Por Renato Malcher*
Aos onze anos, Carly Fleischmann comunicou-se com o mundo pela primeira vez. Diagnosticada com autismo aos três, jamais pronunciou uma palavra e parecia perdida no mundo, à deriva dentro de si. Mas em uma tarde de inquietação, gritos e perturbadora agressividade, ela foi ao computador e digitou: “ajuda dente dói”. Após anos de treinos, frustrações, lentos e minúsculos progressos, seus pais ficaram estarrecidos: “Percebemos que dentro de Carly havia uma pessoa articulada, inteligente e emotiva que nós jamais havíamos conhecido!”.
A partir desse primeiro contato imediato com o misterioso mundo da mente autista, segredos impactantes foram revelados: “Vocês nunca saberão como é quando não consigo me manter quieta porque minhas pernas ardem como se estivessem em chamas, ou quando eu sinto como se centenas de formigas subissem pelo meu corpo.”
Ambientes cheios de estímulos sonoros e visuais também causavam tempestades de ruídos insuportáveis em sua mente, levando-a a violentos ataques, comuns entre os autistas, mas que — agora ela revelava — serviam para tentar dissipar essas terríveis sensações (supostamente causadas por ativação caótica de circuitos cerebrais).
Recentemente, um grupo de Harvard constatou que cerca de 50% das crianças diagnosticadas como autistas exibem focos cerebrais de atividade caótica que as tornam incapazes de conexão com o mundo exterior (mesmo quando na ausência de ataques ou convulsões).
Há também diversas síndromes que apresentam simultaneamente convulsões e autismo. Este é o caso das síndromes de Dravet e de CDKL5, das quais sofrem, respectivamente, as meninas Charlote, protagonista do documentário “Weed”, realizado pela CNN, e Anny, do documentário “Ilegal”, de Raphael Erichsen e Tarso Araújo.
“Weed” foi dirigido pelo neurologista Sanjay Gupta, consultor da CNN famoso por sua histórica oposição ao uso medicinal da maconha. Mas ambos documentários mostram que, graças ao óleo extraído de um tipo de Cannabis sativa rica em canabidiol, Charlote e Anny tiveram suas vidas praticamente salvas. As convulsões caíram de devastadoras centenas por semana, para três ou menos. Em ambas, assim como em outros relatos sobre crianças autistas, o uso de canabidiol causou melhoras extraordinárias de sintomas como ataques de agressividade e autoflagelação, hiperatividade e falta de contato visual.
Em 2013 descobriu-se que mutações presentes em síndromes semelhantes acarretam defeitos no chamado sistema endocanabinoide, o qual normalmente protege o cérebro de hiperativação e controla percepção sensorial, atenção, cognição, emoções, adaptação ao estresse e interação social. O sistema é assim nomeado por ser controlado por moléculas produzidas no próprio cérebro, as quais são imitadas por componentes da Cannabis, tais como o canabidiol.
O documentário “Weed” mostrou que, em um contexto controlado, seja na forma de óleo, compostos isolados, ou de material in natura, o uso medicinal da Cannabis representa uma nova revolução na medicina. Por isto, hoje em dia, Dr. Gupta pede desculpas por ter se enganado.
Menino autista durante ataque de auto-agressividade (esquerda) e depois sob o efeito de medicação à base de Cannabis.
*Neurobiólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB)
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Fonte: Libertas
Paradoxos ou avesso do avesso???
ResponderExcluirSou a favor.
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