sábado, 20 de outubro de 2012

As bravatas do campeão de votos Eduardo Paes

Eduardo Paes utiliza ônibus no Dia Mundial sem Carro e divulga a nova frota.

Por Edgard Catoira


Tudo como d’antes…
No Rio de Janeiro, a eleição para prefeito não terá segundo turno. Eduardo Paes ganhou logo no primeiro, com maioria esmagadora de votos.
Bastou sair o resultado e o alcaide começou a botar as unhas de fora. Simplesmente abandonou sua postura de político subalterno e voou para Brasília com seu “chefe” Sérgio Cabral – que anda calado, em fase de “muda” – e, atabalhoadamente foi comemorar com a presidente Dilma o resultado das urnas no Rio.
No encontro, aproveitando o embalo, já indicou o governador Cabral para vice na chapa da presidente nas próximas eleições, em 2014. Para lembrar: Cabral e Paes são do PMDB, partido aliado do PT. Mas o vice-presidente, Michel Temer, também é do PMDB. Gafe de Paes? Foi. Mas vale. De repente, ele garante uma vaguinha de ministro para Cabral continuar sob os holofotes nos próximos dois anos. Seria uma solução para encaixar confortavelmente algumas peças do tabuleiro fluminense: Cabral ministro ganha tempo para que a população esqueça as festinhas de Paris; o vice-governador, Pezão, assume e governo e trabalha, com a máquina do Estado, para se eleger governador em 2014.
Para Paes, agora se sentindo imperador do Rio, o resto é o resto.
Esqueçam…
Há menos de uma semana, Mino Carta lembrou neste espaço que FHC, negando a si mesmo, pediu: “Esqueçam o que eu disse”. Pois bem, Eduardo Paes também já partiu para essa máxima: apesar de, em campanha ter prometido não aumentar impostos, agora, firme, diz que o IPTU terá aumento. E se nega a voltar ao assunto. Portanto, senhores eleitores, podem preparar o bolso para mais esse aumento logo no primeiro mês do ano que vem.
Leia também:

E mais: os moradores de Copacabana – que pagam alto IPTU – serão alijados do direito de ir e vir também na noite de Natal. Paes convidou o adorável Steve Wonder para cantar na praia exatamente nesse dia, isolando, como de costume, todo o bairro.
Além do incômodo, quanto custará isso? Que ganho a cidade terá, numa época do ano em que está lotada? Mas, tudo bem, no réveillon, como já é tradição, teremos mais gente na praia de Copa. Como diria meu neto Victor, “fica frio, vai ser suave”. À parte o fato de que locais próprios para shows, no resto da cidade, ficam sem uso – estádios, salões de eventos, Sambódromo, vamos nós aturar mais esse uso indevido da praia mundialmente conhecida por sua beleza.
Sem se importar com o vereador Eliomar, Paes segue com seu marketing
Imagem: Reprodução
Agora, o lado que o prefeito reeleito vai ter que baixar a bola, e se defender: o vereador do PSOL, Eliomar Coelho, também reeleito, andou fazendo contas: em 2012, os gastos da prefeitura do Rio em publicidade alcançaram a cifra de R$ 34,5 milhões. Esse valor excede à média de R$ 19,6 milhões gastos nesse item nos três últimos anos, o que, pela legislação brasileira, é proibido.
O vereador, dizendo-se assustado com a quantidade de dinheiro que a gestão do alcaide Eduardo Paes gasta com publicidade e propaganda, resolveu entrar com representação no Ministério Público Eleitoral.
Irritado, Eliomar Coelho lembra que “se essa ação for pra frente, Paes pode ficar inelegível nos próximos oito anos e ter seu diploma de prefeito cassado.”
Será? Vamos acompanhar os, agora seguros, passos do prefeito. Ainda nesta sexta-feira, dia 19, estamos com mais um caderno do Globo – “projeto de Marketing” – em que Paes fala bem dele mesmo: uma maravilha.
Internautas ironizam as atitudes do prefeito
Em tempo de novas providências anunciadas: as passagens de ônibus, no Rio, custarão mais de três reais – provavelmente R$ 3,05 a partir de janeiro. Na internet, o pessoal já está brincando. Enfim, viva o povo carioca!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Síria e a nova geopolítica do Oriente Médio



Khaled Fouad Allam é sociólogo e político argelino, naturalizado italiano. Atualmente leciona na Universidade de Trieste, na Itália. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a origem do conflito político na Síria? Como descreve os confrontos que ocorrem no país desde 2011, onde parte da população quer a queda do regime de Assad e outros defendem sua continuação? Quais são as raízes históricas desse conflito, que explodiu em 2011?

Khaled Fouad Allam – Diferentemente de quanto aconteceu nos outros países árabes, o conflito político que se desencadeou na Síria é o produto da “primavera árabe”, mas é também o resultado de uma situação relativamente singular. O regime alaouitaha, sempre visto como um regime “laico”, no qual coexistem pacificamente as minorias étnico-religiosas – curdos, armênios, drusos, sunitas, cristãos, xiitas – e os alaouiti representam uns 10% da população. Mas, para manter certa coesão, o regime usou a violência política como modalidade de estruturação do Estado. Nos momentos de crise o Estado usou a violência para manter a própria legitimidade. O que ocorreu em 2011 em escala nacional reforça quanto havia ocorrido em 1981 em escala local. A “primavera árabe” desencadeou, pois, uma generalização do conflito sobre todo o território nacional.


IHU On-Line  Por que, diferentemente dos regimes da Tunísia e do Egito, o regime ditatorial de Assad consegue resistir aos conflitos e se manter no poder?

Khaled Fouad Allam – Sobre as revoluções árabes, pode-se dizer que esta parte do mundo sai de um ciclo histórico para entrar num outro que representa uma incógnita. Mas há profundas diferenças entre as revoluções dos anos 1950 e 1960 no mundo árabe e as de hoje: o fim do nacionalismo árabe e o nascimento de um novo fenômeno que chamamos “islamo-nacionalismo”, no qual as novas gerações procuram resolver aquilo que para seus progenitores era um conflito, vale dizer, a relação entre nacionalismo e islã. Isso explica em parte o crescimento exponencial do fundamentalismo e o retorno do debate político sobre estado e a shari’a. Vão neste sentido os hodiernos conflitos políticos e sociais na Tunísia e no Egito, centrados na questão feminina na Tunísia e no tratamento das minorias religiosas no Egito. Em ambos os países a norma islâmica discrimina entre homens e mulheres e entre muçulmanos e não muçulmanos.


IHU On-Line  Qual foi a influência da Primavera Árabe nos conflitos da Síria? Qual foi a relevância social e política das manifestações e qual seu reflexo atual?



Khaled Fouad Allam – Os regimes árabes são regimes autoritários que podem se tornar despóticos. Em parte isso explica como a construção do estado-nação no século XX se tenha desenvolvido num contexto de guerra fria, de forte influência da União Soviética que apoiava os países não alinhados e na qual grande parte da classe dirigente provinha das academias militares. Por conseguinte, no decurso do século XX, o estado no mundo árabe se construiu contra a própria sociedade, e as derivas autoritárias cancelaram frequentemente os direitos humanos e todas as formas de liberdade pública. Isso explica também como precisamente nos anos 1960 e 1970 se tenha desenvolvido a contestação islamita em todos os países árabes, e como esta tenha sido reprimida pelos mesmos regimes. A propósito, assinalo os estudos de Gilles Kepel e de Robert Mitchelise e o meu ensaio sobre “O islã global”.


IHU On-Line  Como compreender a permanência de um regime ditatorial em pleno século XXI?

Khaled Fouad Allam – Em quase todos os países árabes, e entre eles a Síria, os regimes políticos são de tipo dinástico, e sua manutenção no tempo não se baseou sobre o princípio democrático, mas sobre o autoritarismo.


IHU On-Line  Por quais razões China e Rússia vetaram a resolução contra o governo de Assad, no Conselho de Segurança da ONU? Como esses países se beneficiam com o conflito armado?

Khaled Fouad Allam – Em particular, a Rússia sempre tem sido um aliado estratégico da Síria, tanto durante como após a guerra fria; o exército sírio foi formado pelos russos. Do ponto de vista geopolítico, tanto a China como a Rússia consideram a Síria o epicentro do Oriente Médio: quando se despreza a Síria, se despreza toda a região, com graves consequências sobre as minorias muçulmanas na Rússia e na China. Para estes países, a Síria é uma importante cunha da geopolítica do Oriente Médio.


IHU On-Line  Qual é a participação da religião na política desenvolvida na Síria? Ela interfere nas decisões políticas e nos rumos do país? A “guerra civil” instalada no país tem um fundamento religioso?

Khaled Fouad Allam – As relações entre religião e política na Síria se distinguem daquelas dos outros países árabes, porque existe certa forma de laicismo. Mas isso não significa que não se tenha desenvolvido o fundamentalismo islâmico. Já no início dos anos 1980, na onda da revolução iraniana, houve importantes manifestações de fundamentalistas islâmicos, que foram reprimidas pelo governo da época.


IHU On-Line  Como muçulmanos xiitas e sunitas se relacionam no país?

Khaled Fouad Allam – Na realidade, as relações entre xiitas e sunitas, tanto na Síria como alhures, sempre têm sido tensas; o conflito na base do divórcio (fitna) entre sunitas e xiitas jamais foi sanado. Isso não impede que, no plano sociológico, existam lugares de convivência relativamente pacíficos que, no entanto, podem explodir nos momentos de crise, como no atual.


IHU On-Line  Qual é a relação entre muçulmanos e demais religiões presentes na Síria? Há dialogo inter-religioso, especialmente com os cristãos?

Khaled Fouad Allam – Desde sempre a Síria é um exemplo de coexistência entre muçulmanos e outras confissões. Mas as ideologias e os vários nacionalismos podem pôr em crise a coexistência entre os grupos.


IHU On-Line  Qual é a atual situação dos cristãos na Síria e como se manifestam frente a permanência do regime de Assad? Há medo e risco de que, caso haja abertura democrática, os cristãos sejam perseguidos?

Khaled Fouad Allam – Na Síria, os cristãos se sentem em perigo por causa da guerra civil em curso, e sua comunidade se encontra ameaçada. Isso explica os temores manifestados pelas hierarquias cristãs no país Síria diante da atual situação.


IHU On-Line  Qual o significado da declaração de Assad, quando ele afirma que está se formando um novo mapa geoestratégico que alinha a Síria, a Turquia, o Irã, a Rússia juntando política, interesses e infraestrutura? O Oriente Médio está se modificando?

Khaled Fouad Allam – O mundo árabe está mudando totalmente, está entrando num novo ciclo de sua história. A Síria representa a pedra angular, enquanto há aí novos atores políticos, a Turquiae o Irã, países que veem nela o núcleo de novas hegemonias regionais. E tudo isso está evoluindo ante a ausência da Europa.


IHU On-Line  Quais são os conflitos entre Israel e Síria?

Khaled Fouad Allam – Além da questão do Golã, é evidente que Israel está perdendo sua “cintura de segurança”, que era formada pelo Egito, mas em parte também pela Síria. Isso torna muito mais complexa a crise síria, e haverá um notável impacto sobre todos os equilíbrios mundiais.


IHU On-Line  Com quais países do Oriente Médio a Síria se relaciona e com quais ela diverge?

Khaled Fouad Allam – A Síria, que era um país importante dentro da Liga árabe e da Organização da Conferência islâmica, encontra-se hoje isolada. Todavia, este isolamento é coberto e culminado pela Rússia e pela China.


IHU On-Line  Como foi o encontro que discutiu a questão política e religiosa da Síria, organizado pela Associação Sírios Livres na Itália? Quais os principais apontamentos do jesuíta Paolo Dall'Oglio?

Khaled Fouad Allam – O Pe. Dall’Oglio testemunhou a situação na Síria vista a partir de seu mosteiro, uma experiência bela, mas também dramática. Durante um encontro, do qual participei junto ao padre Dall'Oglio e a Massimo Cacciari, os sírios, além de suas diversidades étnicas e religiosas, manifestaram um desejo de unidade – e era recorrente o lema “o povo sírio é uno e único”. Mas tudo isto é construído politicamente.
Retirado do site IHU On-Line.
IHU On-Line é um jornal da web

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O caso do mendigo - por Lima Barreto


Os jornais anunciaram, entre indignados e jocosos, que um mendigo, preso pela polícia, possuía em seu poder valores que montavam à respeitável quantia de seis contos e pouco.
Ouvi mesmo comentários cheios de raiva a tal respeito. O meu amigo X, que é o homem mais esmoler desta terra, declarou-me mesmo que não dará mais esmolas. E não foi só ele a indignar-se. Em casa de família de minhas relações, a dona da casa, senhora compassiva e boa, levou a tal ponto a sua indignação, que propunha se confiscasse o dinheiro ao cego que o ajuntou.
Não sei bem o que fez a polícia com o cego. Creio que fez o que o Código e as leis mandam; e, como sei pouco das leis e dos códigos, não, estou certo se ela praticou o alvitre lembrado pela dona da casa de que já falei.
O negócio fez-me pensar e, por pensar, é que cheguei a conclusões diametralmente opostas à opinião geral.
O mendigo não merece censuras, não deve ser perseguido, porque tem todas as justificativas a seu favor. Não há razão para indignação, nem tampouco para perseguição legal ao pobre homem.
Tem ele, em face dos costumes, direito ou não a esmolar? Vejam bem que eu não falo de leis; falo dos costumes. Não há quem não diga: sim. Embora a esmola tenha inimigos, e dos mais conspícuos, entre os quais, creio, está M. Bergeret, ela ainda continua a ser o único meio de manifestação da nossa bondade em face da miséria dos outros. Os séculos a consagraram; epenso, dada a nossa defeituosa organização social, ela tem grandes justificativas. Mas não é bem disso que eu quero falar. A minha questão é que, em face dos costumes, o homem tinha direito de esmolar. Isto está fora de dúvida.
Naturalmente ele já o fazia há muito tempo, e aquela respeitável quantia de seis contos talvez represente economias de dez ou vinte anos.
Há, pois, ainda esta condição a entender: o tempo em que aquele dinheiro foi junto. Se foi assim num prazo longo, suponhamos dez anos, a coisa é assim de assustar? Não é. Vamos adiante.
Quem seria esse cego antes de ser mendigo? Certamente um operário, um homem humilde, vivendo de pequenos vencimentos, tendo às vezes falta de trabalho; portanto, pelos seus hábitos anteriores de vida e mesmo pelos meios de que se servia para ganhá-la, estava habituado a economizar. É fácil de ver por quê. Os operários nem sempre têm serviço constante. A não ser os de grandes fábricas do Estado ou de particulares, os outros contam que, mais dias, menos dias, estarão sem trabalhar, portanto sem dinheiro; daí lhes vem a necessidade de economizar, para atender a essas épocas de crise.
Devia ser assim o tal cego, antes de o ser. Cegando, foi esmolar. No primeiro dia, com a falta de prática, o rendimento não foi grande; mas foi o suficiente para pagar um caldo no primeiro frege que encontrou, e uma esteira na mais sórdida das hospedarias da rua da Misericórdia. Esse primeiro dia teve outros iguais e seguidos; e o homem se habituou a comer com duzentos réis e a dormir com quatrocentos; temos, pois, o orçamento do mendigo feito: seiscentos réis (casa e comida) e, talvez, cem réis de café; são, portanto, setecentos réis por dia.
Roupa, certamente, não comprava: davam-lha. É bem de crer que assim fosse, porque bem sabemos de que maneira pródiga nós nos desfazemos dos velhos ternos.
Está, portanto, o mendigo fixado na despesa de setecentos réis por dia. Nem mais, nem menos; é o que ele gastava. Certamente não fumava e muito menos bebia, porque as exigências do ofício haviam de afastá-lo da "caninha". Quem dá esmola a um pobre cheirando a cachaça? Ninguém.
Habituado a esse orçamento, o homenzinho foi se aperfeiçoando no ofício. Aprendeu a pedir mais dramaticamente, a aflautar melhor a voz; arranjou um cachorrinho, e o seu sucesso na profissão veio.
Já de há muito que ganhava mais do que precisava. Os níqueis caíam, e o que ele havia de fazer deles? Dar aos outros? Se ele era pobre, como podia fazer? Pôr fora? Não; dinheiro não se põe fora. Não pedir mais? Aí interveio uma outra consideração.
Estando habituado à previdência e à economia, o mendigo pensou lá consigo: há dias que vem muito; há dias que vem pouco, sendo assim, vou pedindo sempre, porque, pelos dias de muito, tiro os dias de nada. Guardou. Mas a quantia aumentava. No começo eram só vinte mil-réis; mas, em seguida foram quarenta, cinqüenta, cem. E isso em notas, frágeis papéis, capazes de se deteriorarem, de perderem o valor ao sabor de uma ordem administrativa, de que talvez não tivesse notícia, pois, era cego e não lia, portanto. Que fazer, em tal emergência, daquelas notas? Trocar em ouro? Pesava, e o tilintar especial dos soberanos, talvez atraísse malfeitores, ladrões. Só havia um caminho: trancafiar o dinheiro no banco. Foi, o que ele fez. Estão aí um cego de juízo e um mendigo rico.
Feito o primeiro depósito, seguiram-se a este outros; e, aos poucos, como hábito é segunda natureza, ele foi encarando a mendicidade não mais como um humilhante imposto voluntário, taxado pelos miseráveis aos ricos e remediados; mas como uma profissão lucrativa, lícita e nada vergonhosa.
Continuou com o seu cãozinho, com a sua voz aflautada, com o seu ar dorido a pedir pelas avenidas, pelas ruas comerciais, pelas casas de famílias, um níquel para um pobre cego. Já não era mais pobre; o hábito e os preceitos da profissão não lhe permitiam que pedisse uma esmola para um cego rico.
O processo por que ele chegou a ajuntar a modesta fortuna de que falam os jornais, é tão natural, é tão simples, que, julgo eu, não há razão alguma para essa indignação das almas generosas.
Se ainda continuasse a ser operário, nós ficaríamos indignados se ele tivesse juntado o mesmo pecúlio? Não. Por que então ficamos agora?
É porque ele é mendigo, dirão. Mas é um engano. Ninguém mais que um mendigo tem necessidade de previdência. A esmola não é certa; está na dependência da generosidade dos homens, do seu estado moral psicológico. Há uns que só dão esmolas quando estão tristes, há outros que só dão quando estão alegres e assim por diante. Ora, quem tem de obter meios de renda de fonte tão incerta, deve ou não ser previdente e econômico?
Não julguem que faço apologia da mendicidade. Não só não faço como não a detrato.
Há ocasiões na vida que a gente pouco tem a escolher; às vezes mesmo nada tem a escolher, pois há um único caminho. É o caso do cego. Que é que ele havia de fazer? Guardar. Mendigar. E, desde que da sua mendicidade veio-lhe mais do que ele precisava, que devia o homem fazer? Positivamente, ele procedeu bem, perfeitamente de acordo com os preceitos sociais, com as regras da moralidade mais comezinha e atendeu às sentenças do Bom homem Ricardo, do falecido Benjamin Franklin.
As pessoas que se indignaram com o estado próspero da fortuna do cego, penso que não refletiram bem, mas, se o fizerem, hão de ver que o homem merecia figurar no Poder da vontade, do conhecidíssimo Smiles.
De resto, ele era espanhol, estrangeiro, e tinha por dever voltar rico. Um acidente qualquer tirou-lhe a vista, mas lhe ficou a obrigação de enriquecer. Era o que estava fazendo, quando a polícia foi perturbá-lo. Sinto muito; e são meus desejos que ele seja absolvido do delito que cometeu, volte à sua gloriosa Espanha, compre uma casa de campo, que tenha um pomar com oliveiras e a vinha generosa; e, se algum dia, no esmaecer do dia, a saudade lhe vier deste Rio de Janeiro, deste Brasil imenso e feio, agarre em uma moeda de cobre nacional e leia o ensinamento que o governo da República dá... aos outros, através dos seus vinténs: “A economia é a base da prosperidade".

Bagatelas, 1911

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

As eleições municipais em questão



Por Fernando Perlatto

A tomar pelos números, a democracia brasileira é, de fato, um empreendimento vigoroso e admirável. Não é de pouca monta que menos de vinte e cinco anos depois de promulgada a Constituição de 1988, cerca de 140 milhões brasileiros tenha ido às urnas no domingo para elegerem prefeitos em mais de 5,5 mil municípios e quase 57 mil vereadores, sem que tenha havido quaisquer ameaças e constrangimentos às instituições democráticas. Horas depois de fechada as urnas, a população já tinha acesso aos resultados pelo site do TSE e pelos diversos meios de comunicação. Não se trata de uma avaliação ingênua e ufanista, portanto, dizer que, não obstante o fato de que ainda padeça de muitos males, a nossa recente democracia vai bem das pernas, com o fortalecimento progressivo das instituições, dos ritos e das rotinas, cada vez mais aceitos e referendados pelos atores políticos e pela sociedade civil. Dito isso, vamos ao que interessa: qual o cenário político que sai das urnas?

Seria pretensioso tentar delinear um quadro geral dos resultados eleitorais, até mesmo pela razão óbvia de que ainda faltam pleitos importantes a serem definidas no segundo turno. O que é possível fazer a partir dos resultados é tentar traçar algumas tendências tomando como base principalmente as eleições realizados nas capitais do país. Antes de arriscar qualquer análise mais acurada é importante reconhecer que, a despeito do esforço realizado por partidos políticos e analistas para conectarem as eleições municipais às disputas nacionais, aquelas possuem uma lógica própria. Na maior parte das vezes, as pessoas votam preocupadas com a capacidade dos políticos resolverem seus problemas mais concretos e comezinhos do dia a dia, sobretudo em cidades menores. Questões mais abstratas ou partidárias não entram muito na lógica do voto, o que explica o fato dos eleitores não terem constrangimento nenhum em votar em um político pertencente a um determinado partido para prefeito e em um candidato de legenda oposta para vereador.

Contudo, da mesma forma que seria errôneo reduzir as eleições municipais à lógica nacional, também seria equivocado concluir pelo outro extremo e dizer que elas nada têm a ver com as disputas nacionais. Os atores políticos observam atentamente os resultados das disputas, buscando compreender quais foram aqueles que mais se fortaleceram nos pleitos municipais, principalmente nas grandes cidades, e que poderão desempenhar papel relevante nas próximas eleições nacionais. 2014 já está ali e os prefeitos desempenham papel fundamental principalmente para as eleições de deputados e senadores, cujo impacto é evidente na composição e no bom andamento das agendas políticas do presidente eleito.

A despeito da enorme fragmentação e pulverização eleitoral pós-eleições — pelo menos 26 partidos elegeram prefeitos —, é inegável que a disputa principal permanece entre PT e PSDB. Ainda que seja equivocado dizer que o Brasil caminhe para um bipartidarismo, seria igualmente errôneo não perceber que estes dois partidos permanecem como polos principais da polarização nacional, cuja disputa crucial ocorrerá em São Paulo, no segundo turno entre José Serra e Fernando Haddad. Mesmo quando não se enfrentam diretamente, a contraposição entre petistas e tucanos, sobretudo nas capitais, tende a orientar a lógica dos atores políticos, levando-os a apoiar um ou outro candidato. Em outras palavras, não obstante seja reducionista ler a política nacional pela lente do bipartidarismo paulista, a polarização PT x PSDB continua como elemento fundamental e orientará a disputa política no país nos próximos anos.

O PT sai mais forte dessa eleição do que previam muitos analistas, com vitórias importantes, como Goiânia, e conquistas de segundo turno estratégicas, como São Paulo e Salvador. O partido cresceu em número de prefeituras em relação às eleições passadas (+14%), além de ter sido a legenda que mais elegeu vereadores e mais obteve votos. O partido continua crescendo a cada nova eleição. O quadro pode ser considerado positivo, em um pleito que transcorreu paralelo ao julgamento da Ação Penal 470, vulgo “Mensalão”, que parece não ter impactado nenhuma disputa de forma significativa. A despeito disso, o partido colheu derrotas importantes, sobretudo em Belo Horizonte e Recife.Esta última, talvez, pese ainda mais, pois foi resultado direto da intervenção autoritária e equivocada da direção nacional, que causou uma fratura no partido, que possivelmente demorará a ser superada. Quer queira, quer não, Lula permanece como liderança inconteste e, embora não seja decisivo para ganhar eleições, possui um poder de transferência de voto, que não pode ser desconsiderado por nenhum analista. Dilma não apenas deverá, mas precisará entrar com mais força nas campanhas do segundo turno, de modo a consolidar sua posição como líder principal da coalizão governista.

Não obstante as dificuldades enfrentadas nacionalmente para fazer oposição ao bloco governista, o PSDB permanece como ator político de grande relevância. Ainda que tenha reduzido o número de prefeituras (-12%) em relação às eleições passadas, o partido teve vitórias importantes, como em Maceió, e se mantém em disputa no segundo turno em outras capitais. Ainda que não seja uma vitória do partido e não obstante o fato de que não tenha sido um triunfo com números acachapantes como se esperava, a eleição de Márcio Lacerda, em Belo Horizonte, é significativa, pois consolida a figura de Aécio Neves como principal nome da oposição para as eleições de 2014. Além de ter apostado seu capital político na eleição mineira, o senador do PSDB cruzou o país defendendo os projetos do partido e buscando se firmar como liderança nacional, o que, diga-se de passagem, ainda falta muito para acontecer, devido ao seu desconhecimento para além das fronteiras do Sudeste. Vale destacar, contudo, que a eleição de Belo Horizonte deve ser debitada menos na conta de Dilma Rousseff, como desejam muitos analistas, e mais na do PT mineiro, que ainda colhe os resultados do acordo desastrado para eleger Márcio Lacerda, em 2008, responsável pelas divisões e enfraquecimento do partido no âmbito estadual.

Mais uma vez o PMDB confirma sua vocação municipalista, consolidando-se como o partido que mais elegeu prefeitos, apesar da redução em relação às eleições passadas (-14%). A legenda reforça seu cacife para manter-se como principal aliado do PT nas próximas eleições nacionais, além de reforçar seu calibre para reivindicar mais espaço na próxima reforma ministerial. Sua vitória mais significativa foi a de Eduardo Paes, no Rio de Janeiro. Tensões à frente com o PT se avizinham nas eleições para o governo do estado, em um movimento que pode conduzir a mudanças na conjuntura política do Rio de Janeiro. Importa destacar que esta eleição da capital trouxe alguns elementos que merecem ser evidenciados. Em primeiro lugar, a bela campanha de Marcelo Freixo, que indica um potencial ainda subaproveitado pela esquerda carioca, mas que pode ser potencializado para as eleições estaduais. Em segundo lugar, o pífio desempenho da aliança Rodrigo Maia e Clarissa Garotinho, que, não obstante possa ser creditado a erros de campanha, parece indicar um esgotamento de lideranças já desgastadas da política carioca.

Muitos analistas apontam corretamente para o fortalecimento do PSB, que cresceu no número de prefeitos eleitos (+42%), embora possua menos prefeituras do que partidos como PSD e PP. As vitórias de Recife e Belo Horizonte foram significativas e assinalam para a consolidação de Eduardo Campos como um ator político central para as próximas eleições nacionais, a ser cortejado tanto pelo PT, quanto pelo PSDB. Sua margem de escolha para aliança entre os dois partidos amplia-se, embora qualquer tentativa de rompimento com a base governista possa conduzir a uma disputa interna no partido com Ciro e Cid Gomes, que não veem razões para romper com Dilma nas eleições de 2014, conforme declarações recentes. De qualquer forma, pode-se prever que a permanência na coalização governista implicará uma pressão por maior espaço no governo e, quem sabe, a disputa pela vice-presidência com o PMDB.

Além dos partidos acima destacados, convém ressaltar o desempenho do PSD. Fundado em 2011, o partido ficou atrás apenas do PMDB, PSDB e PT no número de prefeituras conquistadas. Além de ter levado mais de 490 prefeituras, a legenda de Gilberto Kassab foi o quinto partido em número de vereadores eleitos. Apesar de significar teoricamente o fortalecimento do campo governista, tudo leva a crer que a “instabilidade” ideológica da legenda fará com que suas lideranças, em especial Kassab, sejam disputadas nas eleições de 2014. Outro partido que merece destaque, mas pelo lado negativo, é o DEM, que aparentemente caminha melancolicamente para o fim. Apesar de ter conquistado a prefeitura de Aracaju e ter a esperança de vencer a batalha em Salvador com Antonio Carlos Magalhães Neto, teve uma redução significativa do número de prefeituras conquistadas (-44%), além das derrotas simbolicamente importantes de Rodrigo Maia, no Rio de Janeiro, e da quarta posição em Natal, capital do Rio Grande do Norte, único estado governado pelo partido.

Para além da análise dos desempenhos dos partidos, alguns elementos merecem ser destacados brevemente à guisa de conclusão. Em primeiro lugar, vale chamar a atenção para o papel da chamada Lei da Ficha Limpa nestas eleições. Não obstante sua enorme importância para a melhoria do sistema político brasileiro, é inegável que o atraso do julgamento definitivo dos recursos apresentados ao TSE gerou um quadro de incerteza em várias eleições pelo país. Muitos candidatos receberam votos e ainda não se sabe se estarão ou não em condições de participar do segundo turno ou, caso tenham sido vitoriosos, se poderão tomar posse. Essa insegurança, tanto para os candidatos quanto para os eleitores, se configurou como um ponto negativo desta eleição. Espera-se que estes problemas sejam superados no próximo pleito, de modo a fazer com que a Lei da Ficha Limpa possa ser plenamente executada sem maiores contratempos e sem que sua legitimidade seja colocada à prova pela sociedade.

Outro aspecto que emerge destas eleições e que merece ser destacado tem a ver com o funcionamento do sistema político do país. Infelizmente, o quadro que se desenha após o pleito parece ser pouco alvissareiro para o debate em torno da reforma política. Por um lado, a enorme pulverização e fragmentação partidária põem em cheque quaisquer possibilidades de um enfrentamento da discussão em torno de possíveis caminhos para reduzir o elevado número de partidos no Brasil, que coloca enormes desafios para a composição dos governos, sejam eles municipais, estaduais ou nacionais. Por outro lado, é desanimador pensar que, embora o julgamento da Ação Penal 470 tenha transcorrido paralelamente às eleições municipais, não testemunhamos qualquer debate mais substantivo sobre o financiamento público de campanhas, não obstante a direta conexão entre estes temas.
Agora, é aguardar o resultado do segundo turno. Quando concluído, ficarão mais claros os embates que conformarão o quadro da eleição de 2014.

----------

Fernando Perlatto é professor de Ciências Sociais da UFJF.


Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Quando os mercados ruem…



Como nos anos 1930, estamos diante de bifurcação histórica. Ela pode levar ou a ordem mais justa, ou a pesadelos ultra-autoritários.

Por Felipe Amin Filomeno* | Imagem: Diego RiveraO Homem e a Encruzilhada(detalhe)
Em 1944, foi publicado A Grande Transformação, livro em que Karl Polanyi argumentava que a crescente subordinação da ordem social às forças do mercado tinha efeitos disruptivos, os quais, afinal, despertavam na sociedade uma reação de auto-proteção na forma de regulação do mercado. Para Polanyi, a Grande Depressão dos anos 1930 representou o fracasso do projeto de mercado mundial auto-regulável centrado na Grã-Bretanha, o qual despertou reações progressistas (como o New Deal, nos EUA), mas também reações perversas (como o nazi-fascismo na Europa).
Em 2003, Giovanni Arrighi e Beverly Silver estenderam a análise de Polanyi, mostrando que o “movimento pendular” entre livre-mercado e regulação não era historicamente restrito ao período que vai do século XIX a meados do século XX. Em meados de 1970, como parte de seus processos cíclicos, o sistema-mundo capitalista entrou em uma nova fase de liberalização de mercados. Associada, desta vez, ao declínio da hegemonia norte-americana, esta onda foi orientada ideologicamente pelo neoliberalismo de Hayek e Friedman.
Assim como na primeira metade do século XX, a liberalização da economia pós-1970 despertou reações de auto-proteção na sociedade. Na América Latina, onde esta onda foi vivenciada na forma de programas de ajuste estrutural patrocinados pelo FMI, a reação tomou força após o ano 2000. As políticas neoliberais haviam contribuído para estabilizar a economia (especialmente a inflação), mas seus efeitos negativos sobre o crescimento econômico e a distribuição de renda reduziram sua legitimidade, levando a população a eleger governantes com programas anti-neoliberais. Neste caso, a “auto-proteção” da sociedade assumiu a forma de “social-democracia globalizada” (no Brasil, no Chile e no Uruguai) e de “socialismo bolivariano” (na Venezuela, Equador e Bolívia). A promoção do livre-mercado (que, nos anos 1990, conviveu com oligopólios no setor financeiro e em indústrias privatizadas) foi substituída, democraticamente, por uma maior intervenção do Estado na economia e uma recuperação das redes de proteção social para garantir crescimento com inclusão. Esta auto-proteção progressista não precisa (e nem deve) anular o mercado, mas sim, seguindo os preceitos de Adam Smith, usá-lo como instrumento de governo, para fazer os capitalistas competirem, reduzindo seus lucros ao mínimo necessário para compensá-los pelos riscos do empreendedorismo.
Na Europa, ao contrário, quando a crise mundial manifestou-se agudamente a partir de 2010, os governos — liderados pela Alemanha — responderam com medidas de austeridade fiscal e monetária. Na Espanha, França, Grécia, Irlanda e Portugal, tais medidas desencadearam protestos em massa pelas ruas de suas capitais. A insistência das elites na austeridade como solução única (salvo iniciativas na França de Hollande para fazer com que os mais ricos assumam parte maior do ônus da crise) criou um impasse que arrisca o processo de integração regional da Europa e prolonga a recessão.
Esta situação é solo fértil para a emergência de formas perversas de “auto-proteção” social contra o mercado. Nas eleições presidenciais francesas de abril, o partido de extrema-direita Frente Nacional, representado por Marine Le Pen, obteve seu maior número de votos até então (6,4 milhões, comparados a 5,5 milhões em 2002). Na Grécia, justamente o país mais afetado pela crise, o partido neo-nazista Aurora Dourada conquistou em maio seus primeiros assentos no Parlamento desde o fim do regime militar no país em 1974 (21 das 300 cadeiras).
Para Immanuel Wallerstein, o sistema-mundo capitalista vive uma conjuntura histórica de bifurcação, em que a ação coletiva da humanidade determinará que tipo de ordem mundial teremos no futuro, para o bem ou para o mal. Quando as elites estão dispostas a fazer concessões e movimentos anti-sistêmicos progressistas se tornam os porta-vozes da “auto-proteção” da sociedade, a probabilidade de uma ordem social mais justa e estável aumenta. Por outro lado, quando as elites são reacionárias e movimentos de fascistas, xenofóbicos e intolerantes encarnam a “auto-proteção” contra o mercado, o resultado pode ser desastroso. Se, na primeira metade dos anos 2000, os governantes argentinos tivessem insistido na austeridade econômica e reprimido duramente os cacerolazos e piqueteros, talvez nossa vizinha Argentina teria hoje um governo fascista.
* Felipe Amin Filomeno é doutor em Sociologia pela Johns Hopkins University e Professor Adjunto do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina. Mantém um blog.


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Centenário do nascimento de Maurício Grabois


Comunista de elevada envergadura
http://www.anovademocracia.com.br/97/12.jpg
Maurício Grabois ingressou nas fileiras do Partido Comunista do Brasil em 1932, quando o partido tinha então dez anos de existência e o jovem militante ainda não completara seu 20° aniversário. A partir de então, participou ativamente das principais batalhas ideológico-políticas do proletariado brasileiro e de sua vanguarda, do Levante Popular Revolucionário de 1935, da Constituinte de 1946 na bancada do PCB, destacou-se no combate ao revisionismo de Kruschov e na cisão com seus representantes no partido. Foi dos mais ativos na luta de Reconstrução do partido em 1962, bem como defensor da estratégia da guerra popular prolongada como caminho para a revolução brasileira. Como dirigente comunista e comandante militar da Guerrilha do Araguaia (1972 a 1974), combateu e tombou de armas nas mãos como selo de ouro de toda uma vida dedicada a servir às massas, à revolução e à causa do comunismo.

No centenário do nascimento deste grandioso dirigente comunista brasileiro rendemos nossas homenagens e humilde saudação: Glória Eterna a Maurício Grabois!
Breve biografia de Maurício Grabois
Victória Lavínia Grabois Olímpio*
Maurício Grabois nasceu em 2 de outubro de 1912, em Salvador, Bahia. Ele foi o quinto filho do casal Augustin Grabois e Dora Kaplan, judeus russos que fugiram da Ucrânia em 1905, durante a guerra do Japão contra a Rússia. Augustin viajou para o Novo Mundo com Dora e a primeira filha, em busca de melhores condições de vida. Viveram na Argentina, onde a família cresceu, e desembarcaram no Brasil, fixando residência em Salvador, depois de passar por Belém e Recife.
Em 1925, Maurício Grabois ingressou no Ginásio da Bahia, tendo como colega de turma Carlos Marighela. Nesse colégio, fez os estudos secundários e sofreu forte influência do diretor, Bernardino José de Souza - um profundo conhecedor da realidade nacional.
Antes de completar 20 anos, em 1932, optou pela carreira militar. Ainda na escola militar, Grabois ingressou no Partido Comunista, passando a dedicar sua vida por inteiro à atividade partidária.
Em 1934 participou das jornadas contra o nazi-fascismo. Em 1935, trabalhou na criação e fortalecimento da Aliança Nacional Libertadora, sendo já então dirigente regional da organização.
Nos dez anos da ditadura Vargas, quando se desencadeou brutal repressão policial contra os comunistas, Maurício Grabois, desenvolveu incansável atuação política de resistência. Foi preso em 1941, passando um ano e meio na prisão. Ao ser libertado, integrou imediatamente o Secretariado Nacional Provisório do Partido, no qual teve como tarefa a rearticulação e a realização da Conferencial Nacional, realizada em 1943, na Serra da Mantiqueira, onde se tornou membro do Comitê Nacional, da Comissão Executiva e do Secretariado do Comitê Central.
Em 1945, foi eleito deputado constituinte e desenvolveu intensa atividade parlamentar. Foi líder da bancada na Câmara Federal por dois anos, até a cassação dos mandatos dos deputados comunistas e passou a viver na clandestinidade.
As grandes divergências ideológicas do mundo comunista ao longo dos anos de 1950 levaram-no a se opor frontalmente à linha partidária do PCB, sendo expulso do Partido em 1961. Após essa dissensão, reconstruiu o Partido Comunista do Brasil, cujo programa contou com sua destacada colaboração.
Em 1964, com o golpe militar, Grabois, sua mulher Alzira e seus filhos foram morar em São Paulo e toda a família voltou a viver na clandestinidade, um período difícil para todos. O último encontro, de Maurício Grabois com a família foi no início de janeiro de 1972, antes do início do movimento guerrilheiro do Araguaia. Ele nunca mais foi visto pela mulher e a filha.
O golpe de 1964 intensificou os debates, os conflitos, as análises políticas que o empolgavam. Assim, Grabois partiu para a ação direta, dando toda sua força à preparação da luta armada no Araguaia. Ali esteve desde os primeiros momentos, ali conviveu com o povo explorado, ali comandou as Forças Guerrilheiras do Araguaia.
A luta política cruzou o destino das tragédias pessoais. André Grabois, seu filho, foi assassinado quando, em 14 de outubro de 1973, os militares realizaram uma importante mobilização, preparando uma emboscada na fazenda Caçadora, no sul do Pará. Seu genro, Gilberto Olímpio Maria, também desapareceu, no dia de Natal de 1973; Criméia Alice Almeida, mulher de André, grávida de cinco meses, deixou a guerrilha e voltou para São Paulo, onde foi presa dois meses depois. Seu filho João Carlos, neto de Grabois nasceu no DOI-CODI de Brasília.
Maurício Grabois escreveu após a morte de seu filho: "O destacamento A perdeu seu comandante, homem capaz e um dos mais puros revolucionários. Estava ligado ao P desde os 16 anos e podia dar muito à revolução. Era excelente comandante. O primeiro erro que, no entanto, cometeu, lhe foi fatal. Tinha 27 anos e seu verdadeiro nome era André Grabois"
Maurício foi Abel, Mário, Freitas, Chico, Velho. Os nomes do guerrilheiro cintilam como reflexo da arma ao luar. A revolução foi a sua razão de viver. O seu grande sonho era terminar com a opressão capitalista imposta ao povo brasileiro. Contra a ditadura militar, ele escolheu a luta armada.
Maurício Grabois caiu fuzilado, no dia 25 de dezembro de 1973, segundo o relato de moradores da região. No coração crivado de balas, levou a dor de muitas mortes: do seu filho André; de Gilberto; de inúmeros jovens guerrilheiros do Araguaia; do grande Che Guevara, assassinado anos antes. Deixou o exemplo de sua integridade, da sua ironia e humor, da sua dedicação e lealdade aos companheiros e ao seu Partido, do seu otimismo e entusiasmo pela revolução. Sua vida será fonte de inspiração constante para os jovens que acreditam em uma sociedade mais justa e igualitária.
Vale ressaltar, o corpo de Maurício Grabois; de seu filho – André Grabois; seu genro – Gilberto Olímpio Maria e dos outros 67 guerrilheiros e camponeses da Guerrilha do Araguaia nunca foram encontrados. E durante as operações militares na região do Araguaia, os agentes públicos foram autores de graves violações aos direitos humanos, como detenções ilegais e arbitrárias, torturas, execuções sumárias e desaparecimentos forçados, as quais foram perpetradas contra os militantes do Partido Comunista do Brasil e também aos camponeses locais.
Por muitos anos o Estado brasileiro manteve segredo sobre as operações realizadas na região. Assim mesmo, as investigações realizadas pelo Estado, no palco da guerrilha foram inócuas. Até a presente data, não averiguou as responsabilidades individuais nem processou os perpetradores dos crimes cometidos.
Destarte, passaram-se quase 40 anos desde a ocorrência dos fatos, os responsáveis permanecem no mais absoluto silêncio. Isto decorre principalmente da interpretação prevalecente da Lei nº 6.883, conhecida como Lei de Anistia, segundo a qual, os agentes públicos que cometeram crimes durante o Regime militar seriam beneficiados pela extinção da punibilidade, tem representado na prática, um obstáculo para o acesso à justiça e conhecimento da verdade dos familiares e da sociedade brasileira.
*Vitória Grabois é filha de Maurício Grabois e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro.

Nota da Redação
Maurício Grabois desempenhou papel destacado na luta ideológico-política no seio do Partido Comunista do Brasil pela assimilação e encarnação da ideologia do proletariado, à época, o marxismo-leninismo e prestou importante contribuição para a luta no seio do Movimento Comunista Internacional.
Desde a direção central do PCB, ao lado de Pedro Pomar, Carlos Danielli, Lincoln Oest, entre outros, levantou sua voz, junto a outros camaradas, contra o revisionismo.
Após o XX Congresso do PCUS (1956), quando Nikita Kruschov abriu ataque pérfido contra a linha revolucionária do partido de Lênin e Stalin e o caminho trilhado até então pela Revolução de Outubro de 1917, Grabois assumiu seu posto de combate em defesa do marxismo-leninismo.
As posições revolucionárias do IV Congresso do partido (dezembro de 1954/janeiro de 1955), ainda que sofrendo da influência ideológica pequeno-burguesa, impulsionaram o partido pelo caminho revolucionário. Porém, logo Prestes lidera a posição direitista de autocrítica de suas resoluções, retomando o caminho eleitoreiro, aderindo à campanha presidencial de JK. Esta fora nova guinada do partido para a direita, inaugurando a política reboquista à grande burguesia. Com o advento do XX Congresso do PCUS, o grupo de Prestes se viu encorajado a aprofundar-se no reformismo. Logo lançaram a "Declaração de Março de 1958", expressão concentrada da linha oportunista de direita imposta ao PCB, particularmente no que toca à questão do poder. Na declaração, Prestes defende a linha kruschovista de transição "pacífica" para a revolução brasileira. 
Em resposta a essa declaração, em 1960, Grabois passou ao ataque com o seu"Duas concepções, duas orientações políticas". Em dura crítica à linha revisionista assumida pelo PCB que propunha, de fato, a salvação do velho Estado e sua democratização como caminho para a revolução brasileira, essa foi a resposta mais contundente formulada até então. Pela primeira vez se caracterizou como revisionistas as posições oportunistas de direita defendidas por Prestes e seu grupo.
"As tendências oportunistas de direita da Declaração se manifestam com maior nitidez na questão do poder – problema fundamental da revolução. (....) a Declaração chega a uma conclusão falsa ao abdicar por completo da luta por esse objetivo, limitando-se a reivindicar modificações parciais na política e na composição de sucessivos governos, nos marcos do regime vigente.
A Declaração considera que as forças revolucionárias chegarão ao poder através da acumulação de reformas profundas e consequentes na estrutura econômica e nas instituições políticas."
Como AND já mostrou (n° 63, março de 2010), a profunda crítica de Maurício Grabois serve como uma luva para o combate às posições assumidas hoje pela sigla pecêdobê, outro partido revisionista, caudatário da social-democracia petista e defensora da ensebada e velha fórmula de então do "desenvolvimentismo", agora com o aporte medíocre do "desenvolvimentismo popular".
A partir do XX Congresso do PCUS, acirra-se a luta de duas linhas no seio do Movimento Comunista Internacional. Essa luta, que vinha se desenvolvendo internamente, cujas posições foram se externando nas reuniões e congressos de partidos comunistas nos anos seguintes, aprofundaram-se até que, em 1963, essa luta atinge um novo patamar com a publicação da Carta Chinesa, como ficou conhecida a Proposições acerca da Linha Geral do Movimento Comunista Internacional. À esta contundente e demolidora crítica às concepções do novo revisionismo seguiram-se outros documentos (os Nove Comentários) sobre a carta de resposta da direção do PCUS à carta do Partido Comunista da China. A Grande Polêmica, como ficou conhecida a vigorosa luta de linhas no MCI, sob a condução do "Grande Timoneiro" Mao Tsetung, serviu como um potente instrumento para a orientação dos autênticos partidos comunistas Marxistas-Leninistas no combate ao revisionismo contemporâneo.
O Partido Comunista do Brasil, à época reconstruído sob a sigla PCdoB, dirigido por Maurício Grabois, Pedro Pomar, Carlos Danielli, Lincoln Oest, João Amazonas, entre outros quadros revolucionários provados em décadas de luta, era nominalmente atacado pelo PCUS, acusado de "prática antipartido" por haver denunciado e rompido com o grupo revisionista de Luiz Carlos Prestes.
O Partido Comunista do Brasil se integra à tormentosa batalha em defesa do Marxismo-Leninismo e Grabois se encarrega de formular a Resposta a kruschov, publicada como documento do Comitê Central em 1963.
Ali, Grabois questiona "que poderiam fazer os verdadeiros revolucionários? Não lhes restava outro caminho senão reorganizar o Partido Comunista do Brasil".
Na sequência, defendendo os princípios do Marxismo-Leninismo, a Revolução de Outubro e o significado do PCUS, partido de Lênin e Stalin, para a revolução mundial, Grabois desenvolve uma crítica avassaladora:
"Para os revolucionários brasileiros é verdadeiramente chocante que tais ataques procedam justamente de homens que estão à  frente do Partido fundado por Lênin e que, no curso de sua história, combateu implacavelmente os oportunistas e apoiou com decisão, em todas as circunstâncias, os revolucionários. Educados como comunistas no exemplo do Partido Bolchevique, sempre vimos na União Soviética uma base poderosa do movimento revolucionário mundial. Por isso não podemos aceitar a conduta daqueles que, na direção do maior país socialista, renegam as gloriosas tradições do bolchevismo e apóiam abertamente os revisionistas em todas as partes do mundo.
(...) A América Latina é cenário de uma guerra surda entre o imperialismo ianque e as massas populares. Por isso, somente a luta mais enérgica, em particular a luta armada, pode abrir o caminho da emancipação aos povos oprimidos deste Hemisfério.
(...) Os verdadeiros revolucionários não podem aceitar as palavras de Kruschov que embelezam o imperialismo dos Estados Unidos."
Com o desenvolvimento da luta no seio do Partido Comunista do Brasil, seus mais destacados dirigentes, notadamente Pedro Pomar, se acercaram do pensamento Mao Tsetung, como se referia à época aos aportes do maoísmo ao Marxismo-Leninismo.
Com decisão da deflagração da Guerra Popular no Brasil, Maurício Grabois transferiu-se para o campo, onde assumiu o posto de Comandante Militar das Forças Guerrilheiras do Araguaia. Sexagenário, o comandante comunista transbordava vigor e otimismo revolucionário.
Em 1° de agosto de 1972, primeiro ano de combates nas selvas do Araguaia, em uma página de seu diário, ele fez um resgate histórico sobre essa data, entre outros acontecimentos, Grabois destacou:
"Também a 1º de agosto, comemora-se o 45º aniversário do Exército Popular de Libertação da China. Em 1927 levantavam-se contra Chiang Kai-Shek unidades militares de Nanchang, que se uniram aos camponeses da Revolta da Colheita de Outono, chefiada por Mao Tsetung, e aos mineiros rebeldes de Anuiang. Surgiu um exército de novo tipo, profundamente ligado ao povo e dirigido pelo Partido Comunista. Desde então o EPL realiza notáveis façanhas. Foi fator decisivo para derrotar os invasores japoneses e para tornar vitoriosa a Revolução Chinesa. Hoje, é o mais forte sustentáculo da Revolução Mundial. Todos os revolucionários autênticos têm profunda admiração pelos combatentes do EPL. Este se forjou e se desenvolveu na guerra de guerrilhas até se tornar um poderoso exército regular. Seus chefes e, em especial, Mao Tsetung são consumados mestres da guerra popular.
Por tudo isso, nós, que nos encontramos lutando nas selvas do Araguaia, usando a tática de guerrilha, inspiramo-nos nas gloriosas tradições de luta do Exército Popular de Libertação. Chegará também o nosso dia, em que, de pequenos grupos de guerrilheiros, nos transformaremos em poderosa força armada regular. Viva o 45º aniversário do EPL."