do PSOL e Presidente do PSOL-PE
BAUWENS, Michel. A economia política da produção entre pares. Disponível:
http://www.p2pfoundation.net/index.php/A_Economia_Política_da_Produção_entre_Pares
Disponível aqui: http://culturaderede.pbwiki.com/ficons/type_pdf.gifP2P sobre a ECONOMIA POLITICA da producao colaborativa.pdf
[1] QUÉAU, Philippe. Cibercultura e info-ética. In: MORIN, Edgar (Org.). A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p.463
[2] BAUWENS, Michel. A economia política da produção entre pares. Disponível:
http://www.p2pfoundation.net/index.php/A_Economia_Política_da_Produção_entre_Pares
Disponível aqui: P2P sobre a ECONOMIA POLITICA da producao colaborativa.pdf
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/mundo/batalha-de-ideias/26052-as-digitais-de-marx-nos-vest%C3%ADgios-do-p%C3%B3s-capitalismo.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário