sábado, 2 de fevereiro de 2013

Campanha contra agrotóxicos critica patrocínio da Basf à Vila Isabel

Escola é patrocinada por empresa transnacional, fabricante de agrotóxicos e representante dos interesses do agronegócio, que tem interesses opostos aos do “homem simples do campo” retratado no samba enredo.



Por José Coutinho Júnior





"Faz um bolo de fubá 
Pinga o suor na enxada
A terra é abençoada
Preciso investir, conhecer
Progredir, partilhar, proteger..."

O samba acima é enredo da escola Vila Isabel para o desfile do carnaval de 2013, escrito por Martinho da Vila, Arlindo Cruz, André Diniz, Tunico da Vila e Leone.
A escola pretende com o tema Vila canta o "Brasil celeiro do mundo - 'Água no feijão que chegou mais um...", fazer uma homenagem à vida do homem simples do campo (clique aqui para ouvir o samba).
Segundo a carnavalesca Rosa Guimarães, que desenvolveu o tema “A vida no interior é simples, mas é uma festa. Tem sempre alguém querendo contar um ‘causo’, aquela mesa farta e muita fé em Deus e no trabalho para ter uma boa colheita. As pessoas recebem os vizinhos e amigos com muito carinho e tem sempre aquele fogão de lenha acesso para preparar os quitutes”.
No entanto, o desfile da Vila Isabel tem uma grande contradição: a escola é patrocinada pela Basf, empresa transnacional, fabricante de agrotóxicos e representante dos interesses do agronegócio, que tem interesses opostos aos do “homem simples do campo” retratado no samba enredo.
Representantes de diversos movimentos sociais, participantes da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em carta à Vila Isabel, elogiaram a letra do samba e a representação da vida camponesa, mas repudiaram o patrocínio.
“Em 2010, a BASF foi a terceira maior vendedora de agrotóxicos no Brasil, lucrando 916 milhões de dólares com a doença dos brasileiros e brasileiras. “Uma Escola que já nos presenteou com belos sambas falando de um mundo melhor não deveria se submeter ao interesse vil desta multinacional.” afirma a carta (clique aqui para ler a carta).
Nesta terça (29/01), representantes dos movimentos sociais signatários da carta entregaram o documento na quadra da escola à vice-presidenta Elizabeth Aquino. As entidades pediram que uma faixa da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos fosse estendida na quadra da agremiação. A faixa vai agradecer o esforço da escola de valorizar os pequenos agricultores brasileiros. Elizabeth concordou com a ideia, desde que não haja teor político e que a mensagem passe pelo crivo e aprovação do presidente da Vila Isabel, Cleber Tavares.
A contradição que se vê no desfile da Vila Isabel é a mesma que está presente no campo brasileiro: de um lado, o agronegócio, defensor da monocultura e do latifúndio com vasto uso de agrotóxicos; do outro, os movimentos sociais, os assentados, os Sem Terra, que buscam implantar a agricultura familiar com um modelo de produção mais igualitário e saudável.
Para o professor e escritor Luiz Ricardo Leitão, a escola está conseguindo equilibrar os dois lados. “Como qualquer tema, é sempre uma disputa e objeto das mais variadas leituras. A julgar pela letra, o tema da questão agrária está tratado de forma ponderada, pois ela fala em fazer bolo de fubá, semear o grão e saciar a fome com a produção, que é a proposta básica da atividade agrícola, defendida pelos movimentos sociais que se contrapõem à agricultura como um mero negócio”.
Venenos
A alemã Basf é a maior empresa química do mundo. A empresa tem um histórico de atentados ao meio ambiente e à vida humana. Durante a Segunda Guerra Mundial, a empresa produziu o gás Zyklon B, usados nas câmaras de gás nazistas para matar milhões de prisioneiros.
Em 2010, a Basf foi a terceira maior vendedora de agrotóxicos no Brasil, lucrando US$ 916 milhões com vendas de veneno. Em 2001, a empresa causou um vazamento de 11 mil litros de Mollescal, um corrosivo destinado ao curtimento de couro no Brasil. Depois do acidente, forneceu informações falsas ao serviço de emergência sobre o grau de toxidade da substância, colocando em risco os profissionais envolvidos no atendimento à população.
O Censo Agropecuário do IBGE de 2006 mostra que a agricultura familiar é responsável por 70% do alimento que chega à mesa dos brasileiros, mesmo ocupando apenas 25% das áreas agricultáveis.
Apesar de receber 14% do crédito dado pelo governo à produção agrícola, ela agricultura familiar emprega nove vezes mais pessoas por área e ainda é responsável por um terço das exportações agropecuárias do país. O agronegócio, que recebe os outros 86% do crédito, concentra 75% das terras mas produz apenas 30% dos alimentos que compõem a alimentação da população, empregando somente 1,5 trabalhadores a cada 100 hectares.
Sem submissão?
O professor acredita que o patrocínio da Basf não é garantia de que o desfile da Vila Isabel seja mera propaganda da empresa e do agronegócio, pois não se pode subestimar o prestígio da escola, autora de enredos muitas vezes progressistas, como o de 2006 que garantiu o segundo título com Soy loco por ti América - A vila canta a latinidade.
“A letra, o primeiro elemento importante, que leva o samba à avenida, não é uma submissão aos desígnios do agronegócio. E também no plano alegórico, espero eu que a escola saiba equilibrar esse embate entre interesses dos oligopólios e interesses da população, dos trabalhadores rurais”, acredita.
Elizabeth Aquino, vice-presidenta da escola, em reunião com representantes de movimentos sociais que realizaram a entrega da carta, afirmou que o desfile não será propaganda da Basf. “A Vila Isabel pegou recursos da Basf para que fizéssemos um carnaval mais grandioso. Somente com o repasse da Prefeitura nenhuma agremiação faz um carnaval competitivo. Mas todo nosso carnaval é a valorização do homem do campo. Não colocaremos na avenida nenhum maquinário agrícola top de linha. Nas fantasias e alegorias, retratamos a natureza e homem do campo, não são os grandes agricultores".
Imagem
Para a vice-presidenta da escola, o benefício que a Basf tem com o patrocínio é ganhar visibilidade. “A Basf nos ajudou financeiramente e em troca, é claro, não existe visibilidade maior que a proporcionada pelas escolas de samba. Nenhum outdoor que ela espalhe pelo mundo dará tanta visibilidade. O desfile do Rio vai para o mundo inteiro. Mas nós não estamos fazendo apologia nenhuma da Basf”. 
Essa visibilidade proporcionada pelo patrocínio, no entanto, é uma tentativa de confundir o público, pois passa a imagem de que a agricultura brasileira constitui um bloco único, no qual agricultores familiares, grandes latifundiários e empresas multinacionais prestam o mesmo papel de servir o país na luta para acabar com a fome e preservar o meio ambiente. Não há, nessa imagem, qualquer tipo de confronto entre as partes, mas uma sensação de unidade.  
“Esta é uma das iniciativas de comunicação mais ousadas da Unidade de Proteção de Cultivos da BASF, que impactará diversos públicos, incluindo aqueles que não têm relação direta com o agronegócio. O Brasil é um líder na produção de alguns produtos e um gigante nas exportações, porém é preciso reforçar junto à sociedade a importância da agricultura e da tecnologia nela empregada para que tenhamos essa posição. Acreditamos que a parceria com a Vila Isabel, aliada à ação do vídeo, vai reconhecer e valorizar o produtor rural, de uma forma criativa e inusitada”, disse Maurício Russomanno, vice-presidente da Unidade de Proteção de Cultivos da Basf para o Brasil, no pronunciamento oficial do patrocínio a Vila Isabel.
A Basf não é a primeira entidade ligada ao agronegócio que se utiliza de campanhas publicitárias com ícones brasileiros numa tentativa de unificar o campo brasileiro no imaginário da população. Em 2012, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade máxima do agronegócio, contratou o jogador Pelé para fazer comerciais sobre a importância da agricultura brasileira.
Segundo nota da CNA, o objetivo da campanha é "consolidar a imagem do agronegócio sustentável brasileiro no País e no exterior" e “divulgar as práticas sustentáveis adotadas pelos produtores rurais brasileiros, além de outras iniciativas que assegurem a boa qualidade do produto nacional".
Para Ricardo Leitão, essas estratégias publicitárias são formas de tentar humanizar o agronegócio ao associá-lo com a agricultura familiar. “Esse é o jogo da ideologia: os representantes do oligopólio se apresentam como defensores de todos os segmentos agrícolas do país. Se o movimento popular investe na agricultura, o agronegócio vai se colocar ao lado dele, não contra. O agrotóxico é vendido como um produto para o conjunto dos agricultores, e não para um só segmento. É preciso desenvolver a ideia da unidade, até porque o agronegócio está estigmatizado pelo desmatamento, e é muito difícil se associar a um segmento que é responsável pelo desmatamento, pela deturpação do Código Florestal”.
Ainda é cedo para dizer se o desfile da Vila Isabel vai cumprir o seu objetivo, mas pelo fato da escola também dar espaço para que os movimentos sociais se manifestem e exponham seu ponto de vista, além do comprometimento da escola em tratar do homem da vida do homem do campo, é possível que os trabalhadores rurais recebam a homenagem que merecem.
“Tenho a impressão de que nesse caso específico, a estratégia publicitária do agronegócio pode falhar, e o veneno se reverter contra o envenenador. Não sei, talvez seja só otimismo meu, é esperar para ver”, afirma Ricardo Leitão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário